Capitulo 03



Capitulo 03


 


O mar parecia calmo àquela altura, e os navios lembravam brinquedos em uma banheira.


Samantha logo se aborrecera com a paisagem, dizendo que voar não era uma grande coisa, afinal. Mas Gina continuava com o rosto bem próximo da janela, encantada com o serviço da primeira classe. Aquela manhã haviam sido tratados como reis desde que chegaram à sala de embarque, onde foram servidos drinques e canapês. Harry se comportava como se estivesse mais que habituado a tudo aquilo, o que a levara a questionar sua verdadeira posição social. Lera em algum lugar que os artistas passavam a vida lutando pela sobrevivência, mas Harry Potter parecia ter mais do que o necessário.


Ele estava sentado no banco de trás, só precisava virar um pouco o pescoço para vê-lo pelo canto dos olhos. O livro que estivera lendo fora trocado por um bloco de desenhos.


Sutis e sensíveis, as mãos de dedos longos eram a única parte do corpo que combinavam com a imagem do artista. O restante era pura masculinidade. E era essa aura de virilidade que atraía os olhares de todas as mulheres por quem Harry passava.


A comissária de bordo parou para perguntar se ele gostaria de beber alguma coisa e deixou escapar uma exclamação surpresa.


- Quer ficar com ele? - Harry indagou.


- Oh, sim! Nunca tive um retrato desse tipo!


Ele riu.


- Não é exatamente um retrato.


- Para mim é o melhor. Pode assiná-lo, por favor?


- Sim, é claro. - Houve uma breve pausa seguida pelo ruído da página sendo arrancada do bloco. - Aqui está.


- Vou guardá-lo como um tesouro. Um Harry Potter! Meu!


- Não conte com isso. - murmurou Samantha. A jovem comissária aproximou-se para repetir a mesma pergunta que fizera aos outros passageiros, e ela levantou a cabeça com um sorriso doce. - Posso dar uma olhada?


A morena de traços perfeitos e cerca de trinta anos correspondeu ao sorriso e exibiu o desenho. Gina teve de admitir que a semelhança era impressionante.


Samantha nem se deu ao trabalho de tecer comentários.


- É uma honra ser considerada digna de todo esse trabalho. - a aeromoça disse, sorrindo para o homem sentado no banco de trás.


- Não foi trabalho algum. - Harry garantiu com simpatia. - Uma estrutura óssea como a sua é o sonho de todo artista.


Se o peito da mulher inchasse um pouco mais, ela acabaria concluindo a viagem sem os botões do uniforme, Gina pensou com maldade incomum.


Sempre irreverente, Samantha virou-se para o tio no banco de trás.


- Que bela cantada!


- Você é jovem demais para tanto cinismo. - ele a censurou. - A moça tem mesmo uma bela estrutura óssea.


- Eu também tenho. E nem por isso você se ofereceu para fazer o meu retrato.


- Gostaria que eu fizesse um?


- Pensei que nunca perguntaria!


- Então venha sentar-se aqui atrás, onde posso vê-la.


Samantha atendeu ao pedido como se estivesse prestando um enorme favor.


- De frente ou de perfil?


- De qualquer jeito, desde que fique quieta.


- De perfil. Vou começar a rir se tiver de ficar parada olhando para você.


Ouvindo a conversa, Gina teve certeza de que jamais se sentiria tão a vontade com ele quanto a irmã. Além do fator físico, era horrível saber que seria sustentada por um homem que nem era seu parente.


O desenho foi concluído com rapidez espantosa, e Samantha examinou-o com um olhar crítico.


- Você me fez parecer uma criança!


- Você é uma criança. - Harry respondeu com tom seco. - Quer ficar com ele, ou posso rasgá-lo?


- Vou guardá-lo. Por que não desenha Gina agora?


- Outro dia. - ele disse, antes que Gina pudesse rejeitar a idéia. - Quero terminar de ler meu livro.


Sam voltou ao assento ao lado da irmã e jogou o desenho no colo de Gina com uma careta de desprezo. Apesar da opinião de Sam, era evidente que Harry conseguira captar a juventude do rosto delicado com perfeição. Esperava que ele não acreditasse tê-la desapontado com a recusa em desenhá-la, porque um retrato era a última coisa que tinha em mente.


Desde a primeira visão da ilha com suas praias de areia branca, Gina ficou tão encantada que não conseguiu pensar em mais nada. O sol ainda brilhava alto no céu quando aterrissaram.


