Capítulo 3
Capítulo III
Narrado por: James Potter
Local: Spring Restaurant – balcão de pagamentos
Horário: 11:30h
Quando: 27/AGOSTO – terça-feira
Hannah gostava de berrar de vez em quando. Mentira. Gostava de berrar sempre. Na maioria do tempo achava que ela fosse do tipo bipolar ou qualquer outra coisa. Depois de gritar com os cozinheiros, e depois de fazer aquela cara dura e fria para os pobres garçons (não pobre no salário, porque eu achava que até os pagava bem demais para apenas levar e trazer pratos e talheres e copos), o que Hannah mais amava fazer era – sem sombra de dúvida, e nisso eu apostava todos os meus dedos – me analisar psicologicamente. Ah, não confeccionava aqueles diagnósticos bonitinhos e simples, do tipo: “Você é carente e tem tendência a chamar atenção por onde passa”. Claro que acho que isso mais combine com a Kate Moss do que comigo, mas isso seria um parecer bastante aceitável e inatingível.
A frase que Hannah sempre despejava a mim era outra: “Você aparenta ser carente, mas o que muitos não enxergam é a sua elevada carga de culpa, de desprezo por si mesmo e de rejeição por questões ainda ambíguas. E que eu estou prestes a descobrir”. Era mesmo muito satisfatório chegar das ruas molhadas e fétidas do centro, após ter enfrentado algo similar a uma tempestade de verão, entrar suspirando e sacolejando o cabelo, para tentar se livrar daqueles pingos que inundaram meus cabelos, e ter de escutar a voz cantada dela me propiciando mais um fim de tarde exaustivo e depreciador cujo objetivo era sempre tentar investigar meus sintomas, para poder lançar qualquer psicanálise sobre mim. Quero dizer, será que ela não pensava que se eu realmente estivesse disposto a ouvir análises minuciosas espirituais sobre a minha pessoa já teria procurado algum psicólogo na lista telefônica?
Aliás, eu nem sei o que psicólogos realmente fazem.
Mas a Hannah sempre soube. Não era a toa que estava cursando seu sétimo semestre de psicologia na Universidade de Londres. E aparentemente – apesar de ter quase cem por cento de certeza – eu era a sua cobaia especial.
E, como todas as outras vezes em que me adentrava pela porta de meu restaurante, Hannah, lá do balcão da recepção – onde haviam cadeiras estofadas muito aconchegantes e um simples sofazinho de couro em tom pastel, já que muitos clientes tinham de aguardar mesas livres e disponibilizávamos uma espécie de “sala de espera”, composta pelas mesmas luminárias quentes que iluminavam o restante do local e por cinzeiros decorativos (porque era expressamente proibido fumar ali dentro) – estava folheando a última edição de uma revista feminina qualquer que trouxera de casa. Ou talvez tivesse surrupiado da nossa cesta oferecida aos clientes que tinham de esperar alguma família ou algum casal dar passagem a mesas já em desuso. Ergueu os olhos castanhos para mim, só por costume. Quando a porta se abria, lá iam seus olhões naturalmente assustados averiguar se quem estava entrando era um cliente. E se não fosse, podia descartar o trabalho e continuar a apreciar aquelas magrelas com vestidos horrorosos pelas várias páginas da revista. Mas se fosse eu quem tivesse aberto a porta, sua reação era outra. Não voltava a abaixar a testa e continuar a ler sobre como ter coxas do tamanho da Jennifer Lopes ou sei lá quem. Não, de jeito algum. Ela ficava com seus olhos focados, como cachorro hipnotizado, em mim, mais especificamente em meu rosto, e após me ouvir suspirar – ei, você acha que três quarteirões não são nada? E se acrescentarmos pilhas e pilhas de condimentos de cozinha? – balançava a cabeça loura platinada, quase tão caótica quanto à daquela vocalista de ska dos anos oitenta/noventa. Gwen Stefani, talvez. Bom, tanto faz. O negócio que só de olhar para seus cabelos – os de Hannah – me sentia demasiado enjoado.
Então, dizia:
- Já começou mal o dia, James?
Não havia ironia ou alguma percepção cômoda de realidade. Ela simplesmente repetia a mesma frase todas às manhãs. Era como um mantra.
Não obstante, eu apenas relaxava meus lábios, moldando-os em um sorriso amarelo.
Meus dias começavam sempre repetidos.
Até aquele dia, ao menos, tendo em vista que depois de eu fingir um sorriso, Hannah parecia entediada demais para relatar as observações do mês do meu signo a mim. Achei que não tivesse ainda chegado à área esotérica da revista, mas ao me deparar com quatro revistas empilhadas ao lado de seu braço desnudo, presumi que talvez o dia para ela também não estivesse o dos melhores. O que, se quer saber, era um pouco surpreendente, porque Hannah tinha um espírito muito alegre, independentemente do que lhe acontecia. Sorria sempre aos clientes e não fazia objeções a ter de correr por várias vezes atrás das crianças cujos pais eram sem-noção e as deixava fazer o que quiserem dentro de meu restaurante. Na verdade, Hannah era do tipo sociável com qualquer um. Não havia ninguém que Hannah não conseguisse entreter ou arrancar uma risadinha. Acho que todas as universitárias são assim.
Como já existiam alguns senhores de ternos, possivelmente banqueiros ou empresários, sentados comportados nas cadeiras de espera com jornais nas mãos, desviando os olhos das letras impressas, de minutos em minutos, para a Hannah, aguardando que ela se pronunciasse e lhes guiasse para suas respectivas mesas já vagas, julguei que a pobre Hannah já estava saturada com tantos caras impacientes à sua volta. Alguns chegavam a bufar, descontentes, como se fosse sua culpa que seus aparelhinhos de luz não apitavam.
