CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 12
Gina andava de um lado para outro na sala de espera do consultório de Minerva. Por que a sessão estava demorando tanto para acabar?, perguntou-se, e olhou para o seu relógio de pulso mais uma vez. Já passava de meio-dia e meia. Moody estava sendo testado há noventa minutos. Gina tinha até uma hora da tarde para apresentar ao comandante o progresso das investigações.
Precisava do laudo de Minerva.
Para ajudar o tempo a passar, ensaiou mentalmente o relato oral que resumiria o que fora oficialmente colocado no sistema. Pensou nas palavras que poderia usar e o tom que assumiria. Sentiu-se uma atriz de segunda classe tentando decorar o texto atrás do palco. Uma gota de suor gelado lhe desceu pela espinha.
No instante em que a porta se abriu, pulou na frente de Moody, perguntando:
- E então, como é que foi?
Os olhos dele pareciam sombrios, suas feições estavam rígidas e o rosto, pálido. Seu maxilar estava apertado e os lábios formavam uma linha fina. A humilhação parecia uma gosma pegajosa em seu estômago.
- Cumpri suas ordens, tenente, e me submeti a todos os testes. - informou ele. - Sacrifiquei a minha privacidade e a minha dignidade. Espero que isto a satisfaça.
Passando diante dela a passos largos, saiu pelas portas duplas.
- Ah, enfia a privacidade e a dignidade... - murmurou Gina, entrando na sala de Minerva.
A psiquiatra estava bebendo uma xícara de chá e sorriu ao ver Gina. Conseguira ouvir com facilidade os comentários amargos que Moody fizera ao sair.
- Ele é um homem complicado. - explicou a doutora.
- É um babaca, mas isso é irrelevante. Pode me fornecer um resumo dos resultados?
- Vou levar algum tempo para revisar todos os testes e redigir meu relatório.
- Tenho que me encontrar com Lupin em vinte minutos. Qualquer migalha que puder me adiantar já serve.
- Uma opinião preliminar, então. - Minerva serviu-se de mais uma xícara de chá e ofereceu uma poltrona para Gina. - Ele me pareceu um homem que tem pouco respeito pela lei, mas sente grande respeito pela ordem.
- E isso significa...? - perguntou Gina pegando o chá, sem bebê-lo.
- Que ele se sente mais à vontade quando vê que as coisas estão em seu devido lugar, e tem uma certa obsessão por mantê-las lá. A lei propriamente dita, as leis que a sociedade cria, significa pouco para ele, porque são variáveis, eventualmente mal planejadas e, muitas vezes, falhas. O senso estético é importante para ele, tanto no ambiente em que vive quanto nas aparências, pois aprecia a ordem que existe na beleza. É um homem que respeita a rotina. O padrão constante das coisas e a estabilidade que esse padrão proporciona lhe servem de conforto. Ele sempre se levanta da cama em um horário determinado e se retira para dormir sempre à mesma hora. Suas tarefas são claramente definidas e cumpridas. Até o seu tempo livre e seus momentos de lazer são organizados.
- Quer dizer que ele é todo travado. Eu já sabia disso.
- Sua forma de lidar com os horrores que presenciou durante as Guerras Urbanas, a pobreza, o desespero do qual conseguiu escapar e a perda de sua única filha é criar um padrão aceitável e segui-lo. No entanto, em termos pouco clínicos, sim, ele é travado. Apesar disso, por mais que possa ser rígido, e por mais que torça o nariz para as regras que a sociedade impõe, possui uma das personalidades mais avessas à violência que eu já encontrei em toda a minha carreira.
- Mas algumas das marcas roxas que eu carrego pela vida foram causadas por ele. - murmurou Gina baixinho.
- É que você perturba a sua necessidade de ordem. - explicou Minerva, com ar solidário. - O fato principal, porém, é que a violência de verdade é, para ele, um conceito abominável. Além do mais, acha toda violência algo sem sentido, e considera o desperdício algo repulsivo. Provavelmente por ter visto muito desse desperdício, em vários níveis, ao longo da vida. Como disse no início, vou levar algum tempo para revisar os testes, mas, neste momento, posso adiantar que, na minha opinião, alguém com a estrutura de personalidade que Moody apresenta seria incapaz de cometer os crimes que você está investigando.
Pela primeira vez em muitas horas, os nós que Gina sentia na boca do estômago se desfizeram.
- Isso o tira do topo da lista de suspeitos. Vai levá-lo bem para baixo, por sinal. Obrigada por fazer uma avaliação assim, tão depressa.
- Fico sempre feliz por poder fazer um favor a uma amiga, mas depois que li os dados da sua investigação senti que não se trata apenas de um favor. Gina, dessa vez você está lidando com um assassino muito perigoso, extremamente sagaz, determinado e cuidadoso. Alguém que levou anos para preparar tudo e se preparar. Uma pessoa focada e instável, que tem um ego gigantesco e igualmente instável. Um sociopata com uma missão sagrada, um sádico com habilidades especiais. Temo por você.
- Estou chegando perto dele.
