Capitulo 09
Capitulo 09
Harry acordou no ato. Um velho costume. Assimilou em meio a luz pálida do amanhecer que entrava na barraca, o cobertor áspero e o solo duro sob as costas, e a mulher esbelta e suave aconchegada sobre ele. Fez que sorrisse, recordando a forma com que tinham se acomodado durante a noite, procurando um lugar mais cômodo do que o solo do vale.
O sol trazia as lembranças do mundo exterior e dos deveres que tinham nele. Não obstante, tomou-se um momento para desfrutar da preguiçosa intimidade e para imaginar outros momentos, outros lugares, onde voltariam a ser só eles dois.
Com gentileza, tampou-lhe o ombro nu com o cobertor e deixou que seus dedos acariciassem o cabelo. Ela se moveu, abriu os olhos e os fincou nele.
- Bons reflexos, tenente.
Hermione deixou que sua mente e seu corpo se adaptassem à situação.
- Suponho que chegou a manhã.
- Sim. Dormiu bem?
- Já dormir melhor. – cada músculo do corpo doía, ainda que achasse que um par de aspirinas e um pouco de exercício o solucionariam - E você?
- Como um bebê. Alguns estão acostumados a terrenos duros.
Ela arqueou uma sobrancelha e se afastou.
- Alguns querem café. – quando abandonou a calidez de Harry, o frio lhe arrepiou a pele. Tremendo, alongou a mão em procura da malha.
- Eh. – antes de que pudesse pôr, a tomou pela a cintura e a puxou para si - Esqueceu de uma coisa. – deslizou a mão por suas costas para aproximar-lhe a cabeça e poder beijá-la.
O corpo de Hermione adquiriu uma fluidez doce e ela separou os lábios em convite. Sentiu que se derretia nele, maravilhada. Durante a noite tinham tido juntos os orgasmos, uma e outra vez, como relâmpagos, com reflexos de cobiça. Mas isso foi mais suave, mais forte, como uma vela que permanece acesa muito depois de que um fogo violento se tenha apagado.
- É agradável acordar com você, Hermione.
Quis agarrar-se a ele como se fosse a vida. Mas o que fez foi passar um dedo por sua barba de um dia.
- Você não está tão mau, Potter.
Afastou-se com rapidez talvez, para dar-se tempo e espaço. Como ele começava a compreendê-la muito bem, sorriu.
- Sabe? Quando nos casarmos, teremos que comprar uma dessas camas gigantes, para dispor de espaço suficiente para dar voltas e nos agarrar.
Hermione pôs a malha. Quando sacou a cabeça pelo pescoço, seus olhos estavam serenos.
- Quem prepara o café?
- É algo que teremos que decidir. – assentiu pensativo - Manter esses pequenos costumes ajuda um casal a se dar bem.
Ela conteve uma gargalhada e recolheu as calças.
- Me deve um conjunto de lingerie.
Observou-a pôr por suas pernas longas e suaves.
- Comprar será um prazer. – pôs a camisa enquanto ela procurava as meias - Querida, tenho pensado. –recebeu um rosnado enquanto se calçava - O que você acha se nos casamos no reveillon? É romântico compartilhar o ano novo como marido e mulher.
- Eu prepararei o maldito café. – devolveu ela, saindo as pressas da barraca.
Harry deu uma palmada no traseiro e riu entre dentes. Hermione começava a mudar. O que acontecia, era que ela ainda não sabia.
Quando ela conseguiu voltar a acender o fogo, já tinha tido mais do que suficiente da vida ao ar livre. Enquanto remexia entre o pequeno fornecimento de suprimentos que tinha encontrado no avião, reconheceu que talvez a Montanha fosse bonita, talvez magnífica, com seus cumes irregulares e nevascas e os densos bosques. Mas também era fria, dura e deserta.
Tinham uns amendoins diante de si e nem um restaurante à vista.
Impaciente demais para esperar até que fervesse, retirou a água quando esteve quente ao contato, depois verteu uma quantidade generosa de café instantâneo. O aroma bastou para fazê-la babar.
