Fred e Jorge
FRED E JORGE
Eu nunca havia pensado em ter gêmeos. Na verdade, foram poucos os gêmeos que conheci em minha vida. Claro, havia os primos gêmeos de Arthur, mas Arthur tinha tantos primos que eu não estaria mentindo se dissesse que acreditei que os gêmeos fossem a mesma pessoa durante os primeiros anos de nosso casamento. Eu tinha esperanças de que, depois de três meninos, aquela gravidez finalmente nos trouxesse uma garotinha, e foi uma surpresa para mim descobrir-me grávida de dois meninos poucos meses depois de dar à luz Percy.
Eles nasceram saudáveis e idênticos em tudo, na morna tarde do dia primeiro de Abril de 1978 – Fred veio dois minutos e trinta e sete segundos antes de Jorge. Apesar de toda a minha experiência com bebês, eu mal sabia como segurar os dois ao mesmo tempo, e me senti uma bruxinha jovem, assustada e despreparada quando finalmente os levei para casa. A reação das crianças, quando Arthur e eu chegamos em casa com os bebês, foi interessante: Gui, que já estava acostumado a ter irmãozinhos, não deu muita atenção por terem vindo dois de uma vez; Carlinhos achou muito engraçado o fato de os dois bebês serem tão parecidos; e Percy, sempre muito analítico, franziu sua testinha e não sossegou até que eu conseguisse explicar de maneira satisfatória esse fato.
Fred e Jorge eram bebês adoráveis; suas covinhas, idênticas, apareciam com freqüência, pois provocar o riso dos dois era fácil. Eles nunca brigavam pelos mesmos brinquedos, não disputavam minha atenção e sabiam como poucos adultos sabem dividir tudo o que possuíam. Enquanto cresciam, uma coisa chamou muito minha atenção: enquanto os três mais velhos eram ligados a ponto de um ficar doente se o outro ficava algumas horas longe, os gêmeos pareciam tão satisfeitos em estar um com o outro que poucas vezes se davam ao trabalho de se envolverem nas brincadeiras dos outros irmãos – a não ser que essas brincadeiras envolvessem alguma travessura muito boa.
Ao contrário do que aqueles que nunca tiveram muito contato com gêmeos possam imaginar, eu nunca tive dificuldades para distinguir um do outro [embora eles adorassem teimar que sim], apesar de suas inúmeras semelhanças: tinham o mesmo sorriso, o mesmo tom de voz, as mesmas sardas, o mesmo porte físico; entretanto, Fred era ligeiramente menor, e os cabelos de Jorge eram um tanto quanto mais escuros do que o do irmão. Além disso, eram tantas as diferenças nas personalidades dos dois que eu jamais poderia confundi-los: Fred era mais dinâmico, corajoso e extrovertido; Jorge era mais esperto, sagaz e carismático. Correndo o risco de parecer clichê, devo admitir que eles se completavam – não por serem opostos, mas por não serem iguais.
Foi ainda na infância dos gêmeos que eu descobri o talento natural que eles tinham para o humor e as travessuras. Fred e Jorge sentiam prazer em ser o centro das atenções de um ambiente, em ter todos os olhos voltados para eles e em fazer os outros rirem. Eles gastavam horas de seus calmos dias infantis planejando as piadas que contariam para mim e para Arthur na hora do jantar, um trocadilho que faria todos rirem ou uma peça para pegar algum dos irmãos. O alvo preferido dessas brincadeiras era Percy – Gui era muito mais velho e Carlinhos muito mais forte, o que fazia com que raramente os gêmeos resolvessem se indispor com eles. Apesar de às vezes serem um pouco cruéis – como quando resolveram que seria engraçado preparar uma armadilha que deixasse Carlinhos pendurado de pés para o alto na macieira brava quando ele fosse pescar – Fred e Jorge geralmente sabiam o limite entre o engraçado e aquilo que passava dos limites, o que não os impedia de me deixar à beira de um ataque de nervos quase todos os dias.
