Capitulo 07



Capitulo 07


 


A frustração inicial de Harry ao se ver obrigado a permanecer por trás de um vidro desapareceu ao ver trabalhar Hermione. Seu interrogatório paciente e minucioso tinha estilo. Em nenhum momento permitiu que Leio a distraísse, jamais mostrou reação alguma ao sarcasmo do outro e jamais, nem sequer quando Leio recorreu a uma linguagem abusiva e a ameaças veladas, levantou a voz.


Recordou que jogava pôquer da mesma maneira. Com frieza, metodicamente, sem revelar emoção alguma até o momento de recolher os ganhos. Mas Harry começava a poder ver essa mulher que tinha por trás da fachada altiva.


Certamente, havia surpreendido muitas e várias emoções na tenente contida. Paixão, ira, simpatia, inclusive aturdimento mudo. Tinha a sensação de que só tinha remexido na superfície. Pensava seguir escavando até desenterrar todas suas emoções.


- Uma noite longa. – Harry apareceu a suas costas com duas xícaras de café.


- Já tive piores. – aceitou a xícara e bebeu um pouco - Está forte. Poderia dançar tango com minha sombra. - fez uma careta e bebeu um pouco mais - O capitão presencia geralmente um interrogatório rotineiro?


- O capitão o faz quando tem um interesse pessoal. – Draco observou um momento Hermione - Está conseguindo algo?


Com certo esforço, Harry conteve o impulso de golpear o vidro para demonstrar que podia participar.


- Leio segue escapulindo.


- Se cansará muito antes que ela.


- Eu mesmo já cheguei a esta conclusão. – ambos guardaram silêncio enquanto Leio soltava um insulto desagradável e Hermione respondia perguntando-lhe se queria repeti-lo para que ficasse registrado em sua declaração - Mione nem se intimida. – comentou Harry - Draco, já viu alguma vez um gato esperar um rato? – olhou um segundo para Draco, depois fincou a vista no vidro - Fica imperturbável, talvez durante horas. E dentro do buraco o rato começa a ficar louco. Pode cheirá-lo, ver os olhos que o estudam. Passado um tempo, os circuitos do cérebro do rato entram em curto-circuito e tenta escapar. Então o gato move uma pata e tudo termina. Pois aí temos uma gata magnífica. – com a cabeça indicou o vidro e bebeu outro gole de café.


- Chegou a conhecê-la muito bem em tão pouco tempo.


- Oh, ainda me falta muito por descobrir. Tem tantas coberturas. – murmurou para si mesmo - Não posso dizer que alguma vez tenha conhecido uma mulher que me tivesse deixado tão interessado em tirar essas coberturas tanto quanto as roupas.


- Sabe? – comentou Draco, com a cautela que empregaria um homem cego em avançar por um labirinto. – Mione é especial. Pode manejar praticamente tudo o que lhe apareça por diante.


- E o faz. – adicionou Harry.


- Sim. Mas isso não quer dizer que não seja vulnerável. Não gostaria que a ferissem. Não gostaria de maneira nenhuma.


- Uma advertência? – levemente surpreso, Harry arqueou uma sobrancelha - Soa como aquela que me deu sobre sua irmã Natalie há um milhão de anos.


- É o mesmo. Mione é como da família.


- E acha que poderia magoá-la.


Draco suspirou. Não sentia prazer com essa conversa.


- Digo que, se o fizesse, teria que arrancar vários órgãos vitais seus. Lamentaria, mas teria que fazer.


- Quem ganhou a última briga que tivemos?


- Creio que foi um empate. – apesar da incomodidade, Draco sorriu.


- Sim, assim eu me recordo. E também foi por uma mulher, verdade?


- Cheryl Anne Madigan. – o suspiro de Draco foi nostálgico nessa ocasião.


- Uma loira pequena?


- Não, uma morena alta. Com uns enormes olhos azuis.


- Sim. – Harry riu e moveu a cabeça - Pergunto-me que terá acontecido à bonita Cheryl Anne.


Guardaram um silêncio ameno por um momento, recordando. Através dos alto-falantes, podiam ouvir o interrogatório implacável de Hermione.


- Não gostaria de feri-la, – sussurrou Harry - mas não posso prometer que não vá acontecer. Draco, a questão é que pela primeira vez me encontrei com uma mulher que me importo o suficiente, e que também possa me ferir. – bebeu outro gole de café - Acredito que estou apaixonado por ela.


