Capítulo 5



Capítulo V


Flashback – Último semestre do último ano
Local: Avenida Park Lane – casa de Wanessa, anfitriã da festa
Horário: 23:25h
Quando: 05/FEVEREIRO – sexta-feira


Lily estava se olhando no espelho. Já tinha trocado mais de dez vezes de roupa. Sua mãe já tinha lhe dado meia dúzia de conselhos, todos parecidíssimos, mas Lily não se aderiu a nenhum. A garota não guardara nenhuma minissaia da época da pré-adolescência nem possuía nenhum top transparente, que sabia que as meninas festeiras usavam em noite de festa, mesmo no inverno. Sabia que James estaria ali em sua casa dali a minutos e ainda não tinha gostado de nenhuma peça que vestira. Estava ficando gradativamente irritada e desanimada.


Assim que Sra. Evans se esgueirou pela porta da filha e lhe disse que “seu acompanhante” já tinha chegado, Lily colocou as mãos na cabeça e se sentou na cama, acabada. Após vários minutos, mergulhada no silêncio pressuroso, optou, finalmente, por uma skinny preta e preferiu uma suéter feminina rosa, apinhada de estrelinhas. Não se importou por calçar botas pretas que iam até suas panturrilhas e que ainda conservavam os pequenos saltinhos.


Inspirou fundo antes de dar o primeiro passo rumo à escada.


Percebeu quando James sorriu ao vê-la e quando as mãos de sua mãe se juntaram e seus olhos brilharam orgulhosos.


- Tudo bem? – ele perguntou naquele tom de voz que Lily achava que a extasiava.


Ela se limitou a assentir com a cabeça; não sabia se seria capaz de falar, estava começando a se sentir deslocada e desejou não ter aceitado o convite.


Despediram-se da Sra. Evans, que se encontrava muito feliz, mal acreditava que sua filha – aquela menina tão tímida e que sempre estava na defensiva – estava indo a uma festa acompanhada por um menino tão simpático quanto aquele menino, e seguiram para o carro de James.


- Você está diferente – ele comentou depois que acionara o ar quente.


Lily piscou apreensiva e espantada.


- Eu não sabia o que vestir – Lily admitiu, abaixando os olhos.


- Você está ótima – James falou, oferecendo-lhe as balinhas que existiam no porta-luvas.


Ela sorriu sorrateira. Pegou as balinhas de morango.


O som chiado da rádio era o que ecoava ali dentro. Lily não ousava levantar o olhar. James prestava vagamente atenção à música, pois aquele perfume no ar estava deixando-o inebriado.


Embora o silêncio estivesse preocupante (James não apreciava o silêncio), ao menos ali tudo parecia bem. Parecia que as peças estavam encaixadas e formavam uma imagem agradável. James gostou daquilo. Gostou do que vira na casa de Lily e, ainda que ela estivesse acanhada, não deixou de pensar que aquela era uma sexta-feira maravilhosa.


- Você não deveria estar indo a essa festa com a Kelly? – Lily quebrou o silêncio num sussurro.


James levou certo susto, mas não se aborreceu. Gostava do timbre da voz de Lily, era como o de alguém que tentava cantar uma canção de ninar: rouca, doce e angelical. Olhou momentaneamente para a garota e viu que ela não prestava atenção nele, mas sim no vento que batia em seus cabelos que esvoaçavam. Não aparentava estar desgostosa com o ar frio em seu rosto: seus olhos estavam semicerrados e sua face, tranqüila.


- Ela não pôde vir – ele quis rir, mas achou que seria demais – O irmão mais velho dela está prestes a se casar e ela teve de ir a um jantar de prestígio e tal – deu de ombros e resumiu: - Coisa de família.


- Hum – ela disse, mas James percebeu sua testa franzida. Com certeza, estava pensando em alguma outra pergunta – Mas e o pessoal da festa? – finalmente a garota tirou os olhos do ar fresco da rua e virou-se para James. Seus olhos estavam inquiridores ao máximo.


James não compreendeu o ponto da questão.


- O que tem o pessoal? – ele quis saber.


Lily tornou a se escorar na porta do carro e a encostar seu lado esquerdo da cabeça nas mãos, fazendo com que o vento voltasse a acariciar seu rosto, agora de modo violento, por conta da velocidade dele. Sua mãe tinha lhe dito que choveria mais para o final da noite e que o tempo estava oscilando muito: as brisas que outrora tinham sido lentamente varridas deram lugar a uma confusão de ciscos de poeira por todos os lados da cidade. Lily não sabia se gostava ou não de chuvas. Odiava dormir escutando os trovões baterem em algum ponto da Terra, mas as gotas que caíam a deixavam relaxada, como se a chuva pudesse lavar todos os seus problemas e angústias.


- Bem, caso não saiba, eu não sou a Kelly – Lily lhe disse como se o garoto fosse completamente retardado.


- Sei que não – James riu.


- E seus amigos também sabem que não – ela completou.


- Eu não me importo com o que eles digam – ele deu de ombros – Você se importa?


- Eu? – Lily arregalou vagamente os olhos – Bem, não sei. E se... algum comentário fizer com que você e a Kelly briguem ou terminem? Eu não quero ser responsável por nada de ruim entre vocês.


James de novo riu. Ele bem que não reclamaria se algo afetasse seu namoro com Kelly. Kelly era... Bem, a Kelly. Só quem não a conhecia não sabia que ela era um saco de aporrinhações. E James a conhecia bem até demais. Tanto que já não a suportava.


- Se alguém quiser falar, deixe que fale, oras. Você está devendo algo ao mundo?


Lily quis rir da pergunta. Ela devendo algo a alguém? Noventa por cento da escola nunca quiser a ouvira dizer uma sequer palavra, então como poderia estar pendente com alguém?


- Não – ela disse.


- Então, isso é tudo – ele lhe sorriu, que não retribuiu nenhuma reação.


Lily permaneceu quieta por mais dez minutos, quando, enfim, James estacionou o carro na garagem de Wanessa, a dona da festa.


James considerava Lily uma garota muito incomum. Não esquisita, mas diferente. Ele sabia que poucas pessoas apreciam de fato diferenças, entretanto estar ao lado de Lily não o fazia sentir-se idiota ou envergonhado: era uma sensação boa, quase de altruísmo. Sempre que a avistava pelos corredores, antes de terem se conhecido, admirava aqueles cabelos cor de fogo se ondularem por seu andar tímido e desejava, ao menos, incluí-la em algo. Não em seu círculo de seus amigos, pois tinha certeza que eles jamais a aceitariam com a facilidade que o mesmo a aceitou, mas sim em sua vida, ou até mesmo na sociedade. O garoto podia avaliar o tipo de atrofiamento social que a ruiva mantinha com seus colegas, e talvez aquela sua timidez inquebrável transcendesse o colégio: abrangia todo o mundo.


