CAPÍTULO 07



CAPÍTULO 07


 


A meio caminho da longa alameda em curva que levava à sua casa, Gina se recostou no carro e observou com atenção a residência que Harry construíra. Bem, não foi exatamente isso o que acontecera, lembrou. A estrutura já devia estar ali há mais de um século, pronta para alguém de visão que tivesse dinheiro e disposição para adquiri-la. Harry tinha tudo isso e lapidara um palácio de pedra e vidro que lhe servia de forma perfeita.


Gina se sentia em casa ali agora, ou pelo menos mais em casa do que jamais imaginou que pudesse se sentir entre as estruturas pomposas, as torres, os jardins graciosos e os arbustos glamorosos. Vivia entre antiguidades impressionantes, tapetes espessos vindos de outras terras, muita riqueza e privilégios.


Harry fizera por merecer tudo o que tinha - ao seu modo. Ela não fizera nada para ter aquilo, simplesmente foi algo que surgira em sua vida.


Ela e Harry tinham vivido nas ruas, conheciam a pobreza e escolheram caminhos diferentes para se estabelecerem na vida. Ela necessitara da lei, da ordem, da disciplina, das regras. Sua infância fora passada sem nada daquilo, e seus primeiros anos de vida, que conseguira apagar da memória de forma tão completa, haviam começado a voltar à lembrança de forma cruel e violenta, nos meses recentes.


Agora ela se lembrava até demais e, mesmo assim, não era tudo.


Quanto a Harry, ela imaginava que ele se lembrava de tudo com os mínimos detalhes, como se os fatos estivessem acontecendo agora. Jamais se permitiria esquecer o que fora ou de onde viera. Ele usava isso.


O pai dele fora alcoólatra. O dela também. O pai dele o espancava. O dela também. A infância dos dois havia sido destruída de forma irreparável, e ambos foram obrigados a se transformarem em adultos ainda muito cedo, Gina defendendo a lei e Harry tentando contorná-la.


Agora formavam uma unidade coesa, ou, pelo menos, tentavam.


Até que ponto, porém, aquilo em que ela se tornara podia se mesclar com aquilo em que ele se tornara?


Isso era algo que estava prestes a ser testado, e o casamento deles, ainda tão recente e cheio de descobertas, tão terrivelmente vital para ela, teria que agüentar firme ou desmoronar.


Continuou dirigindo pelo resto da alameda e estacionou em frente à escadaria de pedra. Deixou o carro ali, sabendo que isso era uma fonte de irritação constante para Moody, e entrou em casa carregando uma caixinha com discos.


Moody estava no saguão. Ele devia ter notado o instante exato em que ela passara pelos imensos portões de ferro, e devia estar se perguntando por que ela parara no meio da alameda por tanto tempo.


- Há algum problema com o seu veículo, tenente?


- Só os problemas de sempre. - Despiu o casaco e, pela força do hábito, deixou-o pendurado na coluna do corrimão.


- A senhora o deixou estacionado na frente da casa.


- Eu sei onde ele está.


- Há uma garagem lá atrás, construída com a finalidade de abrigar os veículos.


- Sai pra lá!... Onde está Harry?


- Harry está em seu escritório da Quinta Avenida. É esperado em casa dentro de uma hora.


- Ótimo! Diga-lhe para ir até a minha sala assim que chegar.


- Vou informá-lo da sua solicitação.


- Não foi uma solicitação. - Gina deu um riso de deboche ao ver Moody pegar o casaco pelo colarinho, com as pontas de dois dedos relutantes. - Também não é uma solicitação o aviso de que você não deve fazer planos para deixar a cidade até segunda ordem.


A musculatura de seu maxilar retraiu-se visivelmente.


- A senhora está adorando tudo isso, não está, tenente?


