CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 05
Ela nem bateu na porta e escancarou-a com toda a força. Seu sangue borbulhava, mas sua cabeça estava fria. Harry notou as duas emoções diferentes estampadas em seus olhos. Deliberadamente e com todo o vagar, salvou o arquivo que analisava e colocou o computador em modo de hibernação.
- Você está trabalhando demais novamente. - disse com ar descontraído, permanecendo sentado enquanto ela entrava ventando, parecendo uma multidão que se aproximava da sua mesa. - A fadiga sempre rouba a cor do seu rosto. Não gosto de vê-la pálida.
- Eu não me sinto pálida! - Na verdade, ela nem sabia ao certo o que sentia. Tinha certeza, apenas, de que o homem que amava, o homem em quem aprendera a confiar, sabia de algo e não contara para ela. - Você me disse que não tivera nenhum contato com Brennen nem com Conroy. Nenhum contato, Harry? Nem mesmo através de um mensageiro?
Ele virou a cabeça meio de lado, intrigado. A conversa tomara um rumo que ele não esperava.
- Não, não tive contato algum. No caso de Tommy, ele mesmo preferiu romper os laços suspeitos do passado, e Shawn... - Olhou para as mãos, abrindo os dedos e tornando a fechá-los em seguida. - No caso de Shawn, fui eu que não mantive contato, e sinto muito por isso.
- Olhe para mim! - ordenou ela, com a voz firme e agressiva. - Olhe dentro dos meus olhos, droga! - E ele o fez, levantando-se da cadeira para deixar os dois olhares quase no mesmo nível. - Eu acredito em você. - Girou o corpo, afastando-se dele enquanto dizia: - Não sei se acredito porque é verdade ou se porque preciso acreditar.
Harry sentiu aquela pontada de desconfiança como um golpe no coração e reagiu:
- Quanto a isso, não posso fazer nada. Prefere continuar esta conversa na sala de interrogatório?
- Não, na verdade preferia que esta conversa nem mesmo estivesse acontecendo. E não venha dar uma de gostosão pra cima de mim não, Harry, não comece!...
Ele abriu a caixa laqueada sobre a sua mesa, escolheu, com todo o cuidado, um cigarro e disse, brincando:
- Mas eu sou gostosão, tenente.
Gina fechou a mão com força, rezou para se controlar e tornou a se virar, perguntando:
- O que Moody estava fazendo nas Torres do Luxo exatamente no dia do assassinato de Thomas Brennen?
Pela primeira vez desde o dia em que o conhecera, ela o viu ficar completamente abismado e desnorteado. A mão que acabara de acionar um isqueiro ficara parada em pleno ar. Seus olhos, que antes mostravam um princípio de irritação, perderam toda a expressão. Balançou a cabeça de leve, uma vez, como que para colocar as idéias no lugar, e então pousou o isqueiro e o cigarro ainda apagado sobre a mesa, exclamando:
- O quê?! - E isso foi tudo o que conseguiu dizer.
- Você não sabia... - As pernas de Gina ficaram bambas. Nem sempre era possível decifrá-lo, conforme ela tão bem sabia. Harry era controlado demais, esperto demais, vivido demais. Só que ali não havia dúvidas sobre o choque que tomara conta de sua expressão. - Você não estava preparado para ouvir isso, não esperava por essa informação. - Deu um passo para a frente, chegando mais perto dele. - Para o quê você estava preparado? O que achou que eu fosse perguntar quando entrei?
- Vamos nos ater à questão inicial. - Externamente, sua recuperação foi rápida e definida. Os músculos do estômago, porém, pareciam estar cheios de nós que o queimavam por dentro. - Você imagina que Moody tenha visitado Tommy no dia do assassinato? Isso é simplesmente impossível.
- E por quê?
- Porque ele teria me contado.
- Ele conta a você todas as coisas que faz por aí? - Enfiou as mãos nos bolsos, começando a andar de um lado para outro na sala, impaciente. - Até que ponto Moody conhecia Brennen?
- Praticamente não o conhecia. Por que acha que ele esteve lá no dia do crime?
- Porque estou com os arquivos da segurança do prédio. - Gina estava completamente imóvel agora e olhava para Harry do outro lado da mesa. - Tenho a gravação de Moody entrando no saguão das Torres do Luxo ao meio-dia em ponto. Tenho outra câmera que o pegou entrando no elevador. E não tenho a imagem do instante em que tornou a sair do edifício. O legista determinou a hora da morte de Brennen às quatro e meia da tarde. A lesão inicial, porém, que foi a amputação da mão, ocorreu entre meio-dia e quinze e meio-dia e meia.