Harry foi recebido no aeroporto com familiaridade e simpatia, mas os olhares de especulação para ela e Samantha não passaram despercebidos. Em uma ilha tão pequena como aquela, a notícia se espalharia como fogo sobre pólvora, e logo começariam os comentários.


Pegaram um táxi na saída do aeroporto, o que decepcionou Samantha. Sem falsos pudores, ela anunciou que esperava ser transportada por uma limusine.


- As estradas da ilha não são adequadas para esse tipo de veículo. Costumo dirigir o jipe, mas também tenho um Mercedes na garagem. Se souber dirigir, posso incluir seu nome na apólice de seguro.


- Sim, eu sei dirigir, mas posso usar um ônibus quando quiser ir a algum lugar. - Gina garantiu orgulhosa. - Deve haver um sistema de transporte público na ilha.


- Existe, mas você teria de andar muito para chegar ao ponto de parada mais próximo da casa.


O que não seria nenhum sacrifício em uma paisagem como aquela. As cores eram vibrantes, a vegetação, exuberante e exótica, e um perfume floral pairava no ar momo e limpo.


- E tudo tão lindo! - exclamou, esquecendo a questão do transporte. - Nunca vi tantas flores diferentes!


- Logo vai se habituar ao cenário. Em um mês, vai estar tão acostumada que nem notará a paisagem.


- Nunca! - Entusiasmada, virou-se para encará-lo. - Posso imaginar como a nossa presença vai influir em sua rotina diária, mas farei tudo que puder para ajudar. Qualquer coisa. Só precisa pedir.


- Vou me lembrar disso.


Sentada ao lado do motorista, Samantha conversava como se conhecesse o homem há anos. Ali estava alguém que não teria problemas para adaptar-se a nova vida. Gina esperava que a faceta rebelde de seu temperamento não aparecesse com muita freqüência.


A propriedade de Harry Potter era um banquete para os olhos. Construída no meio de um enorme terreno e cercada por um gramado exuberante cortado por canteiros floridos, a mansão lembrava os encartes distribuídos pelos agentes de viagem. Palmeiras imperiais e coqueiros muito altos contribuíam para dar ao lugar uma atmosfera tropical.


- Você deve nadar em dinheiro! - Samantha apontou excitada. - Falando em nadar, aposto que há uma piscina neste lugar!


- Nos fundos. - Harry respondeu.


- Posso ir dar uma olhada?


- Fique à vontade.


Envergonhada com o comportamento da irmã, Gina pediu desculpas.


- Por quê?


- Pelo comentário que Samantha fez. Foi grosseiro e inoportuno.


- Considera vulgaridade falar sobre dinheiro? Eu não estaria vivendo aqui se fosse pobre.


- Eu sei, mas... Ah, esqueça. Acho que estou perturbada com tantas mudanças.


Harry não respondeu. Em silêncio, estudou o rosto jovem com uma expressão indecifrável. Gina sentia novamente aquele formigamento, e por isso não conseguiu sustentar o olhar penetrante. Deixar que ele percebesse o tipo de efeito que exercia sobre seu controle seria embaraçoso e desastroso, levando em conta que Harry podia considerar a situação insustentável. Além do mais, era só uma atração passageira. Tinha de ser.


De repente a porta dupla entre a sala e a varanda se abriu para dar passagem a uma mulher muito gorda num vestido cor de laranja. Seu rosto era praticamente dividido ao meio por um sorriso amplo e branco.


- Sr. Harry! Ouvi o ruído do carro!


- Como vai, Bella? - E virou-se para Gina. - Ela é minha governanta. A melhor da ilha.


- Não adianta me adular! - a mulher protestou, trocando o sorriso por uma careta de reprovação. - Por que não me avisou que estava voltando... e com uma visitante!


- Duas. - Rony corrigiu. - A outra foi dar uma olhada na piscina. Esta é a Srta. Weasley.


- Gina. É um prazer conhecê-la, Bella. E lamento ter chegado de maneira tão inesperada.


- O que está feito está feito. Preciso ir arrumar os quartos.


- Deixe-me ajudá-la.


- De jeito nenhum! - Veio a resposta ofendida. - Joshua levará as malas. - ela disse, notando que o patrão se inclinava para apanhá-las. - Sentem-se enquanto preparo o chá.