Draco se engasgou e se viu obrigado a deixar a xícara antes de verter o conteúdo sobre sua camisa. Aguardou um instante e se levou uma mão ao ouvido, como se quisesse limpa-lo.


- Quer repetir? Acredito que não escutei direito.


- Me ouviu. – pensou que era típico de um amigo humilhá-lo num momento vulnerável - Quando disse à ela, recebi a mesma reação.


- Você disse a ela? – tentou esforçar-se em prestar atenção ao interrogatório enquanto assimilava essa informação nova e fascinante - E ela o que respondeu?


- Pouca coisa.


A frustração na voz de Harry divertiu tanto a Draco, que teve que se morder a língua para não sorrir.


- Bom, ao menos não riu na sua cara.


- A ela não pareceu tão engraçado. – suspirou e desejou que a seu amigo tivesse colocado um trago de brandy no café - Ficou sentada, ficando cada vez mais pálida, quase boquiaberta.


- É um bom sinal. – lhe deu uma palmada no ombro - Custa muito desconcertá-la dessa maneira.


- Pensei que o melhor era dizer, já que isso nos daria aos dois tempo para decidir que fazer ao respeito. Ainda que já esteja bastante claro o que vou fazer.


- E que é?


- Bem, a não ser que acorde uma destas manhãs para descobrir que tive um ataque, vou casar com ela.


- Casar com ela? – Draco riu entre dentes - Mione e você? Deus, espere até eu contar a Gina. – o olhar assassino que Harry lançou só serviu para ampliar seu sorriso.


- Não sei como agradecer o apoio oferecido, Malfoy.


Draco conteve outra risada, ainda que não conseguisse o mesmo com o sorriso.


- Oh, mas o tem amigo. Todo. O que passa é que jamais pensei que utilizaria a palavra casamento na mesma frase com Harry Potter ou Hermione Granger. Creia-me, tem todas as minhas simpatias.


 


Na sala de interrogatório, Hermione continuou com o desgaste de sua presa. Percebia medo, o que empregou de forma cruel.


- Sabe, Leio? Um pouco de cooperação ajudaria muito.


- Claro, tanto como ajudou a Wild Bill.


- Apesar de me aborrecer oferecê-la – Hermione inclinou a cabeça - teria proteção.


- Claro. – soltou uma baforada de fumaça - Acredita que quero os policiais vigiando minha bunda vinte e quatro horas por dia? Acha que funcionaria?


- Talvez não. – utilizou o desinteresse como outra ferramenta, reduzindo o ritmo da entrevista até que Leio começou a retorcer-se na cadeira - Mas se não cooperar, não disporá de nenhum escudo. Sairá daqui nu, Leio.


- Me arriscarei.


- Perfeito. Você terá uma fiança por tráfico de droga… provavelmente possa evitar passar um tempo no cárcere. Mas é peculiar como se corre os boatos pela rua, não acha? – deixou que assimilasse bem suas palavras - As partes interessadas saberão onde esteve, Leio. E, quando sair, não estarão muito certos do que você terá contado.


- Não contei nada. Não sei nada.


- É uma pena, porque talvez essa ignorância funcione contra você. Verá, estamos aproximando, e essas mesmas partes interessadas poderão se perguntar se você nos ajudou. – com indiferença abriu uma pasta e revelou os desenhos da polícia - Se perguntarão se foi você quem me deu as descrições dos suspeitos.


- Não disse nada. – ao observar os desenhos a testa dele encheu de suor - Nunca antes vi esses sujeitos.


- Bem, talvez seja verdade. Mas, se surgisse o tema, terei que dizer que falei com você. Muito tempo. E que disponho de desenhos detalhados dos suspeitos. Sabe, Leio? – adicionou, inclinando-se para ele - Algumas pessoas somam dois mais dois e obtêm cinco. Acontece o tempo todo.


- Isso não é legal. – umedeceu os lábios - É chantagem.


