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Harry não fez comentário algum, mas estava admi­rado com a força e a determinação de Gina. Qualquer outra mulher que ele conhecia teria caído no choro, ficado parali­sada de medo, ou simplesmente desmaiado, mas ela soubera agir de forma correta num momento difícil. Com um bandido apontando-lhe uma arma, ela desafiara o canalha e o insul­tara, recusando-se a demonstrar temor.


 


Ele sugeriu que saíssem da cidade, em direção à zona rural. Depois, conseguiu convencê-la a confiar o carro a um fazendeiro. Quando pararam em uma fazenda, Harry conversou com o dono e pediu emprestados dois cavalos por uma noite, deixando o automóvel como garantia.


 


Os olhos do homem se arregalaram quando ele lhe esten­deu um punhado de moedas de ouro em troca do uso dos ani­mais. Examinou as moedas cuidadosamente, enquanto Gina batia com o cotovelo em suas costas.


 


— Essas moedas provavelmente valem uma fortuna, Harry.


 


— Bobagem. É uma ninharia.


 


— Não nesta época. Se tiver outras, guarde-as, pelo amor de Deus!


 


Ele deu de ombros, surpreso. O fazendeiro, depois de em­bolsar as moedas, sorria largamente e estava mais do que feliz quando Harry lhe pediu para guardar o carro no ce­leiro por uma noite. Para protegê-lo dos fenômenos atmosfé­ricos, ele disse, mas o verdadeiro motivo era manter o veículo longe de olhos alheios.


 


Pensou ter feito um bom negócio, até que o fazendeiro lhe trouxe dois cavalos magros, com selas velhas e arreios des­gastados, sujeitos a se romperem a qualquer momento.


 


— Estes são os únicos cavalos que tem? — perguntou, passando a mão no pescoço de um dos animais.


 


— Lamento, mas sim. Ou os leva, ou os deixa aqui.


 


— Talvez eu lhe dê algumas moedas a mais quando vol­tar. Assim quem sabe pode comprar um feno bom para esses animais, e talvez uma escova.


 


O homem ficou em dúvida se tinha sido insultado ou não, mas não fez nenhum comentário, já que vislumbrava a chan­ce de ganhar mais algumas moedas de ouro.


 


— Bondade sua, moço — o fazendeiro falou, afinal. Harry concordou.


 


— Então, eu farei isso, contanto que seja discreto quanto a este nosso contato. A dama e eu não desejamos ser pertur­bados esta noite.


 


O fazendeiro abriu um sorriso.


 


— Ficarei mudo.


 


— Harry — Gina disse, puxando-o pela manga do casaco. — Vamos precisar apenas de um cavalo. A não ser que queira me ver esparramada no chão.


 


Ele a olhou com espanto.


 


— Não sabe cavalgar?


 


— Nunca subi em um cavalo. E não vou começar agora, se tiver outra escolha.


 


— Uma escolha, milady, é o que não tem. Vou ensiná-la, pode deixar. Não precisa ficar com medo.


 


Ela baixou a voz:


 


— Harry, estou falando sério. Não quero um cavalo. Não podemos ir apenas com o seu?


 


Ele sorriu. O que Gina queria era encostar o corpo no seu.


 


— Nada me agradaria mais do que tê-la junto a mim na sela, minha doçura. Mas, como já lhe expliquei isso não é possível. Não ainda — ele acrescentou.


 


Gina rangeu os dentes.


 


— Chega de bobagens, Harry. Eu sinto pavor só de pensar em subir nessa besta fedorenta. Isso é tudo.


 


Sem deixar de sorrir, ele assentiu.


 


— Você, uma mulher que enfrenta um homem armado e o encara sem medo? Claro que teme este velho cavalo caindo aos pedaços — ele ironizou.


 


— Mas é a verdade! Tenho medo, sim.


 


Harry fechou os olhos por um momento, atormentado pelo desejo reprimido.


 


— Em breve — ele murmurou, inclinando-se e fitando-a nos olhos. — Em breve, Ginevra. E prometo que va­lerá cada minuto da espera.


 


Ele sustentou o olhar de Gina, e viu o brilho da paixão reluzir brevemente nos olhos dela, antes que piscasse e virasse o rosto.


 


— Você é um cretino arrogante.