- Prefiro levar as malas para dentro. Joshua só terá de deixá-las nos quartos mais tarde. E prepare o chá para as duas. - acrescentou. - Prefiro um uísque.


- É cedo demais para beber aquele veneno! - Bella apontou.


- Provavelmente. - Harry não alterou o tom de voz, mas a governanta compreendeu a mensagem e encolheu os ombros com aparente resignação.


- Algumas pessoas se negam a ouvir a voz da razão.


Depois de deixar a bagagem no chão de ladrilhos do hall, Harry olhou para Gina e riu.


- E preciso saber enfrentá-la. Bella considera seu dever manter todo mundo na linha, como ela diz.


- E óbvio que ela não tem muito sucesso com você.


- Digamos que sou um caso perdido. - E apontou para um corredor à esquerda. - Venha, vamos procurar sua irmã.


O aposento ao qual ele a levou era suntuoso, uma vasta extensão de carpete cor de creme em contraposição ao estofado colorido. Portas de vidro davam passagem à varanda dos fundos, de onde era possível ver um gramado em torno de uma piscina com uma pequena ilha no centro.


Como se pressentisse a presença dos observadores, Samantha virou-se e acenou. Harry abriu a porta, e um perfume delicado invadiu o ambiente.


- Entre. - ele a convidou.


Samantha obedeceu, parando a alguns passos da porta para apreciar a sala.


- Que lugar! Deve ter custado uma fortuna!


- Esta será sua casa, pelo menos nos próximos anos.


- Já me sinto completamente em casa! Sempre soube que meu destino era a riqueza!


Harry riu.


- Não vai mais notar a diferença depois de se habituar. As escolas são muito parecidas em todos os lugares.


- Oh, por que tinha de me lembrar disso? Mesmo assim... não voltarei a estudar imediatamente, certo?


- Depende da rapidez com que eu puder tomar todas as providências. Cuidarei disso amanhã cedo.


O ruído de pratos e xícaras anunciou a chegada de Bella, que entrou na sala empurrando um carrinho de chá. Ela encarou Samantha com desgosto ainda maior.


- Não disse nada sobre uma criança. - apontou. - Pensando bem, não disse nada sobre coisa alguma!


- Uma omissão que pretendo corrigir agora mesmo. Esta é Samantha, filha de meu irmão e meia-irmã de Gina. Elas viverão aqui.


- Para sempre?


- Essa é a idéia geral?


A mulher olhou para as duas jovens como se não pudesse acreditar no que ouvia.


- Pretende adotá-las?


- Já passei da idade de ser adotada. - Gina protestou. - Faremos o possível para não dar trabalho, Bella.


- Prometo arrumar minha cama todas as manhãs. - Samantha ofereceu com tom magnânimo. - Não vai nem perceber que estou aqui!


- Já percebi. - Bella respondeu mal-humorada. - É melhor tomarem o chá enquanto está quente.


- Eu sirvo. - ofereceu Samantha ao ver a governanta se retirar.


- Sente-se e comporte-se. - Harry ordenou. - Gina fará as honras.


Enquanto as duas irmãs se preparavam para o lanche, ele atravessou a sala para providenciar uma dose de uísque no bar de cedro. Havia três xícaras no carrinho, e Gina deduziu que Bella não era o tipo de pessoa que se resignava com facilidade. Harry devia tê-la prevenido por telefone, em vez de surpreendê-la com duas hóspedes inesperadas!


Ele se sentou na poltrona à frente de Gina e cruzou as pernas.


- Estava precisando disto. Foi uma semana e tanto!


- Para todos nós. - respondeu Gina.


- Tem razão. Talvez prefira uma bebida mais forte...


- Não, obrigada. O chá vai me fazer bem.


- Eu gostaria de algo mais forte. - Samantha anunciou, cortando uma fatia da suculenta torta de frutas. - Nunca gostei muito de chá.


- Que pena! - Gina respondeu com tom seco, perdendo a paciência - Considere-se uma pessoa de sorte por estar aqui.


Os olhos azuis como os dela refletiam ressentimento.


- Tenho mais direito que você a estar aqui!


- Pare com isso! - Harry permanecia na mesma posição, mas a alteração na voz não deixava espaço para argumentos. - Peça desculpas a sua irmã. Agora!


- Ela não... - Gina começou, calando-se ao receber um olhar de censura.


