ESTIGMAS
Depois de olhar por cerca de quarenta e cinco minutos para a gota de sangue no tapete do seu quarto, Draco sentiu um forte aperto no peito. Foi então que fez-se a luz e ele soube, em seu íntimo, o que tinha acontecido. Saiu desnorteado do quarto, precisava encontrar Gina o mais rápido possível. Correu pelos corredores e chegou ao quarto da garota. A porta estava entreaberta e ele não hesitou em escancará-la. Chamou-a várias vezes até que caminhou ate o banheiro. Os vidros de perfume estavam quebrados no chão, a cortina do box estava destruída e uma imensa mancha de sangue estava no meio do banheiro. Ele secou as lágrimas e aparatou.
Lucius Malfoy quase caiu da cadeira quando viu o filho caminhar em sua direção empunhando a varinha.
A aula sobre Transfiguração Avançada III estava patética e Harry deu um longo bocejo. Hermione anotava cada palavra que a Profa. Blair dizia e ele se perguntou como ela conseguia ser tão concentrada e séria vinte e quatro horas por dia. Foi então que olhou para a janela da sala e viu Edwiges bicando levemente o vidro. O sol tinha acabado de se levantar e ele estava impaciente depois de uma longa noite inquieta. Levantou-se e, sem dizer uma palavra, saiu da sala. Correu pelo corredor e abriu uma das janelas, acenando para a coruja. Ela voou até ele e estendeu a pata. Seu coração deu um pulo ao mesmo tempo que ficava apertado: tinha certeza que as notícias não eram boas. Abriu o pequeno pedaço de pergaminho e quase não reconheceu a letra; Rony tinha escrito em letras garranchadas e garrafais:
“Gina está no St. Mungus, quarto 519.”
Ele correu até a porta do pequeno prédio onde funcionava a escola de Aurores, colocou o casaco e aparatou.
Harry Potter e Draco Malfoy chegaram exatamente ao mesmo tempo no Hospital St. Mungus. Eles se olharam com indiferença, despistando o que estavam realmente fazendo ali. Foi então que Harry olhou para Draco assim que subiram o primeiro lance de escadas.
— Visitando alguém doente?
— Sim. – Draco respondeu indiferente. – Uma tia-avó que não vejo há séculos. – Ele olhou para Harry – E você?
— Ah... Um amigo.
A medida que iam conversando perceberam que se encaminhavam exatamente para o mesmo lugar. Olharam um para o outro.
— Você tem certeza – Harry frisou bem as palavras – que está aqui para visitar sua tia-avó?
— E você veio visitar um amigo? Para o inferno Potter! Você sabe o que aconteceu com ela, diga logo!
— Não, sei não sei. – Os dois chegaram na porta do quarto 519. - Vamos entrar e conversar com ela. – Harry disse em tom óbvio.
— Eu tenho uma idéia melhor. Por que não tomamos ácido, nos jogamos no mar e fingimos que somos golfinhos?
— Eu estou falando sério, Mafoy. – Harry disse erguendo as sobrancelhas.
— E tem alguém rindo aqui? – Draco perguntou. - Duas palavras: Cai fora. Gina é a minha garota. Eu vou saber o que está acontecendo. – Dizendo isso virou as costas e deixou Harry sozinho no corredor do St. Mungus, a poucos metros do quarto 519, onde toda a família Weasley estava reunida.
Quando Harry entrou no quarto Gina o olhou e sorriu levemente. Ele contornou a cama e sentou-se na cadeira.
— Que susto você nos deu! – Ele disse tocando levemente a mãe dela.
— Eu também não entendi o que aconteceu. Escutei uma gargalhada no meu banheiro, fui estuporada e quando acordei já estava assim.
Harry a olhava arrasado. Ela estava toda machucada, com hematomas por todo o corpo. Ele abriu a boca para falar, mas ela foi mais rápida.
— Não vou voltar para Bruxelas. Aliás, mesmo que quizesse, minha mãe não deixaria. Acho que isso que fizeram comigo, foi como um aviso.
— E você sabe quem fez isso com você?
— Eu tive que conversar com os policiais. Disse que não sabia, é claro. Mas eu acho que foram os Comensais da Morte. A mando do Seth.
— Não faz sentido. – Harry disse encostando-se na cadeira e a olhando fixamente.
— Estou começando a ficar acostumada a coisas sem sentido. – Ela respondeu fria. Jogou a coberta para o lado e mostrou o pijama. A camiseta estava começando a ficar manchada de sangue. Ela levantou a camiseta e mostrou a faixa, já completamente empapada. Percebeu o olhar de terror de Harry e logo explicou. – O curandeiro deu 5 voltas. E por baixo tem um curativo gigante. Não pára de sangrar desde ontem.
— E dói? – Pela cara dele parecia que era ele quem sentia dor.
— Na verdade não. Nem quando os curandeiros vêm trocar o curativo, nem quando fazem exames. Não dói.
— E também não pára de sangrar?