A partir das onze da manhã começavam a surgir os problemas. Era cebola que estava em desfalque, era o Finn que conseguira se cortar genialmente com qualquer coisa – seja pontiaguda ou não –, ou então telefones com as linhas congestionadas. Sem contar os vários clientes assíduos que brotavam na frente da porta, com suas bengalas ou sobre-tudo (no inverno), e apinhavam o interior do Spring Restaurant num piscar de olhos. Então, quanto mais gente aparecia, mais irascíveis os velhos dos jornais ficavam, mais entediada e irritada a Hannah ficava e mais propenso o caos estava a se instalar ali.
Mas eu não entrava em pânico. Uma vez que se é dono de um estabelecimento comercial preparado a estufar barrigas alheias de comida picada e quente, você começa a aprender a manter a calma sob qualquer tipo de circunstância. Mesmo quando um quarentão ameaça processá-lo caso tiver de permanecer por mais cinco minutos sentado no sofá da recepção – que, por acaso, é bastante cômodo e macio, de modo que não tinha como alguém se cansar de ficar sentado ali; eu mesmo o testei, só para constar.
Naquela manhã, com poucas nuvens no céu, mas o bastante para fazer com que o Sol encontrasse nossas peles de maneira difusa e controlada, antes de chegar ao restaurante, tinha feito uma pequena, humm, solidariedade. Certo, talvez não fosse solidariedade coisa nenhuma. Mas não podia chamar aquilo de perseguição. Fazia quase uma semana que não aparecia no condomínio de Lily, o Lancelot, inquirindo sobre ela para o porteiro simpático de sua torre. Porém, como eu já tinha de ir perto da residência dela, por conta de uns ajustes com antigos distribuidores alimentícios – porque parece que as pessoas só entendem nossos requerimentos ao vivo e em cores. Nada pode ser feito pelo telefone; é revoltante -, saí de minha casa já preparado. Com a caixa-surpresa embaixo dos braços e a chave do carro nos dedos.
Não vou mentir e dizer que não estava um tanto quanto ansioso. Era cedo. Antes das oito. O Sol ainda nem queimava nossos olhos. O noticiário ainda estava sendo transmitido, assim que desliguei a TV. Sob esse prisma, achei que fosse possível o porteiro me dizer que, finalmente, a condômina procurada por mim ainda estava em casa; ainda não fora trabalhar. Durante todo o trajeto, fiquei louco raciocinando as muitas frases que gostaria de lhe dizer. Só que nenhuma delas me pareceu ter muita coesão e coerência. Então, ali no carro, eu estava em pânico, engolido pelo meu próprio plano. E se tudo saísse às avessas – se Lily não quisesse de jeito algum ser paciente e escutar minhas palavras (ainda desconhecidas por mim) -, como conseguiria retornar trazendo a caixa? Ah, talvez eu não precisasse lhe dizer nada, somente lhe estender a caixa. No entanto, apenas isso não me bastava. Não parecia o certo. Ela acharia tudo muito vago, e então, como a conheço – ou, ao menos, costumava conhecer – ficaria amedrontada ou desconfiada demais e nada faria. Não abriria a minha surpresa ou qualquer outra coisa. E então, perdê-la-ia para sempre. Mais uma vez. Apesar de ter o pleno conhecimento de onde agora residia.
Assim que avistei as cinco torres, todas impecavelmente alvos, praticamente límpidas, imperando placidamente perante meus olhos, quase ao horizonte, não pude evitar lançar um olhar enviesado àquela caixa que repousava ao meu lado, bem no banco do passageiro. Apesar de ela aparentar ser inofensiva, não acho que internamente fosse tão adorável assim; e quando Lily a abrisse e revolvesse tudo ali contido, “inofensiva” seria a última palavra que passaria por sua mente fervorosa. Talvez, a primeira frase que soltaria seria: “Eu odeio o James Potter”. Ou outra que remetesse explicitamente a mim, lógico. E nenhuma poderia ser chamada de “agradável”. De jeito algum.
Estacionei no meio-fio, ansioso: aguardava que o meu êxtase e meu crescente pânico se aquietassem. Seja forte, Potter. Você sabe o que fazer. Somente entre lá, deixa a caixa e não ouse perguntar por Lily. Se questionar por sua presença mais uma vez, o porteiro o enxotará de lá com a vassoura na sua bunda. O semblante do velho era maltratado e caridoso, embora seus olhos demonstrassem expelir certa raiva depois da minha quarta aparição no lobby.
Acho que colocara na cabeça que eu era um problema que deveria se livrar, talvez para que a inquilina ruiva não desse parte dele ao síndico do local, apresentando-lhe que a segurança não permanecia rígida.
O chão do lobby continuava quase sem atrito, completamente livre de qualquer sujeirinha visível; fosse uma pulga ou uma migalha de waffle. Um homem com barba por fazer estava com os braços escorados no balcão de mármore cuja função sucumbia abrigar um computador de tela plana – não tão de última geração assim -, várias cartas e vários pesos de papéis coloridos.
- Minha mulher acabou de se mudar para a cobertura. Para o apartamento 903, o da vista para a baía, sabe? – o homem envolto em um terno escuro, de barba por fazer ia falando para o porteiro. O costumeiro porteiro que não agüentava mais me ver esgueirar pela porta de carvalho. Sei disso, porque ele enrugava os olhos e encrespava os lábios – As correspondências devem ser entregues lá em seu novo apartamento – como o senhor fez menção de questionar as palavras ouvidas, possivelmente porque não entendia como uma mulher casada se muda de apartamento e deixa o marido sozinho a alguns andares abaixo do seu novo, adquirido recente, mas o cara do terno não parece querer ouvir perguntas do porteiro, pois logo emenda: - Os novos tapetes e toalhinhas chegarão em um caminhãozinho daqui a pouco e quero que, antes de autorizar a subida dos encomendas, chame a Magda e peça que ela faça a assessoria de cada item, me entendeu?