- Essa sim que é uma visão bonita. – Harry a observou no exterior da barraca - Uma mulher preciosa inclinada sobre uma fogueira.
- Deixe-me, Potter.
- Irritada antes do café, meu bem? – chegou perto dela sorrindo.
Hermione afastou a mão que ele tinha posto em seu cabelo. Voltava a enfeitiçá-la, e isso tinha que se acabar.
- Aqui tem o café da manhã. – empurrou a lata de amendoins - Pode servir seu café.
Obediente, agachou-se e verteu o conteúdo em duas xícaras de latão.
- Bonito dia. – comentou - Pouco vento, boa visibilidade.
- Sim, estupendo. – aceitou a xícara que ofereceu - Deus, mataria por uma escova de dentes.
- Nisso não posso ajudar. – provou o café e fez uma careta. Decidiu que era barro, mas ao menos daria energia - Não se preocupe, regressaremos cedo à civilização. Poderá escovar os dentes, tomar um banho de água quente e ir à cabeleireira. – ela deixou a xícara ao lado, remexeu na bolsa e encontrou a escova para o cabelo; sentou-se no solo com as pernas cruzadas e com as costas para Harry se pôs a escovar os cabelos - Deixa-me fazer. – se sentou por trás dela e a acomodou entre as pernas.
- Posso fazê-lo eu.
- Sim, mas com essa energia vai ficar calva. – depois de um leve toque de força, tirou a escova dela - Deveria ter mais cuidado. – com delicadeza, começou a desembaraçar os cabelos - É o cabelo mais bonito que já vi. De perto, posso ver mil tonalidades de castanho e ouro.
- Só é cabelo. – mas se Hermione tinha um ponto de vaidade, Harry o acariciava nesse momento. E era maravilhoso. Não pôde resistir suspirar. Podiam estar no meio de nenhuma parte, mas durante um instante sentiu como se achasse imersa em pleno luxo.
- Quando voltarmos a Denver, quero que me lembre onde estávamos.
- Pode deixar. – com certo pesar, afastou-se - Será melhor… como chama? Levantar o acampamento? A propósito... – adicionou com um encolhimento de ombros - Me deve mais do que roupa íntima nova… me deve um café da manhã.
- Põe na minha conta.
Vinte minutos mais tarde, estavam sentados na cabine com os cintos de segurança presos. Harry comprovou os medidores enquanto Hermione passava blush pela cara.
- Não vamos a uma festa. – comentou.
- É possível que não possa escovar os dentes. – disse, levando-se à boca um caramelo que tinha encontrado na bolsa - Pode ser que não disponha de um chuveiro. Mas não preciso esquecer do resto.
- Gosto das suas bochechas quando estão pálidas. – ligou os motores - Dão um aspecto frágil.
Depois de olhá-lo um momento, pôs mais blush.
- Voa, Potter.
- Sim, senhora, tenente.
Não considerou apropriado informá-la de que seria um despegue complicado. Enquanto ela se ocupava em trançar o cabelo, situou o avião em posição para avançar. Depois de levar um dedo à medalha que pendurava de seu pescoço, começou a avançar.
Experimentaram tombos, botes e chacoalhadas e ao final se elevaram. Harry lutou contra as correntes cruzadas de ar baixando uma asa, nivelando-se, alçando o bico. Ao final deixaram atrás o vale e voaram acima das copas das árvores.
- Não foi tão mau, Potter. – jogou a trança às costas.
Ele a olhou e viu o conhecimento em seus olhos. Tinha as mãos firmes, mas sabia que seria complicado.
- Draco tinha razão, Hermione. É uma parceira estupenda.
- Tenta manter essa coisa quieta uns minutos? – sorriu e aproximou o espelho dos olhos para ocupar-se das pestanas. - E bem, qual é o plano?
- O mesmo de ontem. Circundaremos esta zona. Procuraremos choupanas. A que queremos tem um acesso restrito.
- Sem dúvida isso estreita nossas possibilidades.