- Ah, sim... tudo isso é uma explosão de gargalhadas na minha vida. Dois caras mortos, um deles despedaçado em uma casa que pertence ao meu marido, ambos velhos amigos dele. Não consigo parar de rir o dia todo. - Quando ele deu um passo na direção dela, os olhos de Gina lançaram-lhe dardos de advertência. - Não me provoque, meu velho... nem pense nisso!


O cerne da raiva que ele sentia se deu a perceber em uma única afirmação:


- A senhora interrogou a Srta. Morrell.


- Tentei confirmar o seu álibi patético.


- A senhora a fez acreditar que eu estava envolvido em uma investigação policial.


- Ei, tenho novidades: você está envolvido em uma investigação policial.


Ele inspirou o ar com força, fazendo barulho com o nariz, e soltou:


- Minha vida pessoal...


- Você não tem vida pessoal até estes casos estarem encerrados! - Dava para ver claramente que ele ficou sem graça, mas Gina disse a si mesma que não tinha tempo para aquilo. - Se quer fazer um favor a si mesmo, siga exatamente as minhas ordens. Não vá a lugar algum sozinho. Certifique-se de poder comprovar seus atos a cada minuto do seu tempo, dia e noite, porque mais alguém vai morrer em breve, se eu não conseguir impedir, e o assassino quer que as provas apontem para você. Portanto cuide para que isso não aconteça.


- O seu trabalho é proteger os inocentes.


Gina já havia começado a subir a escada, mas parou e se virou, fixando os olhos nele com firmeza e dizendo:


- Sei muito bem qual é o meu trabalho e sou muito boa no que faço.


Ao ouvir a risada de sarcasmo dele, voltou dois degraus. Desceu bem devagar, com movimentos deliberados, porque sabia que sua raiva estava a ponto de explodir, e disse:


- Foi muito bom eu descobrir logo de cara por que você odiava até a minha sombra desde que entrei pela primeira vez por aquela porta, desde que você percebeu que Harry nutria sentimentos por mim. A primeira parte foi fácil, até um recruta sacaria: sou uma policial, e só esse fato já é o bastante para você me desprezar.


- De fato, tenho poucas razões para admirar os seus colegas de profissão, tenente. - Ele sorriu de leve.


- A segunda parte foi mais complicada. - Desceu mais um degrau, até que os olhos dos dois ficassem no mesmo nível. - Eu achava que tinha sacado tudo, mas não percebi que a segunda parte se dividia em outras duas partes. A primeira é o fato de eu não ser uma das socialites glamorosas, bem-nascidas e estonteantes com quem Harry costumava sair. Eu não possuo o aspecto, o pedigree nem o estilo que você gostaria.


- Não, a senhora não tem. - Ele sentiu uma rápida fisgada de vergonha, mas inclinou a cabeça. - Harry poderia ter qualquer mulher, qualquer uma que escolhesse entre a nata da sociedade.


- Mas você também não queria qualquer mulher para ele, não é verdade, Moody? Essa é a segunda parte do problema, e eu só descobri isso hoje de manhã. Você se ressente pelo fato de que eu não sou Marlena. Era ela que você queria para Harry. - disse Gina baixinho, enquanto a cor desaparecia do rosto dele. - Você tinha uma vaga esperança de que ele fosse encontrar alguém que o fizesse se lembrar vagamente dela, e em vez disso você foi obrigado a aturar uma versão inferior. Isso é que é falta de sorte!


Gina se virou e foi embora, sem reparar que as pernas dele se dobraram, nem o jeito com que suas mãos apertaram com toda a força a coluna do corrimão, diante da verdade que ela atirara em sua cara e que o atingira fundo, como um soco no coração.


Quando teve certeza de que estava sozinho, ele se sentou no segundo degrau da escada e enterrou o rosto entre as mãos, enquanto sentia a dor que pensava ter superado há muito tempo voltar a inundá-lo, renovada, quente e amarga.


Quando Harry chegou em casa, vinte minutos depois, Moody já conseguira se recompor. As mãos não tremiam mais e o coração parara de estremecer. Suas tarefas, do modo como as via, do modo como precisava vê-las, eram sempre realizadas sem sobressaltos e de forma discreta.


