Mil e uma questões



31 de fevereiro de 1995, 11h55m AM


"Tic, tac, tic, tac", os ponteiros do relógio faziam sem parar.


Enquanto os pássaros cantavam pouco e muito baixo nos terrenos frios de Hogwarts, os livros já haviam sido retirados, a roupa da professora já pronta ao pé da cama junto ao chapéu cônico habitual, só restando as flores e galhos secos dentro do vaso ao lado. Pela primeira vez em dias, McGonagall estava sentada, encostada ao travesseiro macio sem ter nenhum bendito livro nas mãos, calada, olhando alternadamente, do relógio para a copeira que retirava as plantas mortas. Era relógio, Madame Pomfrey, relógio, Madame Pomfrey, relógio, Madame Pomfrey... Arr, mas que diabos de ansiedade era aquela? Com pesar e decepção consigo mesma, lembrava, enquanto os segundos passavam, como tinha um ponto fraco em relação à ala hospitalar.


Desde criança, aprendera a cuidar de si mesma sem auxilio de ninguém. De pais bem firmes e autoritários, nunca fora acostumada a ter ajuda de ninguém. E quando isso acontecia, sentia-se extremamente desconfortável, definitivamente com vontade de aparatar do local. Sorte que tinha educação, além de uma imagem para manter, senão sequer estaria ali...


- É incrível como flores tão bonitas, podem ser extremamente frágeis - dizia Madame Pomfrey, enquanto jogava-as na lixeira - Honestamente, acho um desperdício... Normalmente nenhuma delas costuma resistir a esse frio mesmo. Espantei-me só dos alunos a terem nas mãos, quando vi. - Abafou uma risadinha irônica pelo nariz e sorriu muito minimamente, enquanto tomava direção à sua sala.


"Já imaginou se me viessem com uma Rosa Perpétua? Por mais improvável que seja, provavelmente teria um infarto! São muito raras e difíceis de achar, além, é claro, de serem muito bonitas... Nunca murcham, não são afetadas por verme algum, são inteiramente eternais e puríssima beleza...


"Só irei ver uma coisinha rápida, está bem? Quando der meio-dia, trarei as cortinas para você poder se vestir, o... Minerva, você está me ouvindo? — indagou ao vê-la fitando somente o relógio com seus olhos de contas.


Ela balançou a cabeça brevemente em gesto positivo, sem desviar o olhar. Madame Pomfrey mirou-a com um sorrisinho. Pensou em falar, porém mudou de ideia. Havia enorme probabilidade de irritar a professora caso o fizesse. O que passava pela própria mente, tinha certeza, não iria agradá-la nem um pouco. E assim, sem dizer mais nada, porém com aquele mesmo arzinho e os mesmos pensamentos, seguiu à porta de seu recinto e fechou-a ao passar.


Tic, tac, tic, tac, tic, tac...


Ah! Finalmente onze e cinquenta e seis! Depois do que pareceu uma eternidade, McGonagall enfim baixou a cabeça, uma única mecha fina de seus cabelos negros presos ao coque caindo frente aos seus olhos pequenos e escuros, emoldurados já tediamente pelos mesmos óculos de aros quadrados. Contudo estes não demonstravam nenhuma frieza nem severidade habitual enquanto fixavam o próprio colo. Aparentavam estarem seriamente pensativos, claramente refletindo sobre algo ou alguma coisa muito importante para ela, algo que até mesmo, foi capaz de perturbá-la desde a hora de o seu lento despertar, cansado mesmo após uma noite de sono que lhe pareceu tão rápida, porém tão aconchegante...

Fechou os olhos por um instante, o qual foi ocupado por um suspiro lento e leve de alguém ligeiramente confuso. Decidiu ver mais uma única vez a razão de sua preocupação. Levantou o travesseiro, que até agora usara como encosto, e viu-a exatamente como havia deixado. Descansando sobre o lençol muito branco e liso, a belíssima rosa permanecia intacta, agora mais brilhante com suas gotas cheirosas de orvalho congelado reluzindo com os indiferentes raios de sol, o vermelho forte destacando as pétalas perfeitas sobre o caule fino, verde esmeralda, sem espinhos...