Como precisava de algo para fazer com as mãos, Harry deu a volta na mesa e se serviu de um conhaque. Parado ali por um momento, girou a bebida na taça enquanto dizia:
- Ele irrita você, Gina. Talvez você ache Moody uma pessoa... desagradável. - Levantou uma sobrancelha ao ouvir o riso de deboche de Gina. - Mas não pode acreditar de verdade que ele seja capaz de cometer um assassinato... que ele seja capaz de passar várias horas torturando outro ser humano. - E levou a taça aos lábios, bebendo tudo. - Posso lhe assegurar, sem sombra de dúvida, que ele seria incapaz disso, sempre foi assim!
- Então onde estava o seu mordomo, Harry, de meio-dia às cinco da tarde?
- Você devia perguntar a ele. - Esticando o braço, apertou o botão que ligou um monitor interno sem mesmo olhar para o painel. - Moody, você poderia vir aqui em cima, em minha sala, por favor? Minha mulher tem uma pergunta para lhe fazer.
- Pois não.
- Eu o conheço desde menino. - disse Harry, olhando para Gina. - Já lhe contei tudo sobre a história dele comigo, e confiei na sua discrição. Agora estou novamente confiando em você para saber lidar com ele.
- Não posso permitir que isso se transforme em algo pessoal, Harry. - Sentiu um aperto em torno do coração. - Você não pode pedir isso a mim.
- O problema é que não há outro jeito de abordar o caso, pois isso é exatamente o que a história é: pessoal. - continuou ele, caminhando na direção dela. -... Íntima. - Apenas com as pontas dos dedos, ele alisou-lhe a face. - A coisa é comigo. - E deixou a mão cair ao lado do corpo ao ouvir a porta se abrir.
Moody entrou. Seus cabelos brancos estavam perfeitamente penteados, seu terno preto impecavelmente passado e seus sapatos brilhavam como espelhos.
- Tenente. - cumprimentou ele, com cara de quem não considerava a palavra muito agradável. - Em que posso ajudá-la?
- Por que você esteve no condomínio Torres do Luxo ontem, ao meio-dia?
Ele olhou fixamente para ela, como se estivesse olhando para um ponto atrás dela, e sua boca ficou mais fina, formando uma linha reta como uma lâmina ao responder:
- Isso certamente não é algo que lhe diga respeito.
- Pois está errado. Isso me diz respeito sim! Qual o motivo de ter ido até lá se encontrar com Thomas Brennen?
- Thomas Brennen? Não vejo Thomas Brennen desde que saí da Irlanda.
- Então o que estava fazendo nas Torres do Luxo?
- Não consigo enxergar a relação que uma coisa tem com a outra. O meu tempo livre é... - Parou de falar de repente, com os olhos voando em direção a Harry arregalados. - Era nesse local que Tommy morava... as Torres do Luxo?
- Ei, você está falando comigo! - avisou Gina, colocando-se diante de Moody para obrigá-lo a fixar os olhos nela. - Agora vou lhe perguntar mais uma vez: o que foi fazer nas Torres do Luxo ontem, ao meio-dia?
- Tenho uma amiga que reside lá, e tínhamos um encontro marcado. Íamos almoçar juntos e depois assistir a uma matinê.
- Muito bem. - respirou Gina, aliviada e pegando o gravador. - Informe-me o nome dela.
- Audrey. Audrey Morrell.
- Apartamento número...?
- Número 1218.
- E a srta. Morrell poderá confirmar que se encontrou com você ao meio-dia, e que passaram o dia juntos?
- Não. - Seu rosto já pálido foi ficando ainda mais branco.
- Como não? - Gina olhou para Harry e não disse nada ao vê-lo servir uma taça de conhaque a Moody.
- Audrey, isto é, a Srta. Morrell não estava em casa quando eu cheguei. Aguardei durante algum tempo, e então percebi que ela... Bem, achei que algum compromisso inesperado devia ter surgido.
- Por quanto tempo ficou ali, esperando?
- Trinta ou quarenta minutos. - Um pouco de cor voltou às suas bochechas, como se ele se sentisse sem graça. - Então fui embora.
- Pelo saguão principal.
- É claro.
- Mas eu não tenho a gravação de você saindo do prédio. Talvez tenha usado uma porta lateral ou de serviço.
- Certamente que não!
Gina mordeu a ponta da língua, de leve. Ela tentara lhe atirar uma corda, mas ele não a aceitara.
- Muito bem, você mantém a história. O que fez, então?
- Desisti da matinê. Fui caminhar pelo parque.
- O parque. Ótimo! - Gina se encostou na mesa de Harry. - Que parque?
- O Central Park. Havia uma exposição de arte ao ar livre. Visitei-a por algum tempo.