Quando os primeiros olhares caíram debochados nos dois, Lily se amaldiçoou por ter sido tão amigável e ter aceitado aquele convite. O que ela pensava? Que era uma das populares? Isso, jamais conseguiria (e não era como se quisesse). Instantaneamente, assim que entendeu os rostos alheios formando caretas, sentiu-se indesejada e altamente boba.


James colocou uma de suas mãos entre suas escápulas e a conduziu graciosamente para o interior infernal e barulhento da casa. Como ela imaginara, não ouvia nada além da música cadenciada e irritante. Lily não poderia descrever o quanto estava envergonhada. E o constrangimento se elevou assim que avistou uma procissão de meninas com drinques nas mãos, dando gritinhos histéricos com suas pernas bem torneadas e douradas de fora, pois todas apenas vestiam microminisaias de babadinhos (todas iguais, mas de cores diferentes) e tops brilhantes e pequenininhos. Algumas já estavam descalças, como se estivessem em um luau, mas sem as flores ao redor dos pescoços enfeitados por colares coloridos.


- Você quer alguma coisa para beber? – James lhe gritou em seu ouvido. A música era tão alta que isso não machucou seu tímpano.


Lily olhou para o balcão da cozinha, onde um casal de beijava. A menina loura sentada no tampo era segurada por mãos rápidas e firmes de um garoto. Lily desviou os olhos. E duvidava muito que ali tivesse bebidas que não continham algum nível de teor alcoólico.


- Coca Cola, pode ser? – ela perguntou.


Por favor, que tenha Coca Cola. Por favor, pensou ela.


- Claro, vou ver onde estão as bacias de refrigerante – James falou – Você fica aqui? – ele sabia que não precisava lhe indagar isso, pois já tinha consciência da resposta. Lily no meio de pessoas que não tinha afinidade, completamente sozinha? Nem por chantagem!


- As bacias são longe daqui? – Lily rapidamente quis saber, evitando olhar muito para as outras pessoas, principalmente para os casaizinhos assanhados.


- Não faço idéia – James riu, fazendo que com o sangue de Lily circulasse mais lentamente. Ele pegou a mão dela e a puxou cuidadosamente por entre os amigos e pessoas que nunca vira na vida.


- EI, JAY! – um garoto musculoso com cabelo cor de carvão o cumprimentou com um soco amigo no ombro.


- Oi, e aí, Sirius? – James falou, emparelhando Lily a ele.


- E aí... – Sirius Black disse vagamente, deixando seus olhos negros caírem na acompanhante de James. Notou que seu amigo ainda não tinha largado os dedos da menina, que parecia muito deslocada e tímida – Quem é você? – ele mordeu o lábio inferior e apontou para Lily. Não estava sendo grosso, pois seu tom era feliz.


- Hum, Lily Evans – a garota lhe disse, sorrindo pequeno, somente com os lábios, e em seguida abaixando os olhos para suas botas.


- Ei, você não trabalha para o jornal da escola? – o moreno quis saber, agora entusiasmado.


- Ah, sim – Lily confirmou, detestando os olhos do recém-chegado nela.


- Bacana – Sirius falou bobamente – E cadê a Kel? – olhou para o amigo.


- O Roger quis levar todo mundo a um restaurante por causa do casamento – James comunicou.


- Ahh... – seus olhos foram parar de novo na garota ao lado de James – E ela sabe que você está acompanhado de outra menina?


- Hum, não exatamente – James admitiu. Lily levantou o olhar, horrorizada.


- O quê? – ela perguntou – Você não disse a ela que estaria me trazendo aqui? – sua voz era um guincho.


- Não, ela não me perguntou nada.


Lily sentiu seu rosto se inundar de cor. Agradeceu por ali estar escuro o bastante para nenhum dos garotos perceberem seu rubor.


- Você deveria ter falado! Ela é a sua namorada!


- Uau, que garotinha mais esquentadinha, essa sua amiguinha, hein – Sirius tombou a cabeça para trás e riu.


- Não sou esquentadinha! – Lily o contradisse.


- Hã, não. Sou eu – Sirius riu ainda mais.


- Sirius – James falou – Por que não vai atrás da Marlene?


- Vou dar um tempinho – ainda com um sorriso com lábios, ele disse – Ela já me dispensou quatro vezes. Então, vou pegar outra menina por enquanto. Sei lá quem, mas não importa.


Lily balançou os cabelos. Nunca tinha estado em uma conversa entre meninos, e aquilo era mesmo muito depreciativo. Ela não via como alguém poderia “pegar” uma menina.


James riu e logo se lembrou de Lily.


- Venha. O Sirius tem mais o que fazer – ele disse a ela – Nos vemos mais tarde, cara – disse a Sirius, que colocou um dedão para cima e se virou para um grupinho de meninas quase sem roupas.


- Achei que você tinha dito a Kelly que tinha me convidado para essa festa – Lily falou, aborrecida.


- Não preciso ficar falando cada coisinha que faço para ela – James resmungou.


- Mas... – Lily soltou os dedos do garoto dos seus num gesto rápido – Isso não está certo.


- Relaxe e apenas se divirta, certo? – James a aconselhou.


Ela bufou e o olhou irritada.


Afinal, qual era o problema dos meninos?


- Ainda quero uma Coca – Lily falou.


- Claro – James sorriu e juntou sua mão com a dela, novamente – Acho que as bebidas ficam na lavanderia – apontou para o fim da sala e puxou-a um pouco mais, cuidando para não esbarrar em ninguém.


Conforme iam se esgueirando para chegar até a lavanderia, James parava para falar um “Oi, e aí, cara?” ou “E aí, garota? Tudo bem?” para muitos convidados. Lily tentava se tornar imperceptível, mas todos a olhavam com expressões esquisitas, como se estivessem sentindo algum cheiro ruim. As meninas de maquiagem e suadas de tanto dançar passavam e davam risadinhas zombeteiras, depois que notavam Lily ao lado de James. Lily só suspirava e se perguntava por que os refrigerantes não podiam estar logo ao lado da porta da sala, na entrada.