- Fique quieta. Também se trata de uma choupana de dois andares com uma sacada que a circunda e três janelas na parte dianteira, de cara ao oeste. O sol se punha numa das cenas do vídeo. – explicou - Segundo a informação que temos, há um lago em alguma parte perto. Também viu pinheiros e pinheiros, o que nos brinda elevação. A choupana tinha uns troncos pintados de branco. Não pode ser tão difícil.
Talvez tivesse razão nisso, mas Hermione estava segura de que era necessário dizer algo mais.
- Pode ser que não esteja ali, Harry.
- Vamos averiguar. – virou o avião para pôr rumo ao oeste.
- Me diga, que posto tinhas nas Forças Aéreas? – perguntou com afã de mudar de tema e distrair sua preocupação.
- Major. – esboçou um sorriso - Parece que supero você em graduação.
- Está aposentado. – lembrou - Aposto que o uniforme ficava bem em você.
- Não me importaria ver você vestida de azul. Olhe.
Seguiu a direção que assinalava e avistou uma choupana. Era uma estrutura de três plantas de madeira de secuoya. Notou outras duas, separadas entre si por uma fileira de árvores.
- Nenhuma encaixa.
- Não. – conveio - Mas a encontraremos.
Continuaram a busca, Hermione com um binóculo. Algumas choupanas que viram pareciam desocupadas e de outras saía fumaça pela chaminé, com veículos estacionados no exterior.
Numa ocasião viu um homem com camisa vermelha partindo lenha. Em outra divisou um grupo de alces pastando numa pradaria gelada.
- Não há nada. – comentou ao final – Ao menos que queiramos gravar um documentário sobre… Espera. – um reflexo branco captou sua atenção, depois o perdeu. - DÊ a volta. – seguiu observando entre as colinas nevadas.
E ali estava, dois andares, troncos pintados de branco, três janelas que davam ao oeste, a sacada. Ao final do caminho de acesso tinha um furgão. E pela chaminé saía fumaça.
- Poderia ser essa.
- Aposto a que é. – voou em círculo uma vez e depois se desviou.
- Aceito a aposta. – desenganchou o microfone do rádio - Dá-me a posição. Chamarei para pedir uma equipe de vigilância a fim de que possamos voltar a solicitar uma ordem de registro.
- Adiante, chama. – lhe deu as coordenadas. - Mas não penso esperar até que consigamos um papel.
- Que demônios acredita que pode fazer?
- Penso aterrissar e entrar. – a olhou por um momento.
- Não. – afirmou - Não o fará.
- Se faz o que se deve. – se dirigiu para o prado onde Hermione tinha visto pastar aos alces-. Há uma grande possibilidade de que esteja ali. Não vou deixá-la.
- Que vai fazer? – quis saber, incomodada demais para fixar-se na perigosa descida - Entrar com a pistola em punhos? Só se ver isso em filmes, Potter. Não só é ilegal, e ainda põe a refém em perigo.
- Tem uma idéia melhor? – preparou-se para a aterrissagem. Iam patinar quanto às rodas posassem no solo. Esperou que não voltassem.
- Virão agentes com equipe de vigilância. Averiguaremos quem é o proprietário da choupana e conseguiremos uma ordem.
- Para depois entrar? Não, obrigado. Disse que sabia esquiar, verdade?
- O que?
- Está a ponto de fazê-lo num avião. Segure-se.
Hermione girou a cabeça e ficou boquiaberta ao ver que a gelada pradaria estava cada vez mais próxima deles. Teve tempo de soltar uma praga, mas depois ficou sem ar ante a força do impacto.
Aterrissaram e patinaram. A neve se levantou de ambos lados do aparelho, salpicando as janelas. Ela observou quase com resignação enquanto avançavam para um arvoredo. Então o avião girou por duas vezes antes de parar com brusquidão.
- Maníaco! – respirou fundo várias vezes, lutando contra o pior de seu mal humor, já que, quando o matasse, queria fazê-lo bem.
- Numa ocasião aterrissei nas Aleutianas, sem rodar. Foi muito pior do que isto.
- E que demonstra? – exigiu.
- Que ainda sou um magnífico piloto?