Fred e Jorge tiveram, desde a infância, muito menos interesse em ir para Hogwarts do que qualquer um de seus outros irmãos. É claro que eles gostavam de se sentar com os outros em volta da lareira para ouvir Gui contar milhares de coisas diferentes sobre as aulas, as pessoas e o castelo toda vez que ele voltava para casa nas férias de Natal, e não perdiam a chance de praticar quadribol com Carlinhos durante as férias de verão. Mas eles não pareciam muito interessados em aprender magia. Os gêmeos eram extremamente pragmáticos: para eles, o mais importante em um feitiço não era sua potência ou seu grau de dificuldade, mas a utilidade que ele poderia ter. Quando o dia em que eles iriam para Hogwarts pela primeira vez chegou, eu notei que eles estavam muito mais excitados pela possibilidade de conhecer novas pessoas, novos lugares, do que pela magia que aprenderiam propriamente dita. Depois de três filhos selecionados para a Grifinória, devo admitir que não me espantei quando a coruja de Gui chegou na manhã do dia 2 de setembro avisando que ele e os irmãos estavam bem e que Fred e Jorge eram os mais novos grifinórios da família.
Não demorou nem uma semana para que eu recebesse a primeira coruja de Dumbledore a respeito da primeira travessura que os gêmeos resolveram aprontar na escola: cansados das zombarias dos alunos mais velhos para com os alunos do primeiro ano, Fred e Jorge enfeitiçaram a água do banho dos alunos mais velhos, de modo que todos aqueles que se banhassem nos chuveiros da escola ficariam azuis. Sim, azuis, como diabretes da Cornualha! Dumbledore foi gentil – disse que estava muito admirado com o fato de alunos tão jovens conseguirem realizar um feitiço complexo como aquele, e que era uma coisa bonita de se ver, a pele de todos de um tom tão bonito de anil. Ele me informou, também, que os gêmeos ganharam uma detenção pelo [mal]feito, e iriam passar uma semana limpando os lustres da escola. Eu fiquei estupefata: estava acostumada a receber cartas elogiando a genialidade, o bom comportamento e o excelente desempenho em quadribol dos meus filhos, não me informando sobre travessuras e detenções! Mais do que depressa, mandei um berrador para os meninos – e fiquei satisfeita em saber, por Percy, que as orelhas dos gêmeos tinham ficado quase roxas de tanta vergonha na manhã em que o berrador explodiu os meus gritos de insatisfação no meio do café da manhã. Pensei que, depois da detenção e do berrador, os gêmeos sossegariam um pouco. Ledo engano de uma mãe muito confiante.
Durante os anos que se seguiram, as travessuras de Fred e Jorge foram se tornando cada vez mais constantes - e cada vez eu me preocupava menos com elas. Eu sabia que, por mais que eu mandasse berradores, deixasse-os de castigo ou os proibisse de explodir banheiros, a traquinagem era parte de seus seres, e eles nunca as deixariam de lado. Sabia também que o intuito dos meninos nesses brincadeiras era puramente entreter seu "público", e que eles jamais fariam algo que pudesse ferir alguém a não ser eles mesmos. O fato de que os gêmeos pareciam muito mais interessados em divertir os outros do que em planejar seus próprios futuros só começou a me incomodar a partir do momento em que, depois de um verão em que o quarto de Fred e Jorge ressonou em explosões durante semanas, eu achei um formulário cujo título – "Gemialidades Weasley" – me informou que eles estavam levando realmente a sério a premissa da diversão como profissão.
