Noite e manhã normais (?)



- Eu já pedi desculpas! - insistiu Madame Pomfrey.

O sol a essa hora, já havia abandonado o véu acima do castelo de Hogwarts. A noite chegara de mansinho, quase imperceptivelmente, enfeitada de constelações e uma bela lua crescente. Seu brilho em meio a escuridão, iluminava leve e um tanto sombriamente as enormes árvores da Floresta Negra, ao mesmo tempo que iluminava, não só as várias corujas que voavam rumo à caça, mas uma McGonagall muito aborrecida e de braços cruzados frente ao peito, olhando para a cama oposta que parecia querer evitar ao máximo a copeira que tentava se desculpar pela oitava vez seguida, ainda muito pouco convincente

Desde a hora que fora pega às espreitas, Madame Pomfrey passara os últimos quinze minutos pedindo perdão à amiga repetidamente, que a desacreditava sempre que tentava. Talvez a professora aceitasse se ela parasse de reprimir o sorriso que não conseguia apagar de sua face, desde que haviam começado a discutir, mas enquanto isso, a raiva da subdiretora não parava de crescer. Afinal, como ousara? E para piorar a situação, Papoula começara a dar "determinadas indiretas" para cima dela, o que só a deixava a ponto de explodir de ira, os raios do luar iluminando persistentemente ambas as mulheres.

- Suas desculpas são insuficientes só por serem visivelmente hipócritas - retrucou muito secamente a outra, sua paciência a um milímetro de se esgotar (isso se já não havia).

- Oras, Minerva, o que quer que eu faça? - falou sorrindo levemente, de pé ao um lado da professora.

- Abandonar esse sorriso seria uma ótima maneira de começar, não concorda? - e virou o rosto muito rápido para fitá-la depois de longos minutos sem vê-la, os olhos que pareciam relampejar aparentando se tornarem muito mais penetrantes perante a melhor iluminação. - Pelo amor de Deus, o que deseja afinal, Papoula?

A varinha, os livros e a caixa de gotas de limão tinham sido deixados de lado sobre o detalhado criado-mudo. As flores selvagens, muito devagar, iam deixando suas pétalas se soltarem, repousando suavemente sobre a madeira e os objetos. Enquanto o presente permanecia intacto, a visita feita por Dumbledore à McGonagall na ala hospitalar parecia que não iria abandoná-la tão cedo, o que a irritava ainda mais.

- Não desejo nada! Só estou pedindo pela décima vez...

- Nona - corrigiu.

- Que seja... Só estou pedindo, pela nona vez para que me desculpe, Min!

Porém a professora bufou com a testa muito franzida e tornou a encarar o outro lado. A copeira girou os olhos para o teto, relembrando a enorme teimosia que McGonagall tinha e a de sua própria paciência para aguentá-la.

- O que me pergunto - continuou com uma voz muito fria, encarando a cama vazia do seu lado com o rosto tornando a sombra - é como, após anos de convivência constante, você teve uma ideia tão absurda. Além do que - completou como se tivesse adivinhado que Madame Pomfrey abrira a boca para retorquir às suas costas - ainda vem à mim com ironias extremamente desagradáveis para comigo.

Desta vez, o diálogo parou por um momento. Um momento pelo qual, a copeira presente suspirou pesadamente, de cabeça ligeiramente baixa; não reprimia sinal algum de ironia. Ao puxar uma cadeira que havia sido posta de lado, de volta ao seu lugar colado a parede, a face que lhe pertencia perdera totalmente a graça. Tornara-se, depois de minutos muito demorados, visivelmente séria e apagada, com um quê de arrependimento que sumia pela pouca luz.

- Me desculpe. Realmente.

Sua voz mudara bastante em relação aos últimos segundos. Não tinha rastro nenhum de gracinha ou falsidade no pedido. Qualquer pessoa que a ouvisse teria certeza absoluta, assim como a professora teve, que era completamente sincero. Ela, McGonagall, hesitou por um momento. Contudo, logo em seguida, virou para a amiga.

- Está certo - respondeu, quase em forma de desabafo. Parecia, por alguma razão, também arrependida. - Sou obrigada a admitir que fui...

-... que fomos um tanto...

- Infantis?

- É, acho que se encaixa.

E Madame Pomfrey abafou uma risada pelo nariz, pouquíssimo antes de notar que já passara dois minutos do horário de medicamento de Minerva, saltando imediatamente da cadeira, deixando - a tombar em forte som de metal batendo, enquanto corria para sua sala a algumas camas de distância.



Seis dias mais tarde...

Deixando a velha imagem, que já estava tornando-se monótona sendo vista pela vigésima vez, uma única vela acesa iluminava a única cama ocupada. Era incrível que, apesar de começarem a tornarem-se rotineiros, os dias haviam passado rápido ao longo da temporada na ala. Logo após das pazes feitas com Papoula, McGonagall recebera a mensagem através de Nick Quase Sem Cabeça, que o professor Dumbledore decretara o breve luto de três dias. Perguntou se iria acompanhá-lo, ao diretor, neste momento depressivo. A resposta fora imediata.

- Certamente que irei, senhor Nicolas - respondeu-o secamente. - Apesar de não mui bem tê-lo conhecido, tenho respeito para com ele. Obrigada por avisar-me.

Tirando isto, não houve nada de incomum no período de seu repouso. Por vezes, insista de hora em hora para poder preparar algumas aulas para o dia que retorna-se, porém parecia que qualquer movimento mínimo como tal poderia lhe arrancar a vida. Ou, ao menos, era isto que Madame Pomfrey deixava parecer.