Seus dedos magros e levemente frios foram devagar até ela, segurando-a suavemente, ao mesmo tempo em que pegava, também, o pequeno bilhete dado por seu melhor amigo. O nó já existente em sua cabeça desde cedo se apertou ainda mais. Não compreendia. Não saberia dizer o porquê daquilo tudo. Era confuso... Não sabia a razão de tal presente, de tal... Raridade. Por que para ela? O que fizera para merecer uma... Rosa Perpétua?

A fala de Madame Pomfrey pairou sobre sua mente.

Já imaginou se me viessem com uma Rosa Perpétua? Por mais improvável que seja, provavelmente teria um infarto! São muito raras e difíceis de achar, além, é claro, de serem muito bonitas... Nunca murcham, não são afetadas por verme algum, são inteiramente eternais e a mais puríssima beleza...

E tinha total razão. O trabalho que dava para encontrá-la... Realmente, não se lembrava de terem encontrado nenhuma nos últimos trinta anos. E todos que a encontravam, não perdiam tempo dando-a à alguém. Os ignorantes tinham medo de que finalmente alguém as conseguisse estragar, levando todo seu trabalho em vão. Ah não ser que lhe desse ao menos 2000 galeões, detalhe.

Um milhão de perguntas estavam bagunçadas na cabeça da tão severa bruxa, que agora encontrava-se numa situação que considerava crítica. Fechou os olhos fortemente durante alguns segundos. Só de pensar nas blasfêmias que Papoula e Pomona diriam ao ver aquela fina flor, já lhe dava nos nervos. Eis uma das razões por não tê-la feito. Outra era que estava certa que pelo menos cinco minutos depois de a terem visto, todo o restante do corpo docente saberia também, se não Hogwarts inteira. E isso, com certeza, seria o declínio de sua imagem. Algo que há anos considerava fundamental. Mal conseguia imaginar a magnitude do desastre se a informação esvaísse. Que o diretor mandara uma flor preciosíssima à professora de Transfiguração. Tremia só de imaginar a calamidade.

Um baque muito forte de ferro batendo em pedra assustou-a. Virando a cabeça imediatamente e tratando de esconder a flor novamente e amassar o bilhete em uma das mãos, viu que as cortinas que Madame Pomfrey haviam sido derrubadas acidentalmente. E, para o seu alívio, Papoula não a encarava com nenhuma expressão de espanto. Na verdade, estava visivelmente aborrecida.

- Degrau detestável - resmungou para si mesma, enquanto se endireitava, tomando cuidado para não pisar no acortinado que ainda estava no chão, metendo a mãos nas vestes. - Por um momento pensei que poderia evitá-lo, mas quase cair pela décima vez já é demais - e parando novamente ereta, abanou a varinha firmemente para o degrau que a perturbara, fazendo-o evaporar num estalo seco.

Dando um pequeno bufou, dirigiu-se à amiga de longa data.

- Desculpe se a assustei, Min.

- Não há necessidade de apreensão, apenas não me chame mais de "Min" - acrescentou enquanto encarava-a fortemente por cima dos óculos, ao mesmo tempo em que a via levitar as cortinas e seguir em sua direção, demonstrando a mesma imagem severa de sempre e evitando ao máximo transmitir sinal de abalo.

Quando a copeira finalmente parou próxima a sua cama, pousou cada véu ao redor da mesma atém cobri-la totalmente. Ao sair, desta vez da ala, dizendo que iria almoçar, mas avisando que a esperaria, McGonagall finalmente pode levantar. Mesmo o chão liso estando frio, sentiu-se extremamente satisfeita. Despiu as vestes em seguida e trocou-se sem delongas. Vestiu o vestido verde, as meias brancas, o par de sapatos de salto médio, as luvas e o cachecol, ajeitando por fim o chapéu ao mesmo tempo que encaixava o coque firme nele.

Colocando a rosa bem escondida no bolso das vestes, junto ao pedaço de pergaminho escrito, abriu logo as cortinas e partiu de lá com a mesma postura de sempre, deixando até mesmo aparentar que nunca estivera debilitada por nada ou por ninguém.

Depois de matar uma mínima saudade dos corredores do castelo, a qual considerava ridícula para uma pessoa como ela, chegou frente às portas do Salão Principal. Impassível, não parou, apenas passou por entre elas como em um dia qualquer e ao meio das quatro mesas sem parar.

