A pior aula de astrologia
“Evitar as superstições é outra superstição”
- Francis Bacon -
A sala de aula de astrologia ainda estava meio vazia, também, quase ninguém ia, poucas pessoas acreditavam. Os alunos se sentavam em dupla, mas Mikaella se sentou em uma mesa sozinha. Alex ainda não havia chegado. Michelly deve ter se perdido com ele pelos corredores. A professora Sasha Entwhist estava em sua mesa esfoliando o livro de signos.
Alex rompeu a porta da sala, ofegante e com a gravata torta. Como fora dito antes, ele deve ter se perdido.
Sasha Entwhist encarou Alex sob os óculos meia lua.
Alex ajeitou a gravata.
- Desculpe professora. Estou atrasado?
- Não, está em cima da hora. Pode se sentar com alguém se preferir – disse a professora.
Ele assentiu e se dirigiu para a mesa de Mikaella. Bom, ele não tinha muitos amigos ainda.
- Estamos no mês de setembro, certo? – perguntou a professora à sala.
- Sim, professora – alguém da sala confirmou.
A professora esfoliou mais algumas folhas do livro e sorriu. Se levantou de sua mesa tirando os óculos de leitura e disse para turma, ou talvez, particularmente para Mikaella:
- O sol está em virgem – Mikaella ergueu o rosto para prestar atenção na professora que lhe fitava com curiosidade. E ela era a única virginiana na sala? – Anael é o anjo que vai abençoar as energias deste mês... Qual é a data do seu aniversário?
- Treze de setembro – respondeu Mikaella.
A professora voltou à mesa e olhou no livro mais uma vez.
- De que ano mesmo? – perguntou a professora.
- 32 d.v.
A professora torceu os lábios e olhou para Mikaella com uma expressão melancólica.
- É melhor você começar a ler nas estrelinhas, elas serão sua única fonte de resposta pelas coisas que você fará... Você estará fraca demais no quesito emocional e vai se apaixonar pela pessoa que não devia. Não poderá mais confiar em ninguém. Haverá segredos que você terá de guardar para si mesma, Mikaella. Pecados impiedosos você irá de cometer sem que perceba – a última frase ela disse com olhos disparando de Mikaella para Alex ao seu lado.
O coração de Mikaella acelerado e seu estado de respiração ofegante. Nunca ouvira coisa tão agourenta em toda sua vida. Ela olhou para os lados para disfarçar a tensão, mas percebeu que todos a fitavam. Ela levantou-se brutalmente da mesa e saiu de sala batendo a porta sem falar nada.
Ela descia as escadas correndo quando sentiu uma mão pesar em seu ombro.
- Mikaella...
- Eu quero ficar sozinha! – disse ela asperamente. Quando se importou em olhar para trás viu que era o Alex. Ela respirou fundo. – O que foi aquilo? – explodiu ela – Foi a coisa mais ridícula que eu já ouvi na minha vida! “Pecados impiedosos”. Quem ela pensa que é?!
- Mikaella, você sabe que astrologia são apenas superstições. Essas coisas não acontecem. Pelo menos não exatamente – disse Alex num tom calmo e reconfortante.
Mikaela abaixou a cabeça e deixou as lágrimas surgirem, suas mãos tremiam.
- Shhhh... Não fica assim – sussurrou Alex abraçando-a.
Mikaella sentia aqueles braços musculosos e firmes abraçá-la. Era tão bom como o sol de inverno, tão confortáveis e consoláveis.
- Você é quente – sussurrou Mikaella ainda abraçada a ele. Ela desfez o abraço e olhou para ele – Ou está quente. Você ta com febre? – Ela encostou as costas de sua mão na testa do garoto, ele estava quente.
Ele soltou uma breve risada como se aquilo fosse uma piada sem sentido.
- Não, Mika – disse ele – Eu to ótimo.
Alguém pigarreou atrás deles. Alex olhou por sobre o ombro de Mikaella e a mesma se virou para trás para ver quem era.
- O que vocês estão fazendo aqui? – falou Michelly rispidamente.
- Mikaella descobriu que não gosta de astrologia – disse Alex tranquilamente.
Mas a petulância de Michelly não permitiu que ela acreditasse nisso. Ela percebeu que os olhos de sua irmã estavam levemente avermelhados e os cílios molhados.
- E por que você estava chorando? – perguntou Michelly para Mikaella.
- Porque... – Mikaella apertou os olhos e tentou pensar em algo convincente – Por causa da poeira da sala de aula. Sabe, os elfos nunca arrumam direito.
Michelly suspirou e deixou essa passar.
- É melhor ambos voltarem para a sala comunal. Não querem seres vistos perambulando por ai no horário de aula.
