Capítulo 4
Capítulo IV
Flashback – Último semestre do último ano
Local: Drayton Manor High School – Aula de Matemática Avançada
Horário: 13:33h
Quando: 02/FEVEREIRO - terça-feira
Havia muitos momentos em que Lily se permitia ser uma garota normal. Com Jene, às vezes, isso acontecia. A ruiva já tinha dormido na casa da amiga algumas oportunidades e isso lhe deixava incrivelmente relaxada, fazendo-a apenas se divertir com as séries adolescentes bobas que Jene assistia e a admitir algum tipo de segredo a ela. Jene brincava que Lily era “brancolorida”: pura por dentro, mas animada por fora. Ao menos, queria passar uma imagem de animada, coisa que não dava muito certo, principalmente porque estava convencida de que, apesar do cabelo ruivo e vivo, existiam muitas meninas muito mais divertidas e interessantes ao redor. E não que não fosse mentira, mas Jene não deixava de pensar que a amiga precisava de algum tipo de apoio emocional, como um psicólogo. Lily, ninguém podia negar, tinha auto-estima baixa. Sempre acreditava que ninguém nunca a notaria como menina e que nunca seria importante para alguém.
Mas esses tempos estavam acabando. Não que ela pressentisse, mas sabia que tinha alguma coisa muito esquisita entre ela e James. Algo que não conseguia explicar. E, com certeza, não queria saber, porque tinha certeza de que, fosse o que fosse, entraria em pânico. Odiava sair da rotina, sentir algo proibido e ter muita intimidade com qualquer um.
Fazia duas semanas que Lily e James se esqueciam de prestar atenção na Sra. Kobe e apenas ficavam se olhando, mesmo que estivessem lado a lado. Lily ria com as mãos na boca todas as vezes que James imitava silenciosamente a professora e inventava de se comunicar com a menina por bilhetinhos. James tinha um dom incrível para fazê-la esquecer de onde estava. O que, algumas vezes, deixava-a envergonhada, pois nunca quis ser aquele tipo de aluna que não sabe se controlar ou que tem problemas de atenção. Ela, na verdade, era o exemplo exaltado pelos professores e orgulhava-se muito disto. Adorava ser a menina certinha, ainda que somente tivesse uma amiga.
Naquela tarde, o monólogo da Sra. Kobe engolia a todos. Ela, com aquela sua voz rouca e com a sua tosse incessante, dominava e entediava a todos com uma facilidade cuidadosa. Até mesmo os alunos que apreciavam matemática admitiam que a professora não era a das mais interessantes. Lily há muito já se desprendera da explicação e dos cálculos. Mirava a lousa negra com peculiar abnegação, embora fingisse atenção, com uma de suas mãos sustentando seu queixo. James estava inquieto: não suportava mais estar na frente de números; queria estar longe dali, em algum lugar que estivesse somente com Lily. Não sabia por que ansiava a colega, mas sentia uma excitação muito diferente sempre que estava ao seu lado.
Quase desejando estar podendo cochilar, resolveu tirar das costas a pergunta que estava querendo fazer a Lily desde a tarde do dia anterior. Pegou sua caneta verde e apenas escreveu, sem se sentir estranho ou acanhado:
Oi. Você quer ir a uma festa comigo na sexta à noite?
A princípio, olhou a garota de canto de olho, somente para notar a sua reação ao ver o papelzinho deslizando para perto de seu cotovelo. Lily, assim que sentiu a cotovelada leve de James, olhou para ele, questionadora (e um pouco sonolenta). Ele fez sinal para que ela olhasse para o tampo da mesa. Lily seguiu os olhos de James e se deparou com o bilhetinho. Seu peito foi preenchido por uma sensação gelada, como se acabara de levar um susto; então seu coração acelerou. Não pôde deixar de ficar espantada com a pergunta: festa nunca tinha sido com ela. Nunca tinha comparecido a nenhuma festa dos populares. Nenhum popular a tinha convidado, até ali. Tornou a bater seus olhos em James. Ele meramente lhe sorriu sem jeito. Lily caçou uma caneta e prontamente escreveu abaixo:
A que horas é a festa?
James, por uma fração de segundo, achou que a menina respondera um “não” categórico, por isso, ao ler aquelas seis palavras desenhadas por Lily ergueu as sobrancelhas, aliviado.
A partir das nove. Eu a pego em casa.
Lily seriamente olhou ao redor, só para se dar conta onde estava. A Sra. Kobe ainda escrevia continuamente na lousa.
O que James estava pensando? Que ela era como as líderes de torcida?
Para mim está ótimo.
Assim que passou o papelzinho para a mão do garoto, achou-se uma idiota. Lily Evans em uma festa? Em que planeta?
James não conteve o pequeno sorriso que nasceu no canto de seus lábios. Agora, ele apenas tinha de inventar uma desculpa à namorada. Se iria buscar Lily em casa, iria sozinho. Kelly não devia estar no topo da lista mais. Fez essa anotação mental e buscou mais um pedaço de papel. Escreveu:
Oi, amor. Não poderei buscá-la na sexta à noite. Por que não fica em casa vendo a reprise de Os Simpsons? Eu amo você.
Kelly não mais cabia em seu coração. Havia algo que não se encaixava mais. James odiava descartar as pessoas – estranho, não? -, mas sabia que aquilo era necessário. E que Kelly jamais aceitaria aquilo. No entanto, com namorada se revolvia depois.
Guardou a mensagem no bolso, pretendendo colocá-la nas mãos de alguma amiga de Kelly.
Então, desviou os olhos da porta e sorriu para Lily. Ela não se incomodou em lhe devolver o sorriso.
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Narrado por: Lily Evans
Local: Prédio da revista Fifteen – 4º andar
Horário: 17:09
Quando: 28/AGOSTO – quarta-feira
A Kathleen podia repetir quantas vezes quisesse “Eu somente estou lhe ajudando. Não devia ter ficado brava!” por quantas horas achasse conveniente, mas eu jamais cairia na dela. Quer dizer, o que tinha sido aquilo? Eu nem estava pretendendo retornar àquele restaurante! Não me entenda errado, eu adorei a comida, mas ele se localizava bem mais longe do que o nosso costumeiro ponto de almoço, o Bella Pizza. E se eu soubesse que o dono era o James, nunquinha que pisaria lá! Mas provavelmente era isso o que desejava quando me escreveu aquela segunda carta, sugerindo o seu próprio restaurante. Que idiota que fui! Não acredito que tinha caído na dele! E pior: caíra também naquela coisa de “almoçar” com ele. Ah, mas eu estava odiando tanto a Kath! Ela não tinha o direito de fazer aquilo! Espere, e ele? O James somente CONCORDARA. Não disse nada do tipo: “Não quero lhe atrapalhar, Lily”, ou então: “Tenho muito o que fazer, e aposto como a Lily também”. Não. Ele apenas disse “Bela idéia”. Ah, sim, era mesmo uma ótima bela idéia. Uma ótima bela idéia eu me atirar pela janela da minha salinha, isso sim.
Mas, bom, por mais que eu gostaria de me jogar do quarto andar, não pude. Ainda tinha todo o fechamento do Layout da maioria das páginas ainda não concluídas da revista, o que dava umas quarenta. E isso, se você pensar bem, considerando que eu não recebia ajuda nem aumento de salário por entregar tudo no prazo, era muita coisa. Sem contar que eu queria recuperar o conteúdo que tinha mandado para a Maggie e reescrever. Margareth tinha dito que eu poderia reescrever se precisasse. Por mais que, como ela disse, ninguém se interessasse tanto assim por calcinhas e sutiãs. Só que então, se Maggie pensava assim, dava para ver que nunca fora uma adolescente normal. Porque se tivesse sido, diria que toda menina se importa sim com sutiãs e calcinhas (principalmente sutiãs, sabe como é, para aquelas ocasiões especiais). Mas era como eu imaginava: Margareth nunca tinha sido uma pessoa normal. Não com toda aquela rudez e tenacidade. Acho que homem nenhum a agüentava. Normalmente nem eu a suportava, então, o que dizer de um homem?