- James! Cadê a Kelly? – uma menina de cabelos lisos e escuros chegou neles, quando entraram na lavanderia.


Ela pegou uma Sprit Zero, abriu-a e tomou um longo gole.


- Ah, oi, Dorcs – James a cumprimentou – A Kelly foi a um jantar de família.


- Ah, que chateza. Ela acabou de perder a Marlene quase dando uma voadora no Sirius – a garota riu – Cara, foi lindo. É por pouco que o Sirius não esteja com o nariz quebrado! – James e Dorcas riram, até que a garota perguntou: - E ela? A Kelly sabe que você arrumou uma substituta?


- É a Lily. Só é uma amiga. Ela está na minha aula de Matemática Avançada – James falou.


- Seus nerds – a morena riu, indo cumprimentar Lily com um beijo estalado em sua bochecha – Cuida, hein, esse James é do capeta! – Dorcas disse à novata.


- Haha, brincadeirinha dela. A Dorcs é comediante nas horas vagas – James disse, empurrando a amiga levemente.


- Que nada. Eu sou sempre engraçada – Dorcas sorriu.


Lily pegou uma Coca, que rapidamente gelou sua mão.


- Bem, nos vemos por aí. Vou ali amordaçar o Remus, já volto – ela piscou para Lily e James e deixou o recinto, saltitando.


- Meus amigos... são um pouco exagerados – James se desculpou.


- Não, eles parecem bem legais – Lily aprovou, sorrindo e depois tomando um gole do refrigerante.


- Você quer dançar?


Lily quase cuspiu a Coca.


- O quê? Eu não sei dançar – respondeu de imediato.


- Claro que deve saber. A Emmy sempre diz que todo mundo nasceu sabendo dançar. Talvez você só não pratique muito – James lhe disse.


- Eu não pratico nunca – corrigiu.


- Está vendo? – ele riu – Esse é o problema. Então, venha, vamos praticar – voltou a puxar a colega pela mão.


- Não, espera – ela tentou fincar os pés na madeira, mas seus dedos não se desgrudaram dos dele – James, é sério. Eu não quero.


- É fácil. Deixe de ser teimosa – James tirou a latinha de sua mão e a deixou em cima da pia da cozinha.


- Não estou sendo teimosa. Estou falando sério – retrucou ela.


- Ahãm – James resmungou e logo estavam no meio de casais rindo e se mexendo se pudor.


- Olha, eu detesto músicas assim, então n... – Lily recomeçou, agora gritando, porque ali a batida ritmada e louca era bem mais alta.


- Escolha outra música – ele apontou para o som gigante que repousava na mesa de centro da sala.


- Não, não. Olha, isso é uma estupidez.


James riu em sua orelha e a puxou para mais perto.


- Divirta-se, Lily. É só isso – disse em seu ouvido.


Sem entender, Lily esqueceu-se por que estava tão aborrecida. James não parecia se importar que ela não soubesse dançar, então o que ela tinha a perder? Ergueu os braços, ficou nas pontas dos pés e enlaçou o pescoço do colega. James era ainda mais esquisito de perto.


A batida era enlouquecida, mas os dois não se movimentavam de acordo com ela: criaram um sistema próprio de ritmo, bastante aceitado por Lily, que sorriu positivamente feliz ao notar que não sentia mais tanta vergonha por estar ali.


- OLHE! O POTTER ESTÁ FICANDO COM A ESQUISITA!


Lily abriu os olhos. Não sabia qual fora a hora que sua testa encontrou o peito de James e resolveu ficar por lá, mas ergueu a cabeça e olhou ao redor.


Ela deveria ter imaginado que Tommy Sterlling fosse convidado a qualquer festa. Ele era a festa, sempre. E Lily sabia que quem tinha berrado aquilo fora ele. O louro dos olhos negros. Tommy adorava qualquer tipo de encrenca. Com amigos, com professores e com o diretor.


Em um milésimo de segundo, Lily empurrou James para frente e deu um passo para trás.


O que tinha de errado ali? Lily não compreendia muito bem, mas não se permitiu esperar mais.


- Caraca! O que ela está fazendo aqui? Não acredito que a Wan a convidou! – uma loirinha (aparentemente) inofensiva cochichou alto com uma amiga.


- Eu a convidei, Debby – James disse em um tom muito diferente. Não transparecia irritação, mas sim ódio.


Então, como se James fosse um comediante de stand up, o riso estourou compassado.


O quê? James Potter tinha convidado a menina do jornal para uma festa? Ele estava drogado?


Talvez. Mas não como a maioria ali. A droga era outra.


James viu Sirius e Dorcas olhar feio para os meninos que estavam aos seus lados.


- Calem a boca, seus otários – Sirius rosnou para alguns – Tommy, acho que temos uma conta a acertar.


- Sirius, não – James disse e se virou para Lily, que tinha se distanciado ainda mais dele – Nós estamos indo embora – comunicou a todos.


Lily, que permanecia com o rosto tenso e corado, sacudiu a cabeça, desorientada. James a amparou até a porta, decidido. Não sabia como suportava metade daquelas pessoas. Ao menos, Sirius e Dorcas eram pessoas amigas.


- Está tudo bem – James lhe disse, protegendo-a dos comentários cada vez mais altos.


- Não, não está. Você sabe que não está. Pare de mentir – Lily falou agressiva e empurrou a mão dele de seu ombro.


- Lily...


- Só me leve para casa – ela pediu.


O jardim já estava úmido e chuviscava um pouco.


Eba, chuva! Lily não sabia se ficava feliz ou se xingava.


- Lily, pare, ok? – James falou consciente dos olhos dos poucos que não tinham entrado para rirem deles.


- Por quê? – Lily quis saber, irritada – Isso vai me ajudar a sumir daqui ou a nunca mais querer sair de casa?


- Caramba. Não exagere – James suspirou incomodado – Foi só um incidente.


- Ah é? – Lily virou para ele, bruscamente – E o que a sua namorada vai fazer quando souber disso?


- Não sei, mas não me importo – James disse, andando mais rápido para alcançá-la, pois tinha voltado a andar depressa demais – Lily, espere...


- Era por isso que você tinha que ter contado a ela! Está vendo no que deu? Aposto que ela não vai ficar nada feliz!


- Lily...


- O quê?


- Você está congelando. Por que não entra logo no carro?


A garota, exasperada, rolou os olhos e se sentou no banco, ao lado de James.


- Você é um idiota, sabia? – ela comentou, segurando a testa nas palmas das mãos, querendo chorar.