 


Ele riu.


 


— Além do mais, milady, nenhuma dessas éguas pare­ce ser forte o suficiente para levar nós dois. Por mais que o pensamento de tê-la aninhada entre minhas coxas, com as costas pressionadas ao meu peito, e a cintura enlaçada por meus braços me tente, não temos escolha.


 


Virou-se, então, para o fazendeiro, agradeceu-lhe, ergueu Gina em seus braços e a colocou sobre a égua. Surpreendeu-se ao vê-la passar uma das pernas sobre a sela e colocá-la do outro lado. As mulheres do seu tempo não montavam daque­la forma, e sim de lado. De qualquer maneira, resolveu não comentar. Pouco depois, estava sobre seu cavalo.


 


— Segure-se bem e me passe às rédeas — disse.


 


Gina se agarrou à sela a ponto de seus dedos ficarem brancos pelo esforço. Harry pegou as rédeas e começou a puxar a égua.


 


— Quer dizer que terei de ficar aqui em cima até chegar­mos a um motel — ela resmungou.


 


— Engana-se, milady. Nós correremos menos riscos de sermos descobertos se acamparmos no bosque. Bem dentro dele, creio eu.


 


— Mas... mas, Harry, eu estou com fome. Não come­mos nada. E não temos cobertores.


 


— Temos tudo de que precisamos Ginevra. — Ele ficou imaginando como uma mulher tão capaz podia ser ao mesmo tempo tão dependente. — Não tenha medo. Sou o seu mosqueteiro, lady Weasley. Eu a alimentarei e a manterei aquecida. Juro pela minha espada.


 


Ele a viu empalidecer e engolir com dificuldade.


 


Gina não tinha idéia do que Harry estava procurando ao se embrenhar cada vez mais na floresta que rodeava a pro­priedade do fazendeiro. Ele observava as árvores e olhava em volta, até, finalmente, fazer um sinal para que parassem.


 


— Aqui está ótimo.


 


— O que está ótimo? — perguntou ela, olhando ao redor.


 


— O lugar. Para acampar. — Desmontou, caminhou até o cavalo dela, pegou-a pela cintura e a colocou no chão.


 


Logo que pôs todo o peso em suas pernas, Gina sentiu os músculos doerem. Ele reparou e sorriu.


 


— Sem dúvida, vai doer mais ainda amanhã. Se eu pudes­se ter lhe poupado esse sacrifício, o teria feito.


 


Ela procurou um lugar macio para se sentar enquanto Harry se afastava, levando os cavalos para beber em um riacho. Depois disso, ele pegou uma corda que havia na sela e cortou-a com a espada em duas partes.


 


— Vou amarrar os cavalos em um lugar onde eles possam pastar — disse.


 


Gina procurou se acomodar melhor, colocando as mãos sob a cabeça ao se deitar na relva. Passaria a noite sozinha com Harry no meio da floresta. O mosqueteiro estava convencido de que ela ardia de desejo por ele. Não que o ho­mem não fosse atraente, mas não era seu tipo.


 


Sorriu diante da bobagem que havia pensado. Os tipos dela eram todos perdedores. No começo, pareciam legais, mas depois acabavam se revelando. Um deles tinha sido Mike, que vivia lhe pedindo dinheiro emprestado. O namoro com Kevin não passara do segundo encontro, porque ele tinha sido preso por porte de drogas. Quanto a Tom, acabara descobrindo que o sem-vergonha era casado.


 


E agora havia Harry. Um sujeito que colocava a honra acima de tudo, que manejava uma espada com maestria e que era educado a ponto de irritá-la. Um homem que se recusava a deixá-la até que tivesse certeza de que ela estaria em segurança.


 


Definitivamente, não era o tipo dela, pois Harry não era um perdedor.


 


Havia, porém, um grande problema. O mosqueteiro logo voltaria para as suas aventuras na corte francesa. Mas por que isso a perturbava? Não se apaixonaria por ele, certo? Por que não aproveitar os momentos em que estivessem juntos?


 


Harry apareceu do meio das árvores, segurando toras de madeira. Colocou-as no chão, exibindo os braços musculosos. Os jeans eram apertados e marcavam seu corpo. A cami­seta preta estava colada ao peito devido ao suor.


 


Gina engoliu em seco.


