Capitulo 06
Capitulo 06
Hermione baixou a pistola. Não levantou a voz. As palavras que escolheu, serenas e precisas, nublaram seus sentimentos com mais clareza do que um disparo.
Quando terminou, Harry moveu a cabeça dominado pela admiração.
- Creio que jamais jogou pragas com mais estilo. E agora estaria agradecido se guardasse essa pistola. Não é que acredite que você vá usá-la e arriscar manchar o assoalho de sangue.
- Poderia valer a pena. – guardou a arma, mas sem deixar de olhá-lo - Tem direito de permanecer em silêncio… - começou.
Harry levantou as mãos e conteve uma gargalhada.
- O que vai fazer?
- Ler os seus direitos antes de prendê-lo por entrar em minha casa.
Não duvidou de que o faria sem pestanejar.
- Há uma explicação.
- Tomara que seja boa. – tirou a jaqueta e a apoiou no respaldo de uma cadeira - Como conseguiu entrar?
- Eu, e… Pela porta?
- Tem direito a um advogado. – franziu os olhos.
Era evidente que com evasivas não a aplacaria.
- De acordo, forcei a fechadura. – com as mãos fez o gesto de que se rendia - Ou é muito boa ou eu estou envelhecendo.
- Forçou a fechadura. – assentiu, como se o tivesse esperado - Usa uma arma escondida, uma nove milímetros…
- Bom olho, tenente.
- E uma faca que excede os limites legais. – continuou - Ao que parece também leva um canivete.
- São úteis. Supus que você teve um dia duro e que merecia chegar em casa para desfrutar de um jantar quente e vinho gelado. Também que se irritaria um pouco em me encontrar aqui. Mas contei com o fato que me perdoaria uma vez que tivesses provado meu lingüini.
“Talvez”, pensou ela, “se fecho os olhos durante um minuto, tudo desapareça”. Mas, ao tentar, ele continuava ali, sorrindo.
- Seu lingüini?
- Lingüini com mariscos. Eu diria que era a receita de minha santa mãe, mas em sua vida ela só cozinhou um ovo. Você quer uma taça de vinho?
- Claro. Por que diabos, não?
- Assim que se fala. – entrou na cozinha. Decidindo que podia matá-lo depois, Hermione o seguiu. O cheiro era delicioso - Você gosta de vinho branco. – anunciou enquanto servia duas taças, utilizando as melhores taças de cristal dela - É um estupendo vinho italiano, com corpo, que não estragará meu molho. Atrevido, mas com classe. Vamos ver se agrada você.
Aceitou o vinho e deixou que ele brindasse a taça com a sua, bebeu um gole. Era realmente delicioso.
- Quem demônios é você, Potter?
- A resposta as suas preces. Por que não vai à sala se sentar? Sei que quer tirar os sapatos.
Ela fez, mas não tirou os sapatos ao sentar-se no sofá.
- Explique-se.
- Acabo de fazê-lo.
- Se não pode pagar um advogado…
- Deus, você é dura. – suspirou e se sentou a seu lado - De acordo, tenho algumas razões. Uma, sei que tem estado dedicando muito tempo extra a minha investigação…
- É meu…
- Trabalho? – concluiu por ela - Talvez. Mas reconheço quando alguém dá uns passos adicionais, desses que consomem o tempo pessoal, e preparar o jantar era um modo de agradecer.
Hermione pensou que também era um detalhe, ainda que não estava disposta a dizer em voz alta.
- Podia ter mencionado a idéia.
- Segui um impulso. Nunca teve um?
- Não teste sua sorte, Potter.
- Bem. Voltando aos motivos, também está o fato de que não pude tirar este assunto da cabeça durante mais de uns minutos. Cozinhar me ajuda a recarregar. Não era provável que Maria me permitisse trabalhar em sua cozinha, assim pensei em você. – alongou a mão para enroscar uma mecha de cabelo dela num dedo - Penso muito em você. E por último, me desculpe, mas queria passar uma noite contigo.
Começava a convencê-la. Hermione queria acreditar que era pelo delicioso cheiro que saía da cozinha. Mas não conseguiu.
- Então forçou a fechadura da minha casa para invadir minha intimidade.
- O único lugar onde mexi foi nos armários da cozinha. Era uma tentação. – reconheceu - Mas não fui mais longe.
- Não gosto de seus métodos, Potter. – com o cenho franzido, fez balançar o vinho na taça. - Mas acredito que vou gostar do seu lingüini.