- Bem, ninguém pode dizer que a festa não teve atrações – James brincou.


Lily fulminou-o e segurou as lágrimas.


As gotas agora já pesadas da chuva batiam no carro, causando muito barulho. A canção melosa da rádio foi abafada pelos pingos desordenados e densos. Lily respirou fundo muitas vezes para que James não presenciasse qualquer ataque de choro. 


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Narrado por: James Potter
Local: Spring Restaurant
Horário: 14:17h
Quando: 29/AGOSTO – quinta-feira


Não que eu estivesse arrependido. Jantares de negócios eram sérios e massacrantes. Hannah visitaria o Sam (seu quase atual namorado, por assim dizer) e tinha sido bastante categórica: não. E eu sabia respeitar um “não” bem dado, especialmente os de Hannah.


Se uma das meninas ainda estivessem morando em Londres... Mas nenhuma delas, pelo o que eu sabia, continuara na cidade, após serem admitidas nas faculdades sonhadas. A Unisersity Of London não era opção nem mesmo de Emmeline, que nunca gostara de estudar. Marlene tinha viajado para fora do país, acho que tinha ido para os Estados Unidos ou para a Irlanda; e Dorcas já se casara com Remus e viviam bucolicamente em alguma pequena cidade distante de Londres. Eu tinha sido convidado para o casamento, mas o pequeno avião não decolou a tempo, de modo que não consegui pisar em igreja nenhuma nem ver o beijo do casal.


De modo que só me sobrava uma alternativa. Não que Lily fosse minha última opção; ela sempre fora prioridade, porém, agora que retornara à cidade, não tinha sido especialmente a primeira a aparecer em minha mente. Talvez porque só a tinha visto duas vezes e não achei que reataríamos qualquer tipo de sentimento. Mesmo que amizade.


Ainda que eu desejasse muito que Lily acatasse minha oferta (admito que dois encontros em menos de dois dias é desgastante e forçado), não podia tirar da mente que duvidava muito que ela definitivamente estivesse disposta a me ajudar naquela noite de sábado. E foi exatamente por isso (para seduzi-la, digamos assim) que mandei os lírios para seu apartamento, não para seu trabalho. A grande idéia de Hannah era que eu lhes entregasse no restaurante, mas achei legal acompanhá-la de volta ao prédio da Fifteen (eu não acreditava que ela trabalhava tão perto de mim e eu nunca tinha sabido) e me esqueci das flores. Não que tivesse sido uma má escolha, porque depois que voltei do “encontro” com ela, tomei a liberdade de comprar pessoalmente outro cartão e escrever outras frases, diferentes das do original. Não sabia se ela cederia tão rapidamente, mas Lily sempre fora romântica, e (desculpe, mas é a verdade) é muito fácil atingir mulheres assim. Não é à toa que boa parte delas é enganada por cafajestes: eles, mais do que qualquer outro tipo de homem, sabem lidar com o romantismo sem deixar de serem “os caras”. Não que eu quisesse ser um dos “caras”. Nos últimos seis meses (especialmente os últimos dois) de Ensino Médio eu trabalhara incansavelmente nessa área, portanto conhecia bem esse lado acessível de Lily.


Mal retornei ao restaurante, que já estava quase em plena calmaria, e Hannah me assaltou a porta:


- E então? Como foi? Vocês combinaram de sair mais vezes?


Com o cartão de ursinho (não, nada de corações) na capa, fui para o meu habitual lugar, não para fazer contagem de mantimentos, mas para escrever palavras vindas do coração ali.


Hannah quis bisbilhotar, mas agradeci a ela quando se afastou e tratou de continuar a folhear revistas e a dizer “Obrigada” aos clientes que iam embora.


Hey, Lily!


Obrigado por ter aceitado almoçar comigo. Sei que não foi um encontro, mas foi algo bastante bom. Admirarei você para sempre e você sabe que não a acho criança. Foi só uma coisa esquisita que eu disse. Sua personalidade é uma das coisas que mais adoro, e quando a tive de volta senti-me novamente completo, como antes era. Espero que possamos sair mais vezes, pois continua sendo uma das meninas mais fofas do mundo. E sobre a noite de sábado, não quero obrigá-la a nada, mas acho que conheço um dos editores da Mojo, que com certeza ficaria lisonjeado por tê-la na revista. Não que isso seja alguma chantagem. É só uma ajudinha.


Com carinho, James


Reli-o tantas vezes antes de passar no prédio de Lily, um pouco depois das seis e meia (quando se é o dono do restaurante, você tem um pouco de liberdade para deixá-lo quando acha conveniente fazê-lo), que já tinha decorado minhas palavras. Hannah, logicamente, tentou e tentou me fazer ceder e lhe entregar para ler antes que eu partisse dali, mas sabia que ela sugeriria milhares de outras frases, e eu o queria intacto, daquele mesmo jeito.


O porteiro de sempre me atendeu, como todos os outros dias que eu estivera ali. Seu semblante alegre e bondoso me recebeu.


- Oi, meu jovem. Você de novo por aqui – ele suspirou. Há sempre algum dia que todos se cansam, disso eu bem sabia – A Srta. Evans não chegou do trabalho.


Sorri. Parecia que eu já conhecia seus hábitos. Os de Lily, não os do porteiro.


- Deduzi – continuei sorrindo – Não vim para vê-la. Só preciso que ela receba essas flores – e estendi o enorme buquê.


O cheiro enjoativo daquelas pétalas já estava me deixando com o estômago embrulhado e fiquei aliviado por passá-las para outras mãos.


- Certo. Como sempre, deixe o que quiser comigo, que a Srta. Evans receberá – ele rolou os olhos discretamente.


- Obrigado.


- De nada – seu tom estava entediado.


Como já treinava há um bom tempo a permanecer inatingível por respostas tortas e má educação, saí dali cantarolando uma velha canção das The Runaways.  


Tudo estava bem. Eu estava quase cem por cento convicto.


Ela aceitaria meu convite. Era só uma pequena questão de horas. 


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Narrado por: Lily Evans
Local: Prédio Lancelot
Horário: 23:21h
Quando: 29/AGOSTO – quinta-feira


Não sabia o que o James pretendia sendo tão baixo. De verdade, eu não fazia idéia. Tudo bem, eu tinha a maior noção. Ele era um idiota. Estava tentando dar uma de galanteador (uma palavra que tinha aprendido há muito com a minha falecida avó materna) para cima de mim. Estava tentando me amolecer e me fazer dizer que iria a seu jantarzinho de “negócios”. Duvidava muito que aquele jantar fosse de negócios. Talvez outro tipo de negócio, como... Certo, cale a boca, Lily. A sua raiva já tinha passado, não tinha?


