Recomeçar do Zero
- Hermione, tem como você vir aqui? – pedi gritando, afinal ela estava no andar de baixo. Pude escutá-la subindo as escadas e quando ela entrou em meu campo de visão não pude não rir: ela estava uma verdadeira bagunça, o cabelo preso num coque frouxo completamente desalinhado, as pernas cobertas de um pó esbranquiçado, a blusa de flanela xadrez dez vezes maior que ela (já que era minha) toda manchada de tinta azul. E ainda assim estava adorável, rindo de mim da mesma maneira
- Você está ótima, Herms.
- Digo o mesmo – embora o sorriso não desaparecesse de seu rosto, ela franziu a sobrancelha e aproximou-se, passando a mão delicadamente em minha bochecha uma ou duas vezes, limpando algo que eu não sabia dizer o que era – que foi que me chamou?
- Preciso de uma opinião. A gente tinha pensado nesse tom aqui pra essa parede, - mostrei a lata de tinta ao meu lado - mas de repente me pareceu estranho, o que acha?
Seus olhos agora estreitos percorram toda a extensão do cômodo vazio, parando na lata de tinta – Talvez... se você suavizasse mais, acho muito forte. Vou pegar o branco lá em baixo e já volto – ela já ia rumando pra porta quando eu a segui:
- Mais fácil eu terminar com você lá em baixo, daí a gente faz um intervalo rapidinho e volta pra cá.
- Outro intervalo? Por Merlin, Potter, você anda muito preguiçoso.
- Mas é claro... O intervalo é a melhor parte!
Estávamos nos divertindo bastante no fim das contas, em todos os momentos. Ela estava ali comigo tinha dois dias, me ajudando a reformar a casa dos Black, torná-la a casa do Harry, como ela disse. Embora as mudanças estruturais tivessem sido feitas magicamente já que até ela concordara que a possibilidade de algo sair errado era enorme, sem contar a demora, a parte de acabamento e decoração estava sendo feita de maneira trouxa, o que nos levava àquele momento, com galões de tinta, rolos e pincéis espalhados por toda casa e a pilha descomunal de objetos de decoração que havíamos comprado no dia anterior. Monstro discordara profundamente: não queria o Sr. e Srta. "se desgastando desnecessariamente quando ele podia fazer aquilo num estalar de dedos na hora que quisessem sendo que ele, Monstro, ficaria muito feliz em ajudá-los", como lhes dissera dois dias antes. Observei a parede pintada parcialmente de azul e me encarreguei de começar a parede ao lado, enquanto ela terminava.
- Aquele dia... quando você e Ron estavam conversando, que eu acordei tarde....
- O dia que você dormiu comigo? – ouvi sua resposta divertida.
- É, o dia que dormi com você – não pude deixar de rir – quando vocês voltaram, eu notei que você tinha chorado. Aconteceu alguma coisa? – parei para olhar sua reação. Ela me encarou como se o fato de eu ter notado a surpreendesse e diria até que de uma forma bem positiva.
- Nós conversamos sobre nossa situação, colocamos tudo em pratos limpos, por assim dizer.
- E? – incitei, ansioso
- E continuaremos a ser os melhores amigos de sempre, discutindo como sempre – ela respondeu feliz e eu senti um alívio repentino que nem sabia de onde veio - Não poderia de ser outra forma.
- Isso deixou você triste? – a cara dela de felicidade desmentia isso, mas eu tinha que saber.
- De forma alguma! Eu chorei de felicidade, quando resolvemos tudo. Porque eu sabia o que devia fazer, mas tinha medo que Ron ficasse magoado. Ele não ficou, pelo contrário, concordou comigo e disse que gostava demais do que temos, que eu era sua melhor amiga. – houve uma pausa e a situação inverteu, sendo ela agora a observar minhas reações.
- Eu sempre achei que ficariam juntos. Mas também achava que iriam se matar eventualmente caso o fizessem. – confessei.
- Você não foi o único. – percebi que ela especulava algo. – Muita gente sempre achou muita coisa. Que eu e Ron éramos feitos um para o outro, que você e Ginny – ela parou alarmada – desculpa, eu sei que você não quer falar sobre vocês dois ainda.
- Eu não me importo – admiti, para ela e pra mim mesmo. Ela largou o rolo de tinta e veio pro meu lado, atraindo minha atenção.