O retorno d'Aquele-que-não-deve-ser-nomeado e a morte de Cedrico Diggory, no final do sexto ano de Jorge e Fred em Hogwarts, afetou-os mais do que eu jamais poderia prever. Naquelas férias, eles voltaram quietos e calados para casa, abalados pelo fato de que um jovem como eles, como seus irmãos, fora assassinado pelo simples fato de estar no lugar errado, na hora errada. Quando nos mudamos para o Largo Grimmauld naquele verão, os gêmeos tiveram uma discussão terrível com Arthur e Lupin: os irmãos queriam entrar na Ordem da Fênix e ajudar na luta contra o terror que estava por vir, mas tanto o pai quanto o ex-professor acreditavam que os dois ainda eram muito jovens para tomar tal decisão. Eu obviamente apoiei Arthur e Remo, mas no meu coração eu sabia que Fred e Jorge não nos dariam ouvidos e, mesmo sem poderem ser membros efetivos da Ordem, lutariam a favor daquilo em que acreditavam da melhor forma que pudessem.
No último ano dos gêmeos em Hogwarts, eu previ o que estava por acontecer em cada uma de suas cartas, em cada uma das conversas que tive com Dumbledore a respeito de como meus filhos estavam em Hogwarts, em cada aviso de detenção assinado por D. Umbridge que me chegou desde que o ano letivo começou. No Natal, quando Arhur foi atacado e nos reunimos no hospital para torcer por sua vida, eu observei que as pequenas cicatrizes brilhantes nas costas das mãos de meus filhos ("não devo ser malcriado" na mão de Jorge, e "não devo falar mal da professora Umbridge" na de Fred) eram como um código entre os dois: cada vez que alguém se sentia abalado, cada vez que o brilho nos olhos de alguém faltava, os gêmeos passavam a ponta dos dedos nas cicatrizes, e delas retiravam força para continuarem sempre alertas, sempre ativos e sempre tentando manter os ânimos dos outros nas alturas. Portanto, não me foi uma surpresa completa quando Fred e Jorge apareceram n'A Toca numa manhã em pleno ano letivo, voando em suas vassouras, os cabelos vermelhos desgrenhados pelo vento. Eles deram piruetas ao redor da casa e, quando desceram no quintal, seus sorrisos idênticos eram tão grandes que nem meus gritos de fúria puderam apagar.
- Fred! Jorge! O que é que vocês estão fazendo aqui? Por que estão com as vestes de Hogwarts? POR QUE DIABOS APARECERAM VOANDO EM CASA EM PLENO ANO LETIVO? – eu gritei, sem conseguir me conter.
- Ah, mãezinha, relaxa. Nós largamos a escola. – disse Jorge com displicência, enquanto me dava um grande beijo estalado na bochecha esquerda.
- O QUE?... Vocês enlouqueceram? Alguém andou praticando algum feitiço em vocês? – eu falei, exasperada, sentindo o sangue se esvair de minhas faces.
- Não, senhora Weasley. Acontece que aquela Umbridge merecia uma lição. Eu e Jorge já não queríamos ter ido para Hogwarts nesse ano, voltamos para lá simplesmente para te deixar feliz. – Fred disse, sorrindo. Então, ele ficou sério e continuou – Nós não agüentávamos mais, mãe. Ela torturava os alunos. Humilhava os nascidos trouxas. Nós simplesmente não podíamos ficar lá parados, vendo a Umbridge detonar as pessoas de quem a gente gosta. Hogwarts precisava disso. O pessoal precisava de algo que os ajudasse a manter as esperanças.
- Mas... Mas... Por que largar a escola? E a educação de vocês? Oh Merlin, e o futuro? – eu sussurrei, consternada.
Fred e Jorge riram, e me envolveram com seus braços igualmente sardentos, bronzeados e fortes num abraço gêmeo duplo – especialidade dos gêmeos Weasley, desenvolvido desde que eles começaram a aprender a andar como uma forma de amolecer meu coração.
- Mãe, nós já temos um negócio! As Gemialidades Weasley vão de vento em poupa: completamos nossos primeiros mil galeões ontem, e não precisamos de NIEM's para isso.