Depois de voltar daquele almoço conturbado, não consegui sair de minha mesa. Tinha que estar com os olhos apenas na tela do computador à minha frente. Não podia dizer que o meu trabalho não era cansativo; muitas vezes eu levantava tonta da minha cadeira acolchoada. Max, a toda hora, me dizia que não era de se surpreender se algum dia eu viesse a descobrir que estivesse ficando meio cega de tanto encarar aquela tela. Contudo, eu amava o que fazia. Amava, ainda mais, as minhas colunas. Lá, não ficava ocultada por florzinhas ou carinhas felizes que decalcava nas páginas. Na página 34 – a minha página – eu era apenas eu: Lily Evans. Tinha muito orgulho das minhas palavras. Não diria que eram as melhores, isso nunca. Tinha muita gente competente ali no prédio trabalhando duro para ser notada e para continuar a ter estabilidade financeira. Porém, Kath sempre me dizia que adorava os meus assuntos, o modo como eu redigia, e o modo como me expunha. Afirmava quase todas as semanas – e especialmente em todos os dias de encerramento de edição -, que eu era a melhor de todas. E eu nunca me senti estimada ali dentro. Claro que eu tinha consciência de que se não fosse, ao menos, boa não teria sido contratada por Margareth, porém, ainda assim, sempre que acabava alguma coluna sentia que podia ter me empenhado mais, que poderia ter escrito de forma diferente. Não sei, aquilo provavelmente era o que a Kathleen chamava de “auto-sabotação”. Mas o que eu podia fazer se não achava que estava dando o meu melhor? Ou até podia ser que eu pensava daquele modo pelo fato de que Max nunca comprara uma Fifteen para ler alguma de minhas colunas nem tinha dado ao trabalho de passar os olhos nas primeiras páginas do meu livro, “Milhões de Corações Sorrindo Pelo Ar”. Talvez eu tivesse algum tipo de problema.
- Evans, enviarei a sua coluna por e-mail – Margareth estava passando pelo corredor, e como eu quase nunca fechava a porta de minha sala, decorada com os personagens da Disney, como o Pluto e o Pato Donald, ela tinha colocado a cabeça para dentro e dito rapidamente. Final de mês era sempre um caos. Principalmente em dia de fechamento.
- Tudo bem, é melhor mesmo – eu disse de olho na tela do computador.
- Sabe que não é seguro querer reescrever suas colunas no último dia, não sabe? – Maggie me perguntou com aquele ar durão de sempre.
- Pense que é somente uma revisão, ok? – ergui meu queixo por causa de seu tom. Ela estava cansada e surtada – Não a mudarei muito – prometi.
- Assim espero – ela ajeitou os óculos cool e suspirou – A Mandy precisa dela, no máximo, daqui a duas horas, para a revisão definitiva.
- Certo, tudo bem – assenti – Correrei e entregarei tudo corretamente.
- Ótimo – Maggie falou arduamente. E seguiu até a próxima sala. Eu sabia que ela estava averiguando cada pedacinho da nova edição. Nada nunca poderia sair dos eixos.
Eu sabia que aquele dia seria longo. E só sairia de minha sala depois das dez da noite. Ainda bem que Max não estava na cidade, porque caso contrário receberia telefonemas dele de hora em hora, exigindo saber quando Maggie me deixaria livre para voltar para casa.
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Narrado por: James Potter
Local: Spring Restaurant
Horário: 14:09h
Quando: 28/AGOSTO – quarta-feira
Era lógico que Hannah não deixara de entreouvir a minha conversa com Lily e Kathleen. Após elas terem deixado o meu restaurante – Kathleen cantarolando; Lily alterada e aborrecida -, eu tinha voltado a prestar atenção aos meus afazeres. Ou melhor: eu tinha tentado voltar a prestar atenção. Isso porque Hannah, como sempre, tinha de me interromper. Para uma aprendiza de psicóloga, ela não tinha nenhum pingo de tato.
Ainda folheando revistas, já que o fluxo de clientes tinha diminuído, perguntara-me:
- Então? Era ela?
Arqueei as sobrancelhas, confuso.
- Hum? – perguntei.
- A ruiva – ela indicou a porta, por onde Lily tinha entrado e saído, mais cedo – Era ela?
- Hum, a Lily? – devolvi.
Eu e Hannah estávamos trabalhando há quase um ano juntos. Ainda que tivéssemos a diferença de três anos, isso não parecia. Claro, Hannah era muito parecida com as outras universitárias de vinte e um anos: amava uma balada no fim de semana, conhecia muita gente e sabia onde levar qualquer um pela cidade, pois já tinha estado em cada canto dela. Mas possuía uma habilidade pouco desenvolvida entre os membros das fraternidades (de acordo com Hannah): a competência. E eu achava que ela era tão aplicada do modo que era porque não tinha deveres para com ninguém. Seus pais continuavam em Dorchester e não existia nenhum namorado fixo ou de longa data. Acho que ela tinha muito foco. O que facilitava a sua atenção em nossos assuntos conversados a esmo.
Realmente já tinha perdido a conta de quantas vezes já tínhamos falado sobre Lily. Hannah adorava conversar sobre isto. Dizia que era como ler algum romance inacabado ou acompanhar algum filme água-com-açúcar. E, eu tinha certeza, ela esperava o final feliz, como todas as mulheres românticas.
- É – assentiu curiosa. Ansiava pela resposta.
- Ah – eu falei bobamente, mirando-a com a testa franzida – Sim, aquela era a Lily.
E Hannah só faltou pular como o Tambor, o coelhinho amigo do Bambi.
Veio quase correndo para o meu lado, toda serelepe.
- Ah, meu Deus! – exclamou, com as mãos na boca – Como assim? – exigiu saber.
Ok, isso não contara a ela. Sobre a volta de Lily, quer dizer.
- Bem, ela voltou de Liverpool – dei de ombro, despreocupado.
- E você não me contou? – sua expressão estava chocada.
Eu apenas ri.
- Desculpe – pedi.
- Quando foi isso? Quando ela voltou?
- Não sei ao certo. Encontrei-a há quase três semanas, lá no restaurante do lago – falei.
- Ai, meu Deus – disse novamente – Ela é um amor – declarou.
Ri descrente. Hannah se encantava com qualquer pessoa que fosse remotamente simpática com ela.
- É, ela é um amor – concordei balançando a cabeça.
- E então? – seus olhos ficaram mais brilhantes – Você almoçará com ela amanhã.
- Sim, tenho certeza de que ouviu esta parte – brinquei, fazendo-a rir.
- Você quer que eu feche o restaurante?
- O quê? – quase engasguei com a balinha de menta na minha língua.
- Ah, você sabe – ela riu, dando de ombros – Caso você queira criar um clima intimista.
Fiz uma careta para ela.
Meu Deus, às vezes eu achava que Hannah não era uma menina muito normal, sabe. Conseguia ser obcecada por detalhes descartáveis. Sem contar aquela vez que me contara que já assistira Simplesmente Amor mais de quinze vezes. Lembro-me de assisti-lo uma só vez. Com uma pessoa que não mais podia ter. Então, era uma lembrança um pouco dolorosa, e que eu tentava fingir que nunca tinha acontecido.
- Não quero criar clima intimista algum, muito obrigado – neguei agora seriamente surpreso – Nós iremos almoçar, não o que tem em mente.
- Você nem sabe o que tenho em mente, oras – ela riu.
- Ah, pode apostar que sei – falei – E não tem nada a ver com conversas agradáveis, mas com certeza envolve roupas jogadas no chão.
- Ah, isso é que você tem em mente – sua língua fez um barulhinho de desaprovação, mas eu sabia que estava se divertindo – Quanta maturidade, James – comentou.
Rolei os olhos.
Era Hannah quem, de fato, precisava de um psicólogo. Não eu.
- Espera, você acha que existe alguma possibilidade de isso vir a acontecer? – ela olhou para o teto, obviamente sonhando.
- O quê? – eu praticamente berrei. Ela era louca – É claro que não, Hannah! – como ela não disse nada, continuei: - Lily tem namorado.
- Ah, Jesus – ela lastimou – Isso complica um pouco as coisas.
Deixei que o ar quente de meus pulmões se infiltrasse em minhas fossas nasais lentamente. Hannah, como sempre, estava me irritando.
- Nada acontecerá – garanti - Nossas vidas tomaram rumos diferentes, ok? Nada de roupas jogadas no chão nem qualquer outra coisa. Somos adultos agora.
- E daí? – ela quis saber – Adultos não podem tentar conquistar a pessoa amada?
- Hannah – falei, cansado – Quando você tiver a minha idade entenderá tudo com maior facilidade – disse-lhe, esperando que com isso ela me largasse.
- É a sua chance – ela me lembrou.
- Não há chance nenhuma. Lily não é mais minha.
- Você acha que não é mais sua – corrigiu-me.
- Hannah – novamente pedi.
- Certo. Amanhã encomendo flores e compro um cartãozinho.
- Por quê? – perguntei.
- Para a Lily. Para quem mais? – Hannah riu. Como fiquei apenas a encarando indagador, explicou: - Você não pode somente oferecer uma mesa para o almoço a ela. Mulheres adoram flores.
- Ah – falei, mesmo sem querer.
- Qual é a preferida dela?
- Como vou saber? – olhei-a com ódio – Passei seis anos longe dela.
- Ah, puxe da memória – ela me pediu - Sei que ela tinha uma preferida.
- Hannah, ela tinha dezoito anos. Agora tem vinte e quatro. As preferências das pessoas mudam em seis anos.
- Ela não vai se importar.
- Ah, caramba. Você precisa de um namorado – aconselhei.
- Se eu precisasse não estaria trabalhando aqui – respondeu-me – Mas então? Qual era a flor?
- Lírios? – eu não tinha certeza. Lembro-me de ter lírios em sua casa há seis anos, mas acho que era mais um gosto pessoal de sua mãe. Lily apreciava qualquer tipo de flor, nunca teve uma específica.