- Não fira meus sentimentos. Quer ser sua amiga, Leio. – empurrou os desenhos para ele - Tudo é uma questão de atitude, e saber se me importa ou não que ao sair daqui termine achatado na calçada. Francamente, neste momento não me importo. – sorriu, gelando-lhe o sangue - Agora bem, se fosse meu amigo, faria tudo o que estivesse a meu alcance para que levasse uma vida longa e feliz. Talvez não em Denver, talvez em outro lugar. Mas uma mudança de palco pode fazer milagres. Mudança de nome, mudança de vida.


- Fala do programa de proteção de testemunhas? – perguntou com titubeio.


- Poderia ser. Mas se for solicitar algo tão importante, tenho que obter resultados. – ao vê-lo vacilar de novo, suspirou - Será melhor que escolha de que lado está amigo. Lembra de Wild Bill? A única coisa que fez foi encontrar-se com um sujeito. Talvez não fizessem mais do que falar das possibilidades que tinham os Broncos de ganhar a Superbowl. Mas ninguém lhe brindou o benefício da dúvida. Simplesmente o mataram.


O medo o dominou outra vez em forma de suor pelas têmporas.


- Quero imunidade. E que retirem as acusações de tráfico de droga.


- Leio, Leio… - Hermione moveu a cabeça - Um homem pronto como você sabe como funciona a vida. Me dê algo, e se for bom, eu dou algo pela mudança. É o estilo americano.


- É possível que tenha visto estes dois antes. – umedeceu de novo os lábios e acendeu outro cigarro.


- Estes dois? – apoiou um dedo sobre os desenhos, e depois, como uma gata, saltou - Fala-me deles.


Quando terminou eram duas da manhã. Tinha interrogado Leio, escutado sua história longa e confusa, tomando notas, tinha-o feito retroceder, repetir, explorar. Depois chamou a digitadora da polícia e fez que Leio repetisse toda a história, realizando uma declaração oficial.


Se movia de energia quando regressou a seu escritório. Já dispunha de nomes que passar pelo computador. Tinha fios… finos, talvez, mas fios que uniam uma organização.


Grande parte do que Leio tinha contado era especulação e rumores. Mas Hermione sabia que com algumas provas podia iniciar uma investigação.


Tirou a jaqueta, sentou-se diante a escrivaninha e acendeu o terminal de seu computador. Estudava a tela quando Harry entrou e pôs uma xícara sob o nariz.


- Obrigado. – bebeu, fez uma careta e o olhou - O que é isto?


- Chá de ervas. – informou - Já bebeu café suficiente.


- Potter, não vai estragar nossa relação pensando que tem que cuidar de mim, não é? – deixou a xícara de um lado e se concentrou outra vez no monitor.


- Está agitada, tenente.


- Sei quanto posso tomar antes de que se sobrecarregue o sistema. Não é você quem não deixa de repetir que a única coisa que nos falta é tempo?


- Sim. – se situou por trás da cadeira que ela ocupava, baixou as mãos sobre seus ombros e começou a massagear - Fez um trabalho magnífico com Leio. – disse antes de que pudesse afastar aos mãos dele - Se algum dia decidir retomar a prática da advocacia, odiaria que interrogasse um de meus clientes.


Os dedos de Harry eram mágicos, relaxando sem debilitar, mitigando sem amaciar.


- Não consegui tudo o que queria, mas acredito que era tudo que ele tinha.


- Leio é insignificante. – conveio Harry - Passa um pouco dos negócios aos peixes gordos e leva uma comissão.


- Não conhece o chefão. Estou convicta de que não mentia ao negá-lo. Mas identificou os dois sujeitos que descreveu Meena. Lembra do homem da câmara, do que nos falou… o afro-americano grande? Olhe. – assinalou a tela - Matthew Dean Scout, apelido Dean Milhar, apelido Wave Dean. Jogou ao futebol semi-profissional faz uns dez anos. Lavrou-se um nome sendo desnecessariamente duro. Quebrou a perna de um adversário no jogo.


- Essas coisas passam.


- Depois da partida.


- Ah, que mais temos dele?


- Direi que mais tenho dele. – indicou, ainda que não pôde resistir a facilitar-lhe a massagem - Foi despedido por romper as regras da equipe… ao levar uma mulher em seu quarto.


- Os garotos são assim.


- Essa mulher em particular estava atada e gritando desesperadamente. Reduziram as acusações de violação e agressão, mas seus dias como jogador de futebol terminaram. Depois daquilo, foi acusado de agressão, exibicionismo, embriagues e roubos menores, aparte de conduta imoral. – apertou outra tecla - Isso foi faz uns quatro anos. A partir de então, nada.


