Capitulo 02
Capitulo 02
O alarme a despertou de um sono exausto. Sobressaltada, desligou o relógio esperando não ter incomodado o hóspede no quarto ao lado. Precisava prevenir a irmã antes que ele aparecesse.
Como sempre, Sam dormia profundamente e encarou-a indignada quando viu que horas eram.
- Eu só saio da cama às sete e meia! - protestou. - Ainda tenho meia hora!
- Hoje é um dia incomum. Temos um visitante.
- Quer dizer que ele já chegou?
- Ontem à noite.
A menina sentou-se na cama, subitamente alerta.
- Como ele é?
- Alto, moreno e mandão.
- A descrição lembra alguém que conhecemos.
- Seu pai? Bem, eles eram irmãos. Harry quer que você fique em casa hoje para que possam se conhecer.
- Não preciso ir à escola? Ora, então ele não deve ser tão ruim assim!
Gina tinha uma opinião diferente sobre o assunto, mas preferia não causar preocupações desnecessárias.
- Acho melhor estarmos prontas e vestidas quando ele descer. - disse. - Vou tomar uma ducha, e depois irei preparar o café enquanto você se arruma. E nem pense em voltar a dormir. Se ainda estiver na cama quando eu sair do banheiro, jogarei um balde de água em sua cabeça para despertá-la.
- E depois terá de lavar e passar a roupa de cama.
A manhã era clara e ensolarada depois da chuva da noite anterior, e Gina abriu a janela do banheiro para deixar entrar o ar fresco, a luz e os perfumes da primavera inglesa. Talvez Harry se mostrasse mais cordato depois de uma boa noite de sono. Talvez até reconhecesse as vantagens de sua proposta.
Quando terminou o banho, Gina descobriu que a irmã esperava para usar o banheiro.
- Seja rápida. - pediu. - Quero terminar de comer antes que seu tio apareça. Aposto que ele vai pedir um café sofisticado.
- Nesse caso, mostre a ele onde fica o fogão. Você mesma vive dizendo que devemos começar exatamente como devemos prosseguir.
- Dizer e fazer são duas coisas bem diferentes. Além do mais, ele não vai ficar aqui por muito tempo. Não o bastante para estabelecermos padrões de comportamento.
A última coisa que queria era uma estadia prolongada. Não tinham muito tempo. A casa precisava ser esvaziada antes de ser posta à venda, e o banco não esperaria muito.
Planejando o café habitual, Gina entrou na cozinha e parou desconsertada ao ver Harry Potter sentado à mesa com uma xícara de café e o jornal matinal cuja assinatura ainda não cancelara.
Ele levantou a cabeça ao ouvir seus passos e examinou cada detalhe do corpo juvenil coberto pela calça jeans e a camiseta azul.
- Vejo que optou por um traje mais discreto esta manhã. - comentou.
- Quem aparece sem anunciar a visita deve estar preparado para encontrar qualquer coisa. - Gina respondeu, tentando aparentar indiferença - Não esperava encontrá-lo acordado.
- Eu sempre me levanto às seis. À que horas Samantha vai descer?
- A qualquer minuto. - E aproximou-se do refrigerador. - O que gostaria de comer?
- Cereal, frutas e iogurte, se for possível.
- Não me importo de cozinhar alguma coisa, se preferir uma refeição quente. Seu irmão sempre comia ovos com bacon.
- Mas eu pretendo viver mais que ele.
- Quer dizer que é um desses maníacos por hábitos saudáveis?
Uma centelha de humor iluminou os olhos cinzentos.
- Não sou nenhum maníaco. Apenas evito as frituras, especialmente de manhã. O café ainda está quente. - Sem esperar por uma resposta, pegou uma xícara limpa no suporte e serviu a bebida, aproveitando para completar a que mantinha ao alcance da mão.
Gina não conseguiu conter uma exclamação de reprovação ao vê-lo adoçar o café com três colheres de açúcar.
- Todos temos alguma fraqueza. - ele disse. - Saúde!
O café estava forte demais para o gosto de Gina, mas ela não disse nada. Estava perturbada demais com a proximidade dos pés que quase se encontravam sob a mesa. Harry também vestia jeans e camiseta, revelando uma forte estrutura de ombros de peito. Pela primeira vez desde que aprendera a falar, ela não soube o que dizer.
- Vejo que acordou silenciosa.
- Estava esperando que você começasse a conversa. Deve ter dezenas de perguntas para fazer.
- Creio que você já deu as informações mais importantes ontem à noite.
- Já chegou a alguma conclusão?
- Com relação a quê?
- Ao que propus. Sei que também estaria me sustentando por algum tempo, mas...