E eles realmente tinham razão. Fred e Jorge permaceram n'A Toca apenas o tempo suficiente para que conseguissem alugar uma loja no Beco Diagonal e transformar seus negócios por encomenda em pronta-entrega. Algumas semanas depois, fui visitar a loja deles, e não pude evitar que meus olhos se enchessem de lágrimas de contentamento pelo fato de que, por mais que nossas visões diferissem, eles realmente tinham conseguido fazer com que suas traquinagens se tornassem um sucesso: a loja estava sempre lotada de jovens em busca de uma peça para pregar nos amigos, ou de uma pílula que conseguisse ser uma boa justificativa para matar uma aula, e não havia nenhum lugar tão bom para encontrar essas coisas como na Gemialidades Weasley.
Foi logo depois de abrirem a loja que Fred e Jorge se alistaram oficialmente nas fileiras da Ordem da Fênix para combater o reinado de trevas que Voldemort estava obviamente tentando recomeçar. Sirius havia falecido há pouco tempo, a auto-confiança dos participantes da Ordem estava em baixa, e a entrada de dois novos garotos, jovens, fortes, criativos e decididos a arriscarem suas vidas pelo bem-comum ajudou a levantar o ânimo dos outros. No começo, a missão dos gêmeos era nada mais do que ouvir e relatar à Ordem tudo o que pudessem a respeito de Você-Sabe-Quem e seus seguidores, e eles eram craques nisso: através deles, a Ordem ficou sabendo que os Malfoy já não eram mais os homens de confiança de Voldemort, e que Bellatrix Lestrange estava tentando arruinar a reputação de Severo Snape como comensal de confiança de Voldemort, a fim de ficar em seu lugar. Os gêmeos passaram também a ser responsáveis por suprir a Ordem com poções, disfarces e equipamentos que os outros membros pudessem utilizar para se infiltrar nas fileiras do Inimigo e obter o máximo possível de informações das quais pudéssemos tirar proveito.
A primeira grande missão de Fred e Jorge como membros da Ordem da Fênix foi, junto com outros participantes e alguns voluntários, conseguir trazer Harry são e salvo até A Toca no dia de sua maioridade. Naquele dia, enquanto todos terminavam os preparativos para partir até a rua dos Alfaneiros e colocar em execução o plano dos Sete Potters, eu desmoronova em angústia e medo de que alguma coisa desse errado, enquanto tentava demonstrar segurança e auto-controle não apenas para os meus filhos, mas também para os demais membros da Ordem. Quando vi quatro dos meus sete filhos levantarem vôo e partirem para uma missão perigosíssima, na qual arriscariam suas vidas para manter a do único bruxo que poderia salvar nosso mundo das trevas, eu desmoronei. Sentei na grande e velha cadeira de balanço que ficava na varanda e, olhando fixamente para o gramado, onde eles reapareceriam se o plano desse certo e eles conseguissem pegar a chave de portal a tempo, comecei a rezar. "Merlin, Deus, deuses, por favor, por favor, traga meus filhos de volta para mim. Ajude-os em sua missão, mas mais do que tudo, traga-os sãos e salvos para mim", eu murmurava, quase em transe, enquanto o crepúsculo ia tingindo o céu de negro.
As horas se arrastavam, demoravam a passar como se o relógio estivesse resolvido a me pregar uma peça, e ninguém retornava. Cada minuto de espera me excruciava, e eu já estava tão desesperada que não conseguia pensar em outra coisa a não ser que tudo tivesse dado errado e que todos estivessem, agora, mortos. Foi um alívio quando Harry e Hagrid finalmente surgiram, trazidos pela chave de portal que os enviara da casa dos Tonks até a Toca, mas o alívio durou pouco: eles estavam sozinhos. Nenhum dos meus filhos com eles. E então, num clarão, eu vi: Remo havia retornado, e trazia em seus braços um Jorge absolutamente pálido, com a cabeça ensangüentada, e inconsciente. Dei um grito de horror e, sem saber ao certo o que fazer, assisti enquanto Remo e Harry carregavam Jorge, ainda desacordado, até o sofá da sala.