- Estava chovendo!
- Havia estruturas especiais para proteger os visitantes de inconveniências climáticas.
- E como foi do prédio de luxo até o parque? Que tipo de transporte usou?
- Fui a pé.
- Debaixo da chuva? - A cabeça de Gina começava a latejar.
- Sim. - confirmou ele, com o rosto impassível, bebendo um pouco do conhaque.
- Você falou com alguém, encontrou algum conhecido durante o caminho?
- Não.
- Merda! - Ela suspirou e então esfregou a mão de forma distraída pela têmpora. - Onde estava ontem, por volta de meia-noite?
- Gina... - Harry tentou interrompê-la.
- Esse é o meu trabalho. - cortou ela, lançando-lhe um olhar duro. - Tenho que realizá-lo. Você esteve no pub Trifólio Verde ontem, por volta de meia-noite?
- Não, estava na cama, acompanhado por um livro.
- Qual era o seu relacionamento com Shawn Conroy?
Moody pousou a taça de conhaque sobre a mesa e olhou para Harry por cima do ombro de Gina, respondendo:
- Shawn Conroy era um rapaz que morava em Dublin há muitos anos. Ele está morto?
- Alguém que se apresentou como representante de Harry atraiu-o até uma das casas de sua propriedade que estavam para alugar, prendeu-o no chão com pregos e o retalhou, deixando-o sangrar até morrer. - Sua expressão demonstrou o choque que recebera, Gina notou. Ótimo, pois era assim que ela o queria: chocado. - Agora você vai ter que me fornecer um álibi bem sólido para as horas dos crimes, algo que eu possa confirmar oficialmente, senão vou ter que levá-lo para um interrogatório formal.
- Não tenho álibi algum.
- Então encontre um! - sugeriu ela. - Mas tem que ser antes das oito horas, amanhã de manhã, que é quando eu o quero na central de polícia.
Os olhos dele mostraram-se frios e amargos ao olhar para Gina.
- A senhora adoraria me interrogar oficialmente, não é, tenente?
- Sim. Rebocar você até lá como suspeito de alguns assassinatos era a oportunidade pela qual esperava há muito tempo. O fato de que toda a mídia vai estar trombeteando aos quatro ventos a sua ligação com Harry antes do noticiário de meio-dia é uma reles inconveniência. - Sentindo-se nauseada, foi a passos largos em direção à porta que separava as duas salas de trabalho, a dela e a de Harry.
- Gina... - A voz de Harry era calma. - Preciso conversar com você.
- Agora não! - foi tudo o que ela disse, e bateu a porta na cara dele. Harry ouviu a tranca se fechar.
- Ela já decidiu que eu sou culpado. - murmurou Moody, bebendo o resto do conhaque de uma vez só.
- Não. - Apesar de notar que um sentimento de remorso se mesclava com a raiva, Harry continuou olhando fixamente para o painel que o separava fisicamente da mulher. - Ela decidiu que não tem outra escolha a não ser investigar os fatos. - E desviou o olhar até fixá-lo em Moody. - Ela precisa saber de tudo.
- Isso só serviria para piorar a situação.
- Ela tem o direito de saber.
Moody pousou a taça vazia e sua voz estava mais rígida do que nunca.
- Já percebi do lado de quem você está, Harry.
- Percebeu? - disse Harry, baixinho, no instante em que Moody o deixou sozinho. - Percebeu de verdade?
Gina passou aquela noite na suíte anexa ao seu escritório e dormiu muito mal. Não se importava com o fato de que evitar Harry abertamente, daquela forma, parecia pirraça. Precisava do distanciamento. Bem antes das oito da manhã já estava na central de polícia. Depois de tentar comer uma rosquinha que parecia feita de papelão e beber uma xícara de café que exibia o aspecto, cheiro e sabor de esgoto não tratado, enviou uma transmissão para Hermione, com ordens para que ela se apresentasse na Sala de Interrogatório C.
Pontual como um guarda de palácio, Hermione já estava na pequena sala azulejada com espelhos nas paredes, conferindo o equipamento de gravação, quando Gina entrou.
- Temos um suspeito?
- Sim... temos um suspeito. - Gina pegou um copo de água no purificador que havia em um dos cantos. - Vamos tentar manter isso em sigilo, pelo menos até o interrogatório acabar.
- Certo, mas quem é o... - Hermione parou de falar na mesma hora quando um guarda trouxe Moody e Harry até o interior da sala. Seus olhos voaram para Gina e de volta para Harry enquanto exclamava, surpresa: - Oh!
- Guarda! - dirigiu-se Gina ao rapaz que os trouxera. - Está dispensado. Harry, você pode esperar do lado de fora, na minha sala.