O porteiro parecia embasbacado. Não podia dizer que o homem do terno foi muito educado, especialmente por seu tom de voz incisivo e agressivo. Com certeza era um empresário. Lidava muito com caras assim lá em meu restaurante. Eles se achavam donos da verdade e exigiam que suas vontades fossem cumpridas, independentemente do tempo ou da disposição.
- Com certeza, senhor. Aviso a Magda e peço que ela averigúe tudo – o porteiro disse, acho que mal entendendo o que estava pronunciando.
- Isso – então ele revelou estar ocupado demais digitando furiosamente em seu celular 3G para prestar atenção em qualquer acontecimento à sua volta; talvez isso justificasse seu descaso para com o senhor.
Ainda segurando o aparelho negro entre as mãos, deu meia volta, fez seu sapato de grife deslizar delicadamente pelo chão e, mal me notando ali, saiu por onde eu acabara de surgir.
- Pois não? – o porteiro me perguntou em uma expressão sôfrega e até mesmo decadente. Acho que, por estar com os olhos direcionados para a tela do computador, não olhou direito para meu rosto, de modo que não me reconheceu. É claro que me reconheceria: era a sexta vez que aparecia ali.
- Oi – minha voz reverberou grave demais, fazendo com que ele levantasse seu queixo para mim.
- Ah – pude detectar disparidade em seu tom. Não soava nem um pouco como tinha há poucos segundos, enquanto tentava interceptar o empresário-do-celular-que-não-sabia-ser-simpático – Você – seu olhar recaiu imediatamente na caixa prateada segura em minhas mãos.
Soltei um risinho, só para não deixar a atmosfera tão pesada. Estava bastante claro para mim que se ele pudesse me mandava voltar no próximo século.
- Aham – montei um sorriso meio capenga em meus lábios – Só quero entregar isso à minha amiga – respondi, dedilhando na tampa da caixa de sapatos revestida por papel brilhante.
- Claro – ele assentiu – Mas a Srta. Evans já partiu para o trabalho há quase meia hora, caso queira entregar o presente nas mãos dela – explicou.
- Não, tudo bem – levantei minhas mãos, ainda grudadas na caixa, para a altura de meu tórax – Não preciso entregar nas mãos dela. Só quero que Lily a receba, certo? – enfatizei a última palavra, mas não de modo ameaçador. Poderia ser entendido como amabilidade, se quisesse.
- Oh – o senhor deixou escapar, ainda mirando o que eu levara comigo – Não se preocupe: a Srta. Evans abrirá esta caixa assim que eu a vir, quando chegar do trabalho – prometeu-me, já estendendo as mãos murchas e escuras em minha direção.
- Maravilha – sorri mais à vontade – Agradeço muito – disse-lhe.
O velho apenas acenou com a cabeça, levando seus cabelos lisos, já semelhantes aos dos elfos ou de algum ser assim, aos olhos.
Não posso dizer que não estava levemente decepcionado. Em minha mente, o Sr. Porteiro me dizia com a maior alegria que Lily estava ainda em casa, então ela desceria com a melhor roupa que eu já a tinha imaginado, sorriria com a doçura que eu me recordava, nós conversaríamos amistosamente e intimamente, entregaria o seu presente a ela, em seguida Lily colocaria uma das mãos à boca, assim que passasse seus olhos no que eu tinha depositado no interior da caixa. Por conseguinte, agarraria meu pescoço e diria que também tinha sentido a minha falta imensamente por todos aqueles anos longe de mim.
Mas o que aconteceu em minha mente não foi exportado para ali no lobby. Também, pudera: sonhos são perfeitos demais; a realidade é tão massacrante, que nenhum resquício de sonho é válido no mundo fora da bolha perfeita.
Desgarrei-me do “presente” de Lily, passando-o para os dedos compridos do senhor. Será que ele o guardaria certamente? Existia grande parte de um passado irrecuperável ali dentro. Não admitiria nenhum tipo de desleixo.
Aquilo quase resumia seis anos de minha vida. Ele escondeu a caixa debaixo do balcão, onde acho que havia prateleiras. Endireitou-se e disse:
- Lily a pegará assim que voltar – garantiu.
- Obrigado – forcei-me a responder, apesar de somente querer sair dali o mais rápido possível. A decepção por não ter sido recebido por Lily deixou a situação muito pesada.
- Às ordens, meu caro – ainda que seu tom tivesse saído de forma cordial, ouvi seu suspiro e seus olhos rolando nas pálpebras.
A vassoura logo chegaria em minha bunda, disso eu sabia.
Caia fora, James.
No segundo seguinte, estava eu me direcionando para debaixo das nuvens fofas e brancas. Inspirei aliviado assim que a brisa morna da manhã acariciou meu rosto. Respirar ali era mais suportável.
Após dar a paradinha no apartamento de Lily, segui, logicamente, para meu segundo destino: os antigos fornecedores.
Não sabia que negociar era tão difícil até me deparar com os olhos irredutíveis de Michael e de Diana.
Caramba, eu não podia indenizá-los por uma coisa mínima! O meu estabelecimento precisava do dinheiro.
Ainda assim, nenhum dos dois pareceu se comover. Falaram, assim que percebi que me sentia muito mais do que exaurido naquele porão mal ventilado:
- Ligaremos, Potter.
Certo.
Mais ligações.
Que de nada adiantariam.
Beleza.
O dia estava mesmo muito ótimo.
E eu sabia que quando eu colocasse meus pés no restaurante seria prensado na parede pela voz de Hannah.
Meus dias estavam se esvaindo com uma facilidade extrema.
Mecânicos e simplórios.
