Amor de amigo



- Chegou tarde hoje – indagou meu pai assim que passava pelo corredor que dava para o meu quarto. Ele estava em seu escritório improvisado – Onde estava mocinha?


Como eu ia contar para o meu que fui para um bosque no meio do nada com o Dylan? Por mais que eu contasse a verdade ele não iria acreditar em mim. Eu detestava mentir pro meu pai, mas detestava mais ainda seus julgamentos precipitados.


- Eu só estava... – acontecimentos convincentes. Procurei em minha mente desesperada por eles – terminando as tarefas da semana com... – alguém! Parecia que todo mundo fugiu da minha mente – Ellen.


Meu rosto enrijeceu de tensão. Tentei relaxar minha expressão, parecendo tranqüila. Apesar de não ter feito nada de errado. Julgamentos precipitados. Se eu contasse ia sair em confusão, e eu não queria discutir com meu pai.


- Er... – arfei – E você? Não foi trabalhar hoje? – mudei de assunto.


- Não – ele voltou os olhos para o notebook – Só tem alguns projetos pra eu elaborar, então resolvi fazer em casa mesmo. É mais sossegado – ele olhou para mim e sorriu.


Agora ele já se concentrara em seu projeto novamente. Ufa! Corri pro meu quarto e me joguei na cama.


“Eu fui pra um bosque esquecido, atrás da escola, com o Dylan”


“O quê?!”, ele sobressaltaria. “Você com um menino no bosque! Pra quê, hein?”, ele conjeturaria. “Você perdeu o juízo? Você não entende a mente dos garotos dessa idade!”.


Além dessa, eu pensei em todas as outras situações trágicas que meu pai faria. E, obviamente, eu ficaria de castigo por tempo indeterminado.


O silêncio predominava meu quarto, a não ser minha respiração que ressoava constante.


De repente eu comecei a ouvir gritos.


Pensei que fosse um surto de minha mente fértil.


Os gritos pareciam vir da casa do Dylan. As vozes eram do Dylan e do pai dele, Edgar. Reconheci as vozes pelo timbre. Nunca vi o Dylan gritar desse jeito – só às vezes quando ele gritava meu nome do outro lado do pátio. Mas os gritos eram de fúria. Eu só ouvia múrmuro. Nada legível, só múrmuro. Aquilo me deixou meio inquieta.


Eu suspirei. Talvez eu só tivesse fazendo tempestade em copo d’água. Tentei pensar em outra coisa... Mesmo assim eu ainda estava perturbada.


Meu celular vibrou me livrando da minha inquietude importuna.


- Alô? – eu não tinha esse número na minha agenda.


- Angie!


- Jerry – eu disse entre um sorriso ao reconhecer sua voz.


- Eu to livre hoje. Se você quiser vir aqui pra...


- Claro! – respondi sem que ele terminasse a frase – Eu também não tenho nada pra fazer agora, então... Já to indo.


Ele soltou uma risada.


- Ta bem Ann. Tchau.


- Tchau – desliguei.


Assim que me levantei da cama percebi que precisava de um belo banho. Eu estava meio imunda de poeira e cheirava a folhas e galhos secos.


Tomei banho, me arrumei e desci correndo. Quando cheguei ao meio da escada, hesitei. Acho que estou esquecendo alguma coisa... Ah, lembrei!


Subi de volta.


- Pai, eu vou à casa do Jeremy.


Mordi o lábio.


- Tudo bem, tudo bem – disse ele concentrado no seu “projeto”. Acho que nem ouviu o que eu disse.


Bufei e desci de novo.


Eu fui de skate mesmo. O pneu de minha bicicleta estava meio vazio e eu tava com preguiça de levar para encher.


Durante a trajetória até a casa do Jeremy – que eu não sabia muito bem exatamente onde era, mas tinha certo conhecimento vago – fiquei pensando em como ele conseguiu o meu número. Ellen! Só podia ser. Digamos que ela tem uma amizade – meio oculta – com o Jeremy.


Quando cheguei – bom, acho que cheguei. Eu sabia que era a rua, só não sabia qual era a casa. Era uma ruazinha curta. Só havia – em média – sete casas de cada lado. Eu parei no meio da rua e gritei: JERRY!


Eu estava meio consciente de que todas as pessoas daquela ruazinha iriam abrir o portão e olhar pra mim com aquela cara de como-essa-garota-é-maluca. Por sorte nada disso aconteceu. Meus olhos corriam pela rua, esperando que alguém abrisse o portão. Até que enfim! Ele estava no portão me esperando, sorrindo e com os olhos claros brilhantes.


- Oi.


- Oi – respondi meio sem graça.


Ele estava sem camisa. Fala sério! Eu convivo com um garoto dês dos seis anos de idade e ainda não me acostumei de ver ninguém da espécie dele sem camisa.


- Isso te incomoda? – perguntou-me ele gesticulando para o peito nu.


- Não – menti. Ou eu realmente não estava incomodada, só foi uma surpresa. De novo.


Ele sorriu e entrou. Eu segui os seus passos até a sala – ele deve ter ido ao quarto, sei lá. A mãe dele estava sentada no sofá, ela girou um pouco a cabeça para me olhar.