- Certo, lírios – Hannah assentiu, como se estivesse fazendo uma anotação mental.
- Como é que sabe sempre o que fazer? – a pergunta escapuliu de meus lábios.
- Sou mulher. Já tive alguns encontros na vida. Não sou uma completa retardada, James – Hannah me disse, voltando à sua posição original no balcão da salinha reservada.
Eu sabia que Hannah não era retardada. Era muito esperta e ativa. Sempre se lembrava do que jantara e nunca ficava sem conversar com alguém. E, claro, adorava muito mais conversar comigo. Até mesmo chegara a pensar que ela pudesse estar nutrindo algum tipo de paixão por mim, porque o modo como batia os cílios para mim era algo que me deixava intrigado. Harry já tinha me dito que aquilo pudesse mesmo ser possível: universitárias gostam de homens mais velhos. Eu só queria que, se algum dia eu tivesse que dar o fora nela, que a coisa toda fosse gentil e não tão traumática assim, porque ela era a minha serviçal mais estimada. Sem contar que era uma amiga muito próxima. Era sempre divertido sair após o expediente com ela, pois sempre me conduzia a pub com música ao vivo ao qualquer coisa assim. E se eu propusesse pagar sua bebida, ela cedia fácil. Apesar de independente, sabia aceitar qualquer mudança.
E eu gostava demais dela para magoá-la.
Depois que fiz algumas ligações e não havia mais do que três mesas ocupadas ali, apenas me deixei relaxar. Não que fosse muito justo eu ter começado a pensar no almoço do dia seguinte, porque aqueles primeiros pensamentos contínuos só serviram para cutucar ainda mais o meu coração rejeitado - ainda que eu não quisesse revelar isso a ninguém, nem sob tortura iraquiana - e para me fazer ficar desesperado.
Tudo bem, talvez aquele almoço não fosse, assim, um encontro. Porque ninguém quer que seu encontro seja no meio de pessoas que você conhece e que pagam o aluguel do seu apartamento e as prestações do seu carro. Mas que alternativas eu tinha? Porém, ao menos eu sabia o que comeríamos e poderia sugerir pratos à Lily. Pelo o que sabia, meninas apreciam esse tipo de coisa. Sei lá por que, mas disso eu sabia. A Hannah tinha me contado.
Não que eu estivesse muito preocupado. Era só a Lily. Eu costumava conhecê-la.
Será que ela continuava gostando de lírios? E se continuava, por que continuava? Eu nunca tinha gostado do aroma daquelas flores. Davam-me dor de cabeça. Por isso, quando ainda namorava a Lily, nunca ficávamos na sala: seu quarto nunca tinha flores espalhadas pela mesinha. Sem contar, claro, a privacidade.
Mas com isso eu não estava contando no dia seguinte.
Aquele seria, com certeza, o encontro mais sem intimidade do mundo.
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Narrado por: Lily Evans
Local: Spring Restaurant
Horário: 13:57h
Quando: 29/AGOSTO – quinta-feira
Não que eu não estivesse me importando. Claro que eu estava. Mas, sinceramente, aquilo não era nenhum encontro amoroso, de modo que eu não me vesti tal para um. Apenas escolhi aquele vestidinho nude tomara-que-caia bem básico e coloquei o sapato estilo princesa rosinha em detalhes douradinhos (que nem apareciam direito) que a Kath tinha me dado no Natal anterior. Afinal, era um almoço. Claro que assim que a Kathleen me viu – dei carona a ela mais uma vez. Seu bebê permaneceria por mais uma longa semana na oficina – fez uma expressão de desaprovação.
- O que esperava? – eu lhe indaguei, já irritada com seus olhos em mim.
- Poxa, Lily! - ela balançou a cabeça em um movimento de desalento – Você parece aquelas meninas que se recusam a ser femininas deste jeito!
Eu lancei a ela um olhar bem ferino. Eu já tinha sido uma menina que não aceitava ser feminina, porém há muito não era mais. E eu achava que provava isso usando quase todos os dias, no trabalho, os meus vestidos comprados na última viagem com Max. Pelo jeito, Kathleen não ficava satisfeita muito rápido. E será que ela não tinha percebido que aquele sapato de princesa tinha salto? Aliás, uma coisa que nunca tinha apreciado (nem mesmo depois de já estar com Max e ser amiga de Kathleen) era saltos altos. Era freqüente as vezes que torcia meus tornozelos ou caminhava toda desajeitada. Mas eu queria confirmar que me tornara uma mulher, que deixara de ser aquela Lily das calças coloridas e dos All Stars (embora ainda os guardasse no fundo de meu closet). Não sabia por que estava tão empenhada naquilo, rejeitando a verdadeira eu, mas não importava. Eu usava os vestidos e calçava os sapatos de salto.
- Eu estou bem feminina, obrigada – respondi.
- Não está! Você parece aquelas menininhas da Disney que não podem ser sexys porque tem uma imagem a prezar!
Ah.
Mas eu não estava me importando. Não me importava se ainda queria ter dezoito anos.
- Kathleen – pedi, fechando meus olhos pesadamente. Respirei fundo.
- Caramba, às vezes eu nem sei o que o Max viu em você – ela comentou.
Não me permiti ficar magoada. Kathleen, sempre que podia, me dizia essa frase. Já parara de me chatear por conta disso. Também, porque eu mesma, muitas vezes, me indagava essa dúvida.
Max se vestia como um competente executivo – adorava seus ternos, especialmente os de cor cinza-chumbo – e o restante de suas roupas era muito formais. Sempre me sentia presa a alguém da realeza ou do governo. Ele era sempre alinhadinho e certinho. Nunca era careta. Mas acho que para os homens é fácil demais estar arrumadinho. É por isso que os blogs nunca criticam os atores, mas sim, as atrizes no Oscar.
- Tanto faz – falei – Somos felizes assim – expliquei.
- Acho que não – Kath me disse – É só ver as caras daqueles homens casados com aquelas mulheres que aparecem naqueles programas de estilo do Home & Health.
Depois disso, eu fiquei magoada.
Como ela tinha podido me comparar àquelas mulheres? Ao menos eu usava vestidos e um pouco de maquiagem!
- Kathleen – minha voz saiu uivada.
- Certo. Esqueça a roupa – ela disse – O que farão depois do almoço?
Eu ainda não tinha arrancado com o carro de Max. Acho que continuava sonolenta, mesmo depois do café com leite desnatado e a barrinha de castanhas. Porém, foi uma idéia sábia estarmos paradas ainda ali em frente de sua casa, porque senti um solavanco no estômago que, se eu estivesse dirigindo, poderia resultar em um acidente.
Como ela ousava perguntar o que faríamos depois do almoço?
Será que ela não se recordava que depois do almoço estaríamos novamente trabalhando na Fifteen? Ela, que sempre era toda preocupada com horários, deveria ter se lembrado disso.
- Nada – meu tom não estava ameno; tinha saído inflexível e categórico.
- Nem uma voltinha?
- Não, Kahtleen – olhei-a pelo retrovisor com ódio.
- Ah – seus olhos se abaixaram provavelmente decepcionados.
- Eu e James não temos mais nada, lembra? – proferi entre dentes. Nossa, eu até parecia um cachorro rosnando.
- Está bem – ela assentiu – Mas...
- O quê? – estreitei meus olhos.
- Mas e se você ainda não estiver decidida?
- Eu estou decidida – minha voz ainda inflexível afirmou irritada – Eu amo o Max.
- Ah, o Max – Kathleen pareceu se lembrar do meu namorado, fazendo cara surpresa.
- Sim, e é com ele que passarei o resto de meus dias – assegurei com fervor – Entendido?
Kathleen me olhou de cara feia. Demorou a responder.
- Entendido, princesa – ela zombou – Mas o problema é seu se acabar sem nenhum final feliz com nenhum príncipe.
- Kathleen! – exclamei irada.
- Bem, é só a minha opinião – ela deu de ombros, evitando olhar para mim – A vida é sua, como você sempre me diz. Mas ainda acho que tem o direito de decidir procurar a felicidade. E se a sua felicidade estiver com o James, quem poderá desordenar o destino?
- Não há destino algum com o James! – falei.
- Você ainda não sabe – Kath me disse.
- Eu não quero que o destino esteja com o James – meu peito murchou ao entender essas palavras.
Kathleen automaticamente desviou seus olhos das árvores folhosas plantadas em frente à sua casa e os direcionou aos meus, espantada.
- Você... você o quê? – ela gaguejou, parecendo afogada.
- É isso mesmo – minha voz ficou mais alta – Eu não quero nem preciso. Certo? – Kathleen nada falou, apenas ficou com aqueles olhões de corvo em cima de mim; eu voltei a minha atenção à chave pendurada à minha frente – Agora podemos ir?
- Podemos – Kathleen me autorizou, falando baixinho.