- Espero que sim, porque eu creio que ele também está chegando perto de você. Potter talvez seja o seu alvo principal, mas você está no meio. Ele quer ver Potter sangrar, quer que ele sofra. A morte de Potter colocará um ponto final em sua missão, a missão que representa a sua vida. Você, porém, é a conexão dele, sua oponente e sua platéia. Ele tem uma visão muito bipolar das mulheres. Elas são castas ou prostitutas.
- Bem, acho que eu já saquei de que lado ele me colocou. - disse Gina, com uma risada curta.
- Não. - Preocupada, Minerva balançou a cabeça para os lados. - A coisa é mais complicada. Ele a admira. Você o desafia. Você o enfurece. Não creio que ele consiga encaixá-la em um dos dois moldes, e isso só serve para deixá-lo cada vez mais focado em você.
- Eu quero que ele fique mais focado em mim. - Os olhos dela brilharam.
Minerva levantou as duas mãos como se estivesse dando tempo a si mesma para colocar em ordem os pensamentos. Por fim, disse:
- Vou precisar estudar o assunto com mais calma, mas, em poucas palavras, posso afirmar que a fé que ele possui e a sua religião são uma catarse, ou pretexto, se preferir. Ele deixa um medalhão esmaltado no local de cada crime. Fé e sorte. Deixa uma imagem de Maria como símbolo de seu poder feminino e de sua vulnerabilidade. Ela é o seu verdadeiro deus.
- Não estou entendendo muito bem...
- A Mãe. A Virgem. Pura e amorosa, mas uma figura de autoridade, de qualquer modo. Ela é a testemunha de seus atos, a platéia de sua missão. Nesse momento, posso afirmar que foi uma mulher que o criou. Uma figura feminina forte e vital em sua vida, uma figura de autoridade e amor. Ele precisa do apoio dela, precisa ser guiado por ela. Precisa agradá-la. Precisa ser elogiado por ela.
- A mãe dele. - murmurou Gina. - Você acha que a mãe dele está por trás de tudo?
- Talvez. Ou talvez ele encare o próprio comportamento como uma espécie de tributo a ela. Sua mãe, irmã, tia, esposa. Se bem que uma esposa é pouco plausível. - acrescentou com um leve aceno de cabeça. - Provavelmente ele é sexualmente reprimido. Impotente. Seu deus é vingativo, uma divindade que não permite prazeres carnais. Se ele está usando a estatueta para simbolizar sua própria mãe, talvez encare a sua concepção como milagrosa... imaculada, e deve se achar invulnerável.
- Ele me disse que era um anjo. O anjo da vingança.
- Sim, um soldado do deus dele, com poderes maiores do que os mortais. Aí aparece o seu ego, mais uma vez. Só tenho certeza é de que há uma mulher, ou houve uma mulher, a quem ele busca aplacar e a quem considera pura.
Por um momento nauseante, a imagem de Marlena surgiu na mente de Gina. Cabelos louros, olhos inocentes e um vestido imaculadamente branco. Pura, pensou. Virginal.
Será que Moody não veria para sempre exatamente dessa forma a sua filha martirizada?
- Talvez essa mulher seja uma criança. - disse Gina, baixinho. - Uma filha perdida.
- Marlena? - O ar de compaixão transparecia na palavra. - É pouquíssimo provável, Gina. Ele ainda está de luto por ela? Sim, claro que sim, e sempre estará. Mas ela não é um símbolo para ele. Para Moody, Marlena é a sua menina, uma filha que ele não protegeu. Para o seu assassino, a figura feminina é a protetora e a disciplinadora. E você é outra forte figura feminina de autoridade. Ele se sente atraído por você, quer a sua admiração. E, em algum momento, pode se sentir compelido a destruí-la.
- Tomara que sim. - Gina se levantou. - Porque este é um jogo que eu quero terminar cara a cara.
Gina se convenceu de que estava preparada para Lupin. Mas não se preparara para enfrentar o comandante e o secretário de Segurança. Diggory, com uma expressão de esfinge e as mãos unidas às costas, à moda militar, estava em pé junto à janela, na sala de Lupin. O comandante mantinha-se sentado à mesa. A posição dos dois indicou a Gina que quem comandava o show era Lupin, pelo menos até Diggory resolver de outra forma.
- Antes de começar a expor o seu relatório, tenente, devo informá-la de que uma entrevista coletiva foi marcada para as quatro da tarde, no Centro de Informações da Secretaria de Segurança. - Lupin inclinou a cabeça. - Sua presença está sendo exigida.
- Sim, senhor.
- Chegou ao nosso conhecimento que um jornalista recebeu certos comunicados que ferem a sua credibilidade como investigadora principal neste caso. Tais informações indicam que você e, por conseguinte, este departamento, estão suprimindo alguns dados relevantes para o trabalho investigativo. Tais dados, aparentemente, poderiam implicar seu marido em um caso de múltiplos assassinatos.
- Esta afirmação é um insulto a mim, ao departamento e ao meu marido. Um absurdo! - Seu coração se apertou, mas a voz se manteve firme e baixa. - Se esses supostos fatos são dignos de credibilidade, por que o tal jornalista não os apresentou?
- As acusações são, até agora, anônimas e sem embasamento, mas o jornalista em questão, defendendo seus próprios interesses, achou por bem passar essas informações diretamente para o secretário Diggory. Agora é interesse seu, tenente, esclarecer este assunto aqui e agora.