- Acredita então, que começou uma nova etapa de sua vida? Que se converteu num pilar da comunidade?


- Claro, assim como os homens lêem as revistas de mulheres nuas por seus artigos eruditos.


- Isso é o que me motiva. – sorriu e se agachou para dar-lhe um beijo na cabeça.


- Aposto que sim. Temos uma história similar no suspeito número dois. – continuou - Brice Kline, um ator fajuto de Nova York, cujos delitos figuram conduta violenta em estado de embriaguez, posse de drogas e agressão sexual. Entrou na indústria pornográfica faz uns oito anos e, ainda que custe acreditar, foi despedido de vários filmes por comportamento violento e errático. Mudou-se para o oeste, atuou em vários filmes na Califórnia e depois foi preso por estuprar um de seus amigos da filmagem. Devido ao trabalho que realizava, a defesa conseguiu que retirassem os cargos. A única justiça para a vítima foi que a carreira de Brice se acabou, para o cinema. Ninguém minimamente legal quis contratá-lo. Isso foi há cinco anos. Desde então, seu histórico está em branco.


- Uma vez mais, poderia crer que nossos amigos se converteram em cidadãos exemplares ou morreram enquanto dormiam.


- Ou encontraram um buraco pra esconderem-se. Leio afirma que foi Kline quem se aproximou há dois ou três anos. Queria mulheres, mulheres jovens interessadas em participar de filmes particulares. Citando a liberdade de empresa, Leio as conseguiu e recebeu sua comissão. O número de telefone que lhe deram para por em contato com Kline está fora de serviço. Conferirei com a empresa telefônica para ver se era da cobertura ou de outra casa.


- Nunca viu o outro homem, esse que segundo Meena permaneceu no canto do quarto?


- Não. Seus únicos contatos eram Kline e Scout. Ao que parece este se apresentava nesse bar para tomar umas e alardear como era bom manejando uma câmera e do dinheiro que ganhava.


- E sobre as garotas. – sussurrou Harry. Os dedos que massagearam os ombros de Hermione se puseram rígidos - De como seus amigos e ele dispunham… Como o expôs? Do melhor da ninhada?


- Não pense nisso. – instintivamente ergueu uma mão para tomar na sua - Não, Harry. Se fizer isso não poderá manter-se frio. Avançamos muito para encontrá-la. Deve concentrar nisso.


- Eu faço. – se voltou e se dirigiu para a outra parede - Também me concentro no fato de que se descubro que um desses dois canalhas tocou em Liz, vou matá-lo. – se voltou com o olhar centrado - Você não me deterá, Mione.


- Sim, eu farei. – se levantou para aproximar-se e lhe tomar as duas mãos - Porque entendo muito que quer matá-los. E se o fizer, não mudará o acontecido. Não ajudará Liz. Mas cruzaremos essa ponte depois que a encontremos. – apertou as mãos - Não se comporte agora como um renegado comigo, Potter. Não quando começo a gostar de trabalhar com você.


Harry se permitiu olhá-la. Ainda que tivesse olheiras e as faces pálidas pela fadiga, podia sentir a energia que vibrava através dela. Estava-lhe oferecendo algo. Compaixão… com restrições, com certeza. E esperança, sem nenhum limite. A ferocidade de sua fúria se transformou na necessidade humana do calor do contato.


- Hermione… - relaxou as mãos - Deixa que eu abrace você. – a viu titubear, com as sobrancelhas arqueadas pela surpresa. O só pôde sorrir - Sabe? Começo a entender você bastante bem. Se preocupa com a imagem profissional ao estar colada a um homem em seu escritório. – suspirou e lhe acariciou o cabelo - Tenente, são quase três da manhã. Não há ninguém que possa ver-nos. E realmente preciso de um abraço.


Uma vez mais, Hermione deixou que o instinto prevalecesse e se jogou em seus braços. Cada vez que ficava dessa maneira, encaixavam-se com perfeição. E cada vez ficava mais fácil admiti-lo.


- Se sente melhor? – perguntou, e sentiu que Harry assentia sobre seu cabelo.


- Sim. Sabia algo sobre Lacy, a garota que está desaparecida?