- Boa tarde Srª Nobless – disse sorrindo simpática.


- Boa tarde Ann – ela sorriu – Só Samanta, por favor – corrigiu-me ela.


Eu sorri e assenti. Depois o Jeremy voltou vestindo uma camisa branca de mangas curtas que realçavam seus músculos e com uma pilha de papeis na mão. Arregalei os olhos de pavor. Eu vim para estudar e não para ser torturada!


Ele olhou para minha expressão de pânico e riu.


 - Calma. Os outros papéis são para rascunho – disse ele desfolhando as pilha de papéis em suas mãos. Eu vi que realmente os outros papéis, que estavam em baixo, estavam em branco. – Vamos? – disse ele já na soleira da porta da cozinha, que dava para uma varanda atrás da casa.


Eu fui e me sentei vagarosamente em uma das cadeiras madeira envernizada que ficavam em volta de uma mesa redonda do mesmo material. Admirava o jardim que havia atrás da sua casa. Um canteiro com flores de jasmim, duas árvores frutíferas – uma goiabeira e uma bananeira – e a grama verdinha, com borrifadores de jardim que espirrava água para todos os lados em uma seqüência dançante.


Jeremy sentou-se ao meu lado colocando a pilha de papéis brancos num lado e entregando-me apenas duas folhas de papel. Ele me entregou um lápis e começou a me explicar tudinho um pouco diferente o que o professor explicara na aula – talvez por falta de atenção de minha parte –, mas o jeito que ele explicava fazia com que a coisa toda parecesse mais simples.


Primeira tentativa: errado.


Segunda tentativa: quase lá.


Terceira tentativa...


Eu deslizei o papel sobre a mesa para ele.


- Eu acho que é assim – disse vacilante.


Ele analisou os meus enormes cálculos com cautela. Ele coçou o queixo pensativo.


Eu ri.


- Ta parecendo meu professor.


Ele riu, mas ainda matinha os olhos nos meus cálculos.


Fiquei tamborilando os dedos na mesa enquanto esperava.


Ele me passou o papel e segurou os meus dedos que tamborilavam inquietamente.


- Ta tudo certinho – ele sorriu.


- Ufa! – suspirei de alívio.


- Mas... – hesitou ele, fingindo decepção.


- Mas o quê?


- O resultado fica em negativo.


Olhei pro papel e vi que realmente tinha tido esse erro insignificante e ridículo.


- Eu pensei que demoraria mais – disse ele se recostando a cadeira, assoviando, só pra me irritar.


Eu taquei a borracha no braço dele murmurando um “palhaço” e nós rimos.


- Eu tive um bom professor – disse.


Ele sorriu e de repente levantou-se da cadeira e foi pro jardim. Ele pegou uma bolinha coberta de veludo nas mãos, uma bola de tênis.


- Vem cá – chamou-me ele jogando a bolinha contra o muro, a mesma voltara para suas mãos e ele jogara de novo, distraidamente.


Eu parei ao lado dele e apanhei a bolinha de veludo antes que ela voltasse às mãos dele. Joguei-a contra ao muro e ele a pegou antes que ela chegasse a mim. Daí nós nos distraímos nisso.


- Você namora? – perguntou-me ele.


- Não – respondi. – E você?


- Também não.


Ele soltou uma risada leve e de repente se virou para mim, abraçou minhas pernas e me colocou em seu ombro com certa facilidade, me deixando de cabeça para baixo. Eu gritei pelos movimentos inesperados. Nós rimos. Eu, de olhos fechados por que ele rodava e aquilo me causava tontura. Depois ele me deitou na grama, deitando-se ao meu lado e apoiando minha cabeça em seu braço. Nós ainda riamos. Minha barriga parecia que ia explodir a qualquer momento de tanto que eu ria.


- Não faça mais isso – disse tentado ser severa, tentando reprimir o riso.


- Ah. Eu fui um menino mau? – ele disse olhado para mim com um beicinho, com os olhos inocentes de culpa.


Eu ri baixo.


- Sim, e merece ser castigado – disse enquanto me virava; se inclinando pra ele.


Nós dois riamos baixo.


Seu rosto aos poucos foi tomando uma expressão séria, até que ele encarava meus olhos. Percebi que meu rosto estava a centímetros do dele. Eu não conseguia me mexer, estava presa em seus olhos.


- Jeremy! – gritou a mãe dele de dentro da casa.


Finalmente consegui me libertar.


- Já vou mãe.


Eu já me levantara, limpando meu short que estava meio sujo de grama molhada. Ele se levantou logo depois de mim.


- Já vai? – sua voz agudava em aflição.


- Eu tenho que ir – disse de cabeça baixa.


- Tudo bem. Então... A gente se vê amanhã?


- Claro – prometi.


Ele sorriu.


Eu não queria ir, eu precisava ir. Eu não queria que ele também fosse uma paixão superficial. Ele me distraia e eu me sentia bem perto dele. Ele me fazia rir e me irritava ao mesmo tempo, agora, com o seu assovio petulante. Talvez essa boa sensação seja apenas um amor amigo. Acolhedor e compreensivo.

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