- O senhor está me acusando de esconder provas, comandante?
- Neste momento estou apenas pedindo que você confirme ou negue os fatos.
- Pois eu nego que tenha, neste momento ou em qualquer outro, ocultado provas que pudessem levar à prisão de um criminoso ou ao encerramento de um caso. E declaro que me sinto ofendida pelo questionamento.
- Mensagem recebida, Weasley. - disse Lupin com voz suave. - Por favor, sente-se.
Ela não aceitou o convite e ainda deu um passo à frente, continuando:
Meu histórico na polícia deveria ter algum valor! Mais de dez anos de serviço deveriam valer mais do que uma acusação anônima lançada às garras de um repórter faminto.
- Mensagem recebida, Weasley. - repetiu Lupin. - Agora...
- Ainda não acabei de falar, senhor! Gostaria de expressar o que penso.
O comandante se recostou na cadeira. Embora os olhos de Gina estivessem pregados em Lupin, ela sabia que o secretário ainda não se movera do lugar.
- Muito bem, tenente. Expresse o seu pensamento.
- Tenho plena consciência de que a minha vida pessoal e o meu casamento são alvo de especulação e interesse tanto para o departamento quanto para o público em geral. Consigo conviver com isso. Sei também que os negócios do meu marido, bem como o seu estilo em conduzir seus assuntos, são, igualmente, alvo de especulação e interesse. Não tenho problemas com isso. Mas me sinto profundamente ofendida ao ver a minha reputação e o caráter do meu marido questionados dessa forma. Por parte da mídia, comandante, isso é esperado, ainda que seja lamentável, mas isso não se aplica ao meu oficial superior. Nem a nenhum membro do departamento ao qual servi com todo o empenho e capacidade. Quero que saiba, comandante, que entregar o distintivo seria, para mim, o mesmo que amputar um braço. Se, porém, eu tiver que escolher entre o meu trabalho e o meu casamento, prefiro perder o braço.
- Ninguém está pedindo que escolha entre essas duas opções, tenente, e ofereço minhas sinceras desculpas por qualquer ofensa que tenha sentido.
- Pessoalmente eu detesto essas fontes anônimas e a merda que elas espalham por onde passam. - afirmou Diggory, entrando pela primeira vez na conversa, com os olhos fixos em Gina. - Gostaria que você mantivesse a raiva no ponto em que está e pronta para explodir durante a coletiva, quando o assunto vier à baila, tenente. Vai ser muito bom que o público veja isso. Agora, desejo apenas saber do andamento da sua investigação.
A raiva ajudou Gina a vencer o medo e o nervosismo. Começou a falar pausadamente e pegou o ritmo do jargão policial que usava, com sua formalidade e suas gírias típicas. Reportou os nomes dos seis homens responsáveis pelo assassinato de Marlena, entregou ao comandante uma lista com os dados de cada um e apresentou a sua teoria.
- O autor das ligações afirmou que este era um caso de vingança. Partindo disso, acredito que, agindo sozinho ou com cúmplices, este indivíduo está vingando o assassinato de um ou mais dos assassinos da menina. A ligação é bem clara. Marlena com Moody, Moody com Harry. Cheguei aos seus nomes e casos a partir do Centro de Pesquisa Internacional de Atividades Criminais.
Ela falava de forma enérgica, como se fosse um caso rotineiro, mas seu estômago se agitava como um lago cheio de sapos.
- Não há provas que liguem esses crimes a um único indivíduo. As vítimas foram mortas em momentos diversos, em um período de três anos, por métodos diferentes e em áreas geográficas distintas. Entretanto os seis estavam ligados a uma mesma organização de jogo ilegal com sede em Dublin. Esta organização foi investigada por desempenhar atividades ilegais não menos do que doze vezes, tanto por autoridades locais quanto pelo Centro de Pesquisa Internacional de Atividades Criminais. Os dados apurados indicam que tais homens foram mortos um por um, por motivos diversos. Tais crimes foram, provavelmente, perpetrados por rivais ou colegas.
- Então, onde está a conexão com as mortes de Brennen, Conroy e O’Leary?
- A conexão existe apenas na mente do assassino. A dra. Minerva já está trabalhando em um perfil do criminoso e creio que seu laudo vai fundamentar as minhas suposições. Se analisarmos pelo ponto de vista dele, Marlena foi morta por estes homens para que isso servisse de exemplo a Harry, a fim de desencorajá-lo a explorar o território de atuação do grupo.
- Mas esta não foi a conclusão do investigador principal do caso.
- Não, senhor. O investigador principal era um mau policial, sabidamente ligado aos criminosos. Eles o tinham no bolso. Marlena era apenas uma criança. - Gina pegou duas fotos na bolsa, tiradas dos arquivos holográficos. - Foi isto o que fizeram com ela. O investigador principal levou precisamente quatro horas e meia para fechar o caso dela, arquivando-o como morte acidental.
Lupin olhou com atenção para as fotos e seus olhos ficaram sombrios.
- Acidental uma ova! Obviamente foi um caso de tortura seguida de morte.
- Uma menina indefesa violentada por seis homens. E todos escaparam da lei. Homens capazes de fazer isso com uma criança costumam se vangloriar disso. Acredito que as pessoas mais chegadas sabiam e, quando eles foram mortos, um de cada vez, alguém achou que Harry e Moody eram os responsáveis.
