A décima terceira
Eu e o Dylan fomos embora juntos. Quando cheguei em casa vi que meu pai ainda não tinha chegado do trabalho. Resolvi adiantar algumas coisas para o jantar, depois subi pro meu quarto pra ver TV, poderia ver na sala, mas fui pro meu quarto na esperança de ver Dylan, de novo. Mas não o vi. A janela de seu quarto estava fechada.
Depois de algumas horas ouvi alguém abrir a porta, e logo em seguida fechá-la, desci pra ver quem era. Dãã! Só podia ser meu pai.
Meu pai sorriu me abraçando com um braço e dando um beijo em minha testa.
- Como foi a escola? – disse ele despejando sua bolsa no sofá.
- É, foi... normal. – respondi. O padrão “normal” da minha escola é esquisitamente-louco-como-sempre.
Ele foi pra cozinha, abriu a geladeira, abriu o armário de baixo da pia e o acima da pia, parecia procurar por alguma coisa.
- Eu adiantei a salada e refoguei o arroz.
- Então guarde na geladeira. A gente vai jantar fora. – disse ele.
- Onde? – disse sorrindo.
- No bar.
Sorri de novo e subi correndo pro meu quarto para pegar meu casaco. Vi que desta vez a janela do quarto do Dylan estava aberta, por um momento parei na esperança de que ele aparecesse do nada e sorrisse pra mim, mas não apareceu, respirei fundo e sai do quarto.
Meu pai já tinha pegado o casaco dele e estava na porta me esperando, eu sai já parando no lado do carro e ele trancou a porta de casa, ele entrou no carro e deu a partida, eu já estava lá dentro. O carro já virava a esquina quando resolvi ligar o rádio e procurar uma estação, parei na estação que estava tocando uma música que eu já ouvira do Nickelback. Eu e meu pai não éramos muito diálogo, mas ele era divertido silenciosamente quando apertava meu nariz e de alguma forma compulsiva me fazia rir.
O bar que nós fomos não era um bar com bêbados na porta, era uma espécie de restaurante pequeno, com mesas e cadeiras de madeira vernizada, uma luz baixa que deixava o ambiente calmo e um balcão onde se preparava as bebidas batidas.
Nós sentamos em uma mesa do canto, logo depois veio a garçonete com o cardápio. Meu pai olhou tudo em volta, parecia procurar por alguém, olhou o relógio e tornou a olhar todo o lugar, e quando os olhos dele passaram pela porta ele sorriu, segui os olhos dele para ver quem era e vi uma moça que vinha em nossa direção, ela era morena, tava toda bem arrumada, os cabelos lisos.
Ela sentou-se à mesa onde estava eu e meu pai como se isso fosse tão natural e tão normal como respirar. Fiquei meio que boiando com a situação. Olhei pra cara dela, e depois, com um toque de fúria e desentendimento, olhei para o meu pai a fim de que ele dissesse alguma coisa. Como uma mulher chega do nada, se senta ao nosso lado do nada, sorri para a gente do nada como se já nos conhecêssemos do nada?
- Bom – meu pai começou a falar –, essa é a Viviane. – continuei olhando para ele ainda sem entender. – Viviane, essa é a minha Angie que eu te falei, Angellyne.
- Nhá, que linda! – disse ela toda sorridente pra mim, que cínica – De quem puxou esses olhinhos? – ela tinha uma voz azeda e irritante.
- Da minha mãe. – disse secamente.
Ela percebeu que eu não estava nem um pouco confortável com aquilo tudo, ela fechou o sorriso e olhou para o meu pai.
- Então, já disse a ela benzinho?
“Benzinho”? Érc!
- Dizer o que?! – exclamei.
- Sabe filhinha – detestava quando meu pai me chamava de filhinha nessas situações, já tinha a prévia exata do que ele ia me falar –, eu e a Viviane estamos pensando em futuramente nos casar, por enquanto estamos nos concentrando no noivado, e bem depois o casamento.
- Sabia – murmurei – Ta pedindo minha permissão agora?
Quando meu pai abriu a boca para me responder a garçonete chegou.
- Já decidiram o que vão pedir?
- Eu vou querer Ravióli. – disse meu pai a garçonete e logo depois voltou os olhos para Viviane.