— Não. Pelas minhas humildes contas, já era para eu ter perdido uns 60% do sangue do corpo. – Ela disse rindo, mas em seguida ficou séria. Estendeu uma das mãos e Harry a enlaçou. – Obrigada por vir.
— É claro que eu viria. – Harry disse apertando levemente sua mão. – Você tem outras visitas aí fora. Estão todos preocupados com você.
— Quem mais está aí?
— Seus irmãos e Malfoy.
— Draco está aqui?? – Ela perguntou surpresa.
— Quer que peça para ele entrar?
— Peça para ele sumir. Não quero vê-lo nunca mais em toda a minha vida.
— É um alívio ouvir isso. – Harry a olhou diretamente nos olhos – Gina, ele não presta.
— Eu sei, Harry. – Ela respirou fundo e com uma grande tristeza disse sorrindo – As meninas só flertam com os caras maus. Mas elas casam-se com os bonzinhos.
Quando Harry abriu a boca para falar, Draco escancarou a porta e entrou no quarto com aquele jeito mole de andar. Ela o olhou mortificada.
— Potter, você pode nos dar licença um segundo?
Harry olhou dele para Gina, que apenas piscou. Levantou-se da cadeira, beijou-lhe levemente a testa e passou por Draco bufando de ódio. Draco a olhou preocupado e sentou-se na cadeira ao lado da cama.
— Gin, sei que você pode não acreditar em mim. Mas eu simplesmente não posso lhe contar o que está acontecendo. É como se eu fosse o fiel do segredo, mas não é um lugar que protejo. É uma vida. – Ele a olhou, mas ela continuava fria, sem dizer uma palavra. – Preciso ver o seu corte. Estou preocupado.
Ela fez menção em levantar sua blusa, mas foi então que parou. O olhou com ódio.
— Eu não falei do corte!! Foi você! Maldito! – Dizendo isso pegou a varinha ao lado da cama e com acenos rápidos começou a jogar tudo no garoto, que protegia a cabeça com as mãos enquanto gritava.
— Pára! Você não está entendendo! Eu estou te protegendo!!
— Me protegendo?? – Ela gritou de volta – Pois eu tenho certeza que ficarei muito mais protegida sem você aqui!! FORA!
— Deixe-me explicar!
— FOOOOOOOORAAAAAAAAAA!!! – E gritando a última letra, desmaiou. A família Weasley inteira entrou no quarto seguida por Harry. Molly se atirou em cima da filha mais uma vez.
— Alguém! Chame o curandeiro, o nariz dela voltou a sangrar!!!!
Gina passou três dias no hospital sob observação. O corte não parava de sangrar (embora muito menos agora) e o nariz sangrava de vez em quando, principalmente quando ela ficava muito nervosa. Como não conseguiam dar explicações plausíveis, os curandeiros desistiram de mantê-la por lá.
Molly tinha saído para ter notícias de Arthur (“Por onde será que ele anda?”) enquanto Gina terminava o banho e colocava calça jeans e suéter. Ela caminhou até a janela e observou o bonito jardim do hospital, onde vários enfermos passeavam. Ela secou o cabelo com a varinha e os trançou delicadamente. Quando se virou deixou a escova cair. Jack Myers estava parado na porta.
— Não grite. – Era uma ordem. – Onde está o Livro dos Mortos?
— Eu não sei.
— Não seja ridícula. Eu lhe entreguei o livro. Quero-o de volta.
— Não está comigo. – Ela disse com indiferença, e então notou que ele olhava fixamente para sua cintura.
— Eles te cortaram também?
— Não, o corte apareceu de repente e... – Ela o olhou assustada – Como assim, eles?
— Me diga onde está o Livro que eu te digo quem são eles.
— O livro – ela pensou em Draco e temeu por sua segurança. – Por que não procura entre os seus? Eu não sei onde está.
— Mentira! – Ele gritou dando um murro na parede – Claro que você sabe! – Ele se aproximou e ela recuou alguns passos – Weasley, eu lhe entreguei o livro porque preciso que você o siga. Mas você está apresentando os estigmas e não quer cooperar. Dessa forma não me ajuda a tentar ajuda-la.
— Você quer me ajudar?
Um leve barulho na maçaneta fez com que o tempo passasse em câmera lenta. Gina viu Jack soltar um pequeno pedaço de pergaminho e em seguida sumir. A maçaneta terminou de girar lentamente no momento que o papel tocou o chão.
Ela se abaixou e desdobrou o pergaminho. As letras estavam rabiscadas como se um menino de três ano tivesse escrito: “Imperius”.
A volta para casa foi muito tranqüila. Gina tinha feito sua mãe jurar solenemente que não prepararia uma grande recepção de “bem vinda ao lar” e nem a trataria como se fosse uma inválida. Por sua vez, Molly tinha feito Gina prometer que nem ao menos pensaria em voltar à Escola de Bruxelas.
Ambas cumpriram as promessas e os dias na Toca voltaram a ser tranqüilos e calmos, principalmente sob o olhar cuidadoso da Sra. Weasley. Todas as noites, depois do jantar, Gina trocava o próprio curativo. Ele nunca apresentava melhora ou piora, o que a deixava um pouco preocupada.