- Vi você durante meses olhando o ponto dela no mapa do Maroto e muitas vezes quando você estava calado eu sabia que pensava nela. A não ser que vocês tenham voltado sem eu saber, eu esperava que você matasse a saudade, fosse atrás dela. Vocês sempre pareceram tão perfeitos juntos...
- Você não deixa escapar nada, impressionante – resmunguei – ela... Como eu posso dizer, me encostou na parede no dia que fuipra sua casa. – ela riu, como se esperasse algo assim - mas Ron apareceu e eu acho que ela está realmente brava comigo por tempo indeterminado.
- Meu Deus, o que você disse? – quis saber enquanto se unia a mim pintando a parede de branco.
- Eu não disse, acho que esse foi o problema. Nenhuma resposta direta. E nenhuma indicação que eu pretendia voltar com ela – desabafei – Ginny é maravilhosa, mas ela não sabe como foi... Tudo que passamos. E eu não me sinto confortável pra conversar sobre o que aconteceu com ela, por que...
- ela não estava lá – ela emendou como se lesse meus pensamentos.
- Você estava lá – eu afirmei, sem mais nem menos.
- É, eu estava – concordou com um meio sorriso - E eu nem imagino o que ela faria se descobrisse que eu estive lá com você, sozinha, durante meses.
- Como assim? – não entendi o que ela queria dizer. Senti seu olhar incrédulo sobre mim, antes de ouvir sua voz.
- Harry, estávamos só eu e você. Só eu e você completamente perdidos, sem saber o que fazer, desolados por nosso melhor amigo ter nos abandonado, traídos, por assim dizer. Dois adolescentes supostamente com hormônios a flor da pele. E você bem sabe que as pessoas já suspeitaram de algo entre nós. Qualquer um diria que eu e você nos... – ela ruborizou – que nós ultrapassamos a barreira da amizade platônica, entende?
No instante em que absorvi as palavras dela, me lembrei instantaneamente do Harry-Riddle e Hermione-Riddle entrelaçando-se de formas perturbadoras bem diante dos meus olhos "Tudo que você deseja é possível, mas tudo aquilo que você mais teme também é", foi o que foi dito pra Ron. Se ele, o melhor amigo dos dois achou que havia uma possibilidade daquilo acontecer, Ginny também o faria.
- Harry? - voltei a encarar Hermione, que pelo visto não me chamava pela primeira vez. Lembrei-me de como aquela imagem dela era tão linda e ao mesmo tempo terrivelmente assustadora, as feições duras. Hermione era seu oposto: seus olhos eram infinitamente doces, seu semblante calmo e tranqüilizador. Havia algumas sardas no seu nariz, quase imperceptíveis que eu nunca tinha reparado. E quando ela me sorriu, provavelmente confusa por meu silêncio, eu cheguei à conclusão de que eu era cego, em milhares de sentidos: ela era linda. Notei isso no baile de inverno no quarto ano, mas naquele instante era diferente: ela não estava arrumada, nem maquiada. Era apenas ela. Eu sempre tinha olhado pro interior, pra melhor amiga fiel, generosa e gentil que era e nesse quesito não havia dúvidas: era uma das pessoas mais maravilhosas que eu conhecia. Mas aquilo... era definitivamente novo.
- Harry! – ela me chamou de novo, dessa vez parecendo brava - em que mundo você está ?
- Hã? – parei num instante, tentando clarear a cabeça – Só estava pensando numas coisas.
- Que coisas? Você fica com uma cara super estranha, daí fica me olhando um tempão sem dizer nada.
- Não é nada. – insisti.
- Você é um péssimo mentiroso. – naquela altura, nós dois já estávamos sentados no chão, o trabalho abandonado.
- Estava pensando que você é linda. – não planejava falar assim, mas simplesmente escapou.
- Ah Potter, muito lisonjeiro de sua parte – ela comentou – e muito mentiroso. Se não quiser me contar não fale nada, simples assim.
- Mas eu estou falando a verdade! – indignei-me prontamente. Isso pareceu convencê-la, pois um leve rubor tomou conta de seu rosto.
- Err... Obrigada – agradeceu levantando-se, voltando ao trabalho. Quando já estava do outro lado da sala ela disse – E isso vai contar como um intervalo.