O secretário Diggory devolveu a foto do cadáver de Marlena com a imagem voltada para baixo. Ele já estava longe das ruas há muitos anos e sabia que aquela imagem ia deixá-lo impressionado por muito tempo.
- Você acredita nisso, tenente? - perguntou ele. - Quer nos fazer crer que estas seis mortes não têm relação umas com as outras, embora o louco que estamos tentando agarrar pense o contrário? Quer que acreditemos que ele está matando estas pessoas agora e tentando incriminar Moody apenas para se vingar de Potter?
- Exato, quero que acreditem nisso. O homem descrito pela dra. Minerva como um sociopata sádico pensa estar desempenhando uma missão sagrada, e está usando todos os seus recursos com a finalidade de arruinar Harry. Tentar incriminar Moody foi um erro, e isso ficará provado quando a dra. Minerva entregar o resultado das avaliações que fez nele. Ela já me adiantou, preliminarmente, que Moody não só é incapaz de atos tão cruéis como também abomina a violência. As provas circunstanciais acumuladas contra ele são armadas, e até mesmo uma criança vesga de cinco anos conseguiria enxergar isso.
- Prefiro não dar a minha opinião até analisar a avaliação completa de Minerva. - disse-lhe Lupin.
- Pois eu não me importo de opinar. - disse Gina, apostando todas as fichas em Moody. - Os discos de segurança das Torres do Luxo foram adulterados. Sabemos disso com certeza. Entretanto a gravação que mostra o saguão, onde vemos claramente Moody entrando no prédio, permaneceu intacta. Por quê? Ronald está analisando o disco do décimo segundo andar nos sistemas da Divisão de Detecção Eletrônica. Acredito que ele vá descobrir uma nova adulteração para o período em que Moody saiu do elevador e ficou no corredor à espera da srta. Morrell. E outra na gravação do saguão, por volta de meio-dia e quarenta, hora em que ele afirma ter deixado o prédio.
- Esse nível de adulteração de dados exigiria equipamentos específicos e alta qualificação técnica.
- Sim, senhor. Do mesmo modo que o misturador de sinais que foi instalado na rede da central de polícia. A religião desempenha um papel fundamental na motivação e nos métodos dos assassinatos. As provas apontam para uma ligação forte, ainda que distorcida, ao catolicismo. Moody não é católico. Aliás, não é uma pessoa muito religiosa.
- A fé de um homem é muitas vezes algo privado e de foro íntimo. - comentou Lupin.
- No caso do nosso assassino, não. Para ele, a religião é uma mola propulsora. E tenho mais alguns dados. Hoje pela manhã o detetive Ronald, enviado pela Divisão de Detecção Eletrônica para me auxiliar neste caso, descobriu o que chamou de “eco” em uma ligação do criminoso feita para o meu tele-link. A transmissão não foi originada da minha casa, mas alguém teve um grande trabalho para fazer parecer que sim.
Lupin não disse nada enquanto olhava para o relatório que Gina lhe apresentou a respeito do assunto. Finalmente, disse:
- Bom trabalho!
- Um dos irmãos Riley prestou serviços na área de segurança eletrônica para uma grande companhia e também fez várias viagens para Nova York nos últimos dez anos. Gostaria de seguir por este caminho.
- Planeja ir à Irlanda, tenente?
- Não, senhor. - Gina ficou espantada diante da idéia, mas o seu cuidadoso treinamento evitou que seu queixo caísse. - Consigo ter acesso a quaisquer outros dados que sejam necessários a partir daqui.
- Pois eu consideraria essa possibilidade. - afirmou Lupin, batendo com o dedo nos relatórios. - Consideraria seriamente.
Entrevistas coletivas raramente deixavam Gina de bom humor. Aquela então, convocada para a central de mídia da Secretaria de Segurança e aberta ao público, não era exceção. Já era desagradável o bastante ser obrigada a ficar em pé diante de um mar de repórteres e dançar um número de sapateado em cima do que era, do que talvez fosse e do que não havia possibilidade de ser. As perguntas já causavam desconforto normalmente, pois questionavam a sua capacidade de lidar profissionalmente com o caso. Muitas delas, porém, durante o interminável espaço de uma hora, diziam respeito à sua vida pessoal. Gina foi obrigada a rebatê-las com rapidez, habilidade e sem demonstrar desconforto.
Sabia muito bem que os repórteres farejavam longe qualquer sinal de fraqueza.
- Tenente Weasley, como investigadora principal deste caso a senhora já interrogou Potter a respeito de sua ligação com estes crimes?
- Sim, Harry Potter cooperou com o nosso departamento.
- Essa cooperação foi solicitada pela investigadora principal ou pela sua esposa?
Seu cara-de-pau, filho-da-mãe com olho de cobra, pensou Gina, encarando o repórter e ignorando as câmeras robotizadas que se aproximaram de seu rosto como pernas de aranha.
- Harry Potter ofereceu voluntariamente as informações que tinha, bem como a sua assistência, desde o início das investigações. - respondeu.
- É verdade que o principal suspeito é empregado de Potter e mora em sua casa?