- Não. – sem pensar, acariciou-lhe as costas, afrouxando-lhe os músculos tensos como ele tinha afrouxado os seus - E quando mencionei a possibilidade do assassinato, mostrou-se sinceramente emocionado. Não fingiu. Por isso estou convicta de que nos proporcionou tudo o que sabia.


- A casa nas montanhas. – Harry fechou os olhos - Não pôde dar-nos muito.


- Ao oeste ou talvez ao norte de Boulder, perto de um lago. – encolheu os ombros - É algo melhor do que tínhamos antes. A encontraremos, Harry.


- Sinto como se não conseguisse encaixar todas as peças.


- Estamos unindo todas as peças das que dispomos. – lhe disse - E se sente assim pelo cansaço. Vá para casa. – se afastou para poder olhá-lo - Vá dormir um pouco. Começaremos de novo pela manhã.


- Preferiria ir pra casa com você.


- Nunca se rende? – divertida, exasperada, moveu a cabeça.


- Não disse que espero isso, só que preferiria. – lhe emoldurou o rosto entre as mãos e acariciou as sobrancelhas com os polegares, depois as têmporas - Quero passar mais tempo com você, Hermione. Tempo que nenhum de nós dois tenha tantas coisas na cabeça. Para descobrir o que tem que fazer para começar a pensar em algo permanente, a longo prazo.


- Não comece, Potter. – cautelosa, separou-se de seus braços.


- Isso sim deixa você nervosa. – sorriu descontraído - Jamais conheci alguém tão assustado ante a idéia do casamento… salvo eu mesmo. Pergunto-me porque… e se deveria averiguar as causas e depois colocar um anel em seu dedo. Ou… - se aproximou, encostando-a contra a mesa -… se deveria tomar as coisas com calma e tranqüilidade, até conseguir que diga “Sim, quero”, sem que tivesse dado conta.


- Em ambos os casos, está sendo ridículo. – tinha um nó na garganta. Soube que era pelos nervos e não gostou. Fingindo indiferença, pegou a xícara de chá e bebeu um pouco. - É tarde. – anunciou - Vá. Eu pedirei um carro e irei pra casa.


- Levarei você. – tomou o queixo na mão e esperou até que o olhou aos olhos - E falo em sério, Mione. Mas tem razão… é tarde. E estou em dívida contigo.


- Você não… - a negativa terminou num gemido quando a boca de Harry cobriu a sua. O beijo transmitiu frustração, uma necessidade desesperada e mal contida. E o que mais custou resistir: a doçura do afeto, como um bálsamo sobre o ardor palpitante - Harry… - inclusive ao murmurar seu nome, soube que estava perdendo. Já tinha levantado os braços para rodeá-lo, para aceitar e exigir.


O corpo a traiu. Ou que foi o coração? Já não sabia distingui-los, pois as necessidades de um se confundiam com as necessidades do outro. Fincou os dedos nos ombros enquanto lutava pra recuperar o equilíbrio. Depois se afrouxaram ao permitir-se um momento de loucura.


Foi Harry quem se retirou… por si mesmo e por ela. Hermione tinha se convertido em algo mais importante do que a satisfação do momento.


- Estou em dívida com você. – repetiu, olhando-a nos olhos - Se não fosse assim, esta noite não permitiria que você fosse. Não acredito que conseguiria. Levarei você para casa. – pegou a jaqueta dela e a ofereceu - Depois o mais provável é que passe o resto da noite perguntando-me como teria sido se tivesse fechado a porta e deixado que a natureza continuasse com seu curso.


Aturdida, passou a jaqueta pelos ombros antes de ir para a porta. Mas não pensava deixar que ele levasse vantagem. Deteve-se e sorriu acima do ombro.


- Eu direi como se sentiria, Potter. Não se pareceria com nada do que tenha experimentado. E quando estiver preparada, se algum dia estiver, demonstrarei.


Emocionado pelo impacto desse sorriso sedutor, observou-a sair. Suspirou e levou uma mão à boca do estômago. “Santo céu”, pensou, “esta mulher é para mim”. E assim ia demonstrar.


 


Com quatro horas de sono, duas xícaras de café só e uma pastilha no estômago, Hermione estava pronta para continuar o trabalho. As nove da manhã já estava no escritório chamando a companhia telefônica com uma petição oficial para que comprovasse o número que Leio tinha dado. Às nove e meia, tinha conseguido um nome e uma direção e a informação de que o cliente tinha cancelado o serviço tão só quarenta e oito horas atrás.


