Tudo de novo
Eu nunca fui o tipo de garota que anda de mãos dadas com a sorte. Perdi minha mãe com dois anos, o garoto de que gosto esta namorando e sou a menina nada-popular da escola. Meu é nome Angellyne, tenho quinze anos e estou no 1º ano do 2º grau – ual, parece que eu estou preenchendo uma ficha de emprego. Minha mãe, Marina, morreu quando eu mal tinha a tal noção da vida, mas lembro que foi o pior período que vivi, mesmo com coraçãozinho pequeno, ele sempre foi intenso em emoções.
Lembro-me quando eu estava encostada na soleira da porta, roendo as unhas, ansiosa. Meu pai se abaixou até meu tamanhinho e com um dedo ergueu meu rosto dizendo:
“O que faz aqui nesse frio, abelhinha?”
“Espelando mãinha voltar”, respondi com os olhos grandes de esperança como se ela realmente fosse voltar; imagino o quanto aquilo apertou o coração do meu pai. Depois de um tempo me convenci de que ela não voltaria. Nunca mais.
Moro com o meu pai, Robert, trinta e oito anos – é feio revelar a idade de pessoas que já passaram ou ainda estão beirando os trinta porque ninguém quer admitir que esta chegando à terceira idade –, ele é o tipo normal de pai, ciumento e afetuoso, ele é bem legal, ele é todo galã, se veste bem, o melhor pai do mundo – pelo menos pra mim. De tão galã que ele é eu já até perdi a conta de quantas mulheres se candidataram a ser minha madrasta gentil e cruel.
Os outros da nossa família estão espalhados pelo continente, alguns moram na capital de Montreal, Ottawa, outros na Califórnia, San Francisco. Eu moro em Jacksonville, na Flórida, numa ruazinha que tem várias casas iguais, tipo um condomínio, mas aberto.
Quando meus pais ainda eram novos, eles resolveram se mudar para cá para ter um lugarzinho só deles.
O melhor da vizinhança é o menino que mora ao lado da minha casa – o tal menino que eu gosto –, o nome dele é Dylan, ele é meu melhor amigo desde que nós éramos crianças; pelo que me lembro desde que eu tinha uns cinco ou seis anos.
Como se fosse legal ser a melhor amiga de um garoto todo lindo, engraçado, fofo e que ainda te dá presente no dia do amigo – legal era, mas não era saudável. Eu detestava quando ele começava a falar da namorada dele, era impressionante o jeito que ele era cegamente apaixonado por ela. Uma magrela nojenta do tipo psyco-patty. O nome dela é Katie, a adorada Katie. A menina mais popular da escola também. Eles parecem um perfeito para o outro – o casalzinho mais lindo, perfeitinhos e populares da escola –, mas é só o que as aparências dizem, é só o que os nossos olhos vêem.
Eu sabia tanto da vida do Dylan que chagava a ser um pecado: suas músicas prediletas, suas cores preferidas, sua comida preferida, seus jogos preferidos... enfim, do que ele gostava e do que ele odiava.
***
Depois das férias de julho, já em agosto – você deve se perguntar por que a maioria de filmes, livros ou pequenas histórias de romance ou aventura adolescentes começam na escola. Bom, é porque volta às aulas é quando você reencontra seus amigos e volta àquela rotina de acordar cedo e tal. E quando você esta de férias é como se você estivesse desativado do mundo real e entrasse para o mundo de total preguiça e lazer. Muita gente viaja, muita gente fica em casa então é bom contar a história com todo mundo juntinho, de volta às aulas.
Acordei bem cedinho nesse dia pra dar tempo de fazer tudo com calma, levantei e fui tomar banho e escovar os dentes. Ainda enrolada na toalha com os cabelos molhados fui para meu quarto me vestir. Depois de quase pronta ainda com os cabelos molhados, abri a metade da cortina e vi que a janela do quarto de Dylan – que fica de frente para o meu – estava aberta, então abri a minha também. Não demorou muito e apareceu ele, só de calça jeans, sem camisa. Eu deveria me acostumar, o quarto dele sempre foi de frente para o meu, mas aquele físico moreno e esportivo era irresistível. Quando ele olhou para mim, deu um sorriso, e eu logo retribuí, ele se abaixou para pegar uma coisa: o caderno de desenho que ele nem usava mais nas aulas. Escreveu e depois o levantou o caderno para me mostrar:
Peguei o meu caderno de desenho também, e escrevi em resposta:
Foi a minha pior resposta.
Ele sorriu.
Ele fala de um jeito... como se eu morasse em outro mundo.
Uma coisa meio louca, mas nós fazemos isso desde que nós éramos crianças, é uma forma prática e econômica de se comunicar em mínimas distâncias, só gastava dinheiro com pilotos hidrográficos e cadernos.
Acabei de me arrumar e desci para tomar café. Meu pai já tinha acabado e já estava na sala, sentado no sofá vendo a primeira edição do jornal da manhã.
- Bom dia abelhinha.
- Bom dia pai – disse já abrindo a geladeira.
- O café ta na mesa.
- Não to com muita fome. – fechei a geladeira e peguei a maçã que estava em uma cestinha de frutas em cima da mesa. Assim que dei a primeira mordida a campainha tocou, com certeza era o Dylan.
- Já to indo pai.
- Tchau abelhinha.
Quando sai, Dylan estava de costas para o portão olhando pro céu do amanhecer, ele me ouviu batendo o portão, olhou pra mim, sorriu – aqueles olhos azuis e aquele sorrisinho torto super tudo – e me abraçou.