- Cresce de uma maldita vez! – gritou - Não estamos na terra da fantasia. Estamos perto de supostos seqüestradores e assassinos, e o mais possível é que em meio se encontre presa uma jovem inocente. Vamos fazer isto bem, Potter.
Com um gesto, soltou-se o cinto e tomou as duas mãos dela pelos pulsos.
- Escuta-me você. Sei o que é real, Hermione. Vi suficiente realidade em minha vida e conheço a sua crueldade. Conheço essa garota. Tive-a em meus braços quando era bebê e não penso deixar que sua vida dependa da burocracia e os procedimentos.
- Harry…
- Esqueça. – soltou as mãos e se jogou para trás. - Não vou solicitar sua ajuda, porque tento respeitar as idéias que tem sobre as regras e os regulamentos. Mas irei procurá-la, Mione, e o farei agora.
- Espera. – levantou uma mão e a passou pelo cabelo - Deixa-me pensar um minuto.
- Pensa demais. – mas quando tentou levantar-se, plantou-lhe um punho no peito.
- Disse que esperasse. – jogou a cabeça para trás, cerrou os olhos e o meditou - A que distância se encontra a choupana? – perguntou passado um momento - A uns oitocentos metros?
- Um quilômetro ou algo mais.
- Os caminhos que conduziam até ali estavam limpos de neve.
- Sim. – o dominou a impaciência - E?
- É melhor do que ficar preso na neve. Mas uma avaria bastará.
- De que está falando?
- Falo de trabalhar juntos. – abriu os olhos e o imobilizou com o olhar - Você não gosta da minha forma de trabalhar e eu não gosto da sua. Assim que vamos ter que encontrar um ponto intermediário. Vou chamar à polícia local para que nos apóie e pedirei que se coloquem em contato com Draco, para ver se ele pode iniciar a burocracia.
- Você disse…
- Não importa o que eu falei antes. – cortou com calma - Faremos assim. Não podemos entrar assim na choupana. Primeiro, talvez seja a choupana errada. Segundo, – voltou a interrompê-lo antes de pudesse falar - porá Liz num perigo maior se está ali. E terceiro, sem uma causa provável, sem um procedimento adequado, esses canalhas poderiam ficar livres, e os quero encerrados. E agora escuta…
Harry não gostou. Pouco importava o lógico que fosse ou que se tratasse de um bom plano. Mas durante o longo trajeto até a choupana, Hermione rebateu com lógica serena e singela os argumentos que propôs ele.
Fazia questão de entrar.
- O que faz você pensar que eles nos deixarão entrar somente atendendo ao nosso pedido?
Olhou-o com a cabeça inclinada.
- Não desperdicei nenhum com você, Potter, mas disponho de muito encanto. O que acha que faria a maioria dos homens ao ver uma mulher desvalida que pede ajuda porque está perdida, tem o carro quebrado e… - tremeu e converteu sua voz num ronronado -… e faz tanto frio fora?
- E se eles se oferecem para levar você até o carro para arrumá-lo? – perguntou depois de soltar um juramento.
- Pois estarei profundamente agradecida. E os distrairei o tempo suficiente para fazer o que tenha que fazer.
- E se mostram-se desagradáveis?
- Então você e eu teremos que chutar algumas bundas, não?
- Continuo pensando que deveria acompanhar você.
- Não vão ser simpáticos com uma mulherzinha se ela for acompanhada de um homem grande e forte. – replicou com sarcasmo no ar frio - Com um pouco de sorte, os agentes locais terão chego antes que possa acontecer alguma coisa. – calou e calculou a distância - Estamos bastante perto. Talvez um deles tenha saído para dar um passeio. Não é bom nos ver juntos.
Harry meteu as mãos nos bolsos e se obrigou a relaxar. Hermione tinha razão… e alem disso era boa. Ele pegou ela pelos ombros e a abraçou.
- Vá com cuidado, tenente.
- O mesmo digo eu. – e deu um beijo apaixonado.
Girou e se afastou com passos longos. Harry quis dizer que parasse, que a amava. Mas deu a volta para a parte de atrás da choupana. Não era o momento para declarações amorosas. As reservaria para depois.