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Narrado por: Lily Evans
Local: Prédio da revista Fifteen – 4º andar
Horário: 08:25h
Quando: 28/AGOSTO – quarta-feira
Quarta-feira não era um dia de extremo estresse. Só quando esse dia da semana, especificamente, caía em dia de fechamento de edição. Aí o tempo fechava e um tornado chamado Maggie Penny não cessava com seus berros nem com os e-mails furiosos, em uma tentativa pressurosa de nos alertar que o tempo estava se esgotando e que todos estariam na rua no dia seguinte. Claro que, na verdade, a conversa de demissão era mais uma estrapolação, uma vez que Maggie precisava de redatores e de freelancers e de todos que ali trabalhavam.
Mas Maggie era uma mulher muito determinada. Talvez até mesmo insuportável. Não era por menos que ainda não tinha estabilizado a vida amorosa. Não que haja algo errado com isso. Mas uma mulher que desfilava de tailleur cinza-chumbo, decorava seu pescoço fino com pérolas delicadas, exibia Manolos Blahniks todos os dias e tinha quarenta e um anos, sendo que todos os produtos de rejuvenescimento alegavam, no máximo, trinta e cinco, ainda não estar casada? Conta outra. Os homens admiram mulheres independentes que possam pagar suas próprias compras. Disso eu sei bem.
Mas aquela quarta-feira implicava estresse máximo. Vinte e oito de Agosto. A nova edição da Fifteen estaria circulando nas mãos de menininhas fofas quatro dias depois. Então, Maggie tinha me ligado. Eu tinha acabado de vestir meu hobbie preferido – aquele de oncinha que é acolchoado – e ainda estava me alongando na cama, sentada, pensando se ligava ou não a TV, para passar pelos canais até estacionar na MTV.
- Evans? – Maggie tinha berrado. Pelo barulho quase altissonante, parecia que ela se encontrava em um congestionamento ou em uma passeata.
- Oi, Margareth! – exclamei, fazendo uma careta pelo barulho do outro lado da linha – Caramba, onde você está?
- Tentando chegar à Fifteen – ela bufou e gritou algo muito deselegante para uma mulher que andava toda classuda pelo prédio que comandava – Coisa que você também deveria estar fazendo – não me dando tempo para responder, emendou: - Sei que acabou de acordar e que está sentada na cama vestindo o seu hobbie preferido.
Nem tinha como eu dar o bote.
Maggie já tinha tido a minha idade. Sabia de tudo.
- Chego à redação em menos de meia hora – é tudo o que consigo dizer, já disparando para o banheiro, pronta para ligar a torneira da banheira.
- Assim espero – Maggie me diz com voz dura – Porque caso cont...
Sei que é altamente arriscado desligar o telefone na cara da sua chefe, mas foi inevitável. Eu não possuía tempo suficiente para tomar o meu banho matutino, vestir-me adequadamente, beber o meu yogurt de frutas, procurar as chaves do carro de Maxxie – coisa que era uma tarefa árdua, porque ele sempre as colocava em lugares diferentes – e percorrer 17 quilômetros sem que corresse algum risco de não necessitar mais voltar à minha mesa de trabalho na manhã seguinte.
Imediatamente, deixei o telefone sem fio em cima da pia ampla do banheiro, retirei o hobbie que me agasalhava por sobre o pijama de dálmata e, em seguida, me despi inteira. A água da banheira já estava quente do modo como eu apreciava. Não acreditava que, por motivos de força maior, teria de sair de casa sem secar os cabelos. Você não tem idéia do quão arrepiados eles ficavam sem o arzinho quente do secador. E a minha pomada anti-frizz tinha acabado e eu não arrumara tempo – nem vontade – para dar uma andadinha até o mercado da esquina que repor o vidro vazio.
Em menos de meia hora, eu tinha me lavado, tentado retirar o máximo de umidade dos meus cabelos com a toalha, pregado uma presilha berrante neles, selecionado com vestidinho roxo – até mesmo básico demais para o trabalho, mas eu não me importava -, calçado as minhas sapatilhas prateadas, achado a chave do carro quatro por quatro de Max e estacionado em frente à pequena casa de Kathleen. Eu deveria ter ganhado algum tipo de prêmio, sinceramente.
Mas a última parte me fez quase retroceder e voltar para a minha cama. Porque eu jurava que Kathleen fosse arrancá-lo de mim e me fazer engoli-lo, de tão chocada que ficou após o reconhecer em meu pescoço. Nem acreditava que tinha me esquecido de tirá-lo dali. Ainda bem que Max estava fora e que era muito difícil de ver a minha melhor amiga durante o expediente, já que trabalhávamos em sessões diferentes. Porém, naquela manhã eu tinha lhe prometido que a pegava para irmos juntas à redação, porque seu carro tinha sido mandado ao conserto pela empresa responsável por ter deixado um poste de luz, que estava remendando, em cima de seu carro. O coitadinho ficou praticamente destruído, mas Kathleen não arredou pé e disse que o queria inteiro; ela nutria uma paixão doentia por aquela lata-velha, nunca que o iria substituir.
- Ah. Meu. Deus – ela crocitou de modo bruto, no momento em que sentou ao meu lado, ali no carro – O que é isso em seu pescoço? – seus olhos estavam esbugalhados.
Claro que, pelo jeito que falava, pensei que tivesse se alojado um tumor gigantesco em meu pescoço, desde a hora que deixei a água quente da banheira até ali, ou que, mais uma vez, desencadeara a costumeira alergia de pele em mim. Mas eu sempre andava munida: carregava meu filtro solar para todos os lugares. Câncer de pele tão cedo, eu não teria.
- O quê? – gaguejei – Como assim? – cacei um espelhinho nos confins de minha bolsa que imitava couro e mirei meu pescoço.
E foi aí que me dei conta: continuava com o colar de coração.