Chocada, Samantha obedeceu, mergulhando num silêncio ofendido. Gina queria dizer a ela que estava tudo bem, que não ficara magoada com o comentário intempestivo. Mas Harry interferira na questão de maneira brusca e inesperada, e a metamorfose a surpreendera.


Ele esvaziou o copo e deixou-o sobre a mesa de canto, ao lado do abajur.


- Você deve respeito a sua irmã, Samantha. Ela sacrificou muitas coisas para cuidar de você e de seu pai nos últimos anos!


- Sam não teve culpa de nada. E limpar a casa e cozinhar não foi nenhum sacrifício!


- Sabe muito bem que a rotina doméstica envolve muito mais do que está sugerindo. Notei como Sam considera sua obrigação cuidar de todos os detalhes, inclusive de suas roupas. Não tente diminuir a importância do que tem feito.


- Sam estava na escola, e papai tinha os negócios para cuidar.


- Você também devia ter ficado na escola. E não deve nenhuma lealdade a meu irmão. A julgar pela bagagem que trouxeram, é evidente que ele manteve os bolsos bem fechados.


- Trouxemos apenas o que considerávamos necessário. - Gina argumentou. - Seria ridículo trazer roupas de inverno para um lugar com este clima.


- Também não temos tantas roupas de verão. - Samantha indicou, recuperando a disposição.


- Não importa. - apontou o tio. - Bridgetown possui excelentes butiques.


- Caras, certamente. - disse Gina. - Deve fazer o que considera adequado por Sam, mas posso sobreviver muito bem com o que já tenho.


- Depende do que você tem. Preciso sustentar minha posição nesta ilha.


- Dificilmente irei a algum lugar onde meus trajes tenham importância.


- Esse seu orgulho pode se tornar aborrecido. - Ele falava como se já estivesse farto. - Quando vai entender que não está recebendo favores?


- Também não estou aqui pelas razões que expôs. Se tem uma governanta, está mais do que protegido contra os comentários maldosos.


- Não me importo com os comentários! Você está aqui porque Sam precisa de você!


- É isso mesmo! - A menina parecia ansiosa para convencê-los. - E não quis ofendê-la com aquele comentário que fiz há pouco. Estaria perdida sem você!


Gina duvidava disso. Cercada por todo aquele conforto, Sam nem perceberia sua ausência.


- Peço desculpas. - disse assim mesmo. - Estou me comportando como uma ingrata.


- Não quero sua gratidão. - O tom de Harry era seco. - Esta também é sua casa, tanto quanto de Samantha. Pare de agir como uma pobre-coitada.


- Não estou representando, se é o que quer insinuar. Se tivesse alguma idéia de como vive...


- O que esperava encontrar, afinal?


- Um lugar onde eu pudesse ser útil. Não mencionou a existência de criados.


- Porque nem pensei em mencioná-los. Quanto a ser útil, tenho uma montanha de papéis para serem organizados. E não quero ouvir nem mais uma palavra sobre esse assunto.


Não havia mais nada que ela pudesse dizer, Gina concluiu. Sem meios de sobrevivência, estava encurralada em uma situação que nunca desejara ou planejara. Algumas pessoas poderiam chamá-la de tola por não tirar proveito do momento.


Bella voltou para informar que os quartos haviam sido arrumados. Gina a seguiu pela escada de degraus largos, tentando conversar, desistindo da tentativa ao perceber que seus comentários mereciam apenas respostas monossilábicas. Não podia culpá-la por sua atitude. Descobrir que seu trabalho diário seria triplicado era motivo de sobra para aborrecimento.


A julgar pela reação inicial da governanta, qualquer oferta de ajuda seria interpretada como um insulto, mas isso não significava que tivesse de aceitar ser servida durante todo o tempo. Devia haver alguma coisa que pudesse fazer sem despertar o ressentimento de Bella. Só precisava de um pouco de tato e diplomacia.


Os dois quartos ficavam nos fundos da casa e possuíam banheiros privativos e sala de estar. Da varanda era possível ver a piscina e o gramado e, ao longe, o mar entre as palmeiras.


- Que maravilha! - Samantha exclamou. - Vai ser ótimo viver aqui!


Bella saiu resmungando alguma coisa sobre as maneiras deploráveis de certas crianças, e Gina sentou-se na cama como se as forças a houvessem abandonado repentinamente. O desânimo em seu rosto despertou a curiosidade da irmã.


- Não levou a sério o que eu disse lá embaixo, não é?