Aquela foi a primeira vez em que eu realmente temi perder um filho. Depois de anos de tranqüilidade, sorrisos cheios de covinhas e cachinhos vermelhos, eu estava novamente exposta ao horror da guerra, que pairava como uma ameaça de morte sobre o meu adorável gêmeo mais novo, e onde cada ação é crucial para manter aqueles que você ama vivos. Desesperada, corri até onde os rapazes haviam deitado Jorge e, com horror, notei que a fonte do ferimento que fazia com que seu sangue se esvaísse era o local onde outrora estava sua orelha: ela havia sido decepada por algum feitiço. Tentei manter a calma e me concentrar em lembrar todos os feitiços curativos que havia aprendido durante meus anos em Hogwarts, quando ainda sonhava em me tornar uma curandeira de renome, e nos anos seguintes, quando sete filhos pequenos e seus ferimentos cotidianos fizeram com que eu aprimorasse minhas habilidades. Um a um, testei os feitiços em Jorge: primeiro, consegui estancar o sangramento; depois, consegui fazer com que o sangue começasse a se recompor e que, pouco a pouco, a cor fosse voltando às faces do garoto; em seguida, ele abriu um pouquinho os olhos e sussurrou 'mãezinha...' antes de mergulhar novamente na inconsciência, e meu coração se encheu de alívio. Eu não conseguiria recompor a orelha perdida graças às Artes das Trevas, mas Jorge estava vivo, e era isso que me importava. Poucos minutos depois, Fred finalmente chegou. Vi em seus grandes olhos castanhos o medo de que o irmão não fosse resistir, mas esse medo durou pouco: momentos depois, Jorge recuperou a consciência – e o senso de humor -, e a cumplicidade que existia entre os dois irmãos reapareceu na forma de piadinhas infames. Eu dei um pequeno sorriso e, com fervor, agradeci aos céus por eles estarem bem. Mas esse foi só o começo.
Poucas semanas depois, a Guerra finalmente eclodira. Fred e Jorge foram obrigados a fechar a loja para poderem se dedicar integralmente aos trabalhos da Ordem. É curioso dizer que, apesar de serem os filhos com os quais eu menos mantinha contato durante esses tempos – eles estavam constantemente em alguma missão na qual não podiam ser contatados, e quase nunca se davam ao luxo de arriscarem trair sua localização para avisar a família de que estavam bem -, os gêmeos foram os filhos com cuja segurança eu menos me preocupei. É claro que eu tinha medo de que algo acontece a eles, e pedia por suas vidas diariamente, mas eu sabia que, acontece o que fosse, eles sempre teriam um ao outro. Gui tinha Fleur, Rony tinha Harry e Hermione, mas Fred e Jorge estavam ligados por laços que transcendiam o amor ou a consangüinidade. Eu tinha certeza de que, enquanto permanecessem juntos, os dois conseguiriam superar qualquer coisa. Meu coração se enchia de alegria e tranqüilidade quando, no Observatório Potter, eu ouvia as vozes dos gêmeos, suas brincadeiras e a camaradagem que havia entre eles. Eles estavam juntos. Eles ficariam bem, eu tinha certeza disso.
As coisas foram aumentando de nível de uma maneira avassaladora. Mortes, torturas, assassinatos, a ação descarada dos Comensais da Morte, as aparições de Harry Potter, tudo isso foi se juntando e me levando a ter certeza de que a Batalha Final se aproximava. No dia em que finalmente a Ordem nos enviou o recado de que deveríamos todos nos dirigir para Hogwarts num último esforço para derrubar Você-Sabe-Quem, eu sabia que aquele seria o melhor ou o pior dia da minha vida. Eu só não podia imaginar que seria os dois: o melhor porque finalmente minha família estava de novo reunida, e o pior porque seria aquela seria a última vez em que eu veria um dos meus filhos com vida.
Eu, alguns alunos de Hogwarts e uns poucos membros da Ordem estávamos reunidos na Ala Oeste do Castelo, tentando protegê-la da iminente invasão do exército de Voldemort. Eu tinha acabado de derrubar um comensal gigantesco que havia conseguido, de alguma forma, penetrar nossas defesas, quando avistei Jorge lançando feitiços de defesa ao redor das janelas do castelo, tentando fortalecê-las contra a invasão. Vê-lo sozinho, sem Fred, fez com que minhas entranhas congelassem.