Sabe, Kath estava sendo uma ótima amiga. A melhor possível. Tinha a conhecido no último ano de faculdade e quando lhe disse que voltaria para Londres, ela tinha me dito que me seguiria. Seus pais nunca tinham feito muita questão dela, de modo que foi bastante simples Kathleen se desgarrar da família e se instalar em outra cidade. Eu tinha lhe contado sobre mim e James em uma noite de “sessão pipoca”. Dividíamos o quarto do alojamento. Fiorella, minha antiga companheira, tinha conhecido umas meninas e rapidamente me deixou sozinha, abrindo espaço para Kath fazer uma seleção de quartos que necessitavam de alguém. E eu com certeza necessitava; nunca me acostumara a viver solitária. Naquela noite, no campus, em frente à TV, eu tinha confessado tudo sobre a minha antiga e ainda não superada paixão. Kathleen, sendo Kathleen, apenas me disse que todo mundo tem o direito de sonhar e de procurar ser feliz do modo que assim lhe suprir as necessidades, depois que lhe contara que “não mais acreditaria em contos de fadas”. Só que àquela altura, depois de completados quatro anos de separação, eu já dizia que não acreditava nem mesmo mais no amor. Talvez porque tinha consciência de que iria sempre machucar alguém e não iria superar a culpa.
Por conta das muitas fotos acondicionadas na minha “caixa do passado” – muito bem escondida de meu namorado -, não tinha sido difícil que Kath tivesse visto aquele colar algumas vezes. Sua memória era praticamente fotográfica. O era não era muito bom, se pensarmos bem.
- Humm – fiz – Então – falei – Ele me devolveu – evitei os olhos dela, porque estava sem graça.
Eu sabia que ela estava com uma vontade imensa e descontrolável de me socar. Ah, eu TEMBÉM estava com vontade de me acertar.
Seu semblante ficou ainda mais chocado. Agora já estava no estágio de incredulidade.
- O James devolveu a você? – o nome de James saiu bastante enfatizado, como se estivesse com nojo.
- Hum, sim – confirmei, agora tentando rapidamente, e a todo custo, sumir com aquele objeto da frente de meus olhos.
Claro que assim que o tirasse, iria me sentir estranha. Como sempre.
- Mas você disse que quando vocês tinham se reencontrado... – Kath não estava pegando o ponto.
- Não, ele não me devolveu naquele sábado – balancei a minha cabeça. Finalmente tinha localizado o fecho da corrente – Ele entregou uma caixa para Ploo me dar e dentro dela estava o colar – expliquei. Minha unha se enterrou no ganchinho de fecho, liberando assim, o colar de mim – E duas cartas e um livro – joguei o coração no qualquer modo dentro da bolsa. Pude ouvir o baque do metal em algum objeto duro – Foi ontem à noite.
- Um colar, duas cartas e um livro? – ela fez cara de alguém que tinha chupado um limão – Só isso?
SÓ ISSO?
Eu estava em pânico por apenas estar com o colar nas mãos.
O MEU CORAÇÃO!
- Já foi o suficiente para me machucar ainda mais – suspirei, olhando tristemente para a rua.
Kath não pôde deixar de soltar um muxoxo de impaciência.
- Ele ainda ama você – decretou.
Não podia dizer que era verdade. Na segunda carta, as palavras de ames mais pareciam palavras de um amigo, não de algum antigo amor. Era como se ele já tivesse me superado. Certo, pode ser que não me extirpado de seu coração, mas estava QUASE chegando lá. Só faltava um pouquinho. Enquanto, eu, bobamente, ainda chorava escondida noite após noite por tê-lo perdido.
- Por que ele ainda me amaria? – não queria realmente deixar escapar tal pergunta, mas talvez fosse o hábito – Por que ele ainda amaria uma garota imatura que deu o pé na bunda dele com a desculpa mais estúpida do mundo?
A resposta, claramente, estava na ponta de sua língua. Ela era muito boa nisso.
- Porque o que aconteceu entre vocês foi inesquecível para ele, como ainda é para você – eu sabia que sua voz estava entediada.
Suspirei e revirei os olhos. Finalmente arranquei com o carro, começando a locomovê-lo da frente da casa de Kathleen.
- Se eu fui assim tão inolvidável assim, por que ele não foi atrás de mim em Liverpool? – essa foi a pergunta que mais rondava meus pensamentos enquanto estava fora de Londres.
Mais uma vez, Kath tinha a resposta:
- Porque ele tinha esperanças de que você voltasse – ela olhou seu reflexo por dois segundos no espelhinho do retrovisor e continuou: - Talvez ele tenha achado que você precisava de um tempo para respirar, para reorganizar as idéias e ter certeza do que queria.
- Mas eu não sei o que quero! – choraminguei.
- Você vai saber quando chegar a hora certa – então focou seus olhões de corvo em mim: - Você vai olhar para James e vai saber o que quer e o que fazer.
Balancei a cabeça e não reprimi o impulso de rir.
- Ah sei – falei, ainda gargalhando amargurada – Que planinho mais fácil.
Mas a verdade é que seria mesmo muito fácil. Eu colaria meus olhos nos de James e SABERIA o que quereria. Eu iria querer o James. Iria querer repetir todas as nossas antigas e perdidas tardes, inclusive a sensação extasiante do meu primeiro beijo. Eu simplesmente quereria reivindicar o meu ex-namorado.
Mas isso eu não podia revelar para minha amiga, porque eu também amava o Max. Afinal, fora o MAX que me ensinara a viver de novo, a ficar feliz com um simples gesto de carinho, com um simples entrelaçar de dedos, apesar de todos aqueles seis anos eu estar ocultando uma parte de meu passado, que tinha se tornado já presente novamente.
- É só acreditar, Lily – ela me disse – Você não pode querer enterrar o castelo.
- Que castelo? – minha voz saiu fraca e confusa.