Não gostou, quase a deixou louca. Era difícil guardar ressentimento quando seu paladar tinha sido seduzido por completo. Alguns homens já tinham cozinhado para ela, mas não recordava ter ficado jamais tão enfeitiçada.
E ali estava Harry Potter, sem dúvida armado até os dentes embaixo dos jeans velhos e a camisa de flanela, servindo-lhe massa à luz da velas. “Não é que seja romântico”, pensou. Era inteligente demais para cair em algo tão convencional. Mas era engraçado, e estranhamente doce.
Ao servir-se da segunda porção de lingüini, o pôs a par dos progressos realizados. Esperavam ter os relatórios do laboratório em vinte e quatro horas, o garçom de Clancy estava sendo vigiado e uma agente incógnita se preparava para sair à rua.
Harry arquivou a informação em mente e compartilhou a sua. Aquela tarde tinha falado com algumas das garotas que trabalhavam nas ruas. Pelo seu encanto ou pelo dinheiro que tinha mudado de mãos, inteirou-se de que faziam algumas semanas que não viam em seu lugar habitual uma garota que respondia ao nome de Lacy.
- Encaixa no perfil. – continuou, enchendo a taça de Hermione - Jovem e pequena. As garotas me contaram que era morena, mas que gostava de usar uma peruca loira.
- Tinha cafetão?
- Mmm. Trabalhava por sua conta. Passei pelo lugar que alugava. – partiu um pão de alho e deu metade a ela - Falei com o encarregado… uma simpatia. Como tinha deixado de pagar duas semanas, tinha pego as coisas da casa. Empenhou o que tinha algum valor e tirou o resto.
- Me ocuparei de que todos no Narcóticos recebam sua descrição.
- Bem. Voltei a visitar alguns dos refúgios. – prosseguiu - Mostrei a foto de Liz e os desenhos da polícia. - franziu o cenho enquanto brincava com a comida - Não consegui que ninguém os identificasse. De fato, custou-me convencer às jovens de que olhassem os retratos. A maioria queria fazer-se de dura, mas o que eu via em seus olhos era medo.
- Quando se convive com esse medo, tem que ser dura. Quase todas procedem de lares destruídos pela droga, a bebida, abusos físicos e sexuais. Ou caem nas drogas e já não sabem como sair delas. – moveu os ombros - Seja como for, fugir parece o melhor caminho.
- Não era assim para Liz.
- Não. – concordou. Decidiu que era hora de que descansassem desse tema, ainda que fosse por alguns minutos - Sabe, Potter? Poderia deixar de brincar de aventureiro e dedicar ao campo da advocacia. Faria uma fortuna.
Harry compreendeu qual era sua intenção e decidiu seguir a corrente.
- Prefiro reuniões pequenas e íntimas.
- Bem. - o olhou nos olhos e depois baixou a vista à taça de vinho - Se não foi sua santa mãe quem ensinou a preparar um lingüini de primeira, quem o fez?
- Quando era pequeno tínhamos uma cozinheira irlandesa magnífica. A senhora Weasley.
- Uma cozinheira irlandesa ensinou a preparar comida italiana.
- Podia cozinhar o que quisesse, desde um refogado de cordeiro até um frango ao vinho. “Harry, moço”, costumava dizer-me, “o melhor que pode fazer um homem por si mesmo é aprender a alimentar-se bem. Depender de uma mulher para que encha a barriga…” – a recordação lhe provocou um sorriso - Quando me metia em problemas, que era quase sempre, fazia-me sentar na cozinha. Recebia discursos sobre como comportar-me e como desossar um frango.
- Bonita combinação.
- O da conduta eu esqueci. – caçoou - Mas preparo um estupendo frango recheado. E quando a senhora Weasley se aposentou, faz uns dez anos, minha mãe entrou numa profunda depressão.
- E contratou a outra cozinheira. – sorriu acima da taça.
- Um sujeito francês com uma atitude esnobe. Ela o adora.
- Um chef francês em Wyoming.
- Eu moro em Wyoming. – disse - Eles em Houston. Dessa maneira convivemos melhor. Que me diz de sua família? É daqui?
- Não tenho família. O que aconteceu com seu título de advogado? Por que não fez nada à respeito?
- Eu não disse isso. – a estudou um momento. Tinha soltado a resposta como se a queimasse. Era algo que teria que retomar – Averigüei que não me agradava passar horas em cima de livros de leis, tentado enganar à justiça com formalismos.