Não, não tinha. Eu continuava morrendo de ódio dele, mesmo depois de um banho quente e de um episódio de Law & Order SVU.


Como ele tinha coragem de escrever aquelas palavras e ir dormir com a consciência limpa? Fala sério. Talvez... Ah! Talvez eu estivesse lidando com um maníaco que tivesse fetiche por calcinhas! Isso! Não. Claro que não. Era só o James. Mandara-me lírios. Como ele ainda se recordava dos lírios? Não que essas flores fossem as primeiras a aparecerem na minha lista, mas que garota não sente o peito se encher de carinho quando é presenteada com flores? Certo, eu era romântica e, conseqüentemente, uma eterna apaixonada por mínimos gestos de amor.


E que tipo de manipulação foi aquela, meu Deus? Eu podia mesmo acreditar que ele conhecia um dos editores da Mojo? Caramba, POR QUE fui abrir a minha maldita boca quanto a isso? Quem eu achava que ele era? Uma menininha de Ensino Médio que gostava de saber das novidades das colegas? Fazia seis anos que não o via e quando tenho a oportunidade de “sair” com ele, já vou logo soltando a minha língua descontrolada em relação às minhas aspirações e expectativas não alcançadas? Que tipo de pessoa eu era? Uma lunática? Uma retardada completa? E nem por um encontro com a Gwen Stefani eu acreditaria naquelas palavras (falsamente) fofas! Ele NUNCA me compraria daquele jeito! Se ele quisesse subornar alguém daquele modo que fosse abordar um policial ou uma estrela teen decadente! Não a mim! Quem James achava que era, pelamor? Tudo bem, já fora meu namorado (por somente dois meses, mas o que poderia ter feito?), mas agora representava o que a mim? Nada, simplesmente nadinha! O que, logicamente, é dedutível o quanto agiu altamente equivocado quanto ao buquê (maravilhoso e perfeito, mas tanto faz) de lírios.


Que mentiroso que aquele James era! Continuava gostoso e tudo mais, mas estava se achando demais só porque era dono do próprio negócio! O que ele ansiava? Esfregar em mim o quanto eu era uma mulher sem futuro algum?  


Não que jornalistas não tenham futuros promissores (e o cara que apresenta o telejornal às sete da manhã? Por favor, Jesus! Ele deve ter um mundo de dinheiro nas costas! E aposto como se ele preferir largar o emprego nunca mais precisará aparecer na TV! Mais ou menos como a Madonna ou o Jay-Z), mas trabalhar em revistas não é a melhor coisa caso o seu verdadeiro sonho não seja ficar colorindo páginas ou colocando notas de rodapés. E duvido que a Larissa, aquela jornalista do nono andar que sabia falar alemão, estivesse contente por ter que ficar perguntando para a Demi Lovato qual era a marca da porcaria do batom rosa dela. Oi, eu tinha o batom rosa da Lady Gaga! Custou mais do que um vestido, mas e daí? E aposto como ninguém queria ficar sabendo que tipo de sensação eu tinha quando o esparramava em meus lábios. Batons, pelo o que eu saiba, sempre foram batons.


Ha. Ele só estava perdendo o tempo dele, pode acreditar. De mim, ele não levaria nem uma migalhinha. Nunca tinha sido do tipo que se admirava por pouco. Comigo era tudo ou nada. E James levaria um “nada” tão grande que teria vergonha de me convidar mais vezes para qualquer tipo de programa. Além do mais, eu nem era uma garota de negócios. Mal entendia o que Max fazia na empresa de papel sustentável do pai dele! Poucas tinham sido as vezes que realmente o acompanhara nos jantares de negócio. Era tão maçante, que depois de meia hora desejava estar picotada. E meu namorado nem notava o quanto eu detestava aquilo! Tudo bem, depois da terceira vez, a ficha dele caiu e nunca mais fez questão de me levar, mas depois de quatro anos juntos era de se imaginar que ele já me conhecesse o suficiente (e soubesse que eu não apreciava jantares com pessoas que coordenavam multinacionais ou que se vestiam como a Anne Hathaway).


Certo, eu não o conhecia o suficiente igualmente. Se o conhecesse já teria há tempos sabido sobre o envolvimento milionário dele com a CSP.


Como ele nunca dividiu aquilo comigo? Eu era sua namorada oficial há quatro anos! Depois de um relacionamento tão longo assim é de se imaginar que você conte até mesmo com que idade você ganhou o seu primeiro sutiã para o seu parceiro (não que algum dia eu tivesse revelado isso a ele. Maxxie nunca se apegara a detalhes relevantes). Admito que eu nunca fora uma menina super aberta a conversas íntimas ou que confessasse segredos, mas contava tudo o que podia a ele. Contara até mesmo sobre aquela vez que tentara pintar o meu cabelo de preto aos nove anos (porque quando você é uma criança ruiva, você detesta ser apelidada de “A Bruxa do Fogo”), quando conseguira roubar da estética de uma amiga de mamãe uma ampola de tinta preta. Maxxie, na época, tinha rido e achado um amor, mas após um tempo não via mais graça. Não que eu precisasse ter um namorado que risse das minhas piadinhas idiotas (claro que um namorado fofo e engraçado é bom demais, mas não queremos um cara bobo que ria por qualquer coisa, não é?), porém sentia falta do Max bem humorado da faculdade. Bem, no começo do namoro, nos dois primeiros anos, mais ou menos, ele era mais desencanado e menos sério (e, conseguintemente, mais extrovertido), só que em seu último ano como universitário, tudo se modificou um pouco. Ele já não conseguia rir por pequenas coisas, já não se interessava por ir ao boliche nem mais assistia a Dexter.


Tudo bem, que crise era aquela? Eu estava muito feliz com o Maxxie! Não preciso lembrar quão importante tinha sido seu papel depois do meu Ensino Médio, preciso? Fala sério. Talvez, então, eu estivesse magoada. Nossa, devia ser assim que ele se sentia quando eu “escondia” algum tópico que o mesmo considerava insubstituível e de extremo peso íntimo. Mas o que eu podia fazer se era uma menina tímida?


Droga, eu tinha que consertar aquela situação antes que fosse tarde demais ou que eu fizesse alguma estupidez (como sempre fazia quando entrava em pânico e não sabia como lidar com situações inesperadas).