- O castelo do seu conto de fadas – ela me respondeu com naturalidade.
MAS EU ME CANSARA DE CONTOS DE FADAS, LEMBRA?
Ou será que... não?
- Kath, eu não tenho mais cinco anos, está lembrada? – retruquei impaciente.
Ela soltou uma risadinha de gatinho.
- Não na aparência, mas seu coração permanece naquela época. Na época de James – pausa momentânea – Pode ser que você não esteja querendo aceitar isso, mas é a verdade. Você continua esperando por ele.
Ooopa. Mentira, Kath. Pode parando por aí.
Eu não estava esperando por James, caso contrário não estaria DIDIVINDO uma VIDA ao lado de Max.
- Não faça suposições idiotas – censurei aborrecida.
Meu Deus. A Kath vivia no Mundo das Princesas Encantadas!
- Lily, você estava usando o colar. O que isso significa? – ela preferiu abordar por outro ângulo.
Droga. Eu estava encurralada.
- EU SÓ ESQUECI DE TIRÁ-LO! NÃO SIGNIFA NADA! – não me culpe se berrei. Às vezes é só com gritos que conseguimos resolver algumas situações.
Eu estava com vontade de deixar o colar no meio do caminho para a redação. Estava mesmo. Maldito colar!
Maldito James!
- Então... por que está gritando? – rebateu a minha melhor amiga, com a voz mais complacente do mundo.
Naquela hora, eu quis DEFINITIVAMENTE me arremessar do carro. Ou melhor ainda: jogar a porcaria do colar para fora da janela e o esmigalhar com as rodas da picape de Max.
James era uma maldição.
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Narrado por: James Potter
Local: Spring Restaurant
Horário: 13:43h
Quando: 28/AGOSTO – quarta-feira
A hora do almoço era uma das horas mais críticas para se ficar dentro do restaurante. A ante-sala constituída pelas cadeiras macias e pelo sofá pastel ficava minúscula assim que começava a receber os primeiros banqueiros apressados e raivosos; ninguém apreciava esperar mais do que dez minutos. Mas era preciso. E ninguém gostava de entender nossas palavras.
Naquela tarde, ainda que a maioria dos clientes já estivesse sido atendida e já estivesse satisfeita, como se repetia dia após dia, havia aquela tensão no ar. Jornais torcidos jogados em cima do sofá e crianças chorando ou pedindo cadeirões por conta própria. E não era para menos que eu estivesse com gotas de suor na testa. Porém, nada disso explicou o meu momentâneo estupor quando notei duas mulheres discutindo com Hannah, logo na entrada.
- Ah, nem adianta, Lily. Não vou ficar aqui esperando! – a morena, parecendo muito impaciente, ia dizendo.
- Ah, pelo amor de Deus, Kath – a ruiva rolou os olhos – São apenas alguns minutinhos!
- Minutinhos o caramba! – exclamou a outra – Você já notou que temos somente uma hora de almoço? Se ficarmos mais dez minutos esperando e almoçarmos em quinze, pode dar adeus a sua carreira! Maggie vai comer nosso fígado!
A ruiva riu e em seguida olhou para Hannah, que as observada com uma calma extrema.
- Aguardaremos, querida – Lily disse à Hannah cujo rosto se iluminou com um de seus belos sorrisos.
- Ah, para! Você quer o quê? Fazer-me também perder o emprego? – a morena revidou, agora muito aborrecida.
- Ah, cala a boca, Kathleen – Lily fez um gesto de descaso com a mão.
- A mesa sete está com as sobremesas – Hannah se intrometeu – Garanto que em menos de cinco minutos as coloco sentadinhas naquela mesa.
Trabalhar com Hannah tinha suas vantagens. Ela conseguia convencer qualquer um.
- Acho bom mesmo! – a amiga de Lily bufou.
- Ai, caramba, você está precisando de uns remedinhos, hein – comentou Lily, logo indo sentar em uma das cadeiras e pegar uma revista qualquer para folhear.
A morena nada disse, apenas fez o mesmo que a ruiva: sentou-se para esperar a mesa sete.
Hannah estava certíssima. A mesa sete em menos de cinco minutos deixou o restaurante, fazendo os garçons sorrirem, depois que receberam alguns trocados generosos do patriarca da família.
Lily e Kathleen foram guiadas por Hannah até a mesa de almoço. Sem mais delongas, agarraram os cardápios disponíveis ali e pediram a primeira coisa que leram, eu acho. Hannah disse que foi frango ao molho de nata.
Harry, um dos meus garçons mais estimados – ao menos ele não se cortava dia sim, dia não nem me dava prejuízos por derrubar alguma louça toda semana -, estava passando por mim – eu estava atrás do balcão da contabilidade conferindo as notas pendentes (o que se faz depois de ser ameaçado com uma faca a não ser deixar o cara pagar o jantar em outra oportunidade?) – e eu o parei imediatamente. Por sua expressão, creio que estivesse pensando que eu descontaria algo dele, mas isso, com certeza, seria muito antiético.
- Harry, faça-me um favor – disse-lhe – Atenda aquela moça ruiva da janela – indiquei discretamente a mesa sete – Não deixe nada faltar lá, ok? E não deixe, em hipótese alguma, o Finn se aproximar de lá – Harry riu na última frase; eu sorri. Ele me olhou com curiosidade crescente, porém nada disse e saiu deslizando em direção à Lily.
Não que elas tinham me deixado muito ocupados as acompanhando almoçar, já que eu tinha pequenos problemas no telefone para resolver e até mesmo levar o pequeno Heck – o primogênito da família Estevens, lá do Alabama – ao banheiro, depois de todas as cocas-colas que ele resolveu beber.