- Tem alguma coisa light, sem caloria e sem carboidrato? – disse ela.
- Água. – murmurei, rindo num tom de petulância, meu pai me olhou com um olhar de sermão. Assenti mordendo meu lábio pra prender o riso.
Ela ignorou minha piada sarcástica e pediu uma tal de “Borsch”, não sei exatamente o que é isso, mas tem a ver com beterraba, na foto ilustrativa do cardápio era uma coisa roxa meio rosa e vermelho.
A garçonete e meu pai olharam para mim esperando que eu pedisse alguma coisa, eu cruzei os braços e encostei-me à cadeira sem dizer nada.
- Vai pedir algo Angie? – perguntou meu pai
- Não, to sem fome.
A garçonete anotou o pedido de Viviane e do meu pai e se retirou. Continuei naquele silêncio irritante por uns dez minutos, aquela coisa constrangedora, um olhando para o outro sem uma palavra, eu fuzilando meu pai com os meus olhos enquanto Viviane me azedava com olhar curioso dela. Logo em seguida chegou a garçonete com o prato de meu pai e outro da Viviane. Meu pai tornou a perguntar se eu queria algo e eu mais uma vez respondi que estava sem fome e que realmente não queria nada. Não por que a presença daquela mulher estava me dando náusea.
Depois de algum tempo eu levantei e disse ao meu pai que iria lá pra fora pra respirar um pouco porque estava meio enjoada. Eu fui para a varanda do bar, respirei fundo e fiquei pensando: quantas vezes eles saíram juntos antes de hoje? Bom, meu pai disse que estava saindo com uma mulher, que ela era simpática, mas eu pensei que fosse mais uma de suas amigas do trabalho, mal passava pela minha cabeça que ele estava pretendendo se casar com ela e logo depois de doze mulheres, ela seria a décima terceira. Pior! Treze é um número que dá azar, num é? Eu até poderia dar uma chance para a Viviane, mas sabe aquele velho ditado: a primeira impressão é que fica; eu nunca falhei em nenhuma das minhas primeiras impressões – exemplo: Katie –, com ela não seria diferente.
Depois de quase uma hora, eu ainda ali naquela varandinha, finalmente o meu pai me chamou para ir embora. Por culpa da irritante gentileza irrevogável do meu pai ele ofereceu uma carona para a Viviane até a casa dela, na verdade, até o prédio dela, ela disse que morava em um apartamento. O azucrinante é que a azeda da Viviane cismou de ir no banco do carona ao lado do meu pai. Qual é a dela hein? Como ela chega do nada e quer mandar até no banco carona. Banquei a menininha dócil e fui pro banco de trás. Não suportava o jeito que ela falava com ele, chamava-o de “benzinho”, “Betinho”, “Robinho”...
Eu nunca aceitei ver uma mulher com meu pai depois da minha mãe, eu praticamente não a conheci, mas meu pai me falava muito dela, inclusive dos meus olhos castanhos dourados mel que eram iguais ao dela. Também, eu sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, meu pai era um quarentão galã de fibra e forma.
Depois que meu pai deixou Viviane em frente ao prédio – vinte andares, luxuoso – nós fomos, finalmente, para casa. Aquela tinha sido a noite mais longa e chata de toda a minha vida. Antes de meu pai dar a partida no carro, eu sai para entrar novamente e sentar no banco do carona onde eu deveria estar o tempo todo, é claro que antes de sentar eu borrifei um bocado do meu perfume levemente adocicado no banco. Não queria o cheiro dela, de perfume italiano, aquela coisa azeda.
Aspirei ao meu próprio perfume, desde que ela entrou naquele restaurante eu num consegui sentir o cheiro de mais nada nem da comida, o que me enjoava era o cheiro dela.
- Preciso pedir sua opinião? – perguntou meu pai ainda com os olhos na estrada.
- O que você espera que eu responda?
Ele respirou fundo sem dizer nada.
- Foi muito de repente pra mim. – disse ainda sem olhar diretamente para ele – Faz muito tempo que você disse que estava saindo com uma moça, mas fazia tanto tempo que pensei que você ainda nem estivesse com ela.
