Festinha nas masmorras
"O segredo da vida não é o que acontece com você, e sim, o que você faz do que acontece com você"
- Norman Douglas -
23h37min. Mikaella já estava se aprontando para a festa nas masmorras. Ela usava uma roupa discreta, um vestido preto e botas de couro de cano médio preta. Ela já era uma profissional em perambular pelos corredores à noite, então chegar até as masmorras não era problema para ela, o problema era se descobrissem a festa.
Mikaella descia as escadas para a sala comunal quando seu coração quase pulou pela boca do susto que ela levou.
- O que você esta fazendo acordado há essa hora? – sussurrou ela.
- Eu que lhe pergunto senhorita Devonne – retrucou Alex reparando na roupa que Mikaella usava. Não era seu pijama lilás, então Mikaella não tinha descido pelo fato de não estar com sono.
- Promete não contar para Michelly? – murmurou Mikaella suplicante.
Alex mordeu o lábio inferir enquanto fingia pensar.
- Então suba e vista uma roupa descente – disse Mikaella sorrindo maliciosamente – Hoje você vai perder o sono.
Alex subiu imediatamente. Mikaella se jogou no sofá esperando-o e em menos de cinco minutos ele já estava de volta vestindo uma camisa preta e uma calça jeans.
Eles abriram a porta da sala sem fazer nenhum ruído. Alex mal acreditava que estava fazendo isso, mas era tão deliciosa a adrenalina que o medo causava que ele apenas seguiu Mikaella como fizera da última vez quando eles “fugiram” da aula de astrologia.
Eles já estavam no subtérreo e não ouviam nenhum som de música ou alguma coisa que acusasse que ali havia uma festa. Mikaella chagou a pensar que isso fora uma pegadinha de Kyra, mas ela sabe quais são as conseqüências e não faria isso com Mika.
Mikaella abriu a porta das masmorras, as dobradiças enferrujadas da porta rangeram. Ali havia dentro havia três portas e numa dessas devia ser a festa. Com certeza era aquela que tinha um feixe de luz azul escapando por baixo. Mas não havia som nenhum.
Ela abriu a porta hesitante.
A sala estava cheia, a luz azul era uma luz florescente e as pessoas estavam com partes do corpo pintadas de branco para luz fazer efeito. Todos vestiam preto. Quando Alex e Mikaella atravessaram a soleira da porta o volume da música quase lhes causou danos nos tímpano. Estava altíssimo! Kyra deve ter usado o feitiço de transformar um local a prova de som.
Kyra os avistou de longe e acenou. Mika e Alex acenaram de volta.
- Que experimentar o Quilly? – perguntou Mikaella a Alex.
- Claro! – respondeu Alex de imediato.
A Honingers não vendia esse produto para menores de 17 anos, tanto que menores de 17 não podiam beber. Mas quem disse que eles respeitam as regras?
O Quilly estava sendo servido como ponche – numa tigela enorme e cada um se servia com uma concha. Mikaella encheu duas taças e ofereceu uma delas para Alex. Quilly era uma bebida muito doce com um leve toque de menta e hortelã, o gosto do álcool era imperceptível, mas levava uma boa dose e tomava conta da sua consciência depois do terceiro copo.
- Alex! – exclamou Kyra animada – Você veio – Ela puxou Alex pelo braço, com certeza para apresentar para as outras meninas do quinto ano já que ele ainda era a tentação.
Mikaella já estava na segunda taça de Quilly.
- E ai gatinha... – disse uma voz fungando na sua nuca.
Antes ela pesava ser o Thomas. Mas, gíria? O Thomas não usava gírias e não falava desse jeito todo malandrado. A garoto parou na frente de Mikaella e ela percebeu que ele estava com uma mecha de seu cabelo. Ela jogou o cabelo para trás arrancando a mecha da mão dele, fingiu ignorá-lo.
- Ta curtindo? – perguntou o garoto.
Mikaella deu um sorriso amarelo.
- To – disse simplesmente.
- Quer curtir comigo lá fora? – propôs o garoto.
Mikaella bufou e discretamente seus olhos começaram a procurar pelo Alex. Quando finalmente o encontrou ela lançou um olhar de súplica.
- Num to muito a fim – disse Mikaella seca.
O garoto sorriu e mordeu o lábio inferior.
- Prometo que você não vai se arrepender – disse ele já com a mão sem sua cintura.
Quando Mikaella abriu a boca para responder uma coisa bem mal criada...
- Ela disse que não ta a fim – interveio Alex.
- Qual é cara! Só porque veio de Dumstrang se acha o tal? – sobressaltou-se o garoto.