Logo viu que nada mudara, felizmente. Como sempre, alunos das quatro turmas se fartavam com a grande refeição, conversavam todos de uma vez sobre assuntos diferenciados, sentavam, levantavam, corriam, andavam, todos sem parar um momento. Alguns, pode notar, pareciam muito preocupados, estressados com algo ou alguma coisa, enquanto outros aparentavam clara felicidade em seus rostos. Enfim, tudo entre eles não estava nada mais que o normal. Estava certo que alguns cochichavam enquanto passava, mas ela fingia não ver. Mantinha seus olhos fixos no fundo do Salão, nada mais do que na própria mesa do corpo docente.

A professora Trelawne conversava energicamente com uma professora Sinistra muito impaciente, que agora girava os olhos para o teto. Madame Hooch falava com o tão querido guarda-caça, Hagrid, que comia uma colherada grande de frango e batatas a cada frase que diziam. Pomona e Papoula conversavam entusiasmadamente enquanto tomavam alguns goles de suas bebidas. Alastor Moody comia sem falar com ninguém. Severo Snape não estava a vista e o restante dos professores sequer olhavam para mais alguma coisa além de seu próprio prato, incluindo Karkaroff e Maxime. Porém, mais para o centro da mesa, Flitwick e Dumbledore conversavam em meio a gostosas risadas, o que fez a subdiretora sorrir levemente pelo canto da boca.

Quase na mesma hora, como se tivesse adivinhado, o par de olhos azuis cintilantes parou virado para ela, já a dez ou onze passos de distância, brilhando ao encarar-lhe significativamente ao mesmo tempo que o diretor ocupava-se a sorrir, totalmente imobilizado. Ao notá-lo de forma estranha, o professor de feitiços virou-se para o mesmo ponto, riu muito animado ao ver a professora, dizendo algo como "Não disse, Albus? Eu falei que ela viria bem!".

Quanto mais se aproximava da mesa, aos poucos mais tutores a reparavam. Alguns sorrindo aliviados, outros conversando mais com quem estava do lado sem tirar os olhos dela, erguendo os copos em gesto acolhedor e Papoula não resistiu dar um pequeno aceno junto à professora de Herbologia para ela. Mas durante todo o tempo, até subir a plataforma e caminhar por trás em direção ao seu lugar na longa távola, pode ver claramente que o diretor fixava-a mais que todos, seu olhar cintilante, o sorriso branco intacto desde que a vira. Contudo, para surpresa de ninguém, ela permanecia séria, o resíduo de sorriso, morto de seu rosto. Substituído sem rodeios pela mesma expressão de sempre, a qual a maioria das pessoas estavam acostumadas a ver. Seus pequenos olhos penetrantes pregados no seu lugar na távola longa, a postura reta e inabalável.

Ao finalmente chegar à sua cadeira, puxou-a para sentar-se, enquanto cumprimentava Dumbledore de forma habitual.

- Boa tarde - disse em seu tom seco, deixando claro que queria fingir nada ter acontecido.

- Boa tarde, Minerva - respondeu ainda sorrindo sem tirar os olhos dela. Flitwick também não parecia estar mais querendo a mínima atenção - Fico feliz por ter retornado.

- Obrigada, Dumbledore - e quando se virou para encarar o diretor novamente, surpreendeu-se. Ela a observava nos olhos de uma forma que McGonagall jamais havia visto e imaginara algum dia ver. Um olhar tão penetrante quanto o seu, porém com um sentimento a mais, claramente visível no brilho dos olhos por trás dos óculos de meia-lua. Parecia haver uma veia pulsante em seu cérebro, enquanto encarava-o brevemente, espantada. Seria... Não... Improvável demais... Mas quem sabe...?

Antes que pudesse completar seus pensamentos, sentindo seu rosto corar ligeiramente, desviou os olhos rapidamente para uma panela fervente de rins e permaneceu calada por um tempo.

A partir daí, o almoço correu normalmente. Porém, vil e inevitavelmente, não conseguia controlar-se como queria. Achava repugnante o fato de não poder trocar uma palavra sequer com Dumbledore, ou mirá-lo ao menos um segundo sem sentir o sangue correr pelo seu rosto, o coração pulsar mais forte por algo que não sabia, e tendo o nó em sua cabeça cada vez maior e mais forte, sua mente mais confusa do que já ficara em anos. Sentiu raiva de si mesma durante toda a refeição, fazendo o máximo que podia para esconder bem essa emoção desagradável, assim como sua ignorância em responder as perguntas que batiam forte e insistentemente nela, deixando-se perceber que não a deixariam em paz se não encontrasse alguma solução para cada uma delas.