- Já disse que essa idéia é inviável. - Gina encarou-o sem esconder a frustração.
- Então o que pretende fazer? Sam não vai se adaptar em um colégio interno.
- Ela fará o que for decidido.
- É melhor não apostar nisso. Caso não saiba, pressionar uma adolescente de catorze anos é uma atitude tola que não vai surtir bons resultados.
- Será que pode falar mais baixo, por favor? E trate de acalmar-se. Não está ajudando em nada com todo esse descontrole.
Gina respirou fundo. Por um momento o homem a fizera lembrar o padrasto.
- Só estou preocupada com ela. Se mandá-la para o colégio interno, Sam vai acabar fugindo.
- E quem está pensando em colégio interno? Foi você quem disse isso.
- E qual é a alternativa? É um homem solteiro. Não pode levá-la para morar em sua casa. Já imaginou o que as pessoas vão dizer?
- Não, e nem quero imaginar. E não vou fingir que estou eufórico com o papel de guardião de uma adolescente, mas, como você mesma apontou ontem à noite, sou o único parente vivo de Samantha, o que encerra a discussão. Espero contar com você.
Gina encarou-o em silêncio por um momento, completamente aturdida.
- Está sugerindo que eu também me mude para Barbados? - perguntou em voz baixa.
- Por que a surpresa? Não quer ir?
- Não é a minha vontade que está em jogo. Sam é sua sobrinha, mas eu... eu seria apenas um caso de caridade.
- Se puder contar com sua ajuda, não terei de contratar uma babá... se é que o título também se aplica a quem cuida de adolescentes. Além do mais, você pode arrumar um emprego.
- Fazendo o quê? Já se esqueceu da minha falta de qualificações?
- Qualificações podem ser conquistadas.
- Com o tempo. Até lá...
- Até lá você pode ser útil dentro de casa, se quiser.
- Não irei a lugar nenhum, a menos que você vá comigo. - Samantha afirmou da porta.
- Você não tem escolha. - respondeu o tio dela. Os olhos azuis adquiriram um brilho mais intenso.
- Gina já havia dito que você é mandão!
- Gina ainda não viu nada! - A impaciência deu lugar a um sorriso divertido. - Olá, Samantha. Vejo que já escolheu seu lado na disputa.
- Vou ter de chamar você de tio?
- Harry. - ele decidiu. - Afinal, somos todos adultos. - O sorriso que iluminou o rosto da menina sugeria aprovação.
- Certo, Harry. E você pode me chamar de Sam.
- Vou preparar o café. - Gina anunciou. - Suco para todos?
- Sim, por favor. - Harry aceitou. - Mas ainda espero uma resposta. Agora. Prefiro sempre a clareza e a objetividade.
Considerando que a única alternativa seria separar-se da irmã e candidatar-se ao programa de apoio financeiro do governo, seria tolice recusar o convite.
- Sim. - disse com alguma hesitação. - E... obrigada.
- Por nada.
- Já que estamos de acordo com relação ao número de passageiros, - Samantha brincou, puxando uma cadeira para sentar-se - quando partimos?
- Segunda-feira, se ainda houver lugares disponíveis no vôo. - Gina quase derrubou as tigelas de cereal que havia tirado do armário.
- Não vamos conseguir resolver tudo até lá!
- O que não pudermos concluir, ficará sem conclusão. Só precisam se preocupar com seus pertences pessoais.
- Não me refiro apenas à casa. Não temos passaportes, por exemplo.
- Detalhes... Iremos à cidade esta manhã e cuidaremos de tudo. Mais alguma coisa?
Gina tentou pensar depressa.
- A escola...
- Eles serão informados.
- Levando em consideração que amanhã é sexta-feira, isso significa que não preciso mais voltar às aulas? - Samantha perguntou esperançosa, deixando escapar um grito ao vê-lo assentir. - Grande!
- E melhor não se entusiasmar muito. - o tio aconselhou. - Ainda tem uns bons anos de estudo pela frente. - E olhou para Gina novamente. - Mais alguma coisa?
- Não sei. Não estou acostumada com toda essa pressa. Você é muito... decidido.
- Melhor do que ser mandão.
Ela não conseguiu conter um sorriso.
- Foi a impressão que tive ontem à noite.
- Deve ter sido o cansaço da viagem. E então? Podemos comer?
Gina serviu os flocos de milho e decidiu que teria de ir ao supermercado para abastecer a despensa para os próximos dias. Felizmente ainda dispunha de algum dinheiro.
Gina manteve a conversa animada ao longo da refeição, relaxada e a vontade como a irmã mais velha gostaria de estar.