- Jorge!... Seu irmão, onde está Fred? – gritei, enquanto ajudava a estancar um sangramento na perna de uma aluna, que fora ferida durante o combate com o comensal.
- Mãe, não sei! Eu não sei, droga, eu não sei! Eu o perdi assim que a invasão começou, acho que ele ainda está com Percy, não sei... – disse Jorge, enquanto desviava de um feitiço que fora lançado por um dos comensais invasores em direção a uma janela que ainda não fora protegida.
Nesse exato momento, um estrondo vindo da ala Norte sacudiu todo o castelo. Senti meu coração diminuir seu ritmo até quase parar durante alguns segundos e então, com os olho cheios de lágrimas e a alma angustiada, falei:
- Jorge, por favor, Jorge, largue essas janelas e vá já procurar Fred. Por favor, eu termino isso, por favor, encontre seu irmão. É uma ordem, Jorge.
- Mas, mãe...
- Jorge. – eu o olhei, e vi a minha angústia se refletir em seus olhos. Sem sequer olhar para trás, ele saiu correndo pelos corredores, desviando dos feitiços que cortavam o ar e ocasionalmente diminuindo o passo para ajudar alguém em apuros, mas sem nunca parar.
Toda aquela batalha pareceu perder o sentido para mim. Eu caminhava pelos corredores de Hogwarts sem saber ao certo o que estava fazendo, e sem me dar conta do que estava acontecendo. Quando alguma coisa conseguia me tirar do meu torpor, eu lançava feitiços contra comensais aleatórias que haviam conseguido entrar em Hogwarts, ou ajudava algum ferido. Mas tudo o que eu queria era encontrar a minha família, mantê-los ao meu lado e, se fosse necessário, morrer para salvá-los. Eu sabia que jamais poderia fazer isso: meus filhos (até mesmo a pequena Gina) eram demasiado corajosos para deixar sua velha mãe lutar por eles, e demasiado leais para deixar aqueles que eles amavam sozinhos. Pouco a pouco, os ruídos de batalha foram diminuindo, e meus passos incertos me levaram até o Salão Principal. O Salão estava cheio de combatentes – alguns aparentemente bem, alguns gravemente feridos, outros mortos. Eu vi o corpo sem vida de Remo sendo levado para os jardins por Neville Longbotton, e meu coração doeu por ele. Quando vi Gina, Jorge e Percy reunidos num canto, não precisei que ninguém me dissesse o que havia acontecido: lentamente, andei até onde os três estavam reunidos, e mal pude me manter em pé quando vi Fred ali deitado, com um sorriso congelado para sempre em sua face exangue. Sem saber o que fazer, eu me sentei ao lado dele, deitei sua cabeça fria em meu colo e me entreguei às lágrimas sem pudor algum.
Foi a maior dor que eu jamais senti em minha vida. Foi como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado, e nunca mais fosse parar de doer. Eu me lembrava do bebê sorridente que ele havia sido, da criança curiosa de joelhos ralados, do adolescente confiante e cheio de namoradas, e não fazia sentido que aquele corpo sem vida sobre o qual eu derramava minhas lágrimas quentes pertencesse ao mesmo Fred. Não me importava mais nada no mundo, a não ser aquele filho tão amado que eu havia acabado de perder, e eu me torturava pensando que daria de bom grado a minha vida para ele poder estar vivo agora. Nada mais fazia sentido.