Então, a manhã inteira Kathleen não me procurou. Em outra ocasião, ainda que não trabalhássemos no mesmo andar, ela teria encontrado um tempinho entrar em minha sala, se ajeitar sobre as minhas almofadas brilhantes que eu tinha comprado no mercado de pulgas e fofocar sobre qualquer coisa. Mas, naquela manhã, Kathleen não me mandou nem mesmo um e-mail. E ela sempre me mandava e-mails. Sobre cãezinhos maltratados, sobre que famoso/a tinha tirado a roupa naquela semana, sobre o mau humor do dia da Maggie...
No entanto, eu não importei. Porque eu sabia qual tinha sido o problema. Kathleen ficava supersensível quando eu rejeitava qualquer possibilidade de “fazer as pazes” com James.
Ainda que eu tivesse muitas tarefas naquele dia, não podia afastar a idéia de que almoçaria com James, o meu ex-namorado, minha antiga paixão, dali à uma hora e meia. Tentei ao máximo me esquecer dele e de seu restaurante durante aquele meio tempo. Achei que, se somente investisse nas reclamações de Maggie (que eram muitas) e nas programações de horário, me sairia bem. Não podia reclamar que me ocupar não estava ajudando. Mas como eu podia explicar o meu coração palpitante e minhas mãos trêmulas?
Enfim, quando Maggie olhou surpresa para mim, lá do corredor, e perguntou o que eu ainda fazia ali, vi que horas eram. Já passava da uma da tarde; até mesmo Kathleen já tinha saído para almoçar, Margareth me informou.
Amaldiçoando metade da população mundial, saí apressada de minha sala, caminhando em passos rápidos (mas cuidadosos para não tropeçar por causa do salto alto) até o elevador.
Pawel, o cara de vinte e poucos anos bonitinho (de origem polonesa), ascensorista de elevador, cumprimentou-me como sempre fazia. Disse que eu estava “muito bonita” naquele vestido, e eu agradeci com um mero “Hum, obrigada” rápido, antes de partir para o enorme lobby do prédio.
Não tive tempo nem de retocar a maquiagem, mas quanto mais me desculpava por ter esbarrado em alguém durante o trajeto longo (tá bom, eram sete quadras, o que você queria?), mais achava que aquilo não daria certo. Esperava que James não tivesse ido trabalhar, que estivesse de cama, ou qualquer outra coisa.
Porém, assim que bati meus olhos no letreiro do restaurante, a primeira pessoa que vi ao olhar através daqueles vidros foi James. Ele não estava olhando para mim, mas estava conversando com a recepcionista loura, aquela que Kathleen tinha detestado, porque Kath odiava recepcionistas simpáticas demais e que lhe empurrasse algo (fosse esperar cinco minutinhos para almoçar ou um encarte de beleza). Eles pareciam bastante animados. A menina – que aparentava ter minha idade – ria e jogava os cabelos em forma de cascata para trás. James também ria, mas menos, talvez porque estivesse contando a piada que estava fazendo sua amiga rir.
Contei até dez mentalmente uma única vez, respirei fundo umas três, tentando criar coragem para dar mais alguns passos a entrar naquele lugar.
Quando abri a porta pesada, fazendo assim um barulhinho tal como um sininho ecoar por ali, ele e a loura automaticamente direcionaram suas cabeças para mim. Achei que fizessem isso sempre que algum cliente chegava. Assim que cheguei perto dos dois, comecei a adquirir uma coloração rósea no rosto; sabia disso porque o sentia muito quente. Bufei discretamente, querendo retornar para a minha sala. Ao menos lá não teria de lidar com James algum.
- Hum, oi – falei, arquejando um pouco. Acho que tinha ficado com seqüelas depois daquele último ano na escola.
James, ainda ao lado da loura, que sorria como na tarde anterior, estava com a expressão agora imperturbável, como se eu não fosse a Lily Evans, uma de suas ex-namoradas (eu não sabia quantas foram depois de mim), mas uma de suas diárias clientes. Alguma coisa nasceu em meu peito e farejou o local. E a coisinha não estava nada feliz.
- Awn, oi, Lily! – a loura saiu falando, exatamente com a mesma voz que tinha entediado Kathleen, um dia trás.
Sabe, não era todo dia que alguém tão animado e simpático me cumprimentava; a menina tinha o espírito de um esquilo cafeinado.
- Hum, oi – repeti com a voz um tanto mais baixa, intimidada; meus olhos pularam da garota para James.
Ele ainda sustentava aquela face complacente, não parecia por nem um segundo espantado ou nervoso, assim como eu. Quis saber como é que James conseguia estar tão relaxado.
- Eu sou a Hannah, sou uma espécie de sub-gerente – a do sorriso brilhante me disse, estendendo seus dedos até os meus. Suas unhas eram azuis.
- Ah – falei. Que esperteza – Que ótimo – sorri pequeno, tímida. James parecia desinteressado, pois seus olhos não estavam somente focados em mim. Perguntei-me se de fato eu não parecia muito feminina. Talvez esse fosse o problema comigo. James não aparentava surpresa nem admiração: eu não estava tão atraente assim. Mas o que eu estava pensando? Eu não queria que ele me visse como mulher!
- Venha, vamos nos sentar – James mostrou a mim um sorrisinho, enquanto estendia uma das mãos em direção a uma das mesas – Se ficarmos por aqui, Hannah não vai parar de falar – ele riu, olhando a loura de canto de olho.
Eu apenas o segui. Ele pareceu tão cavaleiro, que foi impossível não deixar escapar em sorrisinho simplório.
Sabe quando você tem certeza de que está no lugar errado, na hora errada com as pessoas erradas? Tipo cair em Nárnia e dar de cara com um leão bonzinho, ainda por cima, FALANTE. Senti-me mais ou menos assim, só que o leão falante não era o meu ex-namorado do ensino médio. Sem contar que a tal da Hannah parecia ser o tipo de menina que guardava segredos de outras vidas (possivelmente da minha vida antes de deixar Londres), o que pode ser plausível a minha paranóica quanto ao seu sorrisinho cúmplice quase despercebido que lançou ao James. Ou talvez tivesse sido a correria para chegar até ali. Ou talvez tivesse sido toda a onda do perfume dele (daqueles que eu mais amava e que vivia comprando para o Max, mas este tinha desenvolvido uma afeição doentia por aqueles desodorantes fortíssimos e doces e desfazia qualquer oferta minha para aceitar os meus “presentinhos”) que me atingiu assim que ele puxou a cadeira para eu poder me sentar, como se eu fosse a princesa de uma país em guerra e ele fosse, sei lá, o meu criado. Ou o meu futuro noivo. Ou tanto faz. Sei que isso me deixou com raiva de mim mesma.
Tenho que admitir que o restaurante era bem limpinho e organizado, exceto pelo fato dos clientes estarem reclamando (com direito a fala alta e jornais voando com raiva para o chão) a todo minutos lá na salinha em que eu e Kath esperamos no dia anterior, antes da sub-gerente nos acomodar em uma das mesas alinhadas e enfeitadas por floreios lindos e coloridos. Tudo bem, havia crianças choronas em cadeirões e berrando enquanto corriam e imitavam o Batmam, ou sei lá quem. Mas tirando isso (os clientes irritadinhos e as crianças insuportáveis) o restaurante de James parecia ser bastante requisitado e daqueles que dá para levar a família inteira no dia do Natal. As paredes eram de um azul Royal (quase um azul-céu escurecido) penetrante e chamativo, e ainda consistiam, em intervalos intercalados, pinturas de uma imagem grande bem esquisita, como um daqueles postes antigos que despontam flores. Kathleen tinha detestado, dissera que nem em um banheiro decalcaria um “treco” daqueles, mas, ainda que não tivesse admitido em voz alta, eu tinha apreciado em especial. Não sei, tinha alguma coisa na cor das paredes e lilás azulado das imagens que me faziam sentir confortável, que me davam certa segurança. Deixei de lado o fato de que azul (em qualquer tonalidade) era a minha cor favorita (e era por isso que eu tinha uma obsessão ridícula por céus limpinhos e por mares caribenhos) e me concentrei no que James me dizia. Não tinha prestado atenção, mas parecia que desde o balcão ele estava se dirigindo para mim, e eu, louca e retardada, estava analisando as paredes ao invés de me focar nele.
- ... mas por mim tudo bem se você quiser ir a outro lugar. Sinceramente, isso não me ofenderia, porque daqui ainda consigo ver o Sr. Walter e ele está com uma expressão bem ferina.
Pisquei muitas vezes e sacudi a cabeça rapidamente. Tirei meus olhos daquela imensidão azul e procurei os de James.
Ele sorria, acho que tinha entendido que eu me perdera. Eu sempre tinha sido aérea, daquelas bem avoadas mesmo (menos no colégio, porque lá eu era a Srta. Certinha e Compenetrada), mas talvez ele tivesse se esquecido desse detalhe. Tudo bem, não era um detalhe, uma vez que meus pais, quando eu era criança, forçaram-me a tomar Ritalina até aos doze anos.
