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Capítulo 2 - Sociável.
Foi uma semana triste. Meus pais brigaram bastante, mas eu e minha irmã não conseguimos ouvir muita coisa. Eles estão brigando agora, também. Eu tenho quase certeza que meu pai está bêbado – de novo – e tenho quase certeza que minha mãe vai perdoa-lo – de novo. Não sei até quando essa situação insuportável vai continuar, mas eu espero que acabe antes das aulas começarem. Deus me livre começar as aulas e o ensino médio em uma situação dessas.
Postado por Suzzz, às 18:30, no domingo.
Suzanna McKinnon, como toda boa nerd que se preze, tinha um blog. Um blog com um layout legal, que só era lido pelos seus amigos mais nerds ou sombrios ou existencialistas. Seus pais e suas irmãs nem sabiam que ela o tinha, e isso era um motivo de alivio para Suzanna, pois assim ela conseguia escrever tudo que queria, inclusive coisas sobre eles, sem ser questionada ou criticada. Era um mundinho só seu, além do quarto de paredes azuis-marinhos e o laptop só dela.
Terminou a postagem e abriu a janela do MSN, dando tchau pra sua amiga Ellen. Mandaram-se emoticons de beijinho e ela desligou o computador. Estava dentro do quarto desde que os pais começaram a brigar, e isso já tinha mais de quatro horas. Ouvia o som abafado da briga deles vindo de seu quarto, e ouvia o som da irmã falando incessantemente com alguém do seu quarto. Bufou e deitou na cama, com o travesseiro tapando a lateral da cabeça.
- Claro que eu sei que o Jeremy não é mais o namorado dela, mas sinceramente, foi uma baita sacanagem da Penny por ter ficado com ele, sabendo dos sentimentos profundos e verdadeiros que a Natalie tinha... Aliás, tem, por ele. Foi mal, sabe, foi... Foi mal.
Marlene McKinnon, ao contrário da irmã, preferia passar o tempo livre deitada de pernas pro ar na sua cama, falando no telefone e comendo sorvete. Já estava há quase duas horas falando com suas duas melhores amigas em uma conferência: Lily Evans, que trabalhava em uma cafeteria legal no centro, e Dorcas Meadowes, que era líder de torcida como Marlene. As duas estavam no último ano, como Marlene, e eram da mesma sala.
- Concordo com você, Marlene. – Disse Dorcas com sua voz infantil. – E não é como se ela não soubesse. Afinal, todo mundo no Universo sabe que a Natalie nunca superou o Jeremy completamente. Aí a Penny vai lá e aceita o pedido dele? Poxa, isso é mal.
- Se fosse comigo, eu nunca mais falaria com ela. Posso parecer dramática demais, mas eu sei o quanto a Natalie era apaixonada por ele e sei muito bem que a Penny tinha consciência disso quando ficou com ele. – Lily disse pausadamente, como sempre falava, aquela voz séria e alguém que sabe o que está falando.
Houve um pequeno momento de silêncio das três, enquanto elas todas pensavam exatamente na mesma coisa. Uma lembrança, uma lembrança de quando uma garota da escola ficou com James, o ex-namorado de Lily, por quem ela ainda tinha sentimentos fortíssimos. Na época, Lily ficou por três dias trancada no quarto com Dorcas e Marlene, comendo biscoitos e sorvete e refrigerante e usando todos os lenços de papel do planeta Terra. Mas ela tinha superado essa depressão. Mas não superado James e muito menos a situação.
- Bem, ainda bem que não é problema nosso. – Disse Marlene pra quebrar o gelo. – Mudando de assunto... Estou tão ansiosa pro recomeço das aulas!
- Eu também! Ainda mais que a Violet se formou, então a vaga de capitã das líderes de torcida está aberta! – Guinchou Dorcas. – Você vai tentar, não vai, Marlene?
- Eu não sei se quero. É muita responsabilidade, e eu já vou ter muita coisa pra fazer com toda a história da formatura, minha festa de aniversário, a viagem pra Áustria... – Respondeu Marlene, enrolando uma ponta do cabelo escuro.
- Isso sem contar que seus pais te colocaram de orientadora da sua irmã. – Lily disse e Marlene bateu na testa.