Ah é, os e-mails foram inventados para isso. Para mandar mensagens. Certo.


Não.


Um e-mail pareceria frio demais. Eu não era uma pessoa fria.


Se tinha de conversar seriamente com meu namorado seria pessoalmente, porque daí eu saberia os sinais de mentira (que tinha aprendido assistindo a episódios de Lie To Me). Sem contar que eu não era muito boa com e-mails.


Não era uma pessoa muito ligada em internet, para falar a verdade. 


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Narrado por: Lily Evans
Local: Prédio da Fifteen – 4º andar
Horário: 10:45h
Quando: 30/AGOSTO – sexta-feira


Não, eu não estava hiperventilando por causa daquele e-mail. Achava que fosse porque estava com somente um copo de suco de pêssego e metade de um moccacino de leite desnatado no estômago, mas BEM no fundo, sabia que não era uma das verdades mais concretas do mundo.


Como prometi antes de apagar as luzes do quarto, na noite anterior, depois de ter lido mais um capítulo de Diários de uma Paixão (John Sparks), e ir dormir, assim que cheguei à minha mesa na Fifteen procurei o site do Spring Restaurant na internet, localizei o e-mail de James e escrevi a seguinte mensagem:


Para: James Potter
De: Lily Evans
Assunto: Noite de Sábado
Caro Potter, quem você pensa que é para ficar me bajulando daquele modo em um cartãozinho idiota junto com um monte de flores? Achei que tinha deixado bem claro ontem o quanto não quero sair com você nos próximos dias. Muito menos se for para ir a um jantar de negócios. Então, vá chantagear outra mulher. Uma que não tenha que dar conta de milhões de problemas e que não tenha um namorado.


Espero que esteja bem e que não venha mais atrás de mim.


Depois que enviei (não, não atinha achado que o e-mail ficou grosseiro nem nada, porque, sinceramente, o James merecia a minha raiva) tive que ficar descendo e subindo andares para averiguar algumas pendências com outras áreas (já que a Maggie pediu gentilmente (até parece) que eu o fizesse) e não consegui voltar ao meu computador antes das dez.


Então, foi só depois que fui até a máquina de café para me abastecer de moccacino com leite desnatado que vi. Abri meus e-mails e já tinha um monte da Kathleen me implorando para contar sobre o almoço do dia antecedente (éramos tão ocupadas que existiam dias que mal nos falávamos direito, então, pode-se imaginar o estresse daqueles jornalistas mega importantes) e um do James. Quando li o nome dele realmente não acreditei. Uau, o que ele fazia naquele restaurante além de ficar averiguando se eu lhe mandara alguma resposta em relação ao convite estúpido de sábado? Mas, bom, ele era o dono, o que provavelmente lhe dava alguns privilégios. Enquanto eu, uma mera colunista, tinha que ficar acatando a todos os mandamentos severos da minha chefa bipolar (talvez até mesmo tripolar, dadas as circunstâncias).


Quis dar prioridade aos ataques de Kath (mesmo que não fosse de fato contar a ela sobre o meu almoço na tarde anterior), mas percebi que não podia mais retular; então abri o e-mail do James e o li.


Para: Lily Evans
De: James Potter
Assunto: Fiquei chocado
Não dá para acreditar. Lily Evans está extravasando a sua raiva! Quem diria? Há seis anos você era muito mais adepta à pacificação, hein? O que aconteceu, está em um mau dia? Ou isso é só a sua baixa taxa de doce se refletindo? Enfim, se você achou que sendo muito esperta (e chatinha) iria me fazer sair do seu pé, escolheu o modo completamente errado para fazer isso. E se o seu namorado estará fora da cidade até domingo, por que você não pode sair para se divertir um pouco? Ele colocou algum tipo de rastreador em você? Uma coleira GPS, por acaso? É, achava que não. Portanto, não interessa mais quantos e-mails de característica estúpida você me mandará, o meu convite ainda está de pé e não estou aceitando “não” como resposta. Apanho-a às sete, como já lhe disse. Por mim, você pode usar até mesmo calcinha e sutiã, que ainda estará encantadora (como sempre).


Até lá.


P.S.: a Hannah mandou lhe comunicar que simplesmente adora as suas colunas na Fifteen.


P.S.: semana que vem comprarei a nova edição e a lerei. Prometo.


Mas que cachorro! Como eu queria distância dele! Caramba, por que ele teve de me achar naquela tarde? Eu estava muito bem antes de James ter reaparecido em minha vida! Que droga.


Então, eu estava hiperventilando. E estava muito furiosa também. James, ao contrário do que eu imaginara que seria, tinha sido bastante fofo nesse e-mail (apesar da ironia) e parecia que nada o impediria de me levar para jantar fora no sábado. Mas será que não passava por sua cabeça o quanto eu (ainda que tentasse disfarçar) continuava tímida e detestava estar no meio de gente de sucesso, que não precisava ouvir a chefa berrando de cinco em cinco minutos?


Onde estava a sensatez daquele cara?


E foi bem quando eu estava falando um monte de palavrões que a Kathleen entrou de supetão em minha sala, ofegando e de mãos na cintura fina. Sua expressão estava contraída e mortífera.


- Lily, se você nã... – ela parou quando ouviu os palavrões – Caramba, o que tomou no café da manhã? Urina de leão?


Parei de falar e corei. Fechei rapidamente a janela dos e-mails e cacei alguma das edições antigas da revista que eu deixara por ali.


- Ah, oi, Kath...


- Pode parando. Meu Deus, o que a Maggie lhe mandou fazer desta vez? – ela quis saber com os olhos arregalados.


- Ah, o de sempre – dei de ombros, torcendo para que a cor avermelhada de minhas bochechas desaparecesse naquele minuto – E você sabe que o “de sempre” consegue me irritar todos os dias.


- É, mas você sempre foi muito certinha para dizer palavrões ao vento.


- Você não sabe do que faço quando estou sozinha, oras! – aleguei.


- Hum, certo. E nem quero saber – ela fez uma careta de nojo e prosseguiu, agora com o tom mais severo: - Mas sério que não vai me contar nem um minutinho do que rolou entre você e o James ontem? Porque isso, Lily, é uma deslealdade muito significativa para mim. Pode apostar que me lembrarei de acrescentar isso ao seu cartão de Natal!


Inspirei vagarosamente e rolei os olhos. Caramba, por que tinha concordado em dar trela àquela mulher, na faculdade?