- No momento ainda não temos suspeitos para esses crimes. - Essa afirmação provocou reações acaloradas da alcatéia, que começou a berrar perguntas e exigir informações. Gina esperou os ânimos se acalmarem. – Alastor Moody foi interrogado formalmente e se submeteu voluntariamente a testes psiquiátricos. A partir do resultado de tais testes, o departamento e a investigadora principal estão tomando outro rumo para as apurações.
- O que tem a declarar quanto à hipótese de Moody ter assassinado estas três pessoas seguindo ordens de seu patrão?
A pergunta, lançada aos berros por alguém no fundo da sala, teve o efeito de calar as outras. Pela primeira vez em quase uma hora, fez-se silêncio. Quando viu que o secretário Diggory deu um passo à frente para intervir, Gina levantou a mão, afirmando:
- Eu gostaria de responder a esta pergunta, senhor secretário. - A fúria apertou-lhe a garganta, mas sua voz saiu fria e firme. - Minha resposta é que suposições desta natureza não pertencem a este foro. Pertencem a saletas escuras, onde podem ser discutidas por mentes pequenas. Uma suposição deste tipo, quando verbalizada publicamente, em particular por um membro da mídia, entra na área de negligência criminal. Tal insinuação, sem fatos que lhe sirvam de base, caracteriza-se como um insulto não só a todas as pessoas da polícia envolvidas na investigação, mas também às vítimas. Não tenho mais nada a dizer.
Passando por trás de Diggory, Gina saiu do palanque. Dava para ouvir as perguntas lançadas para ele e sua voz calma e razoável ao responder a elas. Gina, porém, se sentia como se estivesse com os olhos injetados e havia um gosto amargo em sua boca.
- Weasley! Gina, espere! – Nymphadora Tonks saiu correndo atrás dela, seguida de perto pelo operador de câmera. - Dê-me só dois minutos. Dois míseros minutinhos!
Gina se virou na direção dela, sabendo que seria um milagre se conseguisse se segurar por mais dois segundos.
- Sai da minha cola, Tonks!
- Escute, a última pergunta daquele meu colega ultrapassou os limites, eu concordo. Mas você já sabia que eles iam tentar colocar você contra a parede.
- Eu consigo aturar isso. Só não sei por que sou obrigada a aturar imbecis também.
- Estou do seu lado.
- Ah, está? - Pelo canto do olho, Gina reparou que o operador estava gravando.
- Deixe-me ajudá-la. - De forma instintiva, Tonks ajeitou o cabelo e puxou o paletó do terninho que usava para deixá-lo impecável. - Diga-nos algumas palavras, tenente, uma declaração rápida para equilibrar as coisas.
- Você quer é uma entrevista rápida e exclusiva para levantar os pontos do seu ibope. Meu Deus! - Gina se virou para ir embora, antes que dissesse alguma coisa da qual pudesse se arrepender.
Então as palavras de Minerva ecoaram em sua cabeça. O ego gigantesco, porém frágil, do assassino. Seu foco, que estava sobre ela, e a sua necessidade de receber aprovação feminina. Gina não saberia dizer se agiu por impulso ou instinto, mas foi em frente.
Decidiu que ia dar os pontos extras que Tonks queria na audiência de seu programa. E, de quebra, ia dar uma bofetada no assassino. Algo que ele considerasse uma questão de honra revidar.
- Quem, afinal, vocês pensam que são? - disse ela, girando o corpo de volta e deixando a raiva fluir. Tinha certeza de que aquela reação ia ser bem visível pelo rosto contraído e os punhos cerrados. - Usam seus direitos constitucionais para expressar tudo o que querem e invocam o direito que o público tem de ser bem informado para interferir na investigação de uma série de assassinatos!
- Ei, espere um instante. - reagiu Tonks.
- Não, espere você! - atacou Gina, cutucando o ombro de Tonks com a ponta do indicador e empurrando-a para trás. - Três pessoas estão mortas, crianças perderam os pais, uma mulher ficou viúva e tudo isso por causa de um sujeito que é um pedaço de lixo autocentrado, tem complexo de Deus e resolveu fazer joguinhos. Essa é a sua história, minha cara repórter. Um babaca delirante que pensa que Jesus conversa com ele está brincando com a mídia, fazendo-a dançar ao som do seu banjo. Quanto mais atenção e tempo no ar, mais feliz ele fica. Quer que acreditemos que está imbuído de um elevado propósito, mas tudo o que quer é vencer, e isso ele não vai conseguir! Não vai porque eu sou melhor do que ele! Esse anormal é um amador que teve alguns golpes de sorte, mas está cometendo erros tolos, e pretendo enjaulá-lo em no máximo uma semana.
- Sua afirmação final é essa, tenente Weasley? - perguntou Tonks com a voz fria. - A senhora vai capturar o criminoso em menos de uma semana?
- Pode apostar! Ele não é o assassino mais esperto que eu já enfrentei, nem mesmo o mais patético. É apenas um pequeno furúnculo que nasceu na nádega da sociedade. - Ela se virou, indo embora.
- Isso vai ficar ótimo quando for ao ar, Tonks. - O operador de câmera só faltava dançar de alegria. - O ibope vai decolar!