- Oi, desculpe... o que me falava? – minhas mãos foram para a minha bochecha esquerda, na defensiva. Tentei esconder a minha ansiedade pigarreando baixinho e logo indo tocar o enfeite bonitinho de cima da mesa.
Ele soltou um risinho. Não era de escárnio; era genuíno, daqueles que soltamos quando a nosso cachorrinho se enrola na própria guia sem querer.
- Podemos almoçar em outro restaurante – James me disse com aquela paciência tão conhecida.
Retirei os dedos das pétalas frágeis do buquê aconchegante e voltei a cair em seus olhos mais uma vez.
Respirei muito fundo, como que para me esquecer de alguma dor física. Até parece que a minha dor era física, mas naquele momento, todas as dores do mundo eu conseguia sentir em meu coração, em minha pele e em minha alma. Como uma onda forte demais que tivesse me atingido e me levado para as profundezas, deixando-me tonta e gelada de medo. Porque, diga você o que quiser, mas eu estava muito temerosa. Sei que encontros não são assustadores (não com o cara certo), mas ele se torna no segundo em que você (por ser uma idiota que não consegue controlar a melhor amiga) aceita um com o seu ex-namorado no restaurante dele. Certo, certo, não era bem um encontro (porque já nos conhecíamos tempo o suficiente), era um almoço. Só que almoços podem muito bem servirem de encontros. Eu bem sei disso.
- Não, imagina – algo fizera meu estômago se contorcer assim que parei de agir feito uma das criancinhas dali ao ficar tocando as flores do centro da mesa – Aqui está ótimo – sentia minha face aquecer – Seu restaurante é muito bom.
Eu bem vi seu sorriso se alargar, como o sorriso do gato Cheshire. E por mais que o James (obviamente) não fosse do tipo felpudo de rabo lânguido, era um gato. Sempre fora um gato, mas, claro, na época da escola eu era praticamente uma criança ingênua e não sabia usar esse tipo de palavra para intitular a beleza de um garoto. Então, seis anos após aquele dia no aeroporto, eu podia confirmar: o James era do tipo que as meninas sonham para se casar (se é que ainda existam meninas que queiram se casar) e para ser um bom pai para seus filhos. Eu, que não suportava a idéia de um casamento e talvez nem de filhos (sim, eu era desse tipo), contentava-me facilmente com a palavra “gato” incutida (irrealmente) na testa de James. Afinal, eu já não era nenhuma adolescente fofinha/colorida/pura. Apesar de tudo, eu estava lutando para me tornar uma mulher. A imagem daquela menininha de calças coloridas me envergonhava e me repudiava. Como minha mãe me deixava sair de casa daquele jeito? Jesus!
- Obrigado – ele me disse com aquela face afável e tudo o mais. Certo, Lily, concentre-se. Tenha foco, garota!
- Hum, então, é muito ruim se eu pedir uma entrada e depois o resto? Porque eu não como nada desde as sete e vinte – perguntei afobada, desejando que ele parasse de me olhar daquele jeito. Parecia... não sei. Parecia que ele estava a fim de pegar na minha mão, ou algo assim. E eu estava decidida em não deixá-lo encostar em mim por nem um segundinho.
James me orientou a pedir uma salada de grão-de-bico com azeitonas. E foi bem quando ele deixou eu me servir primeiro da travessa apetitosa, que eu percebi o James pela primeira vez. Quero dizer, claro que eu sabia que estávamos conversando sobre a viagem da mãe dele para a Indonésia e que ele estava muito feliz, mas quando tirei meus olhos dos grãos-de-bico que estava depositando em meu prato, definitivamente, me dei conta que estava almoçando civilizada e pacificamente com James. Com aquele James que me tirava o sono sempre que assistia demais a filmes românticos. Com aquele James de seis anos atrás, mesmo que estivesse crescido. Sabe como é, com cara de homem e com mãos maiores e mais firmes; embora não deixasse de carregar aquele olhar tão característico dele. Seus olhos, exatamente como no Ensino Médio, me tiravam o fôlego. Talvez porque quando eu olhava para os meus não enxergava metade dos sentimentos derretidos que banhavam os dele.
Não tinha reparado na camiseta preta justa que marcava seus músculos nem na calça mais recatada de alguma grife famosa. Eu só ficara entretida nas paredes e em seus olhos (ainda que me esforçasse para evitá-los). Parecia que eu estava levemente drogada, como se tivesse tomado aquele remédio que o Max uma vez ou outra tomava para tentar dormir mais tranquilamente. E eu sabia que não tinha tomado nada, a não ser o meu suco de acerola que Nikki tinha gentilmente me trazido há uma hora.
- Está tudo bem? – não sabia quanto tempo estava olhando fixamente para ele com a cabeça um pouco tombada, como às vezes fazem os cachorros quando ouvem barulhos agudos demais para seus ouvidos caninos superaguçados.
James me encarava acolhedor e prestativo, tal como um amigo, talvez.
- Ah, sim – me desfiz da cara de boba e disse – Eu só me distraí um pouco.
Por sua expressão, claro que ele tinha sacado isso. A minha falta de atenção, logicamente. Porém havia também estampado um sentimento de conforto e de lembrança ali.
- Notei – seu sorriso de gato feliz apareceu em seus lábios – Mas o que eu perguntava era como conseguiu emprego na Fifteen. Achei que essa revista não estivesse em seu horizonte – lancei-lhe um olhar indagador e ele se apressou a remendar: - Digo, fazer Layouts não é bem o emprego dos sonhos. Ainda que você tenha a coluna.
Sorri sem graça. Ele tinha que me lembrar que meu trabalho não era lá o que eu mais amava fazer.
- Eu gosto. É divertido. Conheço muita gente qualificada e maravilhosa lá dentro – dei de ombros, sentindo um enjôo.
- Quando sai a nova edição?
- Acho que no domingo ou na segunda-feira – respondi, mas então estreitei meus olhos – Por quê?
- Acha mesmo que não quero ler o que você escreve? – meus fluidos corporais gelaram quando notei que ele ria e depois o que dissera.
Ele queria ler o que eu escrevia naquela minha coluna medíocre? Pelamor! Ele era um homem, e aquelas palavras eram destinadas a um público bastante diferente. Líderes de torcida e meninas rejeitadas liam a minha coluna. Não um cara de vinte e quatro anos que conduzia (muito bem) um dos restaurantes mais conhecidos da área Norte da cidade.
O que ele pretendia, afinal? Envergonhar-me para sempre? Porque, ainda que a fase menininha tímida já tivesse sido superada, eu ainda era capaz de corar loucamente e de me envergonhar como qualquer outra mulher.
- Mas você não pode – fiquei olhando para James, incrédula, até que vi-o levantar uma das sobrancelhas, como reação do que eu lhe dissera. Então, desesperada, completei: - Meninas lêem aquilo. Não caras.
Sei. Foi a desculpa/explicação mais fútil do mundo, mas que outra eu teria? Ali, bem na frente dele, sentindo minhas bochechas se esquentando cada vez mais? Tudo bem, concordo que eu ainda aparentava ser aquela menininha tímida, mas, de verdade, que outra saída eu tinha?
E, se eu bem me lembrava, o assunto da minha coluna daquele mês era sobre calcinhas e sutiãs. CALCINHAS E SUTIÃS! Homens de vinte e quatro anos (completamente gatos e gostosos) não querem saber sobre isso. Caramba. Só se ele quisesse comprar uma lingerie para a sua namorada (se é que tinha alguma) ou sei lá. Se travestir de mulher em sua casa, quando não tinha ninguém por perto. Vai saber.
E eu não queria que ele soubesse que eu redigia acerca daquele assunto tão idiota para uma escritora de livros românticos (tudo bem, só um livro romântico). Seria muito “Uau, Lily, esse é o seu melhor? Calcinhas e sutiãs? Caramba. Ainda bem que não me casei com você!”. Não que eu sonhasse em me casar algum dia, como está supracitado ali em cima, mas a verdade é que nenhum homem quer se casar com uma mulher que trabalha em uma revista adolescente e que tem que escrever sobre temas bem bobinhos (ainda bem que eu não tinha que escrever sobre, sei lá, orgasmos ou meninas que trabalham como go-go dancers, porque daí sim seria se rebaixar demais). Odiava dar o braço a torcer, mas tinha vezes que entendia o lado do Max quanto àquela insatisfação perante o meu emprego. Se ele quisesse me largar por alegar motivos a respeito da Fifteen, acho que não me feriria tanto. Claro que eu me magoaria (não tanto a ponto de fazer um escândalo que nem as celebridades ou que nem a Kath), no entanto será mesmo que eu suportaria me rastejar para um homem que só valorizava o seu próprio trabalho? Só estou dizendo, nada mais.
- Até parece que o seu namorado não lê – agora seu riso se aumentou.
Então eu parei de ficar irritada instantaneamente.
- Não – sussurrei.
- O quê?
- O Max não lê. Nunca leu.
- Como não? – seus dentes expostos tinham sumido.
- Nunca se interessou. Além do mais, ele é muito ocupado – falei.