- E você? O que está fazendo aqui no horário de aula? – indagou Alex.
Michelly sorriu para ele.
- Sou monitora, meu bem. Preciso monitorar ¼ dessa escola, isto é, a Bolts. Particularmente quando o assunto é Mikaella. Agora os dois, vão para a sala comunal agora.
Michelly deu sua ultima palavra e os dois voltaram para a sala comunal já que “Mikaella não gostava de astronomia”. Talvez esse não seja um assunto que ela quisesse compartilhar com sua irmã. Alex e Mikaella tomaram seu caminho em silêncio e com cuidado para que ninguém os visse.
A sala comunal estava desertamente vazia.
- A Michelly é sempre assim? – perguntou Alex se jogando no sofá.
- Você é o namorado dela, precisa saber disso – disse Mika irônica. Pelo jeito ela já voltou ao seu estado normal. Ela suspirou. – Eu vou pro quarto.
- Acho que eu também vou – murmurou Alex – Temos que ficar presos aqui até...?
- Falta uma hora e meia para aulas acabarem.
Mikaella se virou e subiu as escadas.
- Olha – disse Alex quando Mikaella já estava no meio da escada – Se precisar de alguém para conversar... ou não conversar... É só me chamar, ta?
Mikaella sorriu e assentiu.
A primeira coisa a qual ela recorreria era o seu diário. Fora um dia fúnebre, ainda mais com aquele pesadelo.
5 de setembro, 08h50min.
Querido diário,
Eu sinto medo. Tive um pesadelo horrível e quase morri nele, e posso jurar que ouvi um rosnado de lobo. Descobri que minha irmã está namorando o garoto de Dumstrang e o nome dele é Alex. Sim, o próprio Alex que eu vi no navio, que eu vi na sala comunal ontem a noite.
E também, pela primeira vez posso afirmar que odeio aula de astronomia. Não culpo a professora Sasha, mas sim o que ela vê e diz. Ela e disse que é melhor eu ir me acostumando em ler estrelinhas já que na poderei confiar mais em ninguém. E disse algo sobre pecados impiedosos, que eu vou me apaixonar pela pessoa errada e sobre segredos que terei de guardar para mim mesma. Não sei por que isso me afetou tanto, o Alex disse que é só superstições e é verdade, eu não preciso acreditar.
E por voltar a falar no Alex... Ele me abraçou hoje na escadaria da torre de astrologia e eu nunca senti um abraço como aquele. E ele era tão quente, e tão macio e era tão, tão bom. Mas Michelly interrompeu mandando nós voltarmos para a sala comunal.
E agora eu estou sozinha trancada na sala comunal com ele durante quase uma hora e meia
Esquece!
xo xo, Mika.
Mikaella devolveu seu diário ao seu devido lugar. E pensou. Pensou.
Pensou...
E teve uma idéia!
Por que ficarem presos na sala comunal quando se há tantas coisas para se explorara em Wiztron? E o Alex adoraria conhecer a escola, num é?
Ela desceu as escadas correndo de volta a sala.
- Gostaria de fazer um tour por Wiztron? – perguntou ela ofegante e animada.
- Er... Mikaella... – Hesitou ele.
- Qual é! Ninguém vai ver a gente, eu prometo – disse Mikaella estendendo a mão para o garoto.
Era irresistível! Simplesmente porque era chato fiar ali sem fazer nada ainda mais quando se tem uma manhã linda dessas e um castelo enorme chamado de escola. Alex não hesitou em segurara a mão de Mikaella e sair dali. Era tão fácil ser amigo ser amigo de Mikaella e Alex também afrouxava as coisas. Se fosse qualquer outro garoto prudente, não aceitaria uma oferta dessas.
Os dois andavam pelos corredores tão silenciosamente como cobras. Tentavam não falar e se possível, não respirar. Porque se alguém os visse ou os escutasse eles estariam ferrados. Que adrenalina!
Mikaella estendeu o braço frente de Alex para ele parar e esticou o pescoço como se estivesse ouvindo alguma coisa. Alex se esforçou para escutar, mas não ouviu nada. Mikaella olhou para trás, para os lados e finalmente pensou: o que são essas cortinas na parede? Claro! As estátuas. As cortinas cobriam as estátuas embutidas na parede. Ela puxou Alex para trás de uma delas e fez sinal de silêncio tocando o dedo indicador nos seus lábios. Alex assentiu devagar.
Os passos começaram a se aproximar e eles se espremeram mais ainda contra a estátua. Quando a pessoa passou por eles um vento bateu na cortina e levantou a borda.
- Tem alguém ai? – perguntou a voz rouca e severa. Era o Colvin Clay.