Desterrou tudo de sua mente e correu pela neve endurecida, mantendo-se agachado durante todo o momento.
Hermione avançou a toda velocidade. Queria estar ofegante e com os olhos umedecidos ao chegar à choupana. Quando teve as janelas à vista, empreendeu uma caminhada lenta, imitando alívio. Praticamente se deixou cair sobre a porta.
Reconheceu Kline quanto ele abriu a porta. Usava uma calça cinza de chándal e tinha os olhos entrecerrados devido à fumaça que se elevava do cigarro que apertava na comissura dos lábios. Cheirava a fumo e a whisky.
- Oh, graças a Deus! – apoiou-se no marco da porta - Graças a Deus! Temia não encontrar ninguém. Acho que estou caminhando a uma eternidade.
Kline a estudou. Pensou que era um bombom muito doce, mas não gostava de surpresas.
- Que quer?
- Meu carro… - levou uma mão trêmula ao coração - Quebrou… deve de estar a um quilômetro daqui, no mínimo. Vinha visitar a uns amigos. Não sei, mas talvez me meti no desvio errado. – tremeu e se jogou mais na entrada - Posso entrar? Tenho muito frio.
- Não há ninguém por aqui, nenhuma outra choupana.
- Sabia que tinha tomado a saída errada. – fechou os olhos - Passado um tempo tudo começa a ser igual. Saí de Englewood antes que amanhecesse… estou começando as minhas férias. – o olhou com os olhos muito abertos e conseguiu esboçar um sorriso débil - Me deixa usar o telefone, para informar aos meus amigos para virem me procurar?
- Talvez. – decidiu que era inofensiva. E um prazer para a vista.
- Oh, um fogo… - com seu gemido de alívio, Hermione se lançou para a chaminé - Não imaginei que pudesse ser tão frio. – enquanto esfregava as mãos, sorriu-lhe acima do ombro - Não sabe como agradeço por ajudar-me.
- Não é nada. – tirou o cigarro da boca - Não há muita gente por aqui.
- Não me estranha. – olhou pela janela. - Mas é lindo. Suponho que se estivesse acalentada junto ao fogo com uma garrafa de vinho, pouco importaria cair uma ou duas nevascas.
- Eu já gostaria de ser acalentado com algo mais do que uma garrafa. – Kline sorriu.
Hermione piscou e terminou por baixar as pálpebras.
- O senhor é romântico, senhor…
- Kline. Podes chamar-me de Brice.
- De acordo, Brice. Eu sou Jane. – disse, dando seu segundo nome por precaução, pois seu nome poderia ser reconhecido, relacionando-o com o da polícia que tratava com Wild Bill. Ofereceu-lhe a mão - É um verdadeiro prazer. Acredito que você me salvou a vida.
- Que diabos passa aqui?
Hermione levantou a vista para o primeiro andar e viu um homem alto e delgado com uma mata revolta de cabelo loiro. Reconheceu-o como o segundo ator da película.
- Temos uma convidada inesperada, Donner. – informou Kline - O carro dela quebrou.
- Bem, diabos… - Donner piscou para despejar-se a vista e a olhou com atenção - Está fora de temporada, encanto.
- Estou de férias. – respondeu sorrindo-lhe.
- Não é estupendo? – começou a descer as escadas como um galo num galinheiro - Por que não prepara uma xícara de café para a dama, Kline?
- Wave já está na cozinha. É seu turno.
- Perfeito. – Donner lançou a Hermione o que ele considerava um sorriso intimo - Diga que sirva outra xícara para nossa convidada.
- Por que não vai você…?
- Oh, me encantaria uma xícara de café. – interveio Hermione, olhando Kline com seus enormes olhos castanhos - Estou gelada.
- Claro. – encolheu os ombros, olhou Donner como um cachorro que adverte a um competidor, e se foi.
Ela se perguntou se teria algum componente mais da organização na choupana ou se estariam só os três.
- Dizia a Brice como a choupana é bonita. – entrou no salão e deixou a bolsa na mesa - Vive o ano todo?