- Se eu te dissesse antes você não iria ao bar comigo. – julgou meu pai
- Claro! – sobressaltei – Se você falasse que me levaria para jantar fora ao lado da mulher que você esta prestes a se casar... – eu estremeci – Quando ela chegou ali eu fiquei tão chocada que nem deu tempo de me reorganizar.
- Você poderia ser um pouco mais passiva. – disse meu pai com sua voz firme e calma
- Eu tentei. – um curto silêncio – Será que você pensou em como eu me sentiria?
Meu pai respirou mais fundo, agora parecia irritado.
- E você pensou em como eu me sentira sobre sua reação?! - ele sobressaltou, ainda com os olhos focados na estrada – Eu sei como você se sente, eu sei que você, em hipótese alguma, aceitaria outra mulher depois de sua mãe. Eu nunca vou me esquecer da Ho... – ele se interrompeu pensativo por um segundo – Marina – disse ele suspirando – Saiba que... – sua voz falhava – eu nunca vou conseguir amar uma mulher do jeito que amei sua mãe, Angie, apesar de tudo o que ela fez... – ele pausou e pigarreou mudando para uma expressão mais séria e descontraída ao mesmo tempo – Mas é porque sua mãe morreu que eu tenho que morrer junto com ela? Já se foram anos e anos de agonia, ou você acha que eu não sofri com a perda de sua mãe?
Ele bufou e eu permaneci calada.
Essas palavras me tocaram, tanto que num consegui falar mais nada durante, mais ou menos, meia-hora até chegarmos em casa. Uma coisa que me intrigou muito foi parte do “apesar de tudo o que ela fez”. Como assim?
Meu pai estacionou o carro, eu sai e ele saiu logo em seguida para abrir a porta de casa. Eu tirei meu tênis, o coloquei no canto e subi as escadas de dois em dois pra chegar mais rápido em meu quarto. Tirei minha meia com listras preta e rosa de 3/4 e a joguei em cima da cama, aquela meia era tão “emo”. Tirei meu casaco, fiquei só com o jeans e a blusa.
Deitei-me na cama com a intenção de relaxar e esquecer aquela conversa tensa com o meu pai. Eu olhei para o lado, a janela do Dylan estava fechada, e luz do seu quarto estava apagada, às 21h47min, provavelmente ele estava na casa da namoradinha dele. Sei que ele não dorme cedo. Sinceramente, eu não entendo isso, ele diz que ela é uma pessoa legal, mas a maioria das vezes que ele ficava triste era por culpa dela, ciúmes ou por frescuras dela, ela já terminou e voltou com ele umas três vezes, e depois de tudo, como ele ainda gosta tanto dela? O que ela tem de tão especial assim? O que ele vê nela que não vê em mim? Ela usa saias curtas e saltos altos, eu uso calça jeans e tênis. Ela é capitã de lideres de torcida e eu a idiota que fica nas arquibancadas que fica sonhando com o dia em que ele irá acordar e achar que o que ele estava procurando esteve bem aqui o tempo todo.
Talvez essa seja toda a diferença.
Estreitei os olhos para despertar de meus pensamentos e fui tomar banho pra dormir, já passava das 22h00min, a água do chuveiro tava tão quentinha que dava até pena de sair.
Ainda enrolada na toalha fui pro meu quarto, liguei o secador de cabelo – pra secar meu cabelo dãã –, depois coloquei minha típica roupa de dormir: uma camisa desbotada, short – ou calça de moletom quando o tempo ta frio. Entrei de baixo do meu edredom, fiquei pensando no Dylan, fiquei pensando no dia de amanhã, tava sem a mínima vontade de dormir de tão ansiosa, ver o seu rosto de novo, o seu sorriso, ouvir sua voz...
Pára!
Será que eu to apaixonada mesmo?
Dãã! Ta na cara!
Mas pode ser só empolgação. Quem num fica empolgada perto de um amigo todo lindo? Sempre sai faíscas.
Eu suspirei.
Dylan. Dylan. Dylan.
Voltei a pensar somente em seu rosto belo, sorridente e perfeito. A voz grossa, suave, grave e aguda, a voz perfeita... Isso me tirava do sono, mas eu estava tão exausta, então não adiantava lutar contra aos meus olhos que pareciam estar pesando mais cinqüenta quilos.
Cai no sono.
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