Pegou o sobretudo de Harry, admirando o peso leve e fluido da seda, e o dobrou sobre o braço.


- A tenente encontra-se em sua sala, no andar de cima, e gostaria de falar com você.


Harry olhou para o alto da escada. Tinha certeza de que Gina não pedira aquilo de forma tão educada.


- Há quanto tempo ela chegou em casa?


- Há menos de meia hora.


- Está sozinha?


- Sim, sozinha.


Com um gesto distraído, ele abriu os dois botões de cima de sua camisa. As reuniões da tarde haviam sido longas e entediantes. Sentiu uma rara dor de cabeça, provocada pela tensão que começava a surgir na base do crânio.


- Receba todas as ligações que chegarem e grave-as. Não quero ser incomodado.


- Quer jantar?


Harry simplesmente balançou a cabeça enquanto começava a subir a escada. Conseguira manter o mau humor sob controle durante a maior parte do dia, mas sentiu que a realidade voltava borbulhando naquele instante, muito preta e quente. Sabia, no entanto, que seria melhor e certamente mais produtivo se eles conseguissem conversar com calma.


Mas continuava se lembrando da porta que ela trancara para ele na noite anterior. Lembrava a naturalidade com que fizera aquilo e a finalidade do ato. Já não sabia se ia conseguir manter a calma por muito tempo.


Gina deixara a porta de seu escritório aberta. Afinal, Harry pensou, com amargor, ela o convocara, não é mesmo? Estava sentada, olhando de cara feia para o monitor à sua frente, como se a informação que estivesse lendo a incomodasse. Havia uma caneca de café junto de seu cotovelo, provavelmente já frio. Seus cabelos estavam despenteados e com pontas eriçadas, sem dúvida desarrumados por suas mãos inquietas. Ainda estava com o coldre preso ao ombro e amarrado em volta do tórax.


Galahad, totalmente à vontade, se instalara sobre uma pilha de papéis que estavam em cima da mesa. Balançou a cauda de leve, à guisa de cumprimento, e seus olhos bicolores brilharam com inegável alegria. Harry quase podia ler os pensamentos do felino:


Pode chegar, vamos começar logo. Mal posso esperar para assistir ao show!


- Você queria me ver, tenente?


Gina levantou a cabeça e se virou na direção dele. Harry parecia frio, notou, com ar casual e elegante, em um terno escuro que costumava usar para trabalhar e o colarinho da camisa aberto. A linguagem do corpo, porém - a cabeça meio de lado, os polegares enfiados nos bolsos e a forma como mantinha o corpo, equilibrando-o sobre os calcanhares e se lançando para a frente e para trás - alertou-a de que ali estava um irlandês briguento, pronto para o confronto.


Ótimo, decidiu ela, porque também estava pronta para brigar.


- É... quero falar com você. Poderia fechar a porta, por favor?


- Mas claro! - ele a trancou com cuidado antes de atravessar a sala. Em seguida, esperou. Preferia sempre que o oponente desse o primeiro golpe. Isso fazia o revide muito mais satisfatório.


- Preciso de nomes. - começou ela, com a voz séria e ríspida. Queria deixar bem claro que quem estava falando era a policial. - Quero os nomes dos homens que você matou... quero os nomes de todas as pessoas que você lembra ter contatado, a fim de encontrar aqueles homens.


- Você terá esses nomes.


- E preciso de uma declaração formal, em que você descreverá com detalhes onde e com quem estava no momento dos assassinatos de Brennen e Conroy.


- Sou suspeito, tenente? - Seus olhos pareceram ferver, apenas por um instante, e em seguida ficaram frios, em um tom gélido de azul.


- Não, não é suspeito, e quero que as coisas continuem desse jeito. Eliminando-o da lista logo de cara, as coisas ficam mais simples.