- Entrem, por favor! – convidei enquanto os observava pendurar seus casacos – fico feliz que tenham vindo.
- Uau cara, ficou bem maneiro! – Ron elogiou me cumprimentando ao passarmos pelo corredor onde ficava o quadro da sra. Black – mas... cadê a Hermione?
- Foi na casa dela, deve estar chegando – expliquei – venham, eu mostro tudo enquanto Kreacher termina o almoço.
- Pelas barbas de Merlim, vocês realmente fizeram isso tudo sem magia? – espantou-se a sra. Weasley, que avaliava a pintura dos corredores.
- Sim, fizemos. Obviamente demorou bem mais do que simplesmente um agito de varinha mas foi... divertido.
- Molly, talvez nós poderíamos.... – um entusiasmado Sr. Weasley arriscou e eu me virei bem a tempo de ver o olhar mortal que ela lhe lançara, calando-o. Resolvi prosseguir – Bem, aqui são os quartos de hóspedes...
- Então eu já tenho um lugar pra mim quando vier! – constatou Ron, ao entrarmos no último deles – eu gosto deste aqui!
- É claro que tem um lugar Ron, mas receio que não seja este quarto.
- Droga! A Hermione já o escolheu não é?
- Não... - esclareci tentando me manter sério.
- Então... como assim, cara? - não me dei ao trabalho de responder imediatamente, apenas indiquei que me acompanhasse. Parei de chofre em frente ao primeiro quarto da ala leste:
– Veja você mesmo. - Ele abriu a porta e olhou ao redor, perplexo. Destacava-se em meio ao branco da parede um enorme pôster dos Chudley Cannons – Você não achou que depois de tudo você ia ficar com o quarto de hóspedes, achou?
- Mas... Como... Cara! Eu não sei o que dizer, isso é... UAU. – eu ri – Obrigado.
- Não tem de quê. – Eu ainda mostrei meu quarto e o de Hermione e todo o terceiro andar. E como numa sincronia perfeita, assim que terminei Kreacher nos chamou pra almoçar. Já estávamos descendo quando Ron perguntou
- Ué, cadê a Ginny? – olhamos ao nosso redor e nada. Kreacher já nos chamava pela segunda vez.
- Vai indo, eu vou procurá-la. – A encontrei no quarto da Hermione, distraída com os mínimos detalhes.
- Er... Ginny? O almoço está pronto. – ela permaneceu em silêncio – o que foi?
- É lindo, o quarto. Tenho certeza que ela adorou. – ela finalmente havia se virado, seus olhos estavam estranhos.
- É... Escute...
- Ela vai ficar aqui mais tempo? – me cortou. Eu não a entendia. Que diabos ela queria com aquilo?
- Acho que sim, não sei. Olha, da última vez que conversamos...
- Não precisa explicar nada, Harry – outro corte. Eu tentei de novo:
- É claro que precisa.
- Eu amo você, Harry – a ouvi dizer assim do nada e fiz o meu melhor pra não demonstrar o choque – Você passou por muita coisa que eu não entendo, mas que eu quero te ajudar a superar. E eu não vou desistir de você porque eu sei que o que temos é especial. Você também sabe, mas parece não querer ver. – ela se aproximava lentamente enquanto eu estava completamente estático – Só... dê uma chance pra nós dois, está bem? – antes que eu pudesse formular uma resposta seus lábios colaram nos meus e eu não soube o que pensar a principio, mas depois correspondi. Eu queria aquilo, nós éramos perfeitos juntos, não era? Me concentrei em seus cabelos suaves ao meu toque, em suas mãos serpenteando por minhas costas, no calor de seu corpo e no som da porta se abrindo ?
- Ah, Deus, desculpem, eu não queria... – desvencilhei-me de Ginny e encontrei brevemente os olhos cor de chocolate extremamente conturbados da dona daquele quarto antes que ela desaparecesse de vista.
- Hermione! – chamei inutilmente, descendo as escadas o mais rápido que podia, Ginny em meu encalço. Nada dela. Me sentei a mesa, incrivelmente desconfortável. Ela apareceu um ou dois minutos depois, sentando-se ao lado de Ron, na minha frente, o único lugar disponível. E ao julgar pelo fato dela evitar meu olhar a todo custo, eu diria que ali não era, definitivamente, o lugar que ela queria estar.
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