Mikaella viu as mãos de Alex em punho e não queria – de jeito nenhum – que se iniciasse uma briga ali. Seria tumulto demais, iam acabar descobrindo e todos estariam ferrados, talvez expulsos. Mikaella não pensou no que faria, mas já estava fazendo. Num movimento rápido, ela puxou Alex pela camisa o beijou mais naturalmente possível. Ela sentiu medo de ele não corresponder, mas ele entendeu e entrou no seu joguinho. Era difícil distinguir se era o gosto do Quilly em sua boca ou se o beijo de Mikaella era tão doce quanto Alex pensava.
O garoto ficou boquiaberto e não demorou muito a sair dali.
- Obrigada – disse Mikaella ofegante.
- Eu que agradeço – murmurou Alex.
Eles se entreolharam e riram. E cruzaram os dedos para que ninguém tivesse visto isso.
- O que acontece aqui é segredo – sussurrou Kyra perto do ouvido de Mikaella – E Michelly não pode saber, certo?
- Não fiz por mal... – disse Mikaella na defensiva – Ou talvez.
- Ta tudo bem – falou Kyra com um sorriso despreocupado.
Depois disso – desse momento tenso –, a festa voltou ao seu rumo normal. Mikaella continuou com as várias doses de Quilly. Três, seis, doze, dezesseis. Ela bebia e dançava, bebia e dançava. Alex estava perto do balcão, mas não se sentia nada confortável com a garota que estava em sua frente. Ela subia, ela descia, ela rebolava e jogava o cabelo, Mikaella na pista de dança era quase a mesma coisa, ela ria alto, e não fazia idéia de quantos meninos a rodeava. Alex pensava em beijá-la por cada garoto que estava ali, ele chegou a rir com esse pensamento, ela pensava pegar Mikaella pelo braço e sair dali.
Mikaella sentiu uma mão grossa segurar seu braço.
- Vamos sair daqui?
- Nháaa, por que, Alex? – disse Mikaella com uma voz melosa, típica de quem está bêbada.
Alex não respondeu, ele deslizou sua mão do braço dela e puxou pela mão.
Sua cabeça chegou a rodar quando ele atravessou a porta. Estava tão, tão silencioso.
Mikaella bocejava constantemente e coçava os olhos com a mão livre. Ela não estava sóbria e não fazia a mínima idéia para onde estava sendo levada, mas estava com ele e isso era o que importava.
Eles estavam subindo no meio da escada do segundo andar quando Mikaella parou de andar.
- Eu não quero voltar pra sala comunal – resmungou ela como uma criança impertinente.
- Mikaella...
- Eu quero ir ao riacho. Eu quero tomar banho no riacho! – disse Mikaella batendo pé.
- Mikaella, esta tarde, e os vigias podem nos ver – disse Alex com calma, sendo paciente.
-Eles não vão nos ver – retrucou Mikaella – Ninguém vai nos ver – disse ela naquele mesmo tom confiante e irresistível de antes.
Ela riu como uma criança sapeca e saiu dali correndo.
- Mikaella! – tentou gritar Alex, mas não podia gritar. Jamais!
Ele tinha outra opção? Ele foi trás de Mikaella.
Quando eles chegaram ao bosque, Mikaella começou a andar mais devagar, cambaleante e a cabeça tombada para trás, os olhos admirando o céu. Alex foi diminuindo os passos.
- A noite está linda – disse Mika – Não quero ficar na sala comunal com uma noite linda dessas aqui fora.
Alex olhou para céu e respirou o orvalho daquela noite. Fazia um friozinho gostoso. Mikaella sentou-se debaixo de uma árvore que margeava o riacho, e ali ela conseguiu colocar seus pensamentos em ordem. O barulho da água resvalando sobre a pedra lhe transmitia tranqüilidade
Alex se sentou ao lado de Mikaella. Sabiam que se alguém soubesse, eles estariam mortos, mas parecia que ali mais nada importava. A noite era inocente e serena.
O barulho da água era envolvente.
- Está frio aqui – sussurrou Mikaella quebrando o silêncio.
Alex sorriu e estendeu o braço para Mikaella. Ela sorriu de volta e se aninhou em seu peito. E ele estava quente, e numa noite fria dessas.
Um mar de palavras em suas cabeças e nenhuma dita. A cabeça de Mikaella apoiada em no ombro de Alex.
- O que acontecer essa noite ninguém precisa ficar sabendo – sussurrou Mikaella baixinho.
A mão de Alex era delicada em seu rosto, e Mikaella, com os dedos trêmulos e hesitantes, contornava a linha perfeita do seu maxilar. Eles não pensaram duas vezes antes de se beijar, e aquilo não era um joguinho. Era mais sério do que o inesperado. Alex nunca sentira seu coração bater tão forte e tão fraco ao mesmo tempo. Mikaella nunca sentiu suas mãos tremerem diante a um garoto.