- Moody tem o direito de trazer um representante.
- Você não é advogado.
- Por lei, o representante não precisa ser advogado.
- Assim você está tornando as coisas ainda piores. - Gina obrigou-se a aliviar a pressão nos maxilares.
- Talvez. - disse, e se sentou, cruzando as mãos sobre a mesa muito arranhada e marcando, com sua presença elegante, a sala pouco convidativa.
- Você precisa de um advogado... - disse a Moody, falando bem devagar -... e não de um amigo.
- Advogados me desagradam. Quase tanto quanto tiras. - disse, e se sentou também, com os dedos ossudos beliscando as calças na altura dos joelhos a fim de preservar seu vinco impecável.
Gina enfiou as mãos nos bolsos antes que começasse a arrancar os cabelos.
- Feche a porta, Hermione. Gravador... ligar! - Respirando fundo, começou: - Sessão de interrogatório com Moody... por favor, informe o seu nome completo para ficar registrado.
- Alastor Moody.
- Interrogatório com Alastor Moody, referente ao caso número 44591-H, Thomas X. Brennen, e caso número 44599-H, Shawn Conroy. Divisão de Homicídios. A data é 17 de novembro de 2058 e o horário é oito e três da manhã. Na sala estão presentes o interrogado; seu representante, Harry Potter; a policial Hermione Granger e a tenente Gina Weasley, conduzindo o interrogatório. O interrogado se apresentou voluntariamente.
Ainda em pé, recitou os direitos e obrigações do interrogado, conforme a nova versão da lei, e perguntou:
- Compreendeu todos os seus direitos e deveres, Moody?
- Perfeitamente.
- E abre mão de representação legal para acompanhá-lo durante este interrogatório?
- Correto.
- Qual era a sua ligação com Thomas Brennen e Shawn Conroy?
Moody piscou uma vez, surpreso ao ver que ela fora direto ao ponto.
- Eu os conhecia de vista, quando morava em Dublin.
- E quando foi isso?
- Há mais de doze anos.
- E quando foi a última vez que viu ou conversou com Brennen?
- Não sei dizer com precisão, mas também faz mais de doze anos.
- No entanto você estava nas Torres do Luxo há poucos dias, no dia do assassinato de Brennen.
- Por coincidência. - afirmou Moody com um levantar de ombros rápido e beligerante. - Não tinha conhecimento de que o Sr. Brennen residia lá.
- O que foi fazer no local?
- Já lhe contei.
- Conte-me outra vez, para ficar registrado oficialmente.
Ele soltou o ar com um silvo e serviu-se de água que pegou em uma jarra, com as mãos firmes. Em um tom monótono, repetiu tudo o que declarara para Gina na noite anterior.
- A Srta. Morrell concordará em confirmar que marcara um encontro com você?
- Não vejo por que não o faria.
- Talvez possa me explicar o porquê de as câmeras de segurança terem gravado a sua entrada no saguão, a sua ida até os elevadores, a sua entrada em um deles e, no entanto, não nos fornecerem nenhum registro visual da sua saída do edifício pelo mesmo caminho, na hora alegada. Aliás, em nenhuma outra hora do dia, diga-se de passagem.
- Não sei explicar isto. - Cruzando as mãos que exibiam unhas muito bem tratadas, ele a olhou com desdém. - Talvez a senhora não tenha olhado com atenção.
Gina passara a gravação seis vezes durante a noite. Pegou uma cadeira e se sentou diante dele, perguntando:
- Com que freqüência você vai às Torres do Luxo?
- Foi a minha primeira ida até lá.
- Sua primeira ida... - disse ela, concordando com a cabeça. - Jamais surgira uma oportunidade para visitar Brennen antes daquele dia?
- Jamais surgiu uma oportunidade para visitar Brennen em qualquer tempo, já que não era do meu conhecimento que ele morava lá.
Ele respondera bem, pensou Gina. Com cuidado, como um homem que já passara por um interrogatório antes. Lançou o olhar rapidamente para Harry, que se sentara ao lado do interrogado, em silêncio. A ficha policial de Moody deveria estar tão limpa quanto a de um bebê, imaginou ela. Harry já devia ter providenciado isso há muito tempo.
- Por que deixou o edifício usando uma saída secundária no dia do assassinato?
- Eu não deixei o prédio por uma saída secundária. Saí pelo mesmo lugar que entrei.
- A gravação não mostra isso. Ela claramente mostra sua entrada, mas não há sequer o registro da sua saída do elevador no andar onde afirma que a Srta. Morrell reside.
- Isso é ridículo. - reagiu Moody, balançando uma das mãos no ar como quem espanta uma mosca.