Sabia que sua presença seria necessária para evitar os comentários maldosos, mas não havia como negar a realidade: durante algum tempo viveria da caridade de um homem que mal conhecia. Aceitá-las em sua casa era um gesto de generosidade e uma prova de seu caráter, e o mínimo que podia fazer era tornar a vida dele o mais simples possível.
Sabia pouco sobre Barbados, apenas o que vira nos programas de turismo da tevê, mas o lugar devia ser lindo. De repente sentiu-se animada com a perspectiva de viajar. Seria a primeira vez que ela e Samantha voariam em um avião, e já atravessariam o Atlântico! Depois do café, voltou ao quarto para mudar de roupa e vestiu o conjunto de saia e jaqueta verdes, o único conjunto mais elegante que possuía, e conseguiu até encontrar meias finas intactas. Num impulso, prendeu os cabelos na altura da nuca e decidiu que não poderia fazer melhor.
Harry esperava por elas na sala, e também trocara o jeans e a camiseta pela calça e a jaqueta que usara na noite anterior.
- É surpreendente o que um par de sapatos de salto alto e um toque de batom podem fazer. - ele comentou ao vê-la.
Gina preferiu ignorar a provocação.
- Onde está Sam?
- No carro.
- No...? Eu nunca dirijo até a cidade!
- E esta não será a primeira vez. Eu vou dirigir.
Gina conteve uma resposta ríspida. Se alguém possuía aquele automóvel, era o banco, ou o tomariam em breve. Era inútil continuar agindo como se tivesse direitos exclusivos sobre um bem que logo perderia.
- Faça como quiser. - disse. - Mas saiba que o trânsito é intenso.
O tráfego lento não parecia aborrecê-lo. Harry tinha tanta sorte que até conseguiu estacionar o automóvel bem perto da repartição pública onde eram emitidos os passaportes, e pouco depois do meio-dia os três voltavam à rua levando os documentos. Como não dispunha de muitas opções em casa, foi com alívio que Gina ouviu a sugestão de Harry para que almoçassem em um restaurante qualquer. Samantha gostaria de ir a uma conhecida lanchonete local, mas ele insistiu em levá-las a uma cantina italiana onde, conforme suas palavras, serviam comida de verdade.
Gina apreciou o frango ao vinho tinto e devorou o pudim de chocolate servido na sobremesa.
- Há quanto tempo não comem fora? - Harry perguntou.
- Não me lembro. - ela respondeu séria, esperando poder mudar de assunto.
- Papai nunca nos levava a lugar algum. - Samantha contou. - Ele dizia que era tolice pagar por um serviço que podia ser feito quase de graça em casa. Mas costumava ir sozinho a restaurantes.
- Com os clientes. - Gina corrigiu. - E declarava as despesas como contas de negócios.
- Duvido que todas elas tenham sido contas de negócios. Certa vez ouvi quando ele falava com alguém ao telefone, e papai estava preocupado com uma certa investigação da Receita Federal.
- Por que pensar nisso agora? - Harry interferiu com firmeza. - Querem café?
- Prefiro um conhaque. - Samantha disparou. Sustentando o olhar espantado do tio com um ar da mais pura inocência. - Aquela mulher ali acabou de pedir a mesma coisa.
- Quando tiver a idade dela, você também poderá pedir conhaque.
- Como sabe quantos anos ela tem?
- Não sei. Mas tenho certeza de que é maior de idade.
- Pare com essa brincadeira tola, Sam. - Gina censurou-a, temendo que o bom humor da irmã transformasse a tolerância em exasperação. - Quer café ou não?
Ela encolheu os ombros.
- Vou encarar o gesto como uma resposta negativa. - Harry decidiu. - Na sua idade, café também não é uma opção muito saudável.
Deixaram o restaurante às duas, mas não seguiram direto para casa. Harry tinha um compromisso na cidade. Quando percebeu que o compromisso era uma visita à galeria de arte local, Gina não conseguiu disfarçar o interesse.
- Eles têm alguma obra sua em exposição? - indagou.
- Uma ou duas.
- Podemos acompanhá-lo?
- Suponho que sim, se quiserem.
Com exceção de um casal examinando algumas telas expostas em um canto do amplo salão de mármore, os três eram os únicos visitantes. Um homem de meia-idade com longos cabelos louros presos em um rabo-de-cavalo surgiu de detrás de uma cortina, causando uma forte impressão em Gina. Usando um terno de veludo vermelho com babados de renda nos punhos e na gola, ele lembrava uma figura do século dezenove. Um sorriso satisfeito iluminou seu rosto assim que ele os viu.
- Harry, querido, que surpresa maravilhosa! - exclamou extravagante. - Por que não me avisou sobre sua visita à cidade?