- É claro que não. Você nunca me pediu nada. Se me transformei no arquétipo da irmã mais velha, ninguém pode culpá-la por isso. Acho que estou apenas perturbada com tantas mudanças.


- Pois eu estou encantada! Era exatamente o que eu esperava encontrar. Vou amar cada minuto da minha nova vida!


Gina pensou em dizer que boa parte dessa nova vida seria dedicada aos estudos, mas preferiu ficar quieta. Harry levaria alguns dias, talvez até uma semana inteira para matriculá-la em um colégio local. Por que causar polêmica?


- É melhor desfazermos as malas. - sugeriu. - Duvido que possamos encher um décimo desses guarda-roupas com nossas coisas. - Suspirando, olhou para os imensos armários embutidos que cobriam uma parede da suíte.


Samantha encolheu os ombros.


- Vou comprar muitas coisas novas. E você devia fazer o mesmo. Ouviu o que Harry disse sobre manter as aparências.


- Oh, sim! Ele deve passar noite de insônia pensando nisso! Tente não exagerar, Sam. Deve haver um limite para a generosidade de seu tio.


- Não sei por quê. Ele tem mais do que precisa. Relaxe, Harry! Ele é nosso tio, lembra-se?


- Seu tio. E aposto que ele mesmo vai estabelecer os limites.


Estava perdendo tempo. O entusiasmo de Samantha a cegava para a razão e o bom senso.


- Vou procurar um biquíni e dar um mergulho. - ela anunciou. - As malas podem esperar.


Harry teria de estabelecer as regras, Gina decidiu ao ver a porta do quarto se fechar. Tentara impor limites pouco antes, mas Sam não parecia ter aprendido a lição. E ele ainda nem começara a enfrentar o pior!


Desfazer a mala e a valise de mão foi uma tarefa que ocupou cerca de quinze minutos. Como antecipara, suas roupas pareciam perdidas no interior do armário. Depois de uma ducha prolongada e relaxante, não pôde deixar de ver a própria imagem em um dos espelhos nas paredes do banheiro. Tinha seios pequenos demais, pensou desconsolada. Que homem ficaria excitado com uma visão tão insignificante?


Suspirando, decidiu mudar o rumo dos pensamentos. Não queria admitir que o único homem a quem desejava impressionar jamais ficaria excitado com qualquer um de seus dotes. Ou com a falta deles.


De volta ao quarto, vestiu uma túnica de algodão azul cujo comprimento era devido muito mais aos centímetros que adquirira ao longo dos anos do que aos ditames da moda. A escuridão envolvera a ilha, despertando os insetos noturnos. Gina foi até a varanda e observou o céu limpo pontilhado por estrelas muito maiores e mais brilhantes do que as que vira até então.


Apesar de tudo, era impossível negar a felicidade de estar ali. Quem não gostaria de viver em um lugar tão adorável? Devia haver algum tipo de trabalho que pudesse fazer. Bridgetown parecia ser o ponto de partida ideal para sua procura.


O jantar foi servido na varanda por um indiano sorridente que Harry apresentou como Joshua Parish, marido de Bella. O casal vivia em um chalé distante duzentos metros da casa principal, ele contou com tom irônico, os olhos fixos em Gina. Sendo assim, seriam só os três durante a noite.


- Por que comprou um lugar tão grande? - ela indagou, recusando-se a reagir à provocação.


- Gosto de espaço. Além do mais, nunca se sabe quando alguém vai aparecer.


- Recebe muitas visitas? - perguntou Samantha.


- Algumas. Eventualmente.


- Tentaremos não atrapalhar quando isso acontecer. - disse Gina.


O comentário mereceu um olhar debochado.


- Estou certo disso.


Samantha terminou de comer a banana caramelada com um suspiro satisfeito.


- Maravilhoso! Estou encantada com tudo isto!


Gina queria dizer que ela acabara de chegar, mas manteve a boca fechada, consciente dos olhos verdes fixos em seu rosto. Usando camisa branca e calça de algodão cru, com os cabelos negros ainda úmidos do banho, ele havia disparado seu coração assim que o vira. Era inútil lembrar a diferença de idade... alguns anos não mudariam a intensa resposta do corpo, que parecia ter adquirido vida própria.


- Quando iremos a Bridgetown? - Samantha questionou com um sorriso doce que muitos consideravam angelical. - Será maravilhoso ter roupas novas! Estas nem me servem mais. - disse, olhando para a blusa que usava. - E as outras estão ainda piores.