Várias vezes sentiu-se tentada em escrever à Draco e contar que Myers tinha a procurado, afirmando que tinha o interesse em ajudá-la. E ainda tinha essa coisa de estigmas, das quais ele tinha falado. Será que o nariz sangrando era um estigma? Mas estigma do que? Eram tantas perguntas sem respostas que ela preferiu parar de pensar nelas, pelo menos até que a Sra. Weasley parasse de vigiar cada passo da garota.
O tempo passou e, para alívio da Sra. Weasley, Gina nem ao menos mencionou a idéia de voltar para Bruxelas; muito pelo contrário, resolveu terminar o curso por correspondência, decisão que comunicou a família em um jantar.
— Você não imagina como fico aliviada em escutar isso, querida. – A Sra. Weasley falou despejando uma porção extra de purê de batata no prato da filha mais nova.
— Claro. Nada deve ser mais divertido do que estudar História Bruxa. – Jorge disse com um sorriso nos lábios. – Principalmente por correspondência.
— Bem observado, irmão. – Fred falou rapidamente – Por que não começamos a trabalhar por correspondência também? Podemos fazer com que nossos funcionários também trabalhem por correspondência, assim ninguém nunca mais precisará sair de casa.
— Idéia maravilhosa. – Jorge exclamou sarcástico.
— Chega vocês dois! – Molly disse batendo a travessa de purê na mesa com toda a sua força – Não quero ouvir mais nem um pio. Gina está certíssima em terminar o curso por correspondência e tem nosso total apoio, não é Arthur? Arthur?... Arthur!!
O Sr. Weasley levou um grande susto de saiu do seu devaneio. Há dias que ele não falava, comia ou dormia direito. Estava sempre absorto em pensamentos. Apenas concordou com a esposa, pediu licença e se retirou apressado da sala.
— O que deu nele? – Jorge perguntou.
— Não é nada, querido. Seu pai está apenas cansado.
— Mas o mundo bruxo nunca esteve tão calmo como agora! – Rony comentou desinteressado – Não temos tido muitas emoções além de prender o Mundongo de vez em quando e medir o fundo de alguns caldeirões.
A Sra. Weasley fingiu que não escutou o que Rony disse e o jantar ficou mais silencioso. Gina sentiu uma leve ardência no corte e resolveu se recolher logo. Desejou boa noite a todos e sentou na poltrona próxima a janela, em seu quarto.
Foi então que sentiu um vento frio em seu rosto, capaz de balançar seu cabelos. Olhou para os lados e esfregou as mãos, aquecendo-as. E deixou seu olhar se perder na escuridão.
Lucio Malfoy estava sentado em uma confortável poltrona de couro em seu escritório. O fogo crepitava na lareira e, como as luzes estavam todas apagadas, o ambiente estava fantasmagórico. Ele balançava uma delicada correntinha de prata com um pingente com líquido vermelho diante de seus olhos. – A mesma que tinha usado pra ameaçar seu filho há alguns dias.
Soprou levemente o pingente e se divertiu ao pensar o que estaria acontecendo. Foi então que alguém bateu na porta e Lucio levantou a cabeça.
— Você demorou. – Não era um comentário. Era uma advertência. – Eu poderia ter me cansado e tê-lo deixado cair acidentalmente.
— Você não faria isso, pai. – Ele frisou a última palavra.
— E por que acha isso? – Lucio o encarou erguendo as sobrancelhas.
— Porque você não se daria ao trabalho de fazer um Neferti apenas para me manipular. Você o fez porque precisa dele. – Draco sorriu divertido com a situação. – Na verdade, acho que o fez para tentar controlar Seth.
Lucio ficou furioso. Apertou o pingente com toda a sua força, com o imenso desejo e medo de que ele se estilhaçasse em sua mão.
— Você está delirando. – Disse zombeteiro.
— Talvez. – Draco caminhou até a poltrona de frente para seu pai e se sentou. – Na verdade tenho algumas teorias um tanto loucas sobre o que está acontecendo. Achei que sabia de tudo que vocês tramavam e na verdade descobri que não sei de nada, sou apenas uma marionete.
— Meu filho, como pode dizer isso? – Lucio falou em tom chocado, como se o que o filho tivesse dito fosse a coisa mais absurda.
Ora, papai. Você me deixou naquela pirâmide para morrer ou ser morto, o que viesse primeiro. – Draco não tinha um pingo de rancor em sua voz – Não venha me exigir cortesia. Não acredito mais em você. Não confio mais em você.
— Sabe Draco... Quando sua mãe disse que esperava um menino tive certeza que seria o pai mais orgulhoso do mundo. Eu me enganei.
— Papai... – Draco suspirou longamente – As vezes precisamos aprender para aprendermos a dar valor. Pena que não te darei essa chance.
Dizendo isso ele se levantou e saiu do escritório. Lucio continuou muito tempo lá dentro, soprando no pingente prateado.
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