- Porque foi uma visita inesperada. - Rindo, Harry estendeu a mão ao vê-lo avançar. - E nem tente me beijar, ou vai levar um soco no nariz!
O sorriso transformou-se em uma careta aborrecida acompanhada por um sorriso exagerado. A mão enfeitada com anéis brilhantes cobriu o peito na altura do coração.
- Bruto!
- Sempre fui. - Harry olhou para as duas garotas. - Este é Miles Penhalligen. Miles, estas são minhas sobrinhas, Gina e Samantha.
O homem cumprimentou-as com simpatia.
- Não são parecidas com você. - comentou. - São lindas!
- Herdamos os traços de nossa mãe. - Gina explicou. - E a sobrinha é Sam. Tivemos pais diferentes.
- Tiveram? - Miles olhou para Harry.
- Meu irmão faleceu. - ele explicou sem emoção. - Como vão as coisas por aqui?
- Oh, muito bem. Suas telas foram vendidas logo no início da exposição. Um investimento e tanto, considerando o preço que um comprador obteve em um leilão realizado poucos dias depois da aquisição. Creio que é hora de começar a cobrar mais por seu trabalho, querido!
- Então não veremos seus quadros? - Samantha perguntou.
- Por enquanto não.
- Podem ver o retrato que ele pintou tendo a mim e Rummy como modelos. Não é seu melhor trabalho, entretanto. Harry não conseguiu capturar o espírito de Rummy. Mas é melhor que nada, certo?
- Aquele seu gato não tem um espírito digno de ser capturado. - Harry respondeu com tom debochado. - E receio que as meninas não tenham tempo para ir a sua casa, Miles. Partiremos na segunda-feira.
- Os três?
- Sim, os três.
- Ora, ora! Harry Potter volta para casa acompanhado por duas lindas e desconhecidas jovens. Isso vai abalar a ilha! Queria ser uma mosca para poder ver a reação de certas pessoas.
Um grupo de turistas entrou na galeria, e Miles despediu-se de todos para ir atendê-los.
- Ele é impagável! - Samantha comentou rindo assim que saíram.
- E também é mais astuto negociante de artes em Londres. - respondeu Harry. - Não se deixem enganar pela encenação que acabaram de ver. Miles se diverte fingindo ser o que não é.
Gina já suspeitava disso. Mesmo assim, gostaria de saber a quem o homem havia se referido quando falara sobre certas pessoas... O instinto sugeria que se tratava de uma mulher.
A intensidade da reação provocada pela idéia de que Harry pudesse estar envolvido com alguém a surpreendeu. Era ridículo sentir tais coisas por um homem que, além de ser quinze anos mais velho que ela, era tio de Samantha! Tentando distrair-se, anunciou a necessidade de uma visita ao supermercado e mais uma vez espantou-se com o comportamento de Harry Potter. Além de insistir em acompanhá-la, ele fez questão de pagar a conta.
- Vai ter de se acostumar com isso. - disse quando voltavam ao carro. - Não tem dinheiro, eu tenho... portanto, eu pago. Afinal, foi meu irmão quem a colocou nessa situação.
Samantha havia ficado no carro ouvindo música, e Gina decidiu aproveitar para fazer a pergunta que a incomodava desde a chegada de Harry.
- Ele nunca tentou entrar em contato com você? Nem nos últimos meses?
O rosto moreno ficou tenso.
- Sim. E eu me neguei a ajudá-lo.
- Oh! Por isso está disposto a ajudar-nos! Sente-se culpado por não ter socorrido seu irmão quando...
- Não tente me analisar. Não sinto a menor culpa com relação a David.
Gina não acreditava nele. Se fosse tão duro quanto queria parecer, não teria atravessado o mundo para ajudar duas garotas que nem conhecia.
- Como vocês demoraram! - Samantha reclamou ao vê-los. - Só precisávamos de comida para três dias!
- Ainda não sabemos ao certo se partiremos na segunda-feira. - apontou Gina, acomodando-se no banco de trás.
- É claro que sabemos. - Harry sentou-se ao volante. - Fiz as reservas esta manhã, enquanto se arrumavam. Partiremos de Heathrow às dez e vinte da manhã. E dormiremos no Hilton na noite de domingo para facilitar a locomoção ate o aeroporto.
Gina deixou que a irmã manifestasse todo seu entusiasmo. Enquanto isso, dizia a si mesma que ainda não estava comprometida. Reservas podiam ser canceladas.
Mas, no fundo, sabia que era tarde demais para voltar atrás.
Bianca: O que o Harry fará será uma surpresa. Que bom que gostou da historia. Beijos e ate o próximo.
Lady Ly Malfoy: Espero que continue gostando da historia. Beijos.
Ana Eulina: capitulo postado. Beijos.
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