- Não, viemos de vez em quando.
- É bem maior do que parece por fora.
- Cumpre com sua função. – se aproximou da cadeira que Hermione se sentou - Talvez agradaria a você ficar aqui e passar suas férias.
Ela riu, sem pôr objeção quando ele passou um dedo pelo cabelo.
- Oh, mas meus amigos me esperam. Alem do mais, são somente duas semanas… - riu com voz rouca e sensual - Me diga, que fazem para divertir?
- Você se surpreenderia. – Donner apoiou uma mão na coxa dela.
- Não me surpreendo com facilidade.
- Afaste-se. – Kline regressou com uma xícara de café - Aqui tem, Jane.
- Obrigada. – aspirou o aroma - Já me sinto menos gelada.
- Por que não tira o casaco? – Donner aproximou-se para retirar o casaco, mas ela se moveu, sem deixar de sorrir.
- Quando esquentar um pouco meu corpo. – tinha tomado a precaução de tirar a pistoleira, mas preferia ter mais camuflagem, já que usava pistola nas costas - São irmãos? – perguntou para emplacar conversa.
- Não. – bufou Kline - Poderia dizer que somos sócios.
- Oh, verdade? Que negócios vocês se dedicam?
- Comunicações. – indicou Donner mostrando uns dentes brancos.
- É fascinante. Sem dúvida têm muitos equipamentos. – olhou a tela grande de televisor, o vídeo de ultima geração e o equipamento de som - Encanta-me ver filmes nas noites longas de inferno. Talvez poderíamos reunir-nos alguma vez para… - calou, alertada por um movimento no andar de cima. Levantou o olhar e viu à garota. Tinha o cabelo revolto e uma expressão de infinito cansaço nos olhos. Tinha perdido peso, mas a reconheceu pela foto que Harry havia lhe mostrado – Oi. – saudou com um sorriso.
- Volte para seu quarto. – gritou Kline - Agora.
Liz umedeceu os lábios. Usava jeans gastos e uma malha azul com os punhos desfiados.
- Queria tomar o café da manhã. – disse com voz abafada, mas não intimidada.
- Você tomará. – Kline observou Hermione e ficou satisfeito ao verificar que sua expressão era de amistoso desinteresse - Agora volta para seu quarto até que eu a chame.
Liz titubeou o tempo suficiente para lançar-lhe um olhar frio. Isso animou Hermione. Ainda não a tinham derrotado. Voltou a entrar no quarto e fechou a porta com força.
- Meninas. – sussurrou Kline, acendendo outro cigarro.
- Sim. – Hermione sorriu com simpatia - É sua irmã?
Kline se engasgou com a fumaça, mas assentiu.
- Sim. Sim, é minha irmã. Queria usar o telefone?
- Oh, sim. – deixou a xícara de café e se pôs de pé - Eu agradeço. Meus amigos começarão a preocupar-se.
- Aqui está. – indicou ele - Adiante.
- Obrigada. – mas ao levantar o fone, não tinha tom - Céus, acredito que não tem linha.
Kline amaldiçoou e chegou perto dela ao mesmo tempo em que sacava uma chave em forma de L do bolso.
- Eu esqueci. Desconectei-o de noite para que a pequena não pudesse usá-lo. Fazia um montão de telefonemas a longa distância. Já sabe como são as garotas.
- Sim, é verdade. – sorriu. Ao ouvir o sinal de tom, marcou o número da polícia local – Fran. – disse com alegria, chamando à telefonista pelo nome que tinham lembrado - Não vai acreditar no que aconteceu. Perdi-me e o carro quebrou. Se não fosse por uns garotos estupendos, não sei que teria feito. – riu, com a esperança de que Brice estivesse em ação - Não, sempre me perco. Espero que Bob venha procurar-me.
Enquanto Hermione falava no telefone, Harry subiu numa árvore. Com o binóculo tinha visto tudo o que precisava ver através dos amplos janelões. Hermione dominava a situação e Liz se achava no segundo andar.