Entretanto, surpreendi-me ao notar que elas não permaneceram nem quinze minutos sentadas em frente aos seus pratos. Até mesmo tinham rejeitado a torta especial do dia. Lily, percebi, espiava a toda hora o celular. Talvez estivesse esperando alguma ligação.
Quando se levantaram e resolveram pagar a conta no caixa – falta de tempo: disso eu entendia -, tudo pareceu estar em slow motion.
Arregalei os olhos, automaticamente, no momento em que a amiga de Lily parou à minha frente e ficou me encarando impressionada.
- Ai. Meu. Deus – ela falara.
Lily não notara seu tom de voz nem sua expressão assombrada em mim: estava com os olhos nos carros que passavam pela rua e vasculhava o interior de sua bolsa preta.
- O quê? O que foi? Será que dá para ficar repetindo isso? – Lily disse irritada e distraída, não se permitindo direcionar os olhos para a morena.
Kathleen olhou para Lily de forma entediada. Agarrou um de seus braços cor de porcelana e falou:
- Não! Olhe! – agora seus olhos estavam exigentes, e voltaram a me fitar. Eu franzi a testa, agora ficando paulatinamente assustado.
- O que é? - o tom de Lily ficou agressivo, e então, obedeceu à amiga, tirando os olhos verdes do tempo quente lá fora.
Quando Lily pousou aqueles olhos tão brilhantes em mim, e finalmente me reconheceu, pareceu que o frango ao molho de nata iria voltar dali a um minuto. E eu não pude culpá-la.
- James? – seu semblante passou de agressivo para estático; sua voz dava a entender que estava me confundindo com outro alguém.
Sorri. O que mais poderia ter feito?
- Ah, oi – continuei a segurar meus lábios naquele sorriso – Como vai? – quis saber.
Ela não podia alegar que eu não estivesse sendo amigável.
- O que você está fazendo aqui? – ela estava confusa, pude notar, mas acho que se esforçava muito para não rir.
Eu, com certeza, ri. Ela estava ficando gradualmente vermelha. Lembro-me de adorar vê-la ficar assim: ficava tímida sempre.
- Eu trabalho aqui – respondi – Sou o dono – acrescentei.
Por um segundo olhou-me sem palavras e então disse:
- Caramba.
- Nossa, eu não sou dona nem mesmo da minha casa! – Kathleen falou toda indignada – Só do meu bebê. Mas ele está no conserto.
Olhei para a amiga da Lily surpreso.
- Ah, é o carro dela – Lily me explicou.
Fiz uma cara de compreensão. O tédio perpassou pela face de Lily. Kathleen riu e emendou:
- Eu já volto. Vou ali ao banheiro rapidinho – passou apressada por Lily e seguiu pelo corredor com as placas indicativas.
Lily pareceu se fechar ainda mais, como se estivesse no auge de sua timidez. Olhou para fora novamente, como se estivesse maquinando um plano de fuga. Sem escapatória, tornou a me encarar, agora com olhos cautelosos.
- E então, quanto deu o almoço? – ela me perguntou - Pode colocar tudo junto, que eu vou pagar – falou.
Meu Deus, como eu estava nostálgico em mergulhar naqueles olhos verdes.
Tirei do sistema a somatória de seus pratos e de suas bebidas.
- Trinta e cinco libras – respondi. Ela procurou na carteira um de seus cartões. Entregou-me deslizando-o pelo balcão liso. Olhou para o final do corredor, que escondia os banheiros, impaciente. Enquanto passava seu cartão na máquina comecei, com um ar fingindo distração:
- Recebeu minha encomenda?
Instantaneamente ela esquadrinhou os olhos e encrespou os lábios.
- Sim – seu tom estava contido.
- Jogou a caixa fora antes mesmo de abri-la? – quis saber, rindo. Porque achei mesmo que essa fora MESMO sua reação. No entanto, Lily me olhou horrorizada, como se eu tivesse lhe sugerido maltratar uma criança.
- Não! É claro que não! – exclamou indignada.
- Sorte a minha – brinquei.
Seus olhos esmeraldas se revidaram.
- Diga a verdade – exigiu – Por que me mandou aquilo tudo? – sua voz estava ácida.
Deu de ombros, enquanto a esperava digitar sua senha.
- Achei que você merecia. Afinal, amigos presenteiam uns aos outros.
Ela voltou a apertar os olhos, mas não os lábios, pois estes se separaram um pouco, como que magoados.
- Amigos? – achei que sua voz estava ecoando em meus ouvidos.
Eu sabia o que ela queria dizer.
- Bom, sei que não há mais nada entre nós, portanto decidi que podemos, ao menos, ser amigos – dei de ombros novamente – Ou então você pode aparecer aqui todos os almoços só para comer a minha comida e tornar-se uma cliente – gracejei.
Apesar de não querer demonstrar, Lily gostou da brincadeira.
- Tudo bem, posso me tornar uma cliente – aceitou – Mas... amigos? – ela soava aborrecida, machucada e hesitante.
- Passado é passado – falei convicto – A menos, claro, que você não queira ser minha amiga – adicionei rapidamente, antes que ela revidasse - Mas acho que a entendo.
Ela olhou para os pés. Eu sabia o que ela estava fazendo. Estava fugindo de mim. Ela sempre olhava para os pés quando tinha que ficar envergonhada e achava que eu nunca perceberia isso. Mas claro que eu percebia.
Quis sorrir bobo. Não pude, pois logo seu olhar se encontrou com o meu.
- Você é muito problemático, sabia? – sua entonação estava inflexível – Qualquer cara normal não seria nem mesmo simpático comigo, do modo como está sendo. E eu sei que NÃO mereço a sua simpatia, muito menos a sua amizade.
Agora seu tom estava tingido de assombro e de mágoa. Meu coração se esmigalhou quando detectei a mágoa e somente quis dizer: “Está tudo bem. Não fale mais nada”. Mas ao invés disso, falei:
- EU decido se você merece ou não a minha simpatia e/ou a minha amizade. E tenho certeza de que merece.