- Assim ingressou nas Forças Aéreas.
- Era um bom método para aprender a voar.
- Mas não é piloto.
- Às vezes sim. – sorriu – Sinto Mione, não me encaixo num lugar estreito. Disponho de dinheiro suficiente para fazer o que me agradar quando me agradar.
- E os militares não lhe agradaram? – não bastava com sua resposta.
- Durante um tempo, sim. Depois me fartei. - encolheu os ombros e se recostou na cadeira. A luz da vela brilhava em sua cara e em seus olhos - Aprendi algumas coisas. Igual que aprendi da senhora Weasley, e do primário, e de Harvard, e de um velho treinador de cavalos índio que conheci em Tulsa há alguns anos. Nunca se sabe quando vai utilizar o que aprendeu.
- Quem ensinou a abrir fechaduras?
- Não vai me jogar na cara, não é? – adiantou-se para afastar o cabelo do rosto e servir mais vinho - Aprendi no exército. Fazia parte no que poderia chamar um destacamento especial.
- Operações clandestinas. – traduziu ela. Não a surpreendia - Por isso grande parte da sua história é confidencial.
- Faz tempo, já teriam me dispensado. Mas sim são as coisas, não? Aos burocratas os segredos tanto como a burocracia. O que fazia era recolher informação, ou plantá-la, talvez desativar algumas situações voláteis, ou agitá-las, dependendo das ordens. – bebeu de novo - Suponho que poderíamos dizer que comecei a fazer favores às pessoas… só que essas pessoas dirigiam o governo. – sorriu - Ou tentavam.
- O sistema não agrada você, não é?
- Me agrada o que funciona. – durante um instante, seus olhos perderam o brilho - Vi muitas coisas que não funcionavam. Portanto… - encolheu os ombros e a atmosfera escura se desvaneceu - Abandonei o serviço, comprei uns cavalos e vacas e brinquei de ser rancheiro. Parece que os velhos hábitos demoram a desaparecer, porque agora volto a fazer favores às pessoas. Salvo que primeiro têm que cair bem.
- Algumas pessoas diriam que vai custar decidir o que quer ser quando crescer.
- É possível. Suponho que é o que venho fazendo. Que me diz de você? Qual é a história que há por trás de Hermione Granger?
- Nenhuma que possa interessar a um produtor de cinema. – descontraída, apoiou os cotovelos na mesa - Entrei diretamente na academia ao cumprir os dezoito anos.
- Por que?
- Por que me tornei policial? – meditou a resposta - Porque gosto do sistema. Não é perfeito, mas se você trabalha nele, pode conseguir que algo funcione. E a lei… aí afora há pessoas que desejam que funcione. Muitas vidas que perdem nos resquícios que tem. Significa algo quando pode salvar uma.
- Não posso questionar isso. – sem pensar, apoiou a mão na dela - Sempre pude ver que Draco estava destinado a fazer que a lei e a ordem funcionassem. Até faz pouco, era o único policial que respeitava o suficiente para confiar nele.
- Suponho que acaba de fazer um elogio.
- Não duvide. Vocês dois têm muito em comum. Uma visão clara, um tipo de valor obstinado, uma compaixão irremovível. – sorriu, brincando com seus dedos - A menina que salvamos no telhado… também fui vê-la. Estava encantada com a moça bonita de cabelo castanho que deu uma boneca a ela.
- Realizei um procedimento. É meu trabalho…
- Tolices. – satisfeito com a resposta dela, levantou a mão dela e a beijou - Não tinha nada que ver com o dever, e sim com o que você é. Ter um lado sensível não diminui seu lado policial, Mione. Só faz você ser uma policial amável.
Soube aonde conduziria isso, mas não afastou a mão.
- O fato de sentir fraqueza pelos meninos não faz que sinta por você.
- Mas sente. – sussurrou - Chego até você. – sem deixar de observá-la, deslizou os lábios por seu pulso. Sua pulsação era firme, mas também rápida - E não penso em deixar de chegar até você.
- É possível. – era inteligente demais para continuar negando o óbvio - Isso não significa que disso vá sair algo. Não durmo com todos os homens que me atraem.