- Ora, mas então não podemos complicá-las, de forma alguma...


- Não use esse tom comigo! - Ela sabia o que ele estava fazendo, e percebeu isso com uma fúria que começou a aumentar. Ela já o conhecia bem... conhecia Harry e o seu tom frio, extremamente razoável... mas ele não ia conseguir dobrá-la. - Quanto mais eu seguir os procedimentos, nesse caso em particular, melhor vai ser para todos os envolvidos. Gostaria de colocar um bracelete de rastreamento em Moody. Sei que ele jamais aceitaria, então gostaria que você lhe pedisse isso.


- Não vou pedir-lhe que se submeta a uma indignidade dessas.


- Escute. - Ela se levantou, bem devagar. - Um pouquinho de indignidade pode mantê-lo fora da cadeia.


- Para algumas pessoas, a dignidade é prioritária.


- Dane-se a dignidade! Já tenho um monte de problemas sem ter mais esse para me preocupar. Preciso de fatos, de provas, de uma margem de folga para poder trabalhar. Se você continuar mentindo para mim...


- Jamais menti para você.


- Você escondeu informações vitais. É a mesma coisa.


- Não, não é! - Ele já a conhecia bem... conhecia Gina e as suas regras teimosas e inflexíveis... mas ela não ia conseguir dobrá-lo. - Eu retive informações com a esperança de poder mantê-la longe de uma posição difícil.


- Não preciso de favores desse tipo. - reagiu ela, já perdendo o controle.


- Não vou mais fazer isso mesmo. - Foi até um gabinete com cúpula em forma de domo, escolheu uma garrafa de uísque e serviu três dedos em um copo pesado, de cristal. Nesse momento, considerou a idéia de atirá-lo longe.


Ela ouviu o tom furioso e penetrante como um picador de gelo e reconheceu a raiva gélida. Talvez preferisse um pouco de calor, algo quente e borbulhante que combinasse melhor com o seu estado de espírito.


- Ótimo, fabuloso! Pode ir em frente e ficar putinho, porque eu já estou com dois caras mortos e esperando pelo terceiro. Ao mesmo tempo tenho informações essenciais, vitais para o caso... informações que não posso usar, a não ser que queira vê-lo em uma prisão federal pelos próximos cem anos.


- Não preciso de favores desse tipo. - disse ele, repetindo a frase dela, e provou o drinque, mostrando os dentes em um sorriso.


- Pode tirar esse risinho da cara, meu chapa, porque você está em apuros aqui. – Gina sentiu que precisava golpear alguma coisa ou destruir algo, mas acabou se contentando em empurrar a cadeira com força para o lado. - Você e aquele robô magricelo de quem você se orgulha tanto. Já que pretendo deixar a bunda dos dois fora da reta, é melhor você mudar a sua atitude e se ajustar rapidinho...


- Sempre consegui deixar a minha bunda fora da reta por conta própria, até agora. - Bebeu o resto do uísque de um gole só, colocando o copo sobre a mesa com estardalhaço. - Você sabe muito bem que Moody não matou ninguém.


- Não importa o que eu sei, importa apenas o que posso provar. - Com a raiva diminuindo, passou as mãos pelos cabelos, em desespero, e deixou-as ficar ali, apertando as têmporas com os punhos até sentir a cabeça começar a latejar. - Ao esconder dados de mim, você está atrasando o meu trabalho.


- E o que você poderia fazer com os dados que eu já não esteja fazendo por mim mesmo? Aliás, com os meus contatos e equipamentos, estou fazendo bem mais rápido e de forma mais eficiente.


Aquilo, pensou ela, era demais para aturar.


- Ô, gostosão... é melhor lembrar quem é tira por aqui!


- É pouco provável que eu consiga esquecer. - Seus olhos brilharam como aço ao luar.


- Não esqueça também que o meu trabalho é reunir provas e informações, processar essas provas e essas informações. Investigar. Pode fazer o que bem entender com sua vida, mas fique fora de campo até eu mandar.