- Hermione, por favor, ligue o aparelho e passe o disco 1-BH, designado como prova do caso. Vá direto ao arquivo 12, para a gravação ser examinada pelo interrogado.
- Sim, senhora. - Hermione colocou o disco no aparelho e apertou a tecla play. O monitor na parede deu sinal de vida, piscando ligeiramente.
- Repare o display com o horário, no canto direito da gravação. - continuou Gina, enquanto olhava para a imagem de Moody, que entrava e caminhava pelo magnífico saguão das Torres do Luxo. - Parar o disco! - ordenou à máquina quando as portas do elevador se fecharam. - Continue a reproduzir a gravação a partir do arquivo 22. Repare no display com o horário - repetiu - e veja também o código que identifica esta área como sendo o décimo segundo andar das Torres do Luxo. É este o andar em questão?
- Sim. - Moody uniu as sobrancelhas em uma expressão de estranheza enquanto assistia à gravação. As portas do elevador não se abriram e ele não saiu. Um filete de suor frio escorreu-lhe lentamente pela espinha enquanto o tempo passava. - A senhora adulterou o disco. Fez isso com o propósito de me incriminar.
- Ah, claro!... - Que insulto, seu filho-da-mãe, pensou Gina. - É verdade. Hermione poderá confirmar que eu passo metade do tempo, em cada caso que investigo, adulterando as provas a fim de fazer com que elas se adaptem às minhas necessidades. - Começando a ferver por dentro de tanta raiva, Gina se levantou e se inclinou sobre a mesa. - O problema com essa teoria, meu chapa, é que este disco aqui é o original, trazido direto da sala da segurança. Trabalhei o tempo todo com uma cópia e não coloquei as mãos no disco original, até agora. Foi a própria Hermione que o recolheu.
- Ela é uma policial. - disse Moody, com tom de desprezo. - Cumpre as ordens que lhe são dadas.
- Então isso virou uma conspiração agora, viu só, Hermione? Você e eu adulteramos as provas somente para complicar a vida de Moody.
- Nada a deixaria mais feliz do que me colocar atrás das grades.
- Neste momento, especificamente, você tem toda razão! - Afastou-se da mesa até se certificar de que a raiva, que aumentava rapidamente, não ia atrapalhar as suas ações. - Hermione, desligue o aparelho! Moody, você conheceu Thomas Brennen em Dublin. Qual era a sua relação com ele?
- Ele era simplesmente um dos muitos rapazes e moças que eu conhecia.
- E Shawn Conroy?
- Ele também era um dos muitos jovens que eu conhecia em Dublin.
- Quando foi a última vez em que esteve no pub Trifólio Verde?
- Jamais freqüentei e nem sequer pisei em tal estabelecimento.
- Imagino que também não fazia a menor idéia de que Shawn Conroy trabalhava lá.
- Não fazia idéia mesmo... não sabia sequer que Shawn saíra da Irlanda.
Gina enfiou os polegares nos bolsos do jeans e esperou um segundo antes de perguntar:
- Naturalmente você não falou nem esteve com Shawn Conroy nesses doze anos.
- Correto, tenente.
- Você conhecia as duas vítimas, estava no local no dia e na hora do assassinato de Thomas Brennen, até agora não forneceu nenhum álibi para o momento de cada crime e quer que eu acredite que não exista ligação alguma entre todos esses fatos?
- Não quero que a senhora acredite em nada além do que escolha acreditar. - disse, e fixou os olhos nos dela, com frieza.
- Assim você não está se ajudando nem um pouco. - Furiosa, pegou no bolso o medalhão que encontrara na mesinha-de-cabeceira de Shawn Conroy e o jogou sobre a mesa. - Qual o significado disto aqui?
- Não faço a menor idéia.
- Você é católico?
- Católico? Não! - Pura estupefação substituiu a frieza de seus olhos. - Sou universalista unitário. Moderado.
- Quanto conhece a respeito de eletrônica?
- Como disse, tenente?
Não era por ali, foi tudo o que Gina conseguiu pensar, e se recusou a olhar para Harry.
- Quais são as suas atribuições no trabalho que realiza para o seu empregador?
- Elas são muito variadas.
- E durante essas várias atividades você tem oportunidade de enviar ou receber ligações?
- Naturalmente.
- E tem conhecimento de que o seu patrão possui equipamentos de comunicação muito sofisticados.
- Sim. Ele possui o mais avançado equipamento de comunicações dentro ou fora do planeta. - Havia uma pontada de orgulho em sua voz.
- E você está bem familiarizado com esse equipamento.
- Sim, estou.
- Familiarizado ou capacitado o suficiente para manipular e misturar sinais de transmissões recebidas ou enviadas?