Parece que a noite fria está chegando a os 50 graus.
***
O sol da manhã ofuscava seus olhos. Ela não queria lembrar a noite anterior, mas era impossível, ainda sentia o gosto do beijo em seus lábios, ainda sentia suas mãos quentes e macias, ainda sentia seus olhos, cada toque. Ela não se lembrava como tinha chegado ao dormitório, mas se lembrava de tudo o que aconteceu ontem à noite.
Mikaella se levantou da cama – ainda vestida com o vestido preto – e de repente sentiu um peso na cabeça, tudo em sua volta começou a girar e ela sentiu náusea. Rapidamente ela foi para o banheiro, lavou o rosto e tentou recuperar a compostura. Que horas eram agora? Ela nem viu se as meninas ainda estavam em suas camas, poderia ser tarde ou cedo demais.
No espelho havia uma menina com cabelos longos e desgrenhados, a pouca maquiagem que usara ontem estava borrada. Sentiu-se sortuda por ter acordado primeiro que as outras, se Michelly a visse desse jeito ia entupi-la de perguntas.
Ela voltou para o dormitório ainda com a cabeça latejando. Todas estavam em suas camas. Ótimo! Ela pegou uma calça de moletom verde-água – quantas calças de moletom ela tinha? –, uma blusa coral de manga curta e voltou para o banheiro para tomar um banho. Deixou a água quente escorrer pelo seu corpo e levar junto com ela as lembranças da noite passada, e – se possível – levar a ressaca também...
9 de setembro, 6h16min
Querido diário,
Queria dizer que não sei o que aconteceu ontem à noite, mas me lembro de tudo detalhadamente. Me lembro do garoto embriagado que estava dando em cima de mim, me lembro de ter beijado o Alex para me livrar dele – mas o beijo foi só um jogo –, me lembro de ter exagerado no Quilly e dançar como uma vadia, mas o Alex me tirou de lá antes que eu fizesse uma besteira.
Mas o que me atormenta foi o outro beijo, e não era uma brincadeira, não era um jogo, era real. Me lembro de como seu corpo era quente. De como cada toque me fazia estremecer como se cada terminação nervosa fosse um fio desencapado.
A cabeça de Mikaella tornou a latejar, agora mais forte que antes. Ela fechou o diário e apertou os olhos com as pontas dos dedos. Teve pelo menos a preocupação de colocar o diário debaixo do travesseiro. Ainda estava cedo demais e as aulas só começariam daqui à uma hora.
Será que madame Taysie Macduff – a melhor cozinheira do século e do mundo – já havia preparado o café da manhã?
Há essa hora Mikaella tinha certeza de que num havia nada nas mesas do salão principal. Ela vestiu o quimono de seda rosa claro, colocou a bota de veludo de cano baixo e sem salto – era confortável – e foi para cozinha. Vagando pelos corredores, arrastando os pés, ela andava como um zumbi, sonolenta, mas não tinha nenhuma olheira, os olhos completamente perdidos.
- Bom dia senhora Macduff – disse Mikaella quando entrou na cozinha e avistou a mulher gorda perto do fogão.
Taysie olhou para Mikaella, um olhar surpreso e um sorriso que formava covinhas.
- Bom dia senhorita Devonne – disse ela calorosa – O que faz aqui tão cedo?
Mikaella bocejou e se encostou à bancada perto do fogão. O cheiro que vinha da gigante frigideira era uma delícia, mas na conseguiu distinguir o que era.
- Eu não sei, acho que perdi o sono...
- Bom dia senhora... – disse uma voz masculina – Mikaella?
- Pareço tão velha assim quando acordo? – brincou Mikaella.
- Macduff – completou ele sorrindo.
Alex se debruçou ao lado de onde Mikaella estava e pegou um cacho pequeno de uvas.
- Bom dia, Gallabriel! – respondeu Taysie.
- Está me seguindo? – perguntou Mikaella roubando uma uva das mãos de Alex – Porque você sempre está onde eu estou.
Alex riu.
- É você que sempre está para onde eu vou – respondeu ele jogando uma uva para alto e a apanhou com a boca quando ela começou a cair.
Mikaella desencostou da bancada.
- Isso ta me dando água na boca – disse Mikaella para Taysie olhando por sobre seu ombro para saber o que estava na frigideira. Era um monte de coisas coloridos picado. Legumes? Frutas? Sei lá.
A calda do bolo de maracujá estava escorrendo entre as bordas e Mikaella melou a ponta do dedo e o levou a boca. Era azedinho e doce.
- Os bolos não! – disse Taysie dando um tapinha na mão de Mikaella – Pode ser os bolinhos, os cookies... mas os bolos não. E por falar em cookies, experimenta o de framboesa, nunca fiz um desses antes.