- Fico feliz em ouví-lo. Mas vai fazer muito mais do que dormir comigo. – riu entre dentes e beijou outra vez a mão - Deus, encanta-me quando fica com essa expressão. Me deixa louco. O que ia dizer era que, quando chegarmos à cama, dormir não vai ser a maior prioridade. Assim o melhor será que descansemos um pouco até então. – se levantou e a levou consigo. – Me dê um beijo de boa noite, e deixarei você descansar agora. – a surpresa que viu em seus olhos lhe provocou outro sorriso. Esperaria até mais tarde para se dar uma palmada nas costas pela estratégia escolhida - Pensou que tinha preparado o jantar e feito companhia como desculpa para seduzir você. – suspirou e moveu a cabeça - Hermione, estou magoado. Quase destroçado.
Ela riu e manteve a mão na sua.
- Sabe, Potter? As vezes quase gosto de você. Quase.
- Vê? Falta pouco para estar louca por mim. – a abraçou e o retraimento que sentiu nas entranhas contradisse o tom leve que empregou - Se tivesse me pedido para preparar uma sobremesa, estaria suplicando.
- Você perdeu. – burlou - Todo mundo sabe que palha italiana acaba comigo.
- Não esquecerei. – deu um beijo ligeiro e a observou sorrir. E o coração deu um salto - Deve existir alguma confeitaria italiana por aqui.
- Não. Perdeu sua oportunidade. – apoiou o tronco no peito dele, dizendo a si mesma que deveria manda-lo embora, enquanto ainda podia sentir as pernas - Obrigada pela massa.
- Claro. – mas seguiu olhando-a, concentrado nela, como se quisesse ver além da pele de marfim, dos ossos delicados. Compreendeu que passava algo. Algo interno que não terminava de entender - Tem algo nos olhos.
- O que? – os nervos de Mione dançavam.
- Não sei. – falou devagar, como se medisse cada palavra - As vezes quase posso vê-lo. Então, impulsiona-me a perguntar onde tem estado. Aonde vamos.
Teve que respirar fundo para arejar os pulmões.
- Você ia pra casa.
- Sim. Num minuto. É muito fácil dizer que é linda. – murmurou, como se falasse consigo mesmo - Ouvir constantemente é muito superficial para que possa afetar você. Há algo mais aí. Algo que não consigo discernir. – sem deixar de procurar em seus olhos, acercou-a ainda mais - O que há em você, Hermione? O que há que não consigo descobrir?
- Nada. Está acostumado demais a procurar sombras.
- Não, você tem. – devagar, subiu a mão até sua bochecha - E o que tenho eu é um problema.
- Qual?
- Provarei com isto.
Baixou a boca para beijar-lhe os lábios e todos os músculos do corpo de Hermione se derretiam aos poucos. Não foi um beijo exigente nem urgente. Mas teve um resultado devastador. Aprofundou-o e a bombardeou com emoções para as quais ela não tinha defesa. Os sentimentos dele se liberaram e a encheram, rodeando-a.
“Não há escapatória”, pensou ela e ouviu seu próprio som abafado de desespero e aceitação. Harry tinha aberto uma brecha numa defesa que Hermione tinha dado por sentada e que nunca mais poderia levantar.
Poderia repetir uma e outra vez que não ia apaixonar-se, que não podia apaixonar-se por um homem que mal conhecia. Mas seu coração já ria da idéia.
Sentiu-a ceder… não de tudo, pior sim entregar outra parte de seu ser. Ali tinha bem mais do que paixão; e também uma espécie de descoberta. Para Harry foi uma revelação descobrir que uma mulher, essa mulher, podia aturdir a sua mente, abrir-lhe o coração e deixá-lo desvalido.
- Começo a perder terreiro. – manteve a mão no ombro de Hermione ao separar-se - E depressa.
- É demais. – foi uma resposta pobre, mas a melhor do que pôde dar.
- Diz isso para mim? – os ombros dela voltavam a ficar tensos. Impulsionou-o a separar-se - Nunca tinha sentido isto antes. E não é um truque. – disse quando ela girou.
- Eu sei. Tomara que fosse. – agarrou o respaldo da cadeira onde pendurava a cartucheira. “um símbolo do dever”, pensou. “do controle. O que me conformou” - Harry, creio que ambos estamos nos metendo mais fundo do que talvez nos agrade.
- Talvez já nos cansamos de sempre drenar água.
- Não permito que os assuntos pessoais interfiram em meu trabalho. – com temor teve que reconhecer que estava pronta, inclusive disposta e ansiosa, para afundar-se - Se não somos capazes de manter isto sob controle, deveria pensar em trabalhar com outra pessoa.