- Claro que sim, eu... - Parou de falar antes de completar e rangeu os dentes. - Entretanto, tenente, não teria motivos para fazer tal coisa.
- Você gosta de charadas, Moody?
- Eventualmente.
- Poderia se descrever como um homem paciente?
- Sim. - Levantou as sobrancelhas.
Gina concordou com a cabeça e, sentindo uma fisgada no estômago, se virou para o outro lado. Ia entrar em terreno perigoso, e enfrentar a preocupação e o pesar que a haviam deixado acordada quase a noite toda.
- Sua filha foi assassinada quando ainda era criança.
Gina não ouviu som algum às suas costas, nem mesmo o de respiração. Talvez a dor tivesse peso, porque o ar ficara bem mais pesado.
- O seu atual empregador foi o responsável, indiretamente, pela morte dela. - continuou Gina.
- Ele... - Moody pigarreou. Por baixo da mesa, suas mãos viraram punhos cerrados sobre os joelhos. - Ele não foi o responsável.
- Ela foi torturada, estuprada e assassinada com o objetivo de ensinar uma lição a Harry Potter, só para feri-lo. Ela foi apenas um instrumento. Essa informação é correta?
Moody não conseguiu falar nada por um momento. Simplesmente não foi capaz de fazer com que as palavras passassem pela massa de pesar que subitamente enterrara as garras em sua garganta.
- Ela foi assassinada por monstros predadores de inocentes. - disse, e inspirou uma vez com força, bem devagar. - A senhora, tenente, deveria ser capaz de compreender tais coisas.
Quando Gina se virou para encará-lo, seus olhos estavam sem expressão. Havia, porém, frieza nela, uma frieza horrível, porque ela compreendia tais coisas bem demais até...
- Você é assim tão paciente, Moody? Será que é tão esperto e paciente a ponto de ter esperado todos esses anos? De ter estabelecido uma relação de confiança com o seu patrão a fim de conseguir acesso incondicional aos seus assuntos pessoais e profissionais para, então, usando essa relação, essa confiança e esse acesso irrestrito, tentar incriminá-lo em casos de assassinato?
Moody arrastou a cadeira para trás fazendo um barulho horrível sobre o linóleo, levantou-se como se fosse impulsionado por uma mola e disse indignado:
- Como ousa me chamar de manipulador? Como ousa afirmar que eu usei alguém quando é a senhora que está usando as pessoas, arrastando a lembrança de uma menina inocente para essa lama? Como tem coragem de ficar aí e apontar um dedo acusador para o homem cuja aliança de casamento a senhora exibe e dizer que foi ele o responsável pelos horrores que a pobre menina suportou? Eles eram apenas crianças. Crianças! Ficarei feliz de passar o resto da minha vida em uma cela se isso fizer com que Harry a enxergue como a senhora realmente é.
- Moody. - Harry permaneceu sentado, mas colocou a mão no braço de Moody. Seus olhos ficaram frios e sem expressão ao olhar para Gina, pedindo: - Ele precisa de alguns momentos para se recompor.
- Ótimo! Esta sessão de interrogatório está suspensa a partir deste momento, por solicitação do representante do interrogado. Desligar a gravação!
- Sente-se. - murmurou Harry, mantendo a mão sobre o braço de Moody. - Por favor.
- São todos iguais, você não vê? - A voz de Moody tremia de emoção enquanto tornava a se sentar, lentamente. - Com seus distintivos, sua arrogância e seus corações vazios, todos os tiras são iguais!
- Então vamos ver se é assim. - disse Harry, olhando para a sua mulher. - Tenente, gostaria de falar com você, sem registro algum, nem gravação da conversa, nem a presença de sua auxiliar.
- Não vou permitir isso! - explodiu Moody.
- A escolha é minha! Se você nos deixar a sós agora, Hermione... - sorriu Harry, educadamente, gesticulando em direção à porta.
Gina permaneceu exatamente na posição em que estava, com os olhos grudados em Harry, e ordenou:
- Espere lá fora, Hermione, e vigie a porta.
- Sim, senhora.
- Ao sair, acione o sistema para deixar a sala à prova de som, Hermione! - Ao se ver a sós com Harry e Moody, Gina tornou a colocar as mãos, transformadas em punhos, dentro dos bolsos. - Decidiu me contar tudo, afinal? - perguntou ela, com frieza. - Vocês acharam realmente que eu não percebi que os dois sabiam mais do que estavam dizendo? Acham que eu sou uma idiota ou alguma boçal?!
Harry percebeu a mágoa por trás da raiva e quase soltou um suspiro, pedindo:
- Desculpe Gina.