Mikaella se dirigiu a mesa dos cookies e pegou o de framboesa.
- Hmmmm que delícia – disse Mika – Tem gosto de framboesa.
Taysie riu.
- Quem bom...
Mikaella pegou uns três cookies de framboesa e voltou para bancada onde estava. Estranhamente ela ainda se sentia confortável perto de Alex, como se nada daquilo tivesse acontecido. E ele também se sentia assim. Apenas amigos...
Alex e Mikaella ficaram na cozinha fazendo questão de provar tudo antes de ir para mesa, Taysie dando alguns beliscões na orelha e tapinhas naquelas mãos incontroláveis antes que eles devorassem tudo. Já falei! O bolo não, disse ela várias vezes. Por fim eles ficaram Alex ficou só com as uvas e Mikaella com os morangos. Taysie quase os expulsou da cozinha quando deram sete horas.
- Daqui a pouco todos vão descer, é melhor vocês vestirem o uniforme – disse Taysie.
Os dois saíram da cozinha, não antes de pegar um muffin de chocolate.
Eles foram andando pelos corredores, rindo, rindo, até que os risos se esvaíram.
- Mikaella – começou Alex – sobre ontem à noite...
- Você que me levou para o dormitório? – interferiu Mikaella. Ela não queria escutar nada a respeito de ontem à noite.
- Foi – murmurou ele – Mas...
- Alex – interveio Mikaella mais uma vez – Eu quero esquecer o que acontece ontem à noite. Se me permite.
- Mika...
- Eu não estava sóbria! – explodiu Mikaella – Ok? E é isso que acontece quando pessoas, como eu, não estão sóbrias. Agora, se for possível, você também deveria esquecer.
Essa não era a reação que Alex esperava de Mikaella. Ele ficou paralisado até sua mente absorver tudo que ela disse. Esquecer? Como se fosse tão simples esquecer.
- Desculpa, mas não dá – disse ele engolindo em seco, cheio de nós na garganta.
- Pelo menos faz de conta – murmurou Mikaella – É isso que eu to fazendo – Ela deu de ombros e depois se virou andando mais rápido.
Na mesa do café da manhã eles quase nem tocaram na comida pelo fato de ter comido bastante antes. Michelly estava ao lado de Alex insistindo para ele comer pelo menos os pãezinhos de mel. Assim você vai acabar desnutrindo, amor, dizia Michelly e parecia que ela fazia questão de destacar a palavra amor. E isso causava náuseas em Mikaella. Ciúmes? Ela não era a primeira candidata a esquecer o que aconteceu ontem à noite?
Que lindo! Ela não beijou o Tommy, mas beijou seu cunhado. Pare que o que a professora Sasha Entwhist disse esta começando a fazer sentido. A quem ela pode confiar esse segredo? O beijo, ou a festa? Confiar em Kyra? Talvez, talvez. Qualquer assunto que envolvesse a festa com certeza não sairia da boca de Kyra, isso para proteger a si mesma.
Mikaella pegou um guardanapo e escreveu:
Cais do lago depois das aulas?
Ela dobrou o guardanapo na forma de um aviãozinho e jogou para a mesa da Valen. Foi direto para o Thomas.
Mikaella acompanhou seus olhos enquanto ele lia. Depois ele ergueu a cabeça e sorriu para ela. Ele esticou o guardanapo sobre a mesa e escreveu em resposta, depois jogou de volta para Mika.
Te vejo lá.
Mikaella sorriu e amassou o papel.
As aulas se passaram monótonas. Alex sentou-se ao lado de Mikaella como de costume, mas os dois trocaram pouquíssimas palavras. E na aula de TCM – Trato de Criaturas Mágicas –, o professor Lucius Jonckov pulou sete capítulos do livro para falar sobre o Eaglerus (Rinoáguia). Um dragão de pele grossa e acinzentada, com cristas coloridas, um bico de águia e estranhos chifres triangulares localizados em cima e em baixo da cabeça alongada. Olhos de águia e a força de um rinoceronte, como o próprio nome diz. É um dragão raro nativo das Ilhas Comores, produz uma chama alaranjada, mas apesar do comportamento padrão dos dragões ele não é agressivo, mas é indomável e só mata quando está faminto.
Não se sabe por que o professor resolveu dar tanta importância a esse dragão. E pular sete capítulos pra isso?
Na aula de poções o professor Georg Goleman tirou ingredientes de seu estoque – a Balsamina e o Oode – para ensinar aos alunos a preparar a poção de proteção contra fogo. Tudo bem, mas tirar os ingredientes do estoque pessoal dele?
O que está acontecendo com esses professores?
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