Até que dia eu argumentaria “Ele é muito ocupado” para excluir o Max de minha rotina? Eu dizia isso a mamãe e a todos que me perguntavam o que ele tinha achado de meu trabalho (tanto nas minhas colunas quanto no meu livro não-publicado). Não que eu me sentisse mal por não acompanhar a rotina de meu namorado, afinal eu tinha me formado em jornalismo não em advocacia. Raramente eu tinha a mais remota idéia do que Max fazia todos os dias. O que podia fazer se o meu talento estava em outro lugar? Eu nunca tinha sido boa em argumentar, além disso. Se alguém dependesse dos meus dotes de defesa com certeza nunca sairia da cadeia ou nunca mais veria os filhos e a mulher.
É triste, mas é a verdade. E mesmo que me preocupasse com o Max nunca tinha me interessado em seu trabalho. Mais ou menos como ele agia em relação à Fifteen e a “Milhões de Corações Sorrindo Pelo Ar”. Não que fosse vingança ou esnobice total... só que vivíamos em mundos diferentes. Max não se esforçava em me apoiar, e eu pensava “Se é assim, porque eu tenho de apoiá-lo? Sou a mãe dele, por caso?”. E ficávamos assim. Os meses passaram, os anos passaram e nós continuávamos jogando igual. Como se tudo já tivesse se encaixado em nossos afazeres diários.
- Ocupado o bastante para ir à banca comprar uma revista que custa menos de cinco libras? – ele riu sarcástico.
Toquei meu prendedor metálico que estava no alto de minha cabeça, impedindo que a franja longa demais caísse em meus olhos. Eu estava adiando a ido ao cabeleireiro fazia ao menos um mês. Kathleen dizia que podia cortar ela mesma, mas eu sabia o quão desastrada ela era. Na última primavera tinha conseguido queimar metade da franja com a chapinha, e segundo seu cabeleireiro demoraria muito tempo para que seu cabelo conseguisse despontar como antes. Então, se Kath fosse cortar a minha franja, provavelmente entraria em minha sala como aqueles York Shires maus cortados das estéticas veterinárias.
- Ele é advogado – falei, como se me desculpasse – E tem que dar conta da empresa do pai. Essa semana mesmo ele está viajando – fiz uma pausa pequena, considerando as minhas palavras - Ele viaja muito.
James continuou a me encarar cético.
- Ah é? – James falou isso em um tom não muito agradável. Mas não liguei.
- É, Max trabalha desde que saiu da faculdade. A vida dele é tão tumultuada quanto a minha – afirmei com um aceno taxativo - Um ano antes de nos formarmos, o pai dele morreu, e em seu testamento, dizia que o cargo da CSP era de Max, já que ele é o filho mais velho e o único que já saiu da escola. O John, o filho de quinze anos dos Sullivans, já foi até mesmo indiciado uma vez, de modo que seria totalmente inviável torná-lo dono de algo – falei.
John era um menino arredio e incerto. Suas mais adoradas respostas sobre qualquer assunto que eu lhe perguntasse eram “Não sei” e “Tanto faz”. Se eu não soubesse que tinha quinze anos, acharia que tivesse algum problema cognitivo de assimilação. Sem contar que tudo o que minimamente lhe interessava era a minha vida sexual com o seu irmão mais velho, o que, sinceramente, é de fato algum tipo de problema. E dos graves. Por que ele não prestava atenção na própria vida sexual (se é que já tivesse uma)? Talvez precisasse de um psiquiatra, ou então de uma namorada. O Max sempre me dizia que era só uma fase adolescente, e que praticamente todos os garotos de quinze/dezesseis/dezessete anos tinham algum tipo de “obsessão” por sexo, mas, em minha opinião, John era mesmo esquisito. Nas festas de família nós sempre o encontrávamos com aquele moletom velho do The Smiths e com aqueles All Stars esfarrapados (provavelmente da década passada, de tão destruídos).
- Espera – o James lançou um riso de cachorro engasgado para fora da garganta e sua expressão estava muito mais do que incrédula: estava pasmada – O seu namorado é dono da Company’s Sustainable Paper?
- Sim – confirmei previamente.
Por uns dois segundos ele nada disse.
- Uau – ele fez uma careta, que me fez querer rir, mas me controlei – Você sabe, não sabe, que com o dinheiro que ele ganha provavelmente você não precisaria trabalhar até aos cinqüenta anos? – ele engoliu em seco.
- É tanto dinheiro assim? – surpreendi-me.
Caramba, quer dizer então que eu estava dormindo com um milionário e nunca soubera?
E o Max nem para me avisar?
Não era a toa que ele sempre estava desgostoso com a profissão da namorada! Podia arrumar uma mulher bem melhor do que eu! Uma dondoca que só ligasse para cachorrinhos fofos ou para uma princesa de algum principado (uma que existisse de fato, porque a Mia Thermopolis é inventada e já tem namorado, claro).
- Lily, como é que você não sabe? – James parecia surpreso pela minha negligência.
Fiquei sem palavras mesmo. Será que se algum dia eu me casasse com ele, Max teria me contado quanto de dinheiro existe em seu cofre? AHMEUDEUS. Como é que ele não tinha me contado uma coisa dessas? Eu estava prestes a noivar (pelos anseios de minha sogra, não pelos meus) com um dos homens mais influentes da Inglaterra (e mais afortunados) e nunca tinha sabido? Isso era tão ruim quanto descobrir que é princesa (e futura herdeira) de um país que você nunca ouviu falar!
Depois de um pouco mais de um ano dono da CSP e Max não tivera tempo para me comunicar algo como “Ah, Lily, olha só que coisa mais bela. Agora que serei dono da empresa de meu pai, transformo-me, assim, em um dos mopolizadores de capital de mais destaque no país. Isso quer dizer que você não vai precisar se matar de trabalhar praticamente vinte horas por dia em uma revista que lhe paga mal e que exige muito mais de você do que você é capaz”.
Ah não. Max, na verdade, mal tinha tempo para me desejar um bom dia. Muitas manhãs eu acordava sozinha naquela cama king-size, pois ele já tinha partido ou para o escritório ou para alguma audiência ou para a CSP.
- Ele nunca me contou! – exclamei, entrado seriamente em pânico. Podia sentir minhas veias pulsando daquele modo alarmante e minha respiração tinha se tornado rasa – Ele nunca tem tempo para nada!
James pareceu achar um pouquinho engraçado a minha exaltação, porque apesar da cara de paisagem, seus lábios tentavam não explodir em uma risada; eles estavam comprimidos e controlados.
- Hum, uau – ele me disse, acho que sem coragem para dizer qualquer outra coisa.
Eu sei que é feio (e a minha mãe, desde que eu era uma filhotinha, sempre me ensinara a não fazer isso), mas larguei meu garfo cheio de salada de grão-de-bico e de azeitonas pretas, apoiei meus cotovelos no tampo da mesa e com os dedos da mão esquerda segurei minha têmpora desse lado.
Tudo estava oscilando: James parecia se balançar molemente e as paredes estavam se fechando em mim.
Eu difícil admitir, mas conviver com Max era como conviver com um cachorro não-domesticado: você nunca sabe qual será a próxima reação ou o seu próximo gesto. É como viver ao lado de um vulcão. Você sabe que um dia acontecerá uma erupção, só não sabe que dia especificamente é esse.
- Lily? – o supro de meu nome batendo em minha bochecha me abrir os olhos bruscamente.
- O quê? – falei perdida.
- É melhor você acabar de almoçar – James estava sério e apontava para o meu prato – Aposto como você não sairá de seu trabalho tão cedo, então, se não quiser passar mal de verdade, é melhor comer.
Awn. Quero dizer, o Max nunca me dissera que eu deveria comer para conseguir a dar continuidade ao meu trabalho. Ele só me dizia para inventar uma desculpa para não aparecer o resto da tarde no prédio da Fifteen. Até parece que a Maggie nem iria surtar muito. Ela era muito controlada e compreensiva (aham, sei).
- É – olhei para o resto de grão-de-bico e de azeitonas. Nós nem tínhamos pedido o prato principal (que seria uma torta fria de frango acompanhada de pimentinha, de aspargos em conserva e de molho de mostarda) – Certo – pisquei forte e engoli minha saliva que estava obstruindo minha traquéia – Tem razão.
Intercalando seus olhos em mim e em seu próprio prato, James recomeçou a saborear a salada.
- Quer mais chá gelado?
- Não. Mas aceito mais gelo – falei, apontando para o interior de meu copo, que ainda não tinha chegado à metade.
James fiz um sinalzinho meigo para a loura-quase-fatal-sub-gerente, que logo estacionou ao lado de nossa mesa.
- Oi, querida! – ela tinha me dito com aquele sorriso felizão de criança besta.
- Oi – retribuí sem pensar ou sem demonstrar sentimentalismo – Preciso de mais gelo, por favor.