 


Quando ele se abaixou para fazer o fogo, ela levantou-se, resolvendo desviar os pensamentos para outros assuntos que não se relacionassem àquele corpo másculo.


 


— Vou pegar lenha — disse.


 


— Que absurdo, milady! Pegar lenha para o fogo é traba­lho de homem.


 


Ah, então era isso. Sabia que ele devia ter algum defeito. Era machista.


 


— Nesta minha época, Harry, não há empregos espe­cíficos para homens ou mulheres. Elas podem ser policiais ou até presidente da república se quiserem. E os homens cozi­nham, limpam a casa e trocam as fraldas dos filhos.


 


Ele estava de costas para ela, ajoelhado, dispondo as to­ras para o fogo.


 


— Eu a ofendi. Sinto muito, lady Waesley. Porém, foi cavalheirismo de minha parte. E difícil entender como uma gentileza possa ter se tornado um insulto em apenas poucos séculos.


 


— Cavalheirismo — ela repetiu a palavra. Suspirando profundamente, Alexandre começou a pegar folhas secas e colocá-las junto à lenha.


 


— Sim. Os homens da minha geração não são tolos, Ginevra. Nunca foi uma questão de acreditarmos que uma mulher seja incapaz de fazer o trabalho pesado. Apenas achamos que ela não deve fazer.


 


— Entendo.


 


Ele se ergueu, aproximou-se e ajoelhou-se diante dela.


 


— Não acredito que tenha entendido. No meu tempo, Ginevra, nós adoramos as nossas mulheres. Nós as tratamos como criaturas preciosas e amadas. Nossa única esperança de perpetuação de nossa espécie, ás mães dos nos­sos filhos. — Pegou a mão dela e acariciou-as com as pontas dos dedos. — Veja esta mão. Linda, delicada... capaz, sim, mas pequena e frágil. — Então, virou sua própria mão. — A minha, no entanto, é grande e áspera. Trabalho duro, tare­fas desagradáveis... estão além de uma criatura mágica como uma mulher. Ela... você... deve ser adorada, considerada um tesouro, respeitada como um ser cheio de beleza. A mãe da humanidade. Não me peça para machucar esta mão admirá­vel com algo tão medíocre como pegar lenha.


 


Gina mal conseguia respirar. A voz de Harry, suave e profunda, mexia com alguma coisa dentro dela. Ele beijou sua mão suavemente.


 


— Uma mulher como você tem direito a ver atendidos to­dos os seus desejos.


 


— E... se a mulher desejar pegar lenha?


 


Ele ergueu a cabeça e acabou sorrindo.


 


— Então, deve ser-lhe dado o direito de pegar lenha.


 


— Mas você não me considera muito fraca para esse tra­balho?


 


— Fraca? Nunca conheci uma mulher com a sua força, Ginevra. Mas mesmo a mais frágil das jovens tem a habilidade nata de capturar o coração de um homem, de gerar seus filhos. Certamente esta última tarefa exige mais força do que recolher os galhos que se encontram caídos no chão de uma floresta. Mais força, talvez, do que a de qual­quer homem.


 


— Imagino que sim.


 


— Vamos fazer fogo — ele disse. — Se deseja pegar mais lenha, faça isso. Mas se preferir descansar da viagem, considere-me o seu mais humilde servo. — Ele fez uma reverência com a cabeça.


 


Por um momento, Gina foi tomada pela sensação de que era uma espécie de rainha. Que sensação maravilhosa! Tinha de admitir que ele não era exatamente um machista. Havia uma diferença entre o machismo e o cavalheirismo.


 


Harry se levantou e voltou para a pilha de lenha. Tirou uma pedra do bolso e começou a esfregá-la em outra.


 


Gina enfiou a mão no bolso.


 


— Pode deixar as pedras de lado, Harry. Tenho uma coisinha melhor.


 


Ele observou o isqueiro nas mãos dela.


 


— Outra arte do seu mundo moderno?


 


— Você vai adorar isso. — Ela acendeu o isqueiro junto à lenha e viu-o sorrir quando a chama apareceu.


 


— Que maravilha! — ele exclamou.


 


 


 


(...)


 


 


 


Esse Harry... haha ;)


E ai o que estão achando?


 


Uma ótima páscoa a todos :D


 


 


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