- Você ainda pede desculpas para ela? - reagiu Moody. - Depois de ela ter...
- Cale a boca, feche essa matraca! - ordenou Gina, virando-se para ele com os dentes arreganhados. - Quem sabe eu tenha acabado de acertar na mosca? O equipamento para misturar sinais e enganar a varredura do CompuGuard está bem à mão lá em casa. Quem mais sabe da existência de todo aquele aparato a não ser nós três? A primeira vítima foi um antigo amigo pessoal de Harry, e o segundo foi outro velho amigo, assassinado em uma das suas propriedades. Você sabe de todos os imóveis que estão em nome dele, sabe de tudo que ele faz e como faz. Já faz quase vinte anos, mas isso não é muito para quem estava à espera de vingança pela morte da própria filha. Como eu posso saber que você não está disposto a sacrificar tudo a fim de destruí-lo?
- Porque ele é tudo o que me resta na vida! Porque ele a amava. Porque ele é meu amigo e está do meu lado! - Dessa vez, ao pegar o copo d’água, Moody deixou um pouco do líquido derramar na mesa.
- Gina... - Harry falou suavemente, embora sentisse o coração e a lealdade puxados em direções opostas por mãos zangadas. - Por favor, sente-se e escute.
- Posso ouvir muito bem em pé mesmo.
- Faça como quiser. - Em um ato que demonstrava cansaço, Harry apertou os olhos com as mãos. Não era fácil lidar com a mulher a quem o destino entregara o seu coração. - Eu já lhe contei a respeito de Marlena. Ela era como uma irmã para mim depois de Moody ter me acolhido em sua casa. Mas eu não era mais criança, - continuou, olhando para Moody com afeição e um ar divertido - nem inocente.
- Mas apanhou tanto que quase morreu. - murmurou Moody.
- Fui descuidado. - reagiu Harry, encolhendo os ombros. - Enfim, acabei ficando na casa deles, e trabalhando com eles.
- Eu sei... aplicando pequenos golpes, - disse Gina, entre dentes - batendo carteiras.
- Sobrevivendo. - Harry quase tornou a sorrir. - Não vou me desculpar pelo que fiz. Já lhe contei sobre Marlena... ela ainda era uma criança, de verdade, mas nutria por mim sentimentos que eu não percebera. E veio até o meu quarto uma noite, cheia de amor e generosidade. Fui cruel com ela. Não sabia como lidar com a situação e a rejeitei, de forma desajeitada e cruel. Achei que estava fazendo a coisa certa, tomando a atitude mais decente. Jamais poderia tocá-la do jeito que ela pensava querer. Ela era tão inocente e tão... doce. Eu a magoei, e Marlena, em vez de voltar para o seu quarto e me odiar por algum tempo, como eu esperava, como achei que faria, saiu de casa. Havia homens que estavam à minha procura, homens que eu fui arrogante o bastante para desafiar, achando que poderia vencê-los em meu campo. Eles a encontraram e a levaram.
Como em parte Harry ainda sentia pesar por ela, e sempre sentiria, parou de falar por um momento. Quando continuou, sua voz estava mais baixa e seus olhos mais sombrios.
- Eu seria capaz de trocar a minha vida pela dela. Teria feito qualquer coisa que eles exigissem e que servisse para poupá-la de um só momento de medo ou dor. Mas não havia mais nada a ser feito. Nada que me tenham permitido fazer. Eles a jogaram na porta de nossa casa depois de acabarem com ela.
- Ela era tão pequena... - A voz de Moody era quase um sussurro. - Parecia uma boneca, toda quebrada e despedaçada. Eles mataram a minha menina. Foram carniceiros com ela. - Nesse momento seus olhos, brilhantes e amargos, se encontraram com os de Gina. - A polícia não fez nada, viraram as costas. Marlena era filha de um sujeito indesejável, um enjeitado. Não havia testemunhas, foi o que disseram, nem provas. Os policiais sabiam muito bem quem cometera aquela monstruosidade, porque a notícia já se espalhara por todo o bairro, mas não fizeram nada.
- Os homens que a assassinaram eram poderosos. - continuou Harry. - Naquela região de Dublin, a polícia costumava fazer vista grossa e ouvido de mercador para certas atividades. Levei muito tempo para conseguir poder e habilidade em nível suficiente para ir atrás deles. Levei ainda mais tempo depois disso, até localizar os seis homens que tomaram parte do assassinato de Marlena.
- Acabou encontrando-os e matando-os. Eu já sei disso. - Gina achava possível conviver com esse passado. - O que tudo isso tem a ver com Brennen e Conroy? - perguntou, e seu coração falhou por um momento. - Eles estavam envolvidos? Eles estavam envolvidos com a morte de Marlena?