Tomamos o caminho para escola um do lado do outro conversando sobre tudo que fizemos nas férias, já que ele foi para Vancouver e eu para San Francisco.
Sobre o que ele me contou, as férias dele foram bem mais interessantes que a minha, então eu deixei ele falar. Tipo, as férias dele foram bang e boom e as minhas foram um simples tilim. Quando finalmente ele deu uma pausa para respirar eu perguntei.
- E sua namorada?
- Ela disse que não vai vim.
- Por quê? – como se eu me preocupasse.
- Ela não gosta do primeiro dia de aula, ela diz que é muito alvoroçado. “É muita gente pra lá e pra cá esbarrando em mim” – a tentativa de ele fazer a voz horrorosa dela me fez rir – Você sabe, a Katie é meio enjoadinha – ele riu –, talvez ela venha amanhã.
Eu fiz uma careta.
- Hmmm... Nojinho – falei baixinho. Ele sabe que eu nunca fora amigável com a namorada dele.
Ele me fuzilou com os olhos e eu abaixei a cabeça.
- Angie, você sabe que eu também nunca gostei dos seus namoradinhos – falou ele, como se fosse um sermão.
Eu suspirei.
- Mas para sua sorte, eu nunca tive sorte com meus namorados – murmurei.
- Todos os três?
- Hey! Quando você vai a uma festa eu não pergunto quantas garotas você “pegou” – sobressaltei.
Ele riu.
- Porque você sente ciúmes – disse ele sorrindo maliciosamente e depois me jogou um beijinho.
Eu bufei. Deixei essa passar.
Uma das piores coisas entre mim e o Dylan era isso. Nós discutíamos por asneira, mas na maioria das vezes sempre terminava em brincadeira.
Chegamos à escola, e encontrei aqueles mesmos rostos. Pelo jeito o dia não seria tão entediante assim. Entramos em sala e o professor já estava lá, com metade da sala cheia esperando mais alguns alunos chegar.
Ele começou a aula depois de uns dez minutos quando já tinha chegado quase todos.
E o meu primeiro dia na escola depois das gloriosas férias de julho foi um tédio, isto é, normal. No intervalo, Dylan estava conversando com os amigos dele. Dylan parecia tão entretido entre os amigos que se esqueceu de mim. Eu não posso dizer nada também, passei o intervalo todo tagarelando com a Ellen, minha colega de sala e melhor amiga. Ela tinha os cabelos curtos picotados, lisos e castanhos avermelhados. Eu estava sentada em um dos bancos do pátio com o mp4, com o fone apenas em um ouvido, o outro estava reservado para ouvir as piadas e os micos de Ellen, e é claro, ela também falava muito do Gustav Shäfer – guitarrista do Tokio Hotel –, ou como preferir, o bebê gordinho dela – seu eu revelar isso para alguém, ela me mata.
Depois de duas longas aulas de biologia e logo depois educação física, finalmente a hora da saída, Dylan me chamou pra ir não sei aonde com ele. Eu fui; acho que podia confiar no meu melhor amigo. Ele estava indo para a pequena floresta fechada que tem atrás da escola; a gente só vai lá quando a professora de biologia quer caçar plantas medicinais, até que é divertido, mas raramente ela faz esse tipo de “excursão”.
Ele seguia uma trilha, eu ia ficando pra trás, meio perdida pra passar entre os galhos.
- Parece meio enrolada. – disse ele enquanto eu tentava desviar de alguns galhos.
- É, nem sei por que aceitei vim.
- Porque você não consegue viver sem mim, admita. – brincou ele rindo. – Vem cá que eu te ajudo. – disse ele segurando minha mão.
Depois de a gente andar um bocado ele parou num campo, o lugar era todo lindo, a luz do sol tentava atravessar entre as folhas das árvores que abraçavam o campo com as sombras fracas, as flores silvestres de cor laranja, azul e rosa situadas em grandes arbustos. A professora nunca nos trouxe aqui em cima.
Ele sentou em um tronco caído com uma expressão pensativa enquanto olhava a linda paisagem, e eu sentei no lado dele.
- Então, o que viemos fazer aqui? – disse ele.
- Não sei. Eu segui você.
Ele riu pegando o violão que carregava nas costas e pôs no colo dele.
- Eu venho mais aqui para tocar, porque aqui é o lugar mais quieto e isolado da escola. – depois de um curto silêncio pensativo, ele deu uma nota, ainda de cabeça baixa para o violão marfim – Você é a primeira garota que eu trago aqui.
Quando ele falou isso eu sorri automaticamente, me senti lisonjeada. Não consegui falar nada, só olhava para ele. Depois de alguns segundos despertei-me da minha paixonite aguda e mudei meu sorriso para uma expressão mais séria.
- E a Katie?
- Ela não gosta de mato – ele fez uma careta.
Eu ri.
Nossa! Que garota chata, pensei. Coitada, até pode ser alergia a mosquito, mas ela tem alergia até a própria respiração. Já tive vontade de perguntar por que ele não termina com ela, ela só pensa nela. Sabe como é essas lideres de torcida metidinhas, que são todas cheias de não-me-toque. Mas a questão certa é: Será que ele não se toca? Será que ele não vê que a única garota que o entende, a única que esta no lado dele pra tudo e a única que o manteve aqui durante tanto tempo sou eu? Tudo bem, eu não quero me gabar, mas, fala sério. Esses homens são impossíveis de entender.
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