Tinham lembrado que se surgisse a oportunidade, a tiraria da casa. Harry teria preferido um caminho mais direto, para dar-lhes uma lição a esses miseráveis, mas o primeiro era a segurança de Liz. Quando a afastasse dali, regressaria.
Com um rosnado, trepou até o saliente estreito e se jogou na borda da janela. Viu Liz tombada numa cama desfeita; de costas para ele, se colocava numa postura defensiva. Seu primeiro impulso foi quebrar o vidro e saltar para o interior. Por medo de assustá-la e que pudesse gritar, chamou com suavidade.
Ela se moveu. Quando voltou a chamar, girou com cautela, olhando com olhos perdidos para o sol. Então piscou e com lentidão se incorporou na cama. Harry levou um dedo aos lábios para indicar-lhe que ficasse em silêncio. Mas isso não conteve as lágrimas que inundaram os olhos de Liz ao aproximar-se.
- Harry! – sacudiu a janela, depois apoiou a face contra o vidro e seguiu chorando - Quero ir para casa! Por favor, por favor, quero ir para casa!
Mal conseguia ouvi-la através do vidro. Temendo que suas vozes pudessem ser escutadas, chamou outra vez e aguardou até que Liz girou a cabeça para olhá-lo.
- Abre a janela, pequena. – moveu os lábios com precisão, mas ela só negou com a cabeça.
- Esta trancada. – disse, esfregando-se os punhos contra os olhos - Trancaram-na.
- Está certo, ok. Olhe, olhe-me. – fez sinais com as mãos para captar seu atendimento - Um travesseiro. Traz um travesseiro.
Um leve reflexo brilhou nos olhos dela. Uma cautelosa volta da esperança. Obedeceu com celeridade.
- Apóia contra o vidro. Mantenha firme e vira a cabeça. Afasta a cabeça, pequena. – empregou o cotovelo para romper o vidro, satisfeito de que o travesseiro amortecido quase todo o ruído. Quando afastou fragmentos suficientes para meter o corpo, entrou. Ela se lançou de imediato a seus braços, sem deixar de soluçar. Segurou-a e a acalentou como se fosse um bebê - Sss… Liz. Tudo vai ficar bem agora, vou levar você para casa.
- Eu sinto. Sinto tanto.
- Não se preocupe. Não se preocupe por nada. – se afastou para olhá-la aos olhos. Estava muito magra e pálida. E tinha muitas coisas que perguntar - Querida, vai ter que ficar assim um pouco mais. Vamos levar você embora daqui, mas temos que nos mover com toda velocidade. Tem um casaco? Sapatos?
- Eles levaram. – moveu a cabeça - Levaram tudo para que não pudesse fugir. Tentei Harry, juro que o tentei, mas…
- Está bem. – voltou a colar o rosto contra o ombro antes que pudesse dominá-la a histeria - Não pense nisso agora. Vai fazer exatamente o que te diga. De acordo?
- De acordo. Podemos ir já? Agora mesmo?
- Agora mesmo. Envolveremos você nesse cobertor. – o pegou da cama com uma mão e fez o que pôde para abrigá-la - Agora vamos sofrer uma pequena queda. Mas se agarra a mim e relaxa, tudo sairá bem. – a levou para a janela, com cuidado de proteger-lhe o rosto contra o frio e das pontas irregulares do vidro rompido - Se quer gritar, faça em sua cabeça, mas não em voz alta. Isso é importante.
- Não gritarei. – com o coração acelerado, colou-se ao peito dele - Por favor, só leva-me a casa. Quero minha mamãe.
- Ela também quer você. E seu pai. – não deixou de falar baixinho e tranqüilizadora - Vamos chamá-los assim que sairmos daqui. - rezou e saltou.
Sabia como cair, de um edifício, de umas escadas, de um avião. Sem a menina, singelamente teria rodado. Com ela, girou o corpo para receber a maior parte do impacto sobre suas costas e protegê-la.
Ficou sem ar e se golpeou no ombro, mas se incorporou quando aterrissaram, com Liz ainda agarrada contra o peito. Correu para o caminho; tinha percorrido a metade do trajeto quando ouviu o primeiro disparo.
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