Tinha que fazer isso rápido, e de preferência antes que enlouquecesse!

Quase no fim da refeição, apenas quatro professores haviam saído da mesa. Madame Hooch, que no momento já estava dando sua aula para o 3º ano, Moody, provavelmente também estaria prestes a dar aula para o 1º ano, Hagrid e Flitwick, o maior responsável por McGonagall estar decidida a fazer o que estava em sua cabeça.

O miúdo Filio Flitwick, alguns instantes antes de sair para ir dar sua aula para o 6º ano, conseguira chamar a atenção da professora e em meio as ideias que trocavam, ouvi-a expressar sua preocupação por não ter preparado sua aula para a turma do 5º ano, a qual ocorreria mais para o meio da tarde. Contudo, um segundo depois ele se oferecera para cobri-la. Ela, apressadamente, tentou recusar, dando todos os argumentos que lhe deram em mente, e que julgou sensatos o suficiente para serem ditas, porém nada impediu-o de rir amigavelmente.

- Ora, ora, Minerva, não irá atrapalhar em nada! - disse tomando um gole de hidromel logo em seguida. - Meu horário de hoje está leve. Uma aula a mais não fará nenhuma diferença! É a única aula que você tem hoje a tarde, não? Foi o que pensei. Além do que - acrescentou sorrindo -, se fosse eu, iria querer... "esticar as pernas" depois de tanto tempo, hm?

A ideia de ser substituída mesmo julgando-se perfeitamente bem ainda não a agradava muito, no fundo a fazia sentir como estivesse fazendo algo de errado. Nos primeiros momentos depois do acordo, pensou significantemente em desmanchá-lo, porém quando resolvera finalmente fazê-lo, notara finalmente que o professor de feitiços, já havido ido embora sem ao menos tê-lo visto.

Alguns minutos depois, cá estava ela, pensando seriamente sobre sua decisão. Pensava tanto no que poderia acontecer naquele determinado momento quanto mais tarde, depois de já ter feito o que almejava. Uma parte de si dizia para deixar o assunto de lá e agir como se nada tivesse ocorrido, apenas cumprindo sua rotina com normalidade, no entanto uma outra mandava-a acabar de uma vez por todas com aquilo tudo, que esclarecesse tudo o que deveria e era obrigada, que parasse de se torturar com toda aquela situação, perguntas sem respostas, nervosismos e reações que nem mesmo ela era capaz de explicar.

Ouviu a cadeira ao lado arrastar-se. Dumbledore já havia terminado e estava prestes a sair. Se queria fazer isso mesmo, tinha que fazer agora. Subitamente, falou com urgência no momento exato em que ele já lhe dava as costas, fazendo-o parar repentinamente.

- Albus. Poderíamos conversar por um momento, por favor?

Vários olhares na mesa a miraram discretamente e o diretivo girou nos calcanhares.

- Se for de seu desejo, minha cara - falou com um sorriso leve - Quando terminar sinta-se a vontade para ir à minha sala.

- Já terminei - falou prontamente, o que não era mentira, erguendo-se ao mesmo instante.

O sorriso dele ampliou-se quase imperceptivelmente.

- Pois muito bem - disse com simplicidade. - Vamos então - e ambos partiram do Salão, desta vez com várias cabeças os seguindo.

A cada passo que davam, McGonagall não era capaz de controlar a sua própria ansiedade que crescia cada vez mais à medida que subiam as escadarias a caminho da sala da diretoria. Durante todo o caminho, Dumbledore cantarolava baixinho de boca fechada, todavia a professora parecia visivelmente surda ao som produzido pelo diretor. Cada vez mais nervosa, por mais que tentasse controlar, mesmo o mundo explodindo ao seu redor, não desviar-se-ia de seu principal objetivo. Estava determinada a esclarecer completamente tudo que a perturbara durante longas e torturosas horas.

Quando finalmente viu-se entrando na sala da diretoria, seu coração brutalmente fora parar na garganta, parecendo que iria pular da boca para fora a qualquer momento. Era já ou não mais.

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