- É... - concordou Tonks, observando Gina, que já entrava no carro. - E uma amizade também acaba de decolar e ir pro espaço. - murmurou. - Vamos mandar tudo assim mesmo para a emissora, sem editar nada. Vai dar para colocar no noticiário das cinco e meia.
Gina contava com isso. O criminoso ia assistir a tudo. Talvez apenas fumegasse, talvez explodisse, mas Gina tinha certeza de que ele ia movimentar uma das peças no tabuleiro. Seu ego ia exigir isso.
E dessa vez ele viria atrás dela.
Decidiu ir direto para a central de polícia. Achou que ia lhe fazer bem trabalhar algumas horas em seu ambiente. De repente, resolveu ligar para casa. Quando Harry atendeu, as sobrancelhas de Gina se arquearam de surpresa.
- Onde está Moody?
- Em seus aposentos.
- Ensaiando caretas enfezadas?
- Pintando, creio eu. Achou que isso poderia deixá-lo mais relaxado. E você, onde está, tenente?
- A caminho da central, para trabalhar um pouco lá. Acabo de me livrar de uma entrevista coletiva.
- Nós sabemos o quanto você adora essas entrevistas. Mal posso esperar pelo noticiário das cinco e meia.
Ela teve o cuidado de não se mostrar aborrecida e disse:
- Nem vale a pena assistir... foi um saco! Escute Harry, a essa hora você deveria estar na sua empresa. Não há razão para colocar a sua vida em compasso de espera por causa disso.
- Ora, mas o meu mundo continua a girar. Posso muito bem cuidar das coisas daqui de casa por mais algum tempo. Além do mais, Ian e eu estamos nos divertindo à beca com nossos brinquedos.
- Conseguiram mais alguma coisa?
- Acho que sim, mas o progresso está lento.
- Quero dar uma olhada quando chegar em casa. Vou levar mais umas duas horas.
- Ótimo. Acho que vamos comer pizza.
- Excelente. Peça a minha com tudo o que tiver disponível. Até mais tarde.
Desligando, desceu com o veículo até o estacionamento subterrâneo da central de polícia. Deteve-se um instante para xingar alto ao notar que o tenente Medavoy, da Divisão Anticrimes, havia novamente estacionado torto, invadindo a sua vaga. Ela se apertou para passar e se deu o prazer de abrir a porta com toda a força, golpeando a lateral do carro do colega.
Um carro novinho, notou, apreciando a superfície brilhante que ela amassara lindamente. Onde será que o pessoal da Anticrimes consegue toda essa grana para aumentar o orçamento?
Faltavam quinze minutos para o noticiário ir ao ar, reparou enquanto subia pela plataforma aérea que a levaria ao saguão do prédio. Serviu-se de um pouco de café, se trancou dentro da sala e assistiu ao programa.
Não ficou desapontada. A declaração que fizera para Tonks, de improviso, causou o impacto que esperava. Ela parecera furiosa, confiante e impulsiva. O assassino ia se rasgar todo quando visse aquilo, pensou, e perguntou a si mesma se ainda havia tempo para mais um cafezinho antes de Lupin convocá-la para a sua sala.
Não teve tempo nem de tomar o primeiro gole.
Aceitou a bronca sem argumentos nem defesas e concordou que havia sido levada pela emoção, fazendo comentários pouco prudentes.
- Não tem nada a reclamar desta reprimenda, tenente?
- Não, senhor.
- O que está pretendendo com isso, Weasley?
Ela mudou de tática rapidamente, com cuidado, compreendendo que se mostrara pacífica demais ao ouvir a esculhambação.
- Estou atolada até o pescoço nesta investigação, e isto está provocando uma grande quantidade de estresse na minha vida pessoal. Exagerei e peço desculpas, comandante. Isso não tornará a acontecer.
- Certifique-se de que não e entre em contato com a Srta. Tonks. Quero que você lhe ofereça uma entrevista exclusiva para compensar a forma como a tratou, e espero que dessa vez você controle as suas emoções.
Gina nem precisou fingir o ar de aborrecimento ao replicar:
- Preferia evitar a mídia nos próximos dias, comandante. Acho que...
- Isso não foi um pedido, tenente, foi uma ordem. Você sujou a barra com a moça, agora limpe tudo... e depressa.
Gina fechou a boca e rangeu os dentes, mas concordou.
Dissipou a raiva que sentia lidando com a papelada de costume e, quando viu que nada daquilo funcionava, entrou em contato com o setor de manutenção, descontando em cima deles e reclamando do sistema de navegação de seu veículo, que continuava com problemas. Mais calma, enviou um e-mail para Tonks, oferecendo outra entrevista, e desligou o sistema antes que se arrependesse.
Durante todo esse tempo, manteve a esperança de ouvir o tele-link tocar a qualquer momento. Queria que ele ligasse, torcia para que isso acontecesse. Quanto mais depressa ele se manifestasse, mais imprudente seria.
Quem é ele? Sociopata, sádico e egoísta. No entanto havia algo de fraco, triste e até mesmo patético em seu perfil. Enigmas e religião, refletiu. Bem, isso não era tão estranho. Religião era um enigma para ela. Acredite nisso, e apenas nisso, porque estamos mandando. Se não fizer do nosso modo, você estará comprando uma passagem só de ida para o inferno eterno.