- Kathleen... – miei baixo, colocando uma das minhas mãos na testa. Eu estava pegando fogo – Por favor, pare de dar uma de menininha de quatorze anos.


Kathleen não gostou da analogia e fechou a cara.


- Se não posso agir assim com a minha melhor amiga, com quem vou agir? – ela exigiu saber.


Massageei minhas têmporas.


- Ai, caramba. Você não larga o osso, não é? – olhei-a por um instante com ódio.


- Ah, por favor. Deixe-me viver através das suas aventuras!


- Que aventuras, Kathleen? – havia um misto de espanto e de riso em minha voz – O James não é uma aventura. É uma maldição, um pesadelo.


- Tá bem, mas ao menos é um pesadelo muito gostoso e gato.


Meus olhos viraram nas pálpebras de novo.


- O que quer saber, afinal? – não sabia por que estava cedendo, mas achei mais fácil conversar sobre o almoço (sem incluir a parte do convite para sair no sábado) do que voltar a ler o e-mail de James.


- Tudo, tudinho, e não me esconda detalhes!


Não que eu estivesse no meu dia. Eu não estava. O que eu desejava mesmo era voltar para o apartamento e assistir as reprises de Project Runway.


No entanto, não sabia por que me sentia em dívida com Kathleen. Sabia que fora ela quem me arrumara aquela dor de cabeça (e um segundo encontro com James ao qual eu não pretendia comparecer), só que... ela era a minha melhor amiga. Eu não tinha mais quatorze anos (nem Kathleen, apesar de ela aparentar mais do que eu), mas eu continuava um pouco menininha. Não menininha-fresca-fofoqueira, mas uma menina que gostava de conversar sobre o meu dia-a-dia. E, como minha mente já tinha aceitado o fato de que, definitivamente, aquele almoço fora um encontro, eu já não mais estava me importando com o que Kath pudesse ouvir. Garanto que ela a-m-o-u cada palavra minha, como sempre. Tinha vezes que eu odiava estar certa, mas a mim não restava mais dúvidas: minha melhor amiga achava que era uma princesa em um mundo real. E, de verdade, era a coisa mais doentia do mundo.


- Sua bobona! Não acredito que não me contou antes! – Kath não estava gritando porque sabíamos que qualquer elevação em nossas vozes, a Maggie apareceria ali para cortar o nosso momento; Kath, claro, estava horrores se divertindo.


- Se eu tivesse tido tempo, até poderia considerar toda a sua ansiedade – menti.


Eu reclamava que não tinha muitas horas para mim, porque estava quase me mudando para o prédio da Fifteen, de tanto que trabalhava, porém não era nada mal, às vezes, não encontrar cinco minutinhos para fofocar com a sua melhor amiga sobre um encontro tenso com o seu ex-namorado.


Não que estivesse ajoelhada agradecendo pelas horas sacrificadas ali dentro. Isso nunca.


E não sei qual era o meu problema de manter a matraca fechada, porque simplesmente fiz a coisa toda do encontro de sábado escapulir. Quer dizer, não era bem um encontro, já que eu não tinha aceitado, mas James tinha me aliciado, não? E nem preciso dizer como Kathleen reagiu àquilo. Ela não mais parecia ter quatorze anos; já tinha reduzido sua idade mental para dez. Sabe quando pedimos uma boneca de Natal, e na noite do Natal, ao abrirmos a caixa de presente, notamos que é a boneca que pedimos e, como toda criança, começamos a dar pulinhos e a falar alto demais? Apresento-lhe Kathleen naquele exato momento.


Minha cabeça pulsou, exausta. Por que Kath nunca conseguia se controlar?


 - Ai, meu Deus. Pare com isso, garota! – exclamei, torcendo para que Margareth não entrasse correndo com seus sapatos caros em minha sala.


- Eu disse! – ela apontou para mim, toda animada ainda – Ele ainda ama você!


- E quem disse que ele não pode ainda me amar? – questionei – Mas isso não quer dizer que eu ainda esteja por ele.


- Odeio quando você fica negando as coisas – ela comprimiu os lábios.


- É apenas a verdade – dei de ombros.


- Se fosse mesmo verdade, não teria aparecido lá no restaurante dele, ontem!


- Você praticamente me obrigou a ir, Kathleen! – fiquei ultrajada.


- Não mesmo. Você foi porque quis – ela cruzou os braços – Eu somente propus um reencontro.


- Não. Você sabia que eu não poderia recusar, por isso propôs aquela idiotice!


- Eu por acaso mando em você? Peço-lhe para sair com caras que você não conhece? É, acho que não. Então, você deveria me agradecer.


- Agradecer pelo quê? – perguntei alto demais.


- Por eu ainda acreditar em vocês, já que você é covarde demais para tal coisa.


Agora eu estava muito irritada. E indignada. Kathleen, supostamente, era a minha melhor amiga! Não deveria me apunhalar pelas costas!


- Ai, meu Deus. Você está drogada, só pode – comentei.


- A drogada é você, porque fica aí se iludindo com um cara que nem ao menos tem orgulho da profissão que você tem ou de quem você é!


- O Max é ocupado, Kath, você sabe que sim!


- Ocupado uma ova! – ela me contradisse – Isso é desculpa dele. E sua também.


- Eu vivo com ele, tá bem? Sei que ele é muito ocupado.


- Você também é, mas você conseguiu escrever um livro em menos de um ano e ainda sai comigo aos fins de semana!


- Isso não justifica ou prova nada!


- Não, isso define o tipo de vida que quer ter.


- Eu já tenh... – parei e sacudi a cabeça. O quê? – Estou muito feliz com a vida que tenho, muito obrigada!


- Conta outra, Lily – ela disse – Sei que quer se mandar daqui e parar de escrever colunas idiotas sobre as roupas que as celebridades usam ou aquelas coisas fúteis. Sei que quer mais, que quer ser mais.


- Kath, já conversamos sobre isso – suspirei cansada – Você sabe que já fui rejeitada até não pode mais pelos contratantes da Mojo!


- Mas se você desistir, não irá adiantar nada.


- Olha, o James me disse que...


- Ai, não. O que ele lhe disse? – a expressão de Kath estava lívida.


- Espere, antes de surtar – pedi - É algo bom – seu semblante se desanuviou – Ele me escreveu, na verdade, no cartão das flores, que acha que conhece um dos editores da revista e que poderia me ajudar com isso.