Ainda que não esperava encontrar nada, estava pedindo uma ordem de registro quando entrou Harry.


- Não deixa que o mofo cresça sob teus pés, não é?


- Não deixo que nada cresça sob meus pés. – pendurou - Tenho uma pista sobre o número Leio que nos deu. O cliente cancelou o serviço. Imagino que encontraremos o lugar vazio, mas terei uma ordem de registro numa hora.


- Isso é o que me encanta em você, tenente… não faz nenhum movimento inútil. – apoiou o quadril na mesa e gostou de descobrir que Hermione cheirava tão bem como o aspecto que tinha - Como dormiu?


- Como uma pedra. – o olhou num desafio direto - E você?


- Nunca melhor. Acordei esta manhã com uma perspectiva nova. Pode sair ao meio dia?


- Aonde?


- Tive uma idéia. Conferi com Draco e… - franziu o cenho ao fincar a vista no telefone - Quantas vezes ao dia toca?


- As suficientes. – levantou o fone - Granger. Sim, a tenente Hermione Granger. – levantou a cabeça – Jade. – com um gesto, tampou o fone - Linha dois. – sussurrou - E mantém a boca fechada. – seguiu escutando enquanto Harry saía do escritório em procura de uma extensão - Sim, estamos procurando você. Agradeço sua ligação. Pode dizer onde está?


- Preferiria não dizer. – a voz de Jade soava nervosa - Só chamo porque não quero nenhum problema. Consegui um trabalho e tudo isso. Um trabalho legal. Se tiver algum problema com a polícia, o perderei.


- Não há nenhum problema. Chamei a sua mãe porque pode ser de ajuda no caso que estou pesquisando. – girou a cadeira para a direita para ver Harry através da porta. - Jade, lembra-se de Liz, não é? A garota que pediu que você escrevesse uma carta aos pais.


- Sim… suponho. Talvez.


- Ajudou muito escrevendo e saindo da situação na que se encontrava. Os pais de Liz estão muito agradecidos.


- Era uma garota agradável. Sabe? Não sabia no que tinha se metido. Queria escapar. – fez uma pausa; soou um fósforo ao acender e uma aspiração profunda - Escute, não podia fazer nada por ela. Só dispusemos de uns momentos a sós numa ou duas ocasiões. Me deu seu endereço e me pediu que escrevesse para seus pais. Como já disse, era uma boa garota numa má situação.


- Então me ajuda a encontrá-la. Diga-me aonde a levaram.


- Não sei. Juro que não sei. Algumas vezes nos levaram, várias garotas, às montanhas. Não tinha ninguém nem nada ao redor. Ainda que tivessem uma choupana elegante. De primeira, com um jacuzzi e uma enorme chaminé de pedra, ah, e uma tela grande de televisão.


- Por onde saiu de Denver? Se lembra?


- Bem, sim, mais ou menos. Foi pela rota 36, em direção a Boulder, mas pareceu que a viagem durava uma eternidade. Depois nos desviamos por um caminho. Não era uma auto estrada.


- Lembra de passar por algum povoado? Algo que tenha gravado na memória?


- Boulder. Depois disso pouca coisa.


- Saiu pela manhã, à tarde ou à noite?


- A primeira vez pela manhã. Tempo bom.


- Passado Boulder, tinha o sol adiante de você ou às costas?


- Oh, compreendo, ah… creio que às costas.


Hermione seguiu fazendo questão de que proporcionasse detalhes sobre o lugar, descrições da gente que tinha visto. Como testemunha, Jade acabou sendo imprecisa, mas com vontade de cooperar. Não obstante, não custou reconhecer as descrições de Kline e Scott. De novo se produziu à menção de um homem que permanecia no fundo, em sombras, olhando.


- Era quieto, sabe? – continuou a jovem - Como um museu. O trabalho era bem pago, de maneira que voltei algumas vezes. Trezentos dólares por um dia, e um bônus de cinqüenta dólares se precisavam de dois. Eu… veja, esse dinheiro não se pode ganhar na rua.


- Sei. Mas deixou de ir.