- Até você mandar! - Ela notou o olhar de fúria e violência em seus olhos, mas se manteve firme quando ele veio com tudo para cima dela e agarrou-a pela blusa, quase a levantando do chão. - E se eu não quiser fazer o que você mandar, tenente? E se eu não quiser cumprir as suas ordens? Como vai lidar com isso? Vai dar chilique e trancar a porta na minha cara novamente?


- É melhor tirar a mão de cima de mim.


- Não vou tolerar portas trancadas! - disse, e a levantou mais alguns centímetros. - Tenho meus limites, e você os ultrapassou. Se não quer que eu divida a cama com você, se não quer nem que eu chegue perto, diga isso na minha cara. Mas não aceito que me vire as costas e tranque a porta!


- Foi você quem pisou na bola! - reagiu ela. - Você me deixou revoltada, e eu não queria nem conversar. Sou eu que tenho que fazer malabarismo com o que está acontecendo aqui e com o que aconteceu no passado. Tenho que fazer vista grossa para as leis que você violou em vez de colocá-lo atrás das grades. - Levantou as duas mãos, empurrando-o com força, e se sentiu surpresa e furiosa quando não conseguiu movê-lo nem um centímetro para trás. - Ainda por cima tenho que fazer sala para um bando de estranhos esnobes quase toda semana, me preocupando o tempo todo com a porcaria da roupa que estou usando, que pode não ser a mais adequada para a ocasião.


- E você acha que é a única que precisa fazer ajustes na vida? - Enraivecido, ele a balançou com força e depois a largou, começando a andar de um lado para outro. - Pelo amor de Deus, eu me casei com uma policial. Porra, uma policial! Só pode ser piada do destino!


- Ninguém lhe espetou uma faca na garganta para obrigá-lo a fazer isso. - Sentindo-se insultada, colocou as mãos sobre os quadris. - Foi você que forçou a barra para se casar comigo.


- E foi você que recuou, e continua fazendo isso. Estou de saco cheio disso, cheio de verdade! É sempre você, não é, Gina, que tem que ceder e fazer mudanças na vida? - Sua fúria continuava a aumentar em ondas quase palpáveis, e quando essas ondas arrebentaram sobre ela, Gina poderia jurar que tinham peso próprio. - Pois bem, saiba que eu também tive que mudar muitas coisas na minha vida, e abri mão de tantas coisas que nem me lembro. Você pode ter sua privacidade preservada sempre que quiser, e também pode ter seus chiliques neuróticos sempre que lhe der na telha, mas não admito que minha mulher bata a porta na minha cara e passe o trinco!


Os chiliques neuróticos a deixaram sem fala, mas o minha mulher conseguiu soltar-lhe a língua novamente.


- Minha mulher, minha mulher... não se atreva a dizer minha mulher usando esse tom. Não tente me fazer parecer um dos seus caréssimos ternos de grife.


- Ah, não seja ridícula!


- Agora eu sou ridícula, então? - Jogou as mãos para cima. - Sou neurótica e ridícula.


- Sim, muitas vezes.


A respiração de Gina começou a ficar ofegante. Dava para ver borrões vermelhos nos cantos de seu campo de visão.


- Pois você é arrogante, dominador, egoísta e debocha da lei.


- E você quer dizer com isso que...? - perguntou ele, com a sobrancelha levantada e um ar quase divertido no rosto.


Gina não conseguiu articular uma palavra sequer. O que saiu foi um som gutural que ficou a meio caminho entre um grunhido e um grito. O som foi tão assustador que Galahad pulou de cima da mesa, assustado, e se enfiou embaixo dela.


- Agora você se expressou bem. - comentou Harry, decidindo tomar outra dose de uísque. - Desisti de vários negócios interessantes nos últimos meses por saber que você os consideraria questionáveis. - Analisou a cor do uísque no copo. - É claro que eles eram assim uma espécie de hobby... velhos hábitos, imagino, embora eu os achasse divertidos e muito rentáveis.