- Não. Mas cada um deles me forneceu informações sobre os assassinos, em momentos diferentes. Essas informações me ajudaram a encontrar um determinado homem em um determinado lugar. E a partir daí, depois que achei dois dos que haviam estuprado, torturado e assassinado Marlena, eu os matei. Lentamente. Dolorosamente. O primeiro... - disse, com os olhos fixos em Gina -... eu estripei.
- Você arrancou as vísceras dele? - A cor desapareceu do rosto de Gina.
- O ato combinava com ele. Era preciso um canalha sem entranhas para fazer o que fez com uma menina indefesa. Localizei o segundo homem seguindo algumas pistas que consegui através de Shawn. Quando o encontrei, o abri, uma veia de cada vez, e deixei que sangrasse até morrer.
Ao ouvir isso, Gina finalmente se sentou, apertando os olhos com os dedos ao perguntar:
- Quem mais o ajudou?
- É difícil dizer. Conversei com dezenas de pessoas, reuni dados, apurei boatos e fui em frente. Há Robbie Browning, mas eu já verifiquei como ele está. Continua na Irlanda como hóspede do governo, e ainda vai cumprir mais três ou cinco anos. Jennie O’Leary está em Wexford, gerenciando uma pousada. Entrei em contato com ela ontem à noite, para colocá-la em alerta. Jack...
- Droga, Harry! - Gina bateu com os dois punhos sobre a mesa. - Você devia ter me fornecido esta lista no instante em que eu lhe contei a respeito de Brennen! Você devia ter confiado em mim!
- Não era uma questão de confiança.
- Ah, não?
- Não. - Ele a agarrou pela mão antes que ela conseguisse se desvencilhar. - Não era não. Era uma questão de torcer para estar errado. E uma questão de tentar não colocá-la na posição em que acabei de colocá-la.
- Você achou que ia conseguir cuidar de tudo sem a minha ajuda.
- Esperava conseguir isso. Agora, porém, depois de aprontarem essa armadilha para Moody, o que planejava fazer deixou de ser uma opção. Precisamos da sua ajuda.
- Vocês precisam da minha ajuda... - disse Gina bem devagar, puxando a mão para soltá-la. - Precisam da minha ajuda. Essa é grande, essa é ótima! - Ela se levantou. - Você acha que alguma coisa do que acaba de me contar vai ajudar a diminuir a encrenca em que ele está? Se eu usar essas informações, vão os dois para a cadeia. Assassinato em primeiro grau e um monte de outras acusações.
- Moody não matou ninguém. - disse Harry com uma frieza característica. - Eu é que matei.
- Isso não ajuda a acabar com a encrenca dele.
- Então você acredita nele?
Ele é tudo o que me resta na vida. Ela sentiu as palavras de Moody ecoando em sua cabeça, bem como a emoção que havia nelas.
- Acredito nele sim. - respondeu. - Ele jamais o prejudicaria. Ele adora você.
Harry pensou em dizer algo, mas desistiu e ficou olhando fixamente para as mãos. A afirmação simples, tão direta, e a verdade que havia nas palavras de Gina o comoveram.
- Não sei o que vou fazer. - disse mais para si mesma, como se precisasse ouvir as palavras ditas em voz alta. - Preciso coletar provas e tenho que seguir rigidamente o procedimento padrão. Tenho que fazer tudo de forma oficial. Se chegarmos ao ponto em que seja obrigada a acusar você, - seu olhar fixou-se com firmeza em Moody - então é exatamente isso o que eu vou fazer. A única maneira que existe de você se ajudar é me informar tudo. Se esconder alguma coisa, o tiro vai sair pela culatra e você vai se prejudicar. Estou entrando nessa história com as duas mãos atadas às costas e vou precisar das suas. - avisou Harry.
- Você as tem. Sempre.
- Tenho mesmo? - Riu sem vontade. - As provas indicam o contrário. E eu sou a melhor para farejar provas, Harry. - Foi caminhando até a porta, mas levou mais alguns segundos antes de destrancá-la. - Vou livrar a sua bunda magra, Moody, mas só porque esse é o meu trabalho. Nem todos os tiras viram as costas. E esta tira aqui mantém os olhos e os ouvidos muito abertos. - Lançou um último e fulminante olhar para Harry, completando: - Sempre!
Abriu a porta e saiu.
Agradecimento especial:
Bianca: o assassino é meio louco sim, mas ele recebeu influencia, mais para o final da historia as coisas ficam claras... Ele com certeza é inteligente, tanto que é um expert em eletrônica, o Harry está envolvido em mais um caso da Gina, mas assim fica mais interessante. Beijos.
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