- Nos damos bem juntos. – disse com os dentes apertados - Não ponha desculpas falsas porque não quer reconhecer o que acontece entre nós.
- É o melhor do que tenho. – as juntas estavam alvas de agarrar a cadeira - E não se trata de uma desculpa, só de um motivo. Quer que diga que me assusta. De acordo. Me assusta. Isto me assusta. E não creio que vá querer uma parceira que não seja capaz de se concentrar porque você a deixa nervosa.
- Talvez esteja mais contente com essa parceira que com a que se concentra tanto que custa reconhecer se é humana. – não ia permitir que esse momento escapasse - Não me diga que não é capaz de trabalhar em dois níveis, Mione, ou que não pode funcionar como policial quando tem um problema em sua vida pessoal.
- Talvez não queira trabalhar com você.
- É uma pena, mas não há volta. Se quer nos frear, tentarei com prazer. Mas não vai deixar de Liz porque teme permitir-se sentir algo por mim.
- Penso em Liz e no melhor para ela.
- Como diabos vai saber? – estourou e se mostrava irracional. Estava a ponto de apaixonar-se por uma mulher que não o queria em nenhum âmbito de sua vida. Estava desesperado por encontrar uma jovem assustada, e a pessoa que o tinha ajudado a avançar para seu objetivo ameaçava em deixá-lo - Como diabos vai saber algo sobre ela ou outra pessoa? Está tão dominada pelas regras e os procedimentos que não é capaz de sentir, não, não é que não seja capaz, não quer. Arriscaria sua vida, mas um contato com a emoção e em seguida alça um escudo. Tudo tem de ser muito medido para você, verdade, Mione? Aí afora há uma menina assustada, mas para você só é um caso a mais, simplesmente outro trabalho.
- Não se atreva a dizer o que eu sinto. – seu controle se quebrou ao apartar a cadeira, que caiu com estrépito ao solo entre os dois - Ou se atreva a dizer o que entendo. É impossível que saiba o que passa por meu interior. Você acredita que conhece Liz ou qualquer uma das garotas como as que falou hoje? Por ter entrado nuns refúgios e albergues acredita que entende?
Os olhos dela cintilaram com uma ira tão aguda que não pôde fazer outra coisa que deixar que o cortasse.
- Sei que há muitas jovens que precisam de ajuda, que nem sempre a encontram.
- Oh, isso parece tão fácil. – se pôs a caminhar pela sala e dar uma estranha exibição de movimento inútil - Preenche um cheque, paga uma fatura, pronuncia um discurso. Conta tão pouco esforço. Não tem nem idéia do que é estar sozinha, ter medo ou se ver presa nessa máquina trituradora à que arrojamos aos jovens deslocados. Eu passei quase toda minha vida nessa maquinaria, assim não me diga que não sinto. Sei o que é almejar escapar, a ponto de correr ainda sem ter aonde ir. E sei o que é que desenvolvem ali, e você fica impotente, abusam e a fazem sentir-se presa e miserável. Entendo muito bem. E sei que Liz tem uma família que a quer, à que a devolveremos. Sem importar o que passe, a devolveremos e não ficará presa nesse ciclo. Assim não me diga que se trata de outro caso, porque me importo com ela. Todos importam. – calou e passou uma mão trêmula pelo cabelo. Nesse momento não sabia que era maior, se a vergonha ou a fúria que sentia - Agora gostaria que fosse embora. – sussurrou - Para valer.
- Sinto muito. – quando ela não respondeu, aproximou-se e a obrigou a sentar-se numa cadeira - Sinto. É um recorde para mim desculpar-me duas vezes num dia com a mesma pessoa. – quis afastar seu cabelo do rosto, mas se conteve - Quer um pouco de água?
- Não. Só quero que você vá embora.
- Não posso. – se sentou no banquinho diante dela para que seus olhos ficassem no mesmo nível - Hermione...
Ela se jogou para trás com os olhos fechados. Sentia como se tivesse subido ao cume de uma montanha para atirar-se ao vazio.
- Potter, não estou com humor para contar a história da minha vida, de maneira que, se espera isso, já sabe onde está a porta.
- Isso pode esperar. – correu o risco de tomar-lhe a mão. Notou que estava firme, mas fria - Vamos tentar outra coisa. O que temos aqui são dois problemas diferentes. Encontrar a Liz é o número um. É uma menina inocente, uma vítima, que precisa de ajuda. Poderia encontrá-la só, mas demoraria tempo. E cada dia que passa… bom, já se passaram muitos dias. Preciso que trabalhe comigo, porque você conseguirá passar pelos canais que eu demoraria o dobro em rodear. E porque confio que dedique tudo o que tem para localizá-la e levá-la para casa.