- Jamais lhe pedi para abrir mão de nada.


- Querida Gina... - suspirou ele, sentindo que a maior parte da explosão de cólera já se dissipara. - Você me pediu isso só com o fato de ser a pessoa que é. Eu me casei com uma policial. - disse quase para si mesmo e bebeu o drinque. - Casei-me com ela porque a amava, a desejava e precisava dela. E, para minha surpresa, também a admirava. Ela me fascina.


- Não distorça as coisas.


- Tudo acaba no mesmo lugar. Não posso modificar o que eu sou, nem o que fiz. Não faria isso nem mesmo por você. - Levantou os olhos, encarando-a de frente. - Estou avisando para você nunca mais trancar a porta.


- É que eu sabia que isso ia deixar você puto da vida. - disse ela, e deu de ombros, com a cara amarrada.


- Missão cumprida.


- É que é difícil para mim. - Gina se viu suspirando, emitindo um som fraco que não teve forças para repudiar. - É muito difícil ver o que fizeram com esses homens e saber que...


-... Que eu fui capaz de fazer o mesmo. - completou ele, pousando o copo novamente sobre a mesa. - Aquilo foi justiça.


Gina sentiu o peso do distintivo, não no bolso, mas no coração, e argumentou:


- Não cabia a você decidir isso.


- Nesse ponto nós discordamos. A lei nem sempre fica ao lado das pessoas inocentes e dos que são usados. A lei nem sempre se importa com eles. Não vou me desculpar pelo que fiz, Gina, lamento apenas ter colocado você na posição de ter de escolher entre mim e seu trabalho.


- Tive que contar tudo a Hermione. - Gina pegou o café, que já esfriara, e o bebeu, só para limpar a garganta. - Fui obrigada a colocá-la a par dos fatos. - Passou a mão pelo rosto. - Ela vai me apoiar. Nem mesmo hesitou.


- Hermione é uma boa policial. Você me ensinou que essas palavras não são contraditórias.


- Preciso dela. Preciso de todo auxílio que puder conseguir neste caso, porque tenho medo. - Fechou os olhos, lutando para se acalmar. - Receio que, se não tiver todo o cuidado, vou ser chamada a um local e descobrir que a vítima foi você. Terei chegado tarde e você vai estar morto, porque é você que ele quer. Os outros são apenas treinamento.


Ela sentiu os braços dele envolverem-na e se chegou mais perto dele. Sentiu o calor do seu corpo, as formas dele que lhe eram tão familiares e necessárias. Inspirou o cheiro dele ao puxá-lo para junto de si, percebeu o ritmo de seu coração e a carícia suave de seus lábios sobre os próprios cabelos.


- Eu não ia agüentar. - Ela o apertou com mais força. - Não conseguiria. Sei que não posso nem mesmo pensar no assunto, porque isso mexe comigo, mas também não consigo tirar isso da cabeça. Não há jeito de eu parar de pensar que...


Então a sua boca estava sobre a dela, em um beijo bruto e ardente. Ele sabia que era daquele jeito que ela precisava ser tocada; sabia que ela precisava das mãos dele sobre ela, invasivas e impacientes. E as promessas que murmurava em seu ouvido enquanto lhe arrancava a blusa eram necessárias para ambos.


A arma caiu no chão com um baque surdo. Seu terno maravilhosamente bem cortado foi lançado logo depois. Ela jogou a cabeça para trás, a fim de que os lábios dele traçassem caminhos elétricos sobre a sua garganta enquanto ela abria-lhe o cinto.


Palavras não foram trocadas, na ânsia de tocar um ao outro. Mordiscando-se mutuamente, eles se atormentavam. Ela já estava sem fôlego quando ele a colocou deitada de costas sobre a mesa. Papéis se amarfanharam sob suas costas subitamente aquecidas.


Ela esticou os braços a fim de trazê-lo mais para perto.