As religiões organizadas a deixavam estupefata e com uma leve sensação de desconforto. Cada uma delas tinha seguidores que tinham absoluta certeza de estarem certos e de que o seu jeito era o único. Ao longo da história eles travaram guerras e derramaram oceanos de sangue para provar isso.
Gina encolheu os ombros, pegando uma das três imagens de mármore que enfileirara sobre a sua mesa. Ela fora criada pelo governo e, na educação oferecida pelo Estado, qualquer coisa que se relacionasse com instrução religiosa era proibida por lei. Grupos de diversas igrejas faziam um lobby permanente para mudar isso, mas Gina achava que se saíra bem na vida. Formara as próprias opiniões. No mundo havia o certo e o errado, a lei e o caos, o crime e o castigo.
De qualquer modo a religião, na melhor das hipóteses, servia para guiar e dar conforto, não era? Olhou para a pilha de discos que reunira ao fazer pesquisas sofre a fé católica. Tudo permanecia um mistério para ela, mas imaginava que era assim mesmo que devia ser. Esse era o núcleo de tudo, o mistério engalanado em pompa e esplendor, com rituais adoráveis e visualmente atraentes.
Como a Virgem. Gina revirou a estatueta nas mãos, estudando-a. Como foi mesmo que Harry se referira a ela? Abençoada Virgem Maria. O título a fazia parecer amigável, acessível, alguém a quem podíamos levar nossos problemas.
Não consigo resolver isso, vou perguntar à Virgem.
E ela era a mais sagrada das mulheres. A figura feminina por excelência. A Virgem Mãe que fora chamada para conceber o Filho de Deus e depois vê-Lo morrer para pagar os pecados da humanidade.
Mãe era a palavra-chave, não era?, perguntou a si mesma. A mãe dele ou alguém que ele enxergasse como figura de amor e autoridade.
Gina não conseguia se lembrar da mãe. Mesmo nos pesadelos, não havia nada nem ninguém cumprindo aquele papel. Nenhuma voz suave sussurrando um acalanto ou elevando-se com fúria. Nenhuma carícia ou agressão feita por mãos irritadas.
Nada.
No entanto alguém a gerara por nove meses e a tirara do útero para colocar no mundo. E então tinha... o quê? Virado as costas para ela, fugido? Morrido? Alguém a tinha deixado sozinha para ser espancada, violentada e maculada. Abandonada tiritando em quartos frios e sujos, à espera de mais uma noite de dor e maus-tratos.
Não importa, lembrou Gina a si mesma com determinação. Nada daquilo vinha ao caso. Eram os antecedentes deste homem que importavam agora, o seu passado o moldara.
Gina Weasley moldara a si mesma.
Com todo o cuidado, colocou a estatueta de volta sobre a mesa, olhando para o seu rosto sereno e lindo.
- Esse é apenas mais um pecado que pesará na balança dele. - murmurou. - Usar a senhora como parte de suas obscenidades. Preciso impedi-lo, antes que ele torne a fazer isso. Bem que eu precisava de uma ajudinha aqui.
Gina se espantou e piscou, chocada, rindo em seguida enquanto passava a mão pelos cabelos. Os católicos eram mesmo muito espertos com as suas imagens, decidiu. Sem perceber, a gente já estava conversando com elas, e isso era muito parecido com rezar.
Não são orações que vão derrubá-lo, lembrou a si mesma. Era a polícia, e ela seria mais produtiva se fosse para casa. Uma refeição decente e uma boa noite de sono iam ajudá-la a manter o pique.
Ao chegar à garagem, notou que o tenente Medavoy já havia saído no seu veículo e, como não havia nenhum bilhete preso no pára-brisa, imaginou que ele ainda não notara o amassado na porta do carona.
Sons ecoaram à sua volta na garagem. Ouviu o barulho de um motor sendo ligado e o cantar dos pneus no asfalto. Segundos depois, uma viatura passou a toda velocidade. O som da sirene ligada encheu a garagem enquanto o carro saía e mergulhava na noite.
Gina digitou o código para destrancar o carro e esticou o braço para abrir a porta. Ouviu passos atrás de si. Girou o corpo, já com a arma na mão e agachada.
Os passos pararam de repente e o homem levantou as duas mãos, dizendo:
- Ei, ei, ei!... Pelo menos leia os meus direitos. - Reconhecendo um dos detetives de sua divisão, ela recolocou a arma no coldre, desculpando-se:
- Sinto muito, Thomas.
- Você anda muito nervosa, Weasley.
- As pessoas não deviam andar sorrateiramente por garagens desertas.
- Ora, estou apenas caminhando em direção ao meu carro. - Piscou para ela enquanto abria a porta do veículo que estava parado duas vagas depois do dela. - Marquei um encontro com uma señorita caliente.
- Olé, Thomas. - resmungou ela e, chateada consigo mesma, se posicionou atrás do volante. O carro só pegou na terceira tentativa. Gina decidiu que iria pessoalmente até o setor de manutenção na manhã seguinte e mataria o primeiro mecânico que aparecesse em sua frente.