Mikaella pigarreou uma vez e engrossou a voz o máximo que pôde.
- Claro que tem seu idiota! – disse ela. Sua voz se assemelhando a do Barão Alisteir, um fantasma de Wiztron.
- Ba-Ba-Ba- Barão? – balbuciou Colvin.
- Sim! Sou eu, e quem mais poderia ser? E o que você ta fazendo no meu corredor?
- Vigiando – Sua voz era trêmula.
- Pronto! Você já viu, agora vaza daqui! – trovejou a voz.
- Vazar, senhor? Como assim? – desconfiou Colvin.
“Vazar” não faz parte do vocabulário de um Barão da renascença Italiana. Só podia ser Mikaella!
- Ah, são esses adolescentes! – suspirou Mikaella com a voz do Barão – Essas manias pegam. Agora, pode se retirar, Clay.
- Sim, senhor – assentiu Colvin e finalmente saiu dali.
Mikaella respirou de alívio. Sua garganta doía já que ela forçou tanto a voz. O Alex poderia fazer isso, e muito bem, mas ele não conhecia o Barão. Os dois saíram de trás da cortina e foram o lado oposto de Colvin Clay. Mikaella pigarreou umas três vezes para sua voz voltar ao normal.
- Como...? O que foi aquilo? – perguntou Alex.
- Todos morrem de medo do Barão – explicou Mikaella – Ele costuma a amarrar os alunos no teto pelos tornozelos. E na época que o Colvin estudava aqui ele passou por isso.
- Nossa, que drama.
- É aqui – disse Mikaella apontando para a porta de madeira e fechaduras enferrujadas.
Eles passaram pela porta que dava a um pátio. O pátio de pavimentação. Mas não era ali que Mikaella queria ir, era para os campos, perto dos jardins. Era o lugar preferido dela, já que era calmo e quase ninguém ia lá, só a professora de herbologia, Meredith Glocheux, para cuidar das plantas.
- É lindo aqui – disse Alex deslumbrado.
O campo era todo margeado de arbustos floridos, árvores e no lado oeste havia um riacho. Mikaella subiu em uma árvore, escalando galho por galho até chagar ao topo. Alex subiu junto com ela. Na vista de cima da árvore dava para ver quase toda Wiztron. Mikaella o mostrou onde ficava o campo de quadribol, o lago, o cais e onde se guardava os barcos, a garagem das vassouras, o corujal, o viaduto, as pontes e até aonde ela os levava. Em fim... quase tudo. Pelo menos o exterior de Wiztron ele conhecia.
- Ta vendo aquele vilarejo lá em baixo? – disse Mikaella apontando para o horizonte.
- Ahaam.
- Lá é a Wizoney, a melhor parte de Wiztron. E podemos ir lá todo o final de semana! – disse ela animada.
Amanhã era sábado e a Wizoney era o seu primeiro refúgio. Lá havia lojas incríveis. A Honingers onde vende doces do todos os tipos imagináveis e inimagináveis, a Buttear que é um bar estilo rústico muito freqüentado pelos bruxos mais velhos, a Vougloud onde vende roupas e assessórios para bruxos e bruxas, o Macjet onde vende os mais incríveis objetos mágicos... e muitas, muitas outras.
- Vamos lá amanhã? – perguntou Alex. Uma pergunta curiosa e ao mesmo tempo um convite. É realmente um caso curioso.
- Claro! – disse Mikaella espontaneamente – Quer dizer – hesitou ela – Vamos nós quatro. Você e a Michelly, eu o Tommy.
- Você namora? – perguntou ele surpreso.
Mikaella balançou a cabeça positivamente.
O sino bateu três vezes, era o intervalo das aulas. Mikaella desceu da árvore e Alex desceu logo depois dela. Eles voltaram correndo para o castelo pelo mesmo caminho que saíram e já no corredor se misturaram com uma turma lá. O lance era não ser visto.
Eles voltaram para a sala comunal – que estava cheia pra caramba, então, provavelmente, ninguém os viu entrar – e sentaram no sofá como se nada tivesse acontecido.
- Onde vocês estavam? – indagou Michelly – Procurei vocês lá em cima e as camas estavam vazias...
- Claro, porque nós estávamos aqui em baixo o tempo todo – disse Mikaella com uma expressão óbvia.
Michelly olhou desconfiada para irmã e para o namorado. Podia jurar que não os viu ali sentados quando passou por ali para subir e procurá-los. Mas assentiu devagar. Eles não podiam sair da sala comunal mesmo.
- Daqui a pouco vocês terão Estudo dos Trouxas com Dora Tuntfie – avisou Michelly – Vê se não se entendia com a aula desta vez, ta Mika?