- Não sou neurótica! - conseguiu exclamar.


Ele riu, deliciado com o seu jeito, e sentiu que precisava delirantemente dela.


- Claro que não!... - Apertou as mãos contra as dela e a penetrou.


Viu quando ela gozou logo na primeira estocada, apreciando o instante em que suas íris douradas se tornaram turvas e o torso esbelto se arqueou para recebê-lo. Notou que o som do orgasmo saiu estrangulado no momento em que, estremecendo, ela gritou o nome dele.


- Pegue mais... - Suas mãos foram menos gentis do que ele planejara ao levantá-la pelos quadris e se lançar ainda mais fundo dentro dela. - Me tome por inteiro!


Através das sensações que vinham em ondas ofuscantes, ela compreendeu que ele precisava de aceitação, final e completamente, para ambos.


E o engoliu por inteiro.


 


Mais tarde eles degustaram uma sopa, juntos, ainda na sala dela. Ao tomar a segunda tigela, a cabeça de Gina já estava clara o bastante para lidar com os problemas que tinha diante de si.


- Vou ficar trabalhando direto aqui em casa por alguns dias.


- Então vou aliviar um pouco a minha agenda para ficar disponível para ajudá-la.


Gina abriu um pãozinho ao meio e o encheu de manteiga, informando a Harry:


- Vamos ter que entrar em contato com o Departamento de Polícia de Dublin, e o seu nome deve aparecer. - Tentou ignorar o sorriso rápido que ele lhe lançou e provou o pãozinho. - Devo me preparar para alguma surpresa?


- Eles não têm nenhum dado novo a meu respeito... não há nada que já não esteja nos seus registros daqui.


- O que nos deixa com quase nada para trabalhar.


- Exato. Talvez haja alguns policiais com memória boa, mas não vai aparecer nada de muito embaraçoso. Sempre fui muito cuidadoso.


- Quem investigou o assassinato de Marlena?


- Foi um certo inspetor Maguire. - O ar divertido desapareceu dos olhos de Harry. - Não diria que ele tenha investigado de verdade. Acompanhou o caso, pegou as propinas que lhe ofereceram e encerrou o caso como morte por fatalidade.


- Mesmo assim os seus registros podem ser de alguma utilidade.


- Duvido muito que você vá encontrar coisas úteis ali, se é que vai achar alguma coisa. Maguire era um dos muitos policiais que estavam no bolso da quadrilha cujo território invadi. - Comeu a outra metade do pãozinho de Gina. - As Guerras Urbanas começaram mais tarde e duraram mais tempo naquela região do planeta. Lembro-me de ver, quando garoto, alguns focos de revolta que ainda subsistiam em Dublin, e certamente os resultados das piores revoltas estão devidamente registrados.


Harry ainda se lembrava dos cadáveres, do som das metralhadoras ecoando através da noite, dos lamentos dos feridos e dos olhos fundos dos sobreviventes.


- Os que tinham recursos - continuou ele - os possuíam em abundância. Os que não tinham sofriam muito, passavam fome e catavam lixo pelas ruas para comer. Muitos policiais que passaram por aquele inferno eram venais de um jeito ou de outro. Alguns se dedicavam a preservar a ordem, mas a maioria tirava vantagens do caos e lucrava com aquilo.


- Maguire decidiu que ia lucrar.


- Ele não era o único. Eu apanhava muito dos tiras nas vezes em que não trazia o pagamento no bolso. Quando não se tem mais nada a perder, o melhor é pegar o que se consegue e sair correndo.


- E você pegou alguma coisa de Maguire?


- Não diretamente. Nessa época eu andava trapaceando com apostas, e ele já estava em um cargo administrativo. Usava os seus homens como cobradores e fazia a coleta de forma mais confortável. - Harry se sentou com uma xícara de café na mão. - Na maior parte das vezes eu conseguia enrolá-lo. Pingava a grana direitinho quando não conseguia escapar, mas geralmente a tomava de volta. Tiras são alvo fácil... não imaginam que alguém vá lhes bater a carteira.