Lily permaneceu me encarando mais um pouco, confusa e impaciente. E então suspirou, balançando os cabelos, agindo como se eu tivesse algum tipo de retardamento mental, que não tivesse entendido uma só palavra que ela tinha dito.
Nisto, sua amiga morena voltou do banheiro, sorrindo para nós. Lily fez uma expressão aliviada ao vê-la. Devolvi-lhe seu cartão juntamente com a nota.
- Essa é a Kathleen – Lily me disse, assim que sua carteira roxa fez um clic – Ela trabalha comigo.
- Oh, olá – estendi a mão e cumprimentei-a.
- Caramba, esse é um dia para se ficar na memória – Kathleen falou, fazendo Lily, por algum motivo, esbugalhar os olhos para ela e travar o maxilar – Ah, tanto faz.
Ignorando qualquer indício de maluquice ali, perguntei:
- Em que vocês trabalham? – olhei para as duas, mas depois me foquei em Lily: - Na época do Ensino Médio, você costumava me dizer que gostaria de fazer algo que mudasse a vida das pessoas.
- Trabalhamos na Fifteen, sabe? – a amiga me disse – Aquela revista adolescente que ensina as meninas a não se deprimirem após um fora ou a conseguirem a maquiagem perfeita para o primeiro encontro. Coisas do tipo – ela riu – Eu trabalho na parte da revisão, e Lily na da formatação e do layout. E ela ainda tem uma coluna só para ela, onde pode escrever sobre o que quiser a cada mês. O assunto da nova edição foi meio babaca, sobre calc...
Lily lançou a ela um olhar do tipo: “Cale já a boca!”.
- Somos só jornalistas. Nada tão maravilhoso assim – Lily logo interviu.
- Está brincando? – eu fiquei com cara de insatisfeito – Você tem todo o mundo nas mãos. É você quem escolhe o que as meninas usarão no verão ou qual ator está na moda – eu estava perplexo.
Vi seus olhos dançarem das pálpebras.
- É, Lily! – Kathleen disse.
Lily olhou-nos com aborrecimento.
- Está bem. Vamos, então, indo, Kath – ela amenizou o tom de voz.
- Nossa, quanto mau-humor – zombou a outra. Eu ri, mesmo sem querer.
- Não foi você mesma que disse que estava com pressa? Que não aguardaria nem um minuto para almoçar aqui? – Lily a atacou, furiosa.
- Bom, porque não achei que fôssemos nos deparar com o seu... hum, amigo – Kathleen disse.
- Certo – Lily me olhou de canto de olho, agora agarrando o braço da amiga, provavelmente para saírem do restaurante – Tchau, James. Até algum dia – ela me disse, mas seus olhos não estavam em mim. Eles estavam muito apressados para pousarem em mim.
- Ei, por que vocês não vão tomar um café amanhã? – sua amiga sugeriu, atropelando meus pensamentos.
- O quê? – Lily disse, bufando. Os olhos nervosos e os dedos mais firmes no antebraço de Kathleen.
- Ah, sei lá. Para relembrarem os velhos tempos ou algo assim. Amanhã eu nem poderei almoçar com você, por causa da Abigail, então o James poderia lhe fazer companhia – a voz de Kathleen estava insinuava chantagem, não sei por que.
- Kathleen! – Lily exclamou, enfurecida.
- Você pode almoçar de novo aqui, e o James lhe dá um desconto, não dá, James? – a morena piscou para mim.
Surpreso, sorri, aproveitando a proposta.
- Claro – respondi gentilmente, sem demonstrar alegria ou ânimo excessivo.
Ela me sorriu:
- Combinado – falou.
- Combinado? EU falo “combinado”! – Lily estava irada – Que história é essa? Eu não quero tomar café no almoço! Você sabe que eu não posso tomar café! – agora ela estava desesperada.
- Trocaremos o café por mousse de chocolate, então – eu lhe disse. Lily me olhou como se eu fosse um inseto muito irritante.
- Quem disse que eu quero mousse? – ela me perguntou.
- Ih, pare com isso, garota! – Kathleen lhe pediu com firmeza – É só um almoço. Ele não irá roubá-la ou lhe extorquir!
Lily inspirou muito lentamente, esperando se acalmar.
- Tá, tá bem – ela respondeu para a amiga com selvageria – Amanhã eu volto aqui para almoçar – olhou para mim como se eu fosse alguma arma de fogo.
- Bela idéia – concordei brincando.
Ela rolou os olhos.
- Certo. Até amanhã – Lily me disse, agora arrastando sua amiga – São 13:40h. Lembra-se de seu emprego? – virou-se para Kathleen.
- Odeio a Maggie – Kathleen decretou, e então abanou os dedos para mim e disse: - Você é legal, James. Não se esqueça do desconto amanhã. Lily gosta de descontos.
- Ah, pelo amor de Deus... – suspirou Lily.
Eu ri.
- Boa tarde, garotas – desejei, balançando a cabeça.
Elas saíram e seguiram para o final da rua. Assim que atravessaram a avenida, não mais as vi.
Espera, o quê? Eu tinha um encontro com Lily Evans?
James, acorde, está na hora de ir trabalhar.
Não, não estava na hora de ir trabalhar. Aquilo era a realidade, não um sonho.
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N/A: Oi, leitores amados! Sei que prometi este cap para amanhã, mas acabei de digitá-lo e não consegui esperar até amanhã. Sem contar que os novos comentários me ajudaram a escrever mais rápido e me fizeram muito feliz. É como eu sempre digo: se há platéia, há motivos. Então, eu simplesmente quis mostrar esse cap a vocês. Espero que gostem (: E comentem, claro.
Have a Nice Day! :D
Beijinhos ao cubo!
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