Demorou um pouco até que eu conseguisse erguer os olhos do rosto imóvel de Fred. Minha família estava reunida ao meu redor, todos com as faces ensopadas de lágrimas, tão perdidos quanto eu. E então eu vi Jorge. Vi seus olhos vermelhos de lágrimas no rosto contorcido de dor, tão idêntico ao do irmão que jazia morto em meu colo que me doeu por dentro. Ele me olhou com seus olhos perdidos e, sem saber o que fazer para consolar a sua dor, eu estendi meus braços para ele. Jorge me abraçou e, como se fosse um garotinho, caiu num pranto doloroso com a cabeça afundada no meu ombro. Com uma mão, eu afagava os cabelos do gêmeo vivo, enquanto com a outra, eu acariciava a face do gêmeo morto. A dor de Jorge foi um tônico para as minhas forças – de leoa ferida, eu passei a fênix renascida. Sabia que a dor por ter perdido meu amado Fred jamais me abandonaria, mas sabia também que a minha família precisava de mim. Dei um beijo na face molhada de Jorge, afaguei o rosto frio de Fred, enxuguei os olhos com as costas das mãos, me levantei e, com a voz ainda fraca, mas cheia de um fervor apaixonado, disse:
- A batalha vai recomeçar em instantes, e nós vamos lutar. Vamos lutar por aquilo em que acreditamos, e por aqueles que amamos. Porque é isso que nós, os Weasley, fazemos. Porque é isso que Fred faria. E porque eu não posso perder mais nenhum de vocês.
E assim foi. Nós lutamos até a exaustão total e, quando a batalha parecia perdida, vencemos. Outros pereceram, muitos foram feridos e, no dia seguinte, o que nos restava eram os escombros de uma Hogwarts quase destruída e dezenas de corpos de heróis para serem enterrados – entre eles, o do meu Fred.
Um a um, e com todas as honras que merecem os heróis, eles foram enterrados ao redor do lago, próximo ao túmulo de Dumbledore. O túmulo de Fred era de um mármore acastanhado, cuja cor lembrava a dos seus olhos. Depois que todos foram devidamente sepultados, a multidão que havia se reunido nos jardins de Hogwarts começou a se dispersar, ocupados em iniciar a reconstrução da escola. Alguns, entretanto, permaneceram ao lado dos túmulos de seus entes queridos para se despedirem mais uma vez. Ao lado da sepultura de Fred, Jorge estava em pé, encarando fixamente a lápide.
Me aproximei devagar de meu filho. Seus olhos castanhos estavam vermelhos, e as faces inchadas de lágrimas. Eu sabia que ele não havia dormido, comido ou dito nada desde que o irmão falecera, e sabia que a dor que ele estava sentindo era tão grande quanto a minha. Coloquei-me ao seu lado e segurei sua mão fria. Ele apertou a minha em resposta, mas só alguns minutos depois falou:
- Sinto muito, mãe. É minha culpa. Eu devia ter estado ao lado dele, eu devia ter cuidado dele, eu devia...
- Shhh. Não é sua culpa, Jorge. As coisas foram como tinham que ser.
- Eu preferia ter morrido no lugar dele, mãe. Juro. Ele era um cara melhor do que eu.
Ficamos em silêncio por mais alguns instantes. Jorge deixou as lágrimas de tristeza escorrerem por seu rosto sem se preocupar com o que os outros pudessem pensar.
- O que eu vou fazer sem ele, mãe? Fred não era apenas meu irmão. Ele era um pedaço de mim. Como eu viver sem um pedaço de mim? Quer dizer, tudo bem que eu já perdi uma orelha, mas é diferente...
Eu não pude evitar esboçar um sorriso: típico dos meus gêmeos, fazer piada num momento desses. Suspirando, eu o abracei e disse:
- Você vai continuar vivendo, querido. É isso o que você vai fazer. Fred era um pedaço de você, mas esse pedaço não morreu, Jorge. Esse pedaço ainda existe, e está dentro de você. Enquanto você estiver aqui, enquanto estiver vivendo sua vida, enquanto contar uma piada ou inventar mais uma Gemialidade, seu irmão vai continuar vivo, através de você.
Jorge deu um pequeno soluço, e uma lágrima escorreu de seus olhos. Ele passou o braço pelos meus ombros e nós ficamos ali, encarando o mármore acastanhado enquanto o sol se punha por trás das nuvens rosadas que tomavam o céu. Ambos sabíamos que Fred sempre estaria conosco em nossos corações.
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