- Ok, Michy – disse Mikaella sorrindo.
- Ah, Alex. Aqui ta o livro que você pediu – Michelly entregou a Alex um livro de capa de couro marrom e surrado.
- Valeu – agradeceu Alex sorrindo. Levantou-se para dar um breve selinho em Michelly e subiu para o dormitório masculino.
Michelly se jogou no sofá ao lado de Mikaella e suspirou.
- Não sei o que ele quer tanto com o livro de Animagia – falou ela.
A aula de Estudos dos Trouxas é um saco. Para quê eles vão querer saber a função de um controle remoto? Alguns já sabiam cujo pai ou mão são trouxas, mas no que isso beneficia para os outros? A questão havia se tornado em aturar e não aprender. Só faltavam todos darem pulinhos na primeira batida do sino com o intervalo de aulas, quase saíram correndo de sala. Nada contra a professora Tuntfie, ela até que é uma senhora simpática.
Nos corredores aonde pessoas iam e viam de lugar nenhum Mikaella esbarrou com o Thomas. Havia queimaduras nas mãos dele.
- O que aconteceu? – perguntou Mikaella preocupado.
Ele a puxou para um lugar menos movimentado, não dava nem pra respirar no meio de toda aquela multidão.
- Detenção – disse ele – Me pegaram nos corredores depois das dez horas.
Mikaella sentiu uma frustração de culpa.
- Tommy, eu te disse que não precisava...
- Não importa – Inesperadamente ele sorriu – O que importa é que você está bem. Eu não disse a eles que você estava comigo, disse que estava sozinho.
Nhá, que fofo! Parece que o garoto que não sabe beijar tem coração. E dos bons. Algum motivo a mais para não conseguir amá-lo? Mikaella não ia ficar com essa divida de piedade. Não, não mesmo.
- Eles fizeram mais alguma coisa com você? – perguntou Mikaella pegando as mãos queimadas do garoto, parecia com queimaduras de segundo grau, avermelhada e algumas bolhas.
- Eles não me deixaram ir à Wizoney amanhã... – Seu tom de voz era entristecedor. – E, talvez, nem ao baile de primavera... Sinto muito.
- Não tem problema. Eu não tava a fim de ir mesmo – disse Mikaella dando de ombros.
Thomas deu um sorrisinho acanhado e Mikaella retribuiu.
- Eu tenho que ir – disse ele e logo depois sumiu no meio da multidão.
Mais uma vez ele quebrou o clima. Quebrou não, estraçalhou o clima! Qual é!
- Quem você pensa que é? – A voz era agudada em histerismo.
- Celly! Quanto tempo – disse Mikaella com um sorriso forjado – Esses dias eu estava pensando em você.
- Pode parar com suas gracinhas, ok? – disse Celine rispidamente – Me aguarde, Mikaella.
Ela virou as costas e foi embora. Mikaella deu um tchauzinho debochado.
- Você não tem jeito – disse Kyra que surgiu do nada e já estava no lado de Mikaella.
- Não mesmo – disse a outra voz, agora era Belle que também surgiu do outro lado de Mikaella.
Mikaella soltou uma risada suave. Era difícil se encontrar com Belle e Kyra já que elas eram da outra casa e Kyra era do quito ano, junto com Michelly e Isabelle.
- E como ta o lance com Tommy? – perguntou Belle.
- Ele beija bem? – perguntou Kyra.
Não sei por que elas duas tinha essa mania de atirar perguntas.
Mikaella torceu o lábio e ficou séria.
- O que?! – sobressaltaram-se as duas.
- Ele não me beijou, ainda – murmurou Mikaella.
As duas ficaram de boquiaberta.
- Mas você que tem que tomar a iniciativa – disse Belle.
- Ele é o coelhinho, você que é a raposa! – disse Kyra.
- Eu sei, eu sei, mas não dá. Quando eu to quase lá ele diz que tem que ir pra algum lugar, parece que ele ta fugindo de mim – Uma boa alternativa até, mas porque ele fugiria de Mikaella? Olá! Ela é a Mikaella Fox Devonne, obrigado.
- Num liga não – disse Belle tentando consolá-la.
- Na primeira vez que o Alex beijou Michelly ela saiu correndo – disse Kyra sem pensar. Michelly pediu para Kyra guardar segredo disso porque foi a coisa mais ridícula que ela já fez na vida, e sabia que Mikaella ia zombar disso. Nem Belle sabia.
Kyra trancou os lábios numa linha reta quando percebeu que havia falado demais. Mika e Belle se entreolharam, mas não disseram nada até que as três caíram na gargalhada.
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