- Humm... - foi tudo o que Gina conseguiu dizer a respeito disso. - Por que Maguire foi escolhido para investigar a morte de Marlena?


- Quando ela foi morta, Moody insistiu em chamar a polícia. Queria que os homens que a haviam... bem, queria vê-los presos. Queria um julgamento público. Queria justiça. Em vez disso, conseguiu Maguire. O canalha chegou de mansinho, balançando a cabeça, estalando a língua e dizendo: “Ora, ora... um pai devia ficar de olho em sua filhinha, em vez de deixá-la solta pelo meio da rua...”


Sentindo a velha fúria voltar, Harry se afastou da mesa com um impulso forte na cadeira, levantou-se e começou a andar de um lado para outro.


- Eu poderia tê-lo matado naquele momento, e Maguire sabia disso. Queria que eu tentasse, para que os capangas fardados que o acompanhavam me arrebentassem na hora. Seu relatório oficial foi que Marlena era uma menina rebelde e incorrigível; afirmou que havia drogas ilegais em seu organismo e que ela se envolvera com um grupo barra pesada que entrara em pânico e resolvera matá-la ao ver que ela ia cair fora do esquema. Duas semanas depois, estava dirigindo um carro zerinho pelo centro de Dublin, e sua mulher mudara o penteado para poder exibir melhor os novos brincos de diamantes.


Virando-se para Gina, completou:


- Seis meses depois foi pescado do rio Liflfey com tantos buracos no corpo que dava até para os peixinhos passearem por dentro dele.


- Foi você que o matou? - A garganta de Gina ficara subitamente seca, mas ela manteve o olhar firme em Harry.


- Não, não fui eu, mas só pelo fato de alguém ter chegado antes de mim. Maguire estava na minha lista de prioridades. - Harry voltou e tornou a se sentar. - Gina, Moody não participou de nenhum dos atos que eu cometi. Não tinha sequer noção dos meus planos. Aquele não era o método dele, ele não era assim... e continua não sendo. Aplicava contos-do-vigário apenas... dava pequenos golpes e batia carteiras.


- Você não precisa defendê-lo para mim. Pretendo fazer o melhor que puder por ele. - Expirou com força. - Vou começar agora mesmo, ignorando o regulamento mais uma vez e tornando a usar o seu equipamento sem registro para pesquisar alguns nomes. Vamos começar a trabalhar nessas listas.


- É sempre um prazer trabalhar com você, tenente. - disse ele, levantando-se, tomando sua mão e levando-a aos lábios.


- Só não esqueça quem comanda a investigação.


- Tenho certeza de que você vai me fazer lembrar disso a toda hora. - Enlaçou-a pela cintura quando ela se levantou. - Da próxima vez que fizermos amor você pode usar o seu distintivo, caso eu me esqueça de quem está no comando.


- Muito engraçadinho você...! - disse ela, estreitando os olhos.


- Sou engraçadinho sim. - Ele plantou um beijo entre seus olhos contraídos. - Sei que sou.


 


 


 


 


 


N/A: GALERA, VOU FICAR DEVENDO AS REPSOSTAS AOS COMENTARIOS DE VOCES, POIS EU MAL CONSIGO TEMPO PARA ESCREVER E ADAPTAR AS FICS, ESTOU NA MAIOR CORRERIA NESSE FINAL DE ANO, PORTANTO PEÇO DESCULPAS A QUEM COMENTOU POR EU NÃO PODER AGRADECER E RESPONDER AS PERGUNTAS, MAS ESPERO SINCERAMENTE QUE GOSTEM DO CAPITULO.


TAMBEM ESPERO QUE O NATAL DE VOCES TENHA SIDO MUITO BOM, ALÉM DE DESEJAR UM FELIZ ANO NOVO PARA TODOS VOCES!!!


 

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