- Nesse caso, é melhor irmos amanhã mesmo. - decidiu Harry. - Tenho alguns negócios a resolver, mas sua irmã poderá acompanhá-la nas compras. - E olhou para Gina. - É evidente que terá todo o dinheiro necessário. E não se preocupe, porque não vou sugerir que tire proveito dele.


- Melhor assim. E se a responsabilidade será minha, vou precisar de um valor determinado dentro do qual operar.


- Tudo de que precisa é meu cartão e uma autorização para abrir contas em meu nome.


Gina desistiu. Não tinha o direito de ditar quanto ou como ele devia gastar com a única sobrinha. Sabia que Samantha tiraria vantagem de um arranjo tão generoso, mas uma conta astronômica seria a lição de que Harry precisava naquele momento. Então começaria a estipular limites.


A túnica azul parecia exibir uma grande porção de pernas quando ela se levantou da mesa para ir tomar o café do outro lado da varanda, seguindo uma sugestão de Harry. Tinha consciência dos olhos que a seguiam, do sorriso contido. E daí? As pernas eram seu ponto forte.


Gina desistiu de manter as pernas cobertas, concentrando-se nos sons e aromas da noite caribenha. Insetos de formas e tamanhos variados voavam em torno das lâmpadas, mas não havia mosquitos. Havia lido em algum lugar que a ilha era a única parte do mundo desprovida de serpentes. Era um alívio saber disso.


- Onde fica seu estúdio? - perguntou.


- Atrás do velho moinho. Gosto de me afastar de tudo quando estou trabalhando. Já fez algum tipo de pintura?


- Só na escola.


- E ela era brilhante! - Samantha interferiu. - Todos a elogiavam!


- Não exagere, Sam.


- Não é exagero! Você havia decidido cursar a faculdade de artes, e teria concluído o curso, se papai não houvesse feito chantagem para convencê-la a abandonar tudo para assumir os deveres de nossa mãe. Não que ela houvesse feito muito...


- Não fale assim dela! Nem de seu pai. Chantagem é um termo forte demais para a situação.


- Não é. Papai a convenceu de que você tinha o dever de retribuir a generosidade com que ele a acolhera. E por tê-la deixado ficar conosco depois que mamãe partiu. Eu ouvi!


- Ele fez isso? - Harry indagou com tom contido.


- Papai passava por dificuldades financeiras, e fiquei feliz por poder ajudá-lo.


- Por que insiste em tentar defendê-lo? David foi um crápula!


- Você não foi muito melhor quando se negou a ajudá-lo.


- Já disse que esse é um problema que só diz respeito a mim, Gina!


- Eu sei. Não tenho o direito de julgá-lo, especialmente quando...


- Especialmente quando me deve tanto. - ele concluiu impaciente. - Não suporta a idéia de ser ajudada por alguém, não é?


- Só se puder retribuir essa ajuda. E como não há muito que eu possa fazer nesta casa, irei procurar um emprego.


- Com que tipo de experiência?


- Sei cozinhar, limpar, passar...


- Centenas de mulheres possuem essas mesmas habilidades. Como estrangeira, só será aceita para desempenhar funções que nenhum residente possa assumir, o que limita ainda mais suas possibilidades.


- Parece que vai ter de se conformar com a situação, Gina. - Samantha comentou rindo.


Vermelha, Gina notou que Harry também sorria. Naquele momento, teria apertado o pescoço da irmã com enorme prazer.


- Não creio que tenha de se conformar com a inutilidade. - ele apontou. - Como mencionei antes, preciso de alguém para organizar minha papelada.


- Não quero bisbilhotar em seus assuntos pessoais.


- Não há nenhum segredo naqueles papéis. E então? Quer esse trabalho ou não?


Qualquer coisa era melhor do que ficar sentada vendo o tempo passar, vivendo à custa de um homem que acabara de conhecer.


- Quero. E se houver mais alguma coisa que eu possa fazer...


- Vou pensar no assunto.


Samantha bocejou.


- Não posso estar tão cansada! Ainda não são dez horas!


- São quase duas da manhã, de acordo com seu relógio biológico. - Harry lembrou. - Por que não vai dormir? Precisa descansar para fazer suas compras amanhã.


O argumento a convenceu. Gina preparou-se para acompanhar a irmã, mas foi detida por um gesto de Harry. E a última coisa que queria era ficar sozinha com ele.


 


 

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