- Claro – ela me disse, mas eu vi o modo ansioso que olhou para James. Claramente ela estava morrendo por dentro para querer saber do que estava rolando ali em nossa mesa. E claramente rolava algo entre eles. Entre a Hannah-Feliz e o James, digo. Ela o olhava com um brilho intenso nos olhos, como se pudesse arrancá-lo de mim. Bem, se ela o quisesse, era todinho dela. James continuava muito gato e altamente gostoso, mas eu já tinha namorado (mesmo que ele estivesse todo aquele tempo escondendo de mim que possuía uma fortaleza de dinheiro) e estava na medida do possível feliz com ele.
Hannah foi pessoalmente buscar gelo para mim na cozinha (gentileza ou outra coisa? Não sei) e eu agradeci assim que senti minha garganta engolir o líquido fraco, porém bem mais geladinho. Acho que ali dentro estava quente e minha pressão estava caindo, como era muito comum no verão.
James falou um pouco sobre seus negócios no restaurante, sobre como conseguira capital para fazer nascer o Spring Restaurant e sobre como havia clientes realmente inconvenientes, mas agüentava tudo porque amava o que fazia. Reconheço que não acompanhei atentamente James falando, porque eu estava tão preocupada com o segredo de Max e com a minha vida, que foi realmente impossível até mesmo fingir com convicção meus sorrisos. Sei que James percebeu o meu estado, mas acho que por educação não ficou chateado (ao menos não demonstrou ficar chateado) nem insatisfeito, como Max ficaria. Mas acho que porque Max era muito temperamental e sempre tinha sede de atenção.
Quando chegamos à sobremesa (tortinha de nozes) meu nervosismo não tinha se aquietado, o que me deixou chateada comigo mesma, pois achei que estivesse tratando o James com descaso, e eu odiava ignorar as pessoas (uma pessoa que já foi ignorada ano após ano entende que é um saco não ganhar nem um sorriso amigo ou um “Que dia é hoje, você sabe?”). Ainda, claro, que aquilo fosse apenas um almoço de “reencontro”, não podia deixar de pensar que eu estava sendo uma péssima acompanhante.
Por sorte, assim que nos levantamos (e James insistiu que minha bebida e meus pratos ficassem por conta da casa), bisbilhotei meu relógio de pulso. 13:54h. Maggie não era tolerante; suportava um atraso de dez minutos, no máximo. Do Spring Restaurant até o prédio grandioso da Fifteen dava uma caminhada de cinco minutos (se eu não pegasse os semáforos abertos). Então, estava bem claro que eu me atrasaria, e no final do mês seriam descontadas algumas libras do total a se receber. Maravilha. Eu já ganhava quase mal, agora com descontos por atrasos (o que corriqueiramente acontecia) parecia que aquilo só servia para me diminuir ainda mais.
Trabalhar em uma revista adolescente não era nada fácil ou bom demais.
- Eu lhe acompanho – James me disse.
Fiquei toda “Não, até parece. Não vou morrer no meio do caminho. Que bobagem!”, mas isso não amaciou o James. Por isso, eu contei a ele durante o percurso até o meu prédio que, apesar de gostar (relativamente) do que fazia ali na Fifteen, não era o meu trabalho dos sonhos (exatamente como ele colocara antes de fazermos os pedidos), porque (pode me chamar de ambiciosa ou sonhadora demais) o que eu queria mesmo era trabalhar na Mojo, uma das revistas sobre música mais desejadas a se trabalhar quando se sai de uma faculdade de jornalismo (caso você ame mais escrever sobre cantores e baixistas do que sobre a Lindsay Lohan ou sobre o Ian Somerhalder). O James, ao contrário do Max, ficou todo empolgado e disse que sempre comprava essa revista para ler o Top 10 das bandas da semana para ver se gostaria de alguma. O engraçado (e que comentei com ele) é que eu fazia a mesma coisa. Abria a revista e logo corria para a página 30 para averiguar as bandas da semana.
O Max era mais um cara ligado às leis às regras... nunca teve interesse em sentar para ler revistas. Não fazia isso nem mesmo em consultas ortodônticas, que às vezes eu o acompanhava. Então, acho que ele nutria uma parcela bem grande de desprezo por jornalistas. A alegria dele em saber que “aquela gente” existia por poder comprar o dominical para ler sobre os casos policiais (só para ver se poder esperar alguma chamada urgente de alguma família que pudesse pagar as horas cobradas por ele). Ele nunca me perguntara sobre o que eu tanto escrevia nas minhas colunas. Nunca quis saber se estava tentando passar bons exemplos àquelas meninas cabeças-de-vento (me desculpe, mas na adolescência nunca gastara meu dinheiro com revistas para ficar sabendo quem é a nova namorada do Justin Bieber; preferia investir em livros, porque ao menos neles não tinham entrevistas de meninos de dezesseis anos que pareciam menininhas na puberdade). E tubo bem, eu aparentava estar na puberdade até os meus vinte anos, mas eu era uma menina. Não um menino que achava que podia comprar fãs histéricas se se parecesse com elas. Opa, Justin, foi mal. Mas eu cresci. Não tenho mais dez anos (e duvido muito que se tivesse iria me apaixonar por você. Então, pare de dar em cima da Beyoncé e da Shakira, por favor).
O fato de o James me apoiar e sorrir daquele jeito meio esquisito assim que lhe contei o meu segredinho íntimo, fez-me sentir diferente. Como se eu fosse uma recém-chegada a uma cidadezinha pacata e não conhecesse ninguém, e então tivesse conhecido alguém que me fez sentir acolhida. E era muito bom me sentir acolhida. Fazia tempo que meu peito não se aquecia daquele jeito louco. Desde... bom, desde os meus dezoito anos.
Claro que eu tinha amado conhecer o Max, na faculdade. Ele foi o meu escape e o meu ursinho no meio da noite (quando a gente é criança e temos um pesadelo, a quem recorremos primeiro? Ao nosso ursinho. Meu pai nunca me deixara me enfiar no meio dele e de mamãe na cama. Era coisa de “criancinha fresca”). Tudo bem, todos aqueles anos com ele estavam sendo mesmo muito bons; eu conseguia, na maior parte do dia, não me lembrar de James (exceto à noite) e seguir meu novo caminho com paciência e dedicação. Duvidada que se ainda estivesse com James tivesse que ser tão cuidadosa e paciente, mas Max era mesmo diferente de James. Talvez fora por isso que me apaixonara por sua loirice que não se encaixava nenhum pouquinho comigo: eu necessitava de alguém que tivesse características e um gênio contrário do que tivera que lidar por seis meses. Ainda que aqueles seis meses tivessem sidos os melhores do mundo (da minha vida estúpida e fracassada de adolescente), não podia negar que voltaria a eles sem pestanejar. Concordo, seria bem idiota querer voltar para um cara o qual lhe ensinou a viver (viver intensamente sem medo) e que, dois meses depois, deu o pé na bunda. Mas existem épocas que, por mais que não quereremos revivê-las, ansiamo-las talvez como uma medida para não deixar aquela página de nossa vida em branco.
A minha relação com os sentimentos que ainda nutria por James era como Céu e Inferno. Amor e ódio. Agentes inimigos de combate. Odiava-os pela manhã e pelo resto do dia, mas quando entardecia o ódio transformavam-se em uma saudade doída e chorada, quase sufocante. E era aí que o amor entrava. Ao examinar nossas provas de amor, meu coração tentava, pedia, esgoelava-se para retroceder, para recuperar um pouquinho daquilo que eu sabia que nunca iria me livrar. Então eu caía no sono e as sensações se repetiam. Os seis meses de alegria se converteram em seis anos de perdição, de “zumbiedade”.
E era a parte que eu mais tinha detestado de todo aquele tempo antes de ter revisto James, no mês anterior.
- Uau, esse prédio é enorme, hein? – o James assoviou erguendo a cabeça, para conseguir chegar ao topo.
Vi no relógio: 14:07h.
Adeus notinhas que nunca iriam parar em minhas mãos. Sinto muito por mim.
- É – falei apressada.
- Quantos andares têm?
- Não sei. Acho que vinte e dois – pensei bem. Não era no vigésimo segundo andar que a Mabby tinha se instalado? Nós tínhamos mesmo vinte e dois andares ou era só coisa da minha cabeça retardada?
Ai, a porcaria do Sol. Não que eu fosse uma vampira (pelamor!), mas minha pele clara tinha tolerância a raios ultra-violeta e era suscetível a alergias por radiação (mesmo que por um tempo mínimo, como era o caso do tempo que passava embaixo do Sol todos os dias. Acho que não permanecia nem mesmo quinze minutos inteiros). Bem, eu era ruiva, o que você queria? Que eu me pelasse no meio da avenida para tomar um Solzinho? Fala sério.
- Em que andar você trabalha? – James estava distante, tentando contar os andares.