- Putz, eu tinha até esquecido. Claro, tem isso também. Ah, cara, eu vou precisar da ajuda de vocês esse ano com a minha irmã. Acreditem, ela vai precisar de toda a ajuda do mundo pra virar uma pessoa mais...
- Sociável. – Dorcas completou.
- Eu ia dizer “Legal”, mas “Sociável” conta igualmente. – Marlene falou. – Acho que meus pais pararam de brigar. – Ela sabia disso porque o quarto tinha ficado em silêncio, o que significava que a) Seus pais fizeram as pazes e agora estavam se agarrando na cama ou b) Sua mãe tinha matado o seu pai e agora estava silenciosamente catando os pedaços dele, colocando em uma maleta e limpando o sangue do carpete com algum tipo de ácido muy complexo que só ela conhecia. – Gente, vou desligar agora. Amanhã tá de pé, hein?
- De pésíssimo. – Dorcas disse (ela adorava superlativos). – Ei, sabe o que você deveria fazer? Levar sua irmã a festa. Assim ela já conhece o pessoal do colégio.
- É uma ótima ideia. – Lily disse meio falhada, provavelmente ainda meio triste com a lembrança de James.
- Seria, se minha irmã aceitasse. O único jeito de levá-la a uma festa do colégio na nossa casa de praia seria enganando-a e dizendo que nós iríamos, sei lá, a um cemitério ou seja-lá-onde-ela-gosta-de-ir. – Marlene disse, brincando com a ponta da meia.
- Ora, pergunte um lugar aonde ela gostaria de ir e diga que vai levá-la, então leve-a pra festa. – Dorcas falou. Marlene sorriu com a imagem.
- Certo, certo, vou tentar, mas não garanto. De qualquer modo, obrigadão, meninas. Até amanhã!
- Até, tchau-tchau. – Lily disse. – Amo você, Marlene.
- Também amo você, Lil. Fica bem. Tchauzius, Dorcas, te amo.
- Tchauzius, Marlene, te amo também. – Clic, clic, clic, as três desligaram. Marlene foi até a porta e tocou a orelha direita na madeira. Estava tudo em silêncio. Silêncio até demais. Resolveu tirar um cochilo. Jogou as coisas que estavam em cima da cama no tapete no chão e deitou. Cinco minutos depois estava dormindo.
Suzanna desceu para a cozinha quando ouviu que a briga dos pais tinha acabado. Pegou um copo enorme e entornou suco de uva até a sua boca, mas não bebeu. Ficou olhando para a geladeira, com mil coisas passando na sua cabeça. Ouviu um barulho que a acordou de um transe profundo sobre como o mundo seria se ela não existisse e virou o pescoço tão rapidamente que ela podia jurar que ele estralara. Era sua mãe, Anna, de robe lilás, descendo as escadas. Seu rosto estava vermelho e inchado de chorar. Suzanna viu os olhos azuis da mãe encontrarem-na e ambas tentaram sorrir. Anna foi até a filha e abraçou-a.
- Você tá bem, mamãe? – Suzanna, Teresa e Marlene ainda chamavam a mãe e o pai de mamãe e papai e isso podia parecer estranho para garotas de 15, 23 e (quase) 18 anos, mas era uma das poucas coisas que elas ainda faziam em comum. A mãe balançou a cabeça afirmativamente.
- Vamos ter uma conversa. – Ela disse com a boca nos cabelos escuríssimos de Suzanna. A mesma afastou o rosto do ombro da mãe e olhou-a com os olhos negros.
- Uma conversa ou uma conversa? – Ela perguntou, e a mãe sorriu.
- Uma conversa, filha. Uma conversa importante. – Anna disse. Mexeu nos cabelos loiros que só Teresa herdara e foi até o balcão, dando um gole no suco de uva da filha. Era um negócio tão concentrado, mas tão concentrado, que ela arregalou os olhos, pensando ser vinho. Depois lembrou que era Suzanna, e não Teresa, e a filha nunca beberia vinho.
- Sobre o que é a conversa? – Suzanna perguntou sem titubear. E a mãe respondeu igualmente.
- Sobre seu pai ir pra uma reabilitação.
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