- Sim, porque às vezes tinha resultados agressivos. Tinha contusões por todo o corpo, e um deles inclusive me abriu o lábio enquanto fazíamos essa cena. Assustei-me, porque não dava a impressão de que estivessem atuando. Parecia como se quisessem machucar para valer. Contei a Wild Bill e ele me falou que não teria que voltar. E que não ia enviar nenhuma garota mais. Disse que ia falar com seu policial. Sabia que era você, por isso decidi chamá-la ao receber sua mensagem. Bill a considera legal.


Com gesto cansado, Hermione passou uma mão pela testa. Não contou a Jade que deveria empregar o tempo passado para referir-se a Wild Bill. Não teve ânimos.


- Jade, em sua carta dizia que acreditava que tinham matado uma das garotas.


- Suponho que sim. – tremeu a voz - Escute, não penso em testemunhar nem nada parecido. Não penso em voltar.


- Não posso prometer nada, só que tentarei deixar você de lado. Me diz por que acredita que mataram uma das garotas?


- Falei que estavam se tornando agressivos demais. E que não atuavam. A última vez que estive lá, me machucaram para valer. Foi quando decidi não regressar mais. Mas Lacy, a garota com quem compartilhei cenas, disse que podia manejar tudo e que o dinheiro era bom demais para deixá-lo escapar. Voltou lá, mas jamais regressou. Nunca mais a vi. – fez uma pausa e acendeu outro fósforo - Não posso provar nada. O que aconteceu… deixou todas suas coisas no lugar onde vivia, sei porque fui vê-la. E ela tinha afeto por suas coisas. Tinha uma coleção de animais de cristal. Muito bonitos. Nunca os teria deixado. Se pudesse, teria voltado para recolhê-los. Assim pensei que estava morta, ou que a retinham na choupana, como Liz. Pior que isso acreditei que o melhor era fugir antes de que me fizessem algo.


- Pode me proporcionar o nome de Lacy, Jade? Qualquer outra informação sobre ela?


- Não sei.


- De acordo. Foi de grande ajuda. Por que não me dá um número de telefone que possa chamar você?


- Não quero. Olhe, contei-lhe tudo o que sei. Quero esquecer. Já disse, vou começar uma nova vida aqui.


Hermione não a pressionou. Seria simples obtê-lo na empresa telefônica.


- Se lembrar de alguma outra coisa, sem importar o insignificante que pareça, me chamará?


- Acredito que sim. Para valer espero que tirem a garota de lá e que dêem a esses miseráveis o que merecem.


- O faremos. Obrigada.


- De acordo. Dê um alô a Wild Bill por mim.


Antes que Hermione ocorresse uma contestação, Harry cortou a comunicação. Levantou a vista e o viu de pé na porta. Seus olhos voltavam a exibir essa expressão perigosa.


- Poderia conseguir que se apresentasse aqui. É uma testemunha material.


- Sim, poderia. – voltou a levantar o fone. Averiguaria o número de Jade nesse momento, mas o guardaria - No entanto, não o farei. – levantou uma mão em gesto de silêncio antes que Harry pudesse falar, e fez a petição oficial à operadora.


- O 212 o prefixo. – leu Harry enquanto Hermione escrevia no bloco - Poderia dizer à polícia de Nova York que a procure.


- Não. – respondeu, guardou o bloco na bolsa e se levantou.


- Por que diabos não? – tomou-a pelo braço quando foi recolher a jaqueta - Se conseguiu tirar dela tanto por telefone, conseguirás mais cara a cara.


- É porque tirei o bastante. – incomodada pela interferência de Harry, soltou-se - Deu-me tudo o que sabia, a troco de nada. Não fizemos ameaças, nem promessas nem manipulações. Só pedi e ela respondeu. Não traio a confiança que se deposita em mim, Potter. Se preciso que faça baixar o martelo nesses canalhas, então a utilizarei. Mas não até esse momento, e não há outra maneira. E não, – adicionou - sem seu consentimento. Ficou claro?


- Sim. – passou as mãos pela cara - Sim, está claro. E você tem razão. Quer recolher a ordem e ir verificar essa outra direção?


- Sim. Vai vir?


- Posso apostar. Teremos tempo antes de viajar.


- Viajar?


- Isso, tenente. Você e eu vamos fazer uma pequena viagem. Contarei pelo caminho.


 


 


 


 


 

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