- No quarto – respondi maquinalmente. Já estava acostumada com as pessoas que me faziam essa mesma pergunta, pois às vezes as minhas fãs (e até mesmo alguns meninos) teimavam em querem deixar suas cartinhas para mim na minha mesa, então conseguiam (não sei como) se infiltrar no prédio e acomodar seus agradecimentos dentro de minha sala. Claro que depois de ler aquelas palavras tão fofas, de meninas aparentemente tão inofensivas (tão diferentes das que eu tinha que lidar na adolescência), eu não me incomodava por saber que tinham arriscado uma semana de castigo e violar a privacidade de um ambiente de trabalho para fazer com que eu recebesse suas cartas.
- É bom que você não tenha medo de altura, caso for transferida para algum andar superior – James comentou.
- Não podem me transferir para andares superiores. As áreas com as quais trabalho estão situadas no quarto andar – expliquei.
- Ah – James falou.
- Bem – olhei mais uma vez para meu relógio de pulso: 14:10h – Obrigada pelo almoço. Devo-lhe essa.
- Não precisa – ele sorriu e ria ao mesmo tempo.
- Hum – resmunguei. Era bom mesmo eu não precisar retribuir nadinha a ele – Certo. Qualquer coisa, agora tem o meu novo e-mail. Pode me contatar, caso quiser – e que Deus permita que ele não queira me contatar.
- Excelente – ele sorriu. Olhou para seu próprio relógio e logo esmoreceu sua suavidade – Opa. Está na hora de voltarmos aos nossos trabalhos.
- É – olhei para Adelaide, a recepcionista – Até um dia – fiz um “até loguinho” com os dedos rapidamente.
- Quando o Max volta de viagem? – eu estava quase me virando para o elevador, quando James me surpreendeu com esta pergunta.
Confusa, respondi:
- Acho que no domingo – sua face estava um tanto franzida por conta do Sol – Por quê? – eu quis saber.
- Sei que é cedo demais, mas já que esse almoço oficializou a nossa amizade reatada, achei que pudesse lhe convidar para um jantar – ele começou a me explicar e ao notar que eu não estava com a melhor das expressões se apressou: - Não é nenhuma festa; é um jantar caseiro de negócios, mas a Hannah não vai poder me acompanhar, então achei que...
- Não.
- O quê?
- Não posso – falei.
- Mas eu nem lhe disse o dia! – ele exclamou.
- Não interessa, não poderei ainda assim – eu estava ficando espantada demais – Um almoço não passa apenas de um almoço e de conversas agradáveis – respirei fundo para continuar: - Agora, um jantar com você é completamente diferente. E eu tenho namorado.
- Sei que tem namorado – James começou a rir como se eu tivesse me passado de idiota, e isso me irritou – Mas não é um jantar para somente nós dois. O Sr. Vincent e a esposa dele, assim como a Sra. Gulter e seu filho estarão presentes. É um jantar de negócios.
- Certo. Eu não sou uma mulher de negócios. Raramente acompanho o Max nos jantares dele, então por que eu iria ao seu jantarzinho?
- Porque aposto como seu namorado nunca fez questão da sua presença, e eu faço? – James arriscou, mas não parecia cético.
Tudo bem. O Max nunca tinha dito que era meu dever comparecer aos seus jantares ultra-finos, mas porque ele sabia que eu acharia tudo muito entediante.
- James... – suspirei. 14:12h. Eu estava tosquiada e empanada! – Não é uma boa idéia, certo? Se quiser sair comigo como amigo, podemos marcar de ir a um parque, sem problemas. Mas um jantar é... formal demais. É como se fosse a oficialização de alguma coisa, e não estou preparada para oficializar nada.
- Ah é. Lembrei que você tem medo de compromisso – não pude deixar de captar seu tom exarcebado.
- Não é isso – fiquei paralisada de ódio – Você sabe que n...
- Sabe, por todo esse tempo eu tive saudade da sua criancice, mas acho que não me recordava que ela me incomodava tanto – ele balançou a cabeça. Ele estava gélido. E eu não apreciei isso.
- Ótimo, porque assim você não precisa me propor jantar algum nem me agüentar por uma noite inteira com a minha “criancice”! – acho que falei isso alto demais, mas parecia o certo. Ele tinha que me ouvir gritar.
Então, ele estava rindo.
- Você precisava ter visto a sua cara – James ainda estampava o riso em meu rosto e eu não conseguia acreditar naquilo – Uau, você tem mesmo medo de qualquer tipo de intimidade, hein?
- Se tenho medo ou não, não é da sua conta!
- Acho que isso já foi uma confirmação...
- Escuta aqui... – rapidamente passei os olhos de novo pelo relógio. 14:14h.
- Ah, Lily, dê licença – ele continuou a sorrir, mas com um pouco de aborrecimento – Eu conheço você. Provavelmente muito mais do que esse seu Max aí – ele levantou uma mão, impedindo-me de retrucar – Então, não crie caso, certo? Se quiser ir ao jantar, é só entrar em contato comigo pelo site do restaurante. É só digitar Spring Restaurant na internet que você irá achar.
- Eu sei como se procura informações na internet – rebati – E até parece que vou sair com você.
James me olhou por um longo tempo. Sorriu lânguido.
- Você vai, sim. Sei que vai – ele me disse.
- Ah, cala a b...
- EVANS? – ouvi um berro estridente de dentro do lobby. Ah, que meigo! A bruxa viera me buscar para o seu banquete pessoal! – EVANS! NÃO ACREDITO QUE VOCÊ ESTÁ AÍ FORA DE PAPO QUANDO A REVISTA PRECISA DE VOCÊ!
Virei-me. Margareth só faltava espumar. Seu rosto estava vermelho, como se tivesse feito muito esforço.
- Eu... – engrolei baixinho.
Em poucos segundos, até estava parada em minha frente, completamente ensandecida.
- Evans! Quinze minutos de atraso! Isso é inadmissível! Onde você está com a cabeça? Quer que eu a jogue como cachorro sem dono no meio da rua amanhã bem cedinho? É isso? – Maggie me dizia.
- Não, Meg, olhe...
- Sinto muito, Sra. A culpa foi minha. Lily esqueceu a bolsa dela em meu restaurante e eu vim lhe devolver – James me interrompeu, apontando para a minha bolsa de couro brilhosa, fazendo com que eu e Maggie estendêssemos nossos pescoços para olhá-lo – Foi um equivoco, eu lhe garanto – quando eu iria contradizer, ele me atropelou mais uma vez: - Posso oferecer-lhe um almoço em meu restaurante, se a Sra. quiser...
Duvidava muito que James conseguiria comprar Maggie.
- Ah – Maggie parecia desconcertada – Não, tudo bem. Eu não... Lily é... Eu não iria demiti-la. Foi só modo de dizer.
Arregalei os olhos.
Hum, o quê? Dá para repetir? Ou dar replay para sempre?
- É, a Lily é uma ótima menina. Seria realmente um desperdício enxotá-la daqui por causa de meros minutinhos – James sorria.
Fiz uma careta mínima para ele, indicando que era hora de ele parar.
- É, minutinhos são recuperáveis – Margareth disse ao tom agudo.
- Hum, Maggie... – comecei. Eu precisava ir para a minha sala tanto quanto jamais precisei.
- Certo, querida, nós temos de trabalhar... – ela me respondeu, dando-me tapinhas distraídos em meu braço.
A Maggie odiava aproximação física com seus empregados. O que era aquilo? E desde quando ela me chamava de “querida”?
- Maggie...
- Oh, é! A Elisa precisa de você na sala dela! Você não tem noção da quantid...
- Até sábado, Lily – James me disse.
Parei de escutar a Maggie e perguntei a James:
- O que tem sábado?
- O jantar para o qual acabei de lhe convidar – ele me falou, e antes de andar para o meio-fio, lançou a mim uma piscadela.
Piscadela. O James tinha piscado para mim!
- O quê? N-não! James, eu não irei a essa porcaria!
- Eu lhe pego às sete. Não precisa usar nada muito sofisticado – lá na frente do semáforo gritou. Ouvi seu tom de riso.
- Mas...
Tarde demais. Ele já estava se misturando com outros cidadãos ingleses. Era só mais um naquele tumulto de pernas.
- Pela Lady Gaga! Quem é esse seu amigo? – Maggie me perguntou, logo que pisamos no ar fresco do lobby.
- É só o James. Fomos amigos no Ensino Médio – respondi.
- Au. Ele é um gato!
- Maggie – falei assustada. Aquela era a mesma Maggie que tinha gritado comigo a menos de cinco minutos e que me mandava refazer todas as pautas semanais?
- Ah, sim. A Elisa. Vá até o sexto andar e veja o que ela tanto quer com você – ela me mandou, ainda naquele tom suave.
- Certo – e, assim, embarquei no elevador rumo à sala cor pastel de Elisa.
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N/A: Ooooii! Eu sei, eu sou muito má. Semana passada não postei nadinha ;/ Mas é que não tinha escrito nada, entendem. Então, escrevi nessa semana um monte e aqui está o quarto cap! Espero que gostem!
Amei os comentários, realmente obrigada. Vocês não sabem quão felizes e satisfeita me fazem! *-*
Have a Nice Day!
Beijinhos ao cubo!*
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