O controle de temperatura zumbiu, mas começou a esquentar o interior do carro, até o ambiente ficar tão quente que Gina achou que ia começar a assar trancada ali dentro. Ordenando ao sistema que desligasse o aquecimento, olhou para o painel com cara feia e se resignou em enfrentar o frio típico de fins de novembro.
Dirigiu por dois quarteirões, deu de cara com um engarrafamento e suspirou. Distraiu-se por algum tempo tamborilando com os dedos sobre o volante enquanto admirava o novo luminoso animado que fora instalado acima do complexo de cinemas Gromley. Doze filmes estavam passando ali e os trailers se sucediam. Assistiu a uma cena de perseguição aérea entre duas motos voadoras, acima de Nova Los Angeles, que terminou em uma espetacular explosão, seguida de chamas. Em seguida viu um lindo casal que rolava abraçado sobre uma campina verdejante usando pouco mais do que a pele do corpo, dourada e luzidia. O trailer seguinte era infantil e exibia um trio de aranhas dançarinas, vestidas com fraque e cartola.
Avançou com o carro um pouco mais e ignorou as buzinas mal-humoradas e os xingamentos lançados pelos outros motoristas, igualmente aprisionados no engarrafamento.
Um casal de adolescentes passou, os dois equilibrando-se abraçados sobre um comprido skate aéreo, surfando acima do burburinho como um facho de luz. A motorista parada atrás de Gina se preparou para uma longa espera ligando o som a todo o volume e cantando junto, em uma voz esgoelada e desafinada.
Acima, um ônibus aéreo balia parecendo uma ovelha majestosa. Havia uma sensação de conforto naquele som, pensou Gina. Sim, sim, refletiu, fazendo uma careta ao olhar para cima. Se mais pessoas aproveitassem as vantagens do transporte público, não estariam presas naquele inferno imóvel.
Sentindo-se entediada, pegou o comunicador e chamou Hermione.
- Pode ir para casa. - ordenou-lhe Gina. - Estou presa em um engarrafamento monstro e não tenho hora de chegar.
- Mas ouvi rumores de que vai rolar pizza por aqui.
- Certo, curta a sua pizza então, mas se ainda estiver aí quando eu chegar vai ter que me fornecer um relatório completo do seu dia de trabalho.
- Em troca de pizza, tenente, sou capaz de enfrentar coisas muito piores.
Gina viu o acidente antes mesmo de ele acontecer. Tudo pareceu coreografado para terminar em desastre. A uma distância de três carros à sua frente, dois táxis se lançaram em marcha vertical ao mesmo tempo. Seus pára-choques se engancharam e um bateu contra o outro. Os dois veículos giraram no ar, engatados. Enquanto Gina balançava a cabeça diante da idiotice dos motoristas, os carros começaram a perder altura e atingiram a rua com grande estrondo.
- Ora, mas que droga!
- Algum problema, Weasley? Parece que ouvi um trovão.
- Sim, dois taxistas descerebrados acabam de se trombar. Agora mesmo é que o trânsito não anda mais... os belezocas já saíram dos veículos e estão berrando um com o outro. E deram um nó no tráfego!
Seus olhos se estreitaram ao ver que um dos taxistas esticou o braço para dentro da janela do próprio carro e pegou um bastão de metal.
- Melou de vez! Hermione, chame duas radiopatrulhas, está rolando uma agressão com arma mortífera. Décima Avenida, entre as ruas 25 e 26. Mande-os vir bem rápido, antes que isso aqui vire baderna. Vou até lá aplicar um curso rápido de cortesia entre motoristas para esses babacas.
- Gina, talvez seja melhor você esperar reforço. Eu já vou...
- Esqueça. Não agüento mais tantos idiotas! - Bateu a porta com toda a força, enquanto se afastava do carro a passos largos. Foi quando o mundo entrou em erupção.
Primeiro, ela sentiu um violento bafo de ar quente que a pegou pelas costas e a lançou para a frente, como uma boneca de pano. Seus tímpanos pareceram explodir com a força da explosão enquanto ela voava. Algo pontiagudo, retorcido e flamejante passou por cima de sua cabeça. Alguém gritou. Não foi ela, pois mal conseguia sugar o ar.
Aterrissou de cabeça sobre o capo de um carro e viu apenas de relance o ar chocado e pálido na cara do motorista que, boquiaberto, olhava para ela. Em seguida, caiu sobre o asfalto com tanta força que se ralou toda e sentiu os ossos estremecerem.
Tem alguma coisa pegando fogo, alguma coisa pegando fogo, pensou, sem conseguir identificar exatamente o que era. O cheiro era de carne, couro e combustível. Meu Deus! Com um esforço que se mostrou débil, tentou erguer o corpo apoiando-se nos dois braços, mas conseguiu apenas levantar a cabeça.
Atrás dela, as pessoas abandonavam os carros às pressas, fugindo como ratos de um navio em chamas. Alguém pisou nela, mas Gina nem sentiu. No alto, helicópteros de controle de tráfego surgiram do nada lançando fachos de luz ofuscante sobre o local e berrando avisos de segurança pelos alto-falantes.
Os olhos dela ardiam devido às luzes fortes e às labaredas furiosas que vinham do seu carro.
Sugando o ar com um último esforço, tornou a soltá-lo, balbuciando:
- Filho-da-mãe! - E apagou.
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