Não entendi por que estava contando mais isso a ela. Eu mesma não acreditava naquela historinha do James, então, por que a estava reproduzindo? Eu era uma idiota. Daquelas eternas, sabe.


- Ele quer lhe ajudar? – Kath não poderia ter ficado mais surpresa.


- Acho que sim – fechei a cara, lembrando-me do cartão – Mas pode ser também que isso seja apenas uma chantagem para me fazer ir ao jantar no sábado.


- Você acha que ele faria mesmo isso?


- Eu me afastei por seis nãos dele, quem disse que ele não mudou o caráter? – perguntei ácida.


- Ninguém muda de caráter. As pessoas apenas amadurecem, o que pode ocasionar preferências por caminhos diferentes dos estimados – Kath me disse.


- Certo – abanei as mãos – Mas não irei acreditar nele.


- Por que não, sua louca?


- Não quero me aproximar mais dele, ok? E se eu aceitar ser auxiliada por ele, seremos tipo amigos, e não é o que quero.


- Que porcaria é essa, Evans? – Kathleen rugiu.


- Você sabe – dei de ombros – Não o quero em minha vida.


- Mas ele vai ajudá-la a progredir profissionalmente!


- Isso é apenas uma suposição, porque não tenho nada concreto a respeito.


- Escreva a ele que vai, sim, ir ao jantar, e daí poderão conversar mais sobre esse assunto.


- Não, de jeito nenhum!


- Lily, o cara não vai se aproveitar de você. James só quer lhe ver bem.


- Ha, nem sonhando – ri amarga - Ele quer outra coisa.


- Que se dane! Então dê o que ele quer para que você possa ter o que também quer!


- Kathleen, não irei transar com ele para conquistar um cargo em uma revista nacionalmente conceituada! – falei horrorizada.


- Quem disse que as coisas precisam necessariamente acontecer nessa ordem?


- Ai, meu Deus. Eu não irei transar com ele em momento algum!


- Você é tão ingênua, Lily – Kathleen parecia muito decepcionada comigo.


Felizmente, não pude retrucar nenhuma frase a ela, porque (graças a Deus), bem naquele exato segundo, Maggie abriu a porta de minha sala, olhou para Kathleen com os olhos arregalados (tipo cachorro com raiva) e berrou:


- QUAL É O PROBLEMA DE VOCÊS DUAS?


Eu e Kath nos olhamos e em seguida olhamos para Margareth.


- Falta de café? – Kath arriscou, toda sarcástica – Porque a máquina parece que precisa de uma boa manutenç...


- MORGAN, FIQUE QUIETA! – Maggie voltou a berrar.


 Kath, na hora, calou a boca, mas parecia querer atirar seus sapatos de salto em cima da nossa chefa.


- Será mesmo que eu lhes pago para ficarem zanzando de um andar a outro quando deveriam estar trabalhando, e não fofocando? – Maggie nos perguntou em um tom muito hostil.


- Foi um deslize, Margareth – assegurei.


- Concordo, e é por muito pouco que não descontarei isso do salário de vocês – ela respirou fundo e olhou para Kathleen, fulminando-a  – Agora, Morgan, saia e vá se enfiar na sua própria sala, antes que acabe por fica sem nenhuma.


- Ah, ok. Sem problemas, mas acho realmente qu... – Kathleen nunca deixa barato.


- Morgan, não me escutou? – Maggie a confrontou.


Instantaneamente, Kath murchou os ombros e começou a dar passinhos pequenos em direção ao corredor.


- Sim, perfeitamente – respondeu.


- E você, Evans, não pense que só porque lhe concedi uma coluna, que você pode fazer o que bem entende debaixo do meu nariz! – Margareth me disse.


- Me desculpe – pedi.


Então, seguindo Kathleen, minha chefa se esgueirou para fora de minha sala.


E eu, no minuto seguinte, estava abrindo a minha caixa de e-mails para responder com palavras ainda piores à mensagem de James.


Para: James Potter
De: Lily Evans
Assunto: Você é um idiota
Eu NÃO estou ligando se você achou o meu e-mail uma grosseria completa. Você nem sabe, mas posso me rebaixar ainda mais. Se quiser continuar a ler mais palavras raivosas, vá em frente, mas isso não muda nada. Porque NÃO irei jantar com você no sábado! Aliás, por que quer tanto a minha companhia? Qual é o seu problema, seu maníaco? E sobre a Mojo (caso esteja mesmo falando a verdade), acho que posso me virar muito bem sozinha, não preciso de sua ajuda! E você pode ler quantas edições da Fifteen quiser que isso NÃO irá me fazer voltar atrás em minha resposta.


P.S.: vê se me esquece!


 Logo após enviar o e-mail ao James, percebi que tinha recebido um do Max. Era um pouco incomum receber mensagens dele, já que este preferia usar o telefone, então me surpreendi.


Para: Lily Evans
De: Max Sullivan
Assunto: Meu Retorno
Oi, amor! Como tem passado a semana? Lembrou-se de pagar o cara do armário? Ele fez um bom trabalho? Sei que é esquisito lhe mandar e-mails, mas também sei que você os abre todos os dias, então, assim eu ficaria mais tranqüilo. Aparentemente terei de permanecer aqui em Oldham até terça-feira, não até domingo, como tinha previsto. Tudo bem assim? Você sabe que qualquer coisa é só me telefonar, não sabe? Enfim, falamo-nos à noite. Eu amo você, fique bem.


Era só o que faltava acontecer! Mais dois dias solitários, e pior: não poderia conversar com ele sobre a mega grana que possuía por causa da empresa! Obviamente, não escreveria meus sentimentos em um e-mail, porque, caramba. Isso seria quase tão ruim quanto se conversássemos por telefone.


Para: Max Sullivan
De: Lily Evans
Assunto: Eu estou ótima
E você? Muito trabalho? Fiquei realmente sentida por você ter de prolongar a sua estadia em Oldham, mas sei o quanto isso é importante a você. Não esquenta, eu ficarei bem. Eu mandei o Sr. Halt pintar o armário de amarelo e parece que ele fez um ótimo acabamento. Você tem que ver como ficou! Assim que chegar em casa, ligarei para você. Eu amo você também :)


Às vezes, era muito difícil fingir um sorriso. 



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N/A: uuuhh. Sim, cap 5! Escrevi-o propositalmente para postá-lo hoje também. Então, YEEY, postagem dupla! *--* Comentem e me deixem feliz '-'
Have a Nice Day! 
Beijinhos ao cubo ;*
 

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