Agora, era noite de lua nova. O céu salpicado de estrelas, mal aparecia por entre as várias nuvens que o cobriam insistentemente, o vento uivante balançando levemente as folhas das árvores lá fora sobre o véu das nove horas. Com a única luz do foguinho de vela, aos poucos se derretendo, a professora conseguia ler cada linha de seu livro velho de feitiços (muito bem limpado pela copeira antes dela manuseá-lo) e, para sua satisfação, interpretá-las com muito mais facilidade. Sua recuperação até que fora bem rápida, a enfermeira mesma havia admitido. Ora, talvez fosse pela boa alimentação que tivera a professora antes do incidente, ou talvez fosse pelo remédio extremamente amargo que Pomfrey obrigava a bruxa tomar três vezes ao dia. Era uma generosa colherada, sabe... Ainda estavam na dúvida.

Ao longo dos dias, horas e minutos, nenhuma das duas mais tinham voltado a falar sobre a visita que fizera tanto alarge antes (mesmo que a docente visse, de vez enquanto, a médica cochichar sozinha e abafar alguns risos e reprimir sorrisos). Até agora o pacote de gosta de limão permanecia muito bem fechado ao lado, guardado ao pé do vaso com umas poucas flores que haviam resistido. Normalmente aqueles tipos de plantas não costumavam resistir muito, e cá entre nós, Minerva não estava ligando tanto. Nunca havia gostado realmente de flores...

Parando um pouco, ela finalmente soltou uma das mãos e esfregou seus olhos por trás dos óculos de aros quadrados. Com fracas olheiras, finalmente terminando o capítulo XXI, percebeu o quão cansada estava. Para falar a verdade, estava exausta. Mesmo com a rápida recuperação, a interpretação continuava a exigir demais de sua mente ainda levemente debilitada. Inicialmente isso a enraivecia muito, mas após seis dias seguidos, nem se importava tanto. Tinha certeza que, no dia seguinte, tudo voltaria à normalidade.

Subitamente, lembrou-se do próximo amanhecer. Finalmente poderia sair daquela cama muito desagradável, que sentia já não mais suportar. Como poderia ter-se esquecido? Um agrado começou a nascer devagarzinho, mas que logo foi forçada a ficar por aí mesmo, um mero restinho. Ora essa, tinha de se controlar, não tinha? Onde já se vira uma mulher de sua idade com uma alegria visivelmente infantil?

Deixando o pensamento de lado, fechou o livro depois de duas longas horas e meia, tirou os óculos e repousou ambos sobre a mesa pequena, ao lado do presente que recebera antes do diretor. Foi uma sorte ele não tê-la visitado durante o restante dos dias, por conta do Ministério.

Sorte mesmo?...

Ao soltar ambos os objetos, ela encarou quase que tristemente a caixinha. De repente, fora tomada por algo muito estranho, uma sensação triste. Algo que definitivamente não estava acostumada a sentir, e por isso não sabia dizer o que era. E o mais estranho para a professora McGonagall é que, enquanto permanecia fitando o pacote pequeno, a imagem de Albus passava em sua mente. Do abraço que lhe havia dado, das partidas constantes de xadrez e dos olhares cintilantes e sorrisos que ele costumava dar.

Abruptamente seu coração começou a bater em velocidade avançada, um pouco mais acelerado que o normal, e antes que pudesse chegar ao ponto máximo, a subdiretora voltou a realidade, balançou a cabeça de um lado para o outro para apagar aqueles pensamentos e tornou a sua imagem severa. Isso, pouco antes de por fim soltar os cabelos do coque muito apertado, abandonar o grampo, e deitar-se a fim de repousar, estando disposta a dia seguinte.

Pareceu à Minerva, que simplesmente piscara os olhos e amanhecera. Fora a noite mais rápida que já tivera até o momento. Por breves segundos ela duvidou de ser mesmo manhã, mesmo com os fortes e claros raios de sol cortando o ar, atravessando as janelas da ala hospitalar e atingindo-a diretamente no rosto. Seus olhos pequenos e negros tiveram um pouco de dificuldade para se abrirem diante da luz forte, suas mãos plantaram-se no colchão macio para levantarem-na, fazendo-a se assentar sobre a cama. Mesmo com a visão borrada, podia ver que não havia rastro algum de Pomfrey (nenhuma poção por aí, nenhuma bandeja de remédios e etc. e tal). Pelo visto não acordara ainda. Que horas seriam?

Era impossível enxergar corretamente o relógio no alto da parede. Esticando o braço, procurou brevemente os seus óculos sobre a mesa. Ao encontrá-los, pegou-os com cuidado, colocou-os sobre o nariz ossudo e levou um dos maiores sustos que já recebera na vida. Ao encaixar os óculos de aros quadrados, achou-se encarando no mesmo segundo, uma flor de destaque no vaso pintado à mão.

Em meio as flores e galhos de enfeite amarelados e secos, que já não resistiam mais, uma grande e linda rosa, a mais bela que qualquer um já vira na vida, destacava-se no centro. Com suas pétalas muito vermelhas e perfeitas, havia pequenas gotas semelhantes a orvalho, porém deliciosamente cheirosas. Ao pé do vaso de porcelana, um pequeno bilhete jazia escrito em um pedaço de pergaminho, com letras muito bem desenhadas e facilmente reconhecíveis:

"Bem-vinda de volta, minha cara"

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