- De acordo. – manteve os olhos fechados, concentrada para que desaparecesse a tensão - A encontraremos. Se não amanhã, ao dia seguinte. Mas a encontraremos.
- Segundo problema. – contemplou suas mãos - Creio… ah, como para mim representa um campo novo, gostaria de indicar que só se trata de uma opinião…
- Potter. – abriu os olhos e neles dançou o fantasma de um sorriso - Juro que fala como um advogado.
- Não creio que deva xingar um homem que vai dizer que está quase convencido de que te ama. – se moveu incômodo. Ela se sobressaltou. Teria apostado o rancho que, se tivesse sacado uma arma, Hermione não teria piscado. Mas a menção do amor a fazia dar um bote - Não tema. – continuou - Disse “quase”. Isso nos deixa uma margem de segurança.
- A mim dá a impressão de que é um campo minado. – o medo a pôs a tremer outra vez, soltou sua mão - Nestas circunstâncias, creio que seria inteligente enterrar o tema por enquanto.
- E agora quem fala como um advogado? – sorriu - Querida, isso provoca pânico? Pensa no que faz a mim. Só entrei nesse assunto porque espero que isso facilite o que estamos encarando. Pelo que sei, bem pode ser a gripe ou algo parecido.
- Seria estupendo. – conteve um riso, aterrorizada de que parecesse embriagada - Descanse e beba muito líquido.
- Tentarei. – se adiantou - Mas se não é a gripe, ou algum outro vírus, vou fazer algo à respeito. O que seja pode esperar até que tenhamos solucionado o primeiro problema. Até então, não entrarei mais no tema do amor, nem todas as coisas que pelo geral implica, já sabe… o casamento, a família e uma casa com garagem para dois carros. – pela primeira vez desde que a conhecia, viu-a totalmente desconcertada. Tinha os olhos muito abertos e a boca frouxa. Juraria que, se tocasse seu ombro, teria caído como uma árvore jovem açoitado por uma tormenta - Imagino que é o melhor já que falar disso em sentido abstrato parece ter posto você em coma.
- Eu… - conseguiu fechar a boca, engolir saliva e depois falar - Creio que perdeu a cabeça.
- Eu também. – só Deus sabia por que se sentia tão contente - Assim que, pelo momento, concentremo-nos em encontrar os vilões. Certo?
- E se aceito, vai deixar o outro tema de lado?
- Está disposta a aceitar minha palavra? – esboçou um sorriso lento.
- Não. – se ergueu e lhe devolveu o sorriso - Mas estou disposta a apostar que serei capaz de desvirar qualquer coisa que me lance.
- Aceito a aposta. – estendeu uma mão – Colega. – as estreitaram com gesto solene - E agora, por que não…?
O telefone interrompeu o que Hermione estava certa de que seria uma sugestão pouco profissional. Passou junto a Harry e pegou o telefone na extensão da cozinha.
Isso lhe deu um momento para refletir sobre o que tinha iniciado. Para sorrir. Para pensar em como lhe agradaria terminá-lo. Antes de poder concluir a fantasia, ela voltava a seu lado. Levantou a cadeira caída e recolheu a pistoleira.
- Você lembra de nosso amigo, Leio, o garçom? Acabamos de prendê-lo por vender coca no bar. – enquanto colocava a pistoleira, seu rosto recuperou a expressão combativa - Vão levá-lo a delegacia para interrogá-lo.
- Vamos.
- Se Draco autorizar – soltou enquanto se conteve em vestir a jaqueta - poderá observar por trás do vidro, nada mais.
- Deixa que eu esteja presente. Manterei a boca fechada.
- Não me faça rir. – pegou a bolsa no caminho da porta - Aceita ou deixo-o… parceiro.
- Eu aceitarei. - amaldiçoou e o fechou com força a porta.
Agradecimentos especiais:
Mila Helcias: A Hermione bem que tenta resistir, mas o Harry vai saber contornar a resistência dela. Beijos.
gabriela: Que bom que está gostando da fic. beijos
gilmara: eu confesso que para ler as fics dos outros autores minha preferência também segue pelo HG, embora ultimamente eu também esteja começando a ler bastante HH. Fico feliz que tenha gostado da fic. Beijos e boas férias para você também.
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