CAPÍTULO DOIS



CAPÍTULO DOIS


 


No momento em que Gina estava enterrada até o pescoço na papelada de sua sala na Central de Polícia, o estranho despertar da noite anterior já estava esquecido. A cidade de Nova York parecia contente por poder se aquecer nos dias ainda cálidos do início de outono e estava se comportando bem. Aquele parecia um bom momento para separar algumas horas e tentar organizar sua sala.


Melhor ainda, delegar poderes a Hermione para fazer isso por ela.


- Como é que esses seus arquivos podem estar assim tão zoneados? - quis saber Hermione. Seu rosto quadrado, muito sério, expressava dor e desapontamento.


- Eu sei muito bem onde cada coisa está. - disse-lhe Gina. - E quero que você arrume tudo de um jeito que eu continue a saber onde tudo está, só que com um pouco mais de organização. Essa é uma missão muito difícil, policial Hermione?


- Dá pra encarar... - Hermione levantou os olhos para o teto quando Gina ficou de costas -... senhora!


- Ótimo! E não levante os olhos para o teto nas minhas costas. Se as coisas estão meio zoneadas, como você as descreveu, é pelo fato de eu estar enfrentando um ano muito movimentado. E, já que estamos no último trimestre e estou treinando você, é meu dever jogar a tarefa em cima das suas costas. - Gina se virou e sorriu de leve, continuando: - Com a esperança, Hermione, de que um dia você também tenha uma subalterna para poder se livrar de roubadas como essa.


- Sua confiança em mim é comovente, Weasley. Estou engasgada de tanta emoção. - e cochichou para o computador: - Ou talvez seja o fato de você ter formulários e relatórios aqui de cinco anos atrás que esteja me deixando engasgada. Esses casos todos já deviam ter sido arquivados no sistema principal e apagados dessa unidade no máximo vinte e quatro meses depois de terem sido resolvidos.


- Então, arquive-os no sistema e apague-os do meu computador agora. - O sorriso de Gina se ampliou quando a máquina engasgou e então zumbiu, avisando que o sistema ia cair. - Boa sorte!


- A tecnologia pode ser nossa amiga. Só que, como ocorre com qualquer amizade, ela requer manutenção regular e muita compreensão.


- Sei muito bem disso. - Gina chegou junto do monitor e deu-lhe dois golpes com a base da mão. O aparelho soluçou mais uma vez e voltou a funcionar normalmente. - Viu só?...


- Você tem mesmo um jeitinho meigo, tenente. Deve ser por isso que o pessoal da manutenção se diverte nas horas de folga lançando dardos sobre uma foto sua pregada na parede.


- Eles continuam fazendo isso? Puxa, são mesmo rancorosos... - Encolhendo os ombros, Gina se sentou na beira da mesa. - O que sabe a respeito de feitiçaria Wicca, Hermione?


- Se pretende lançar um feitiço nessa máquina aqui, Weasley, isso é meio fora da minha área. - Rangeu os dentes enquanto comprimia e salvava arquivos.


- Mas você é uma partidária da Família Livre!...


- Travou! Vamos lá, vamos lá, maquininha, você consegue!... - murmurou ela para o computador. - Além do mais, Weasley, partidários da Família Livre não são adeptos da Wicca. Os dois são tipos de religiões neopagãs, ligadas à terra, e ambas são baseadas na ordem da Natureza, mas... filho-da-mãe, para onde é que você foi?!...


- O quê? Para onde foi o quê?


- Nada. - Com os ombros curvados por sobre o monitor, Hermione o protegeu do olhar de Gina. - Nada, nada... não se preocupe, estou no controle de tudo. Você provavelmente não ia precisar daqueles arquivos mesmo...


- Isso é uma piada, Hermione?


- Pode apostar! Rá, rá... - Um filete de suor descia por suas costas enquanto ela brigava com o teclado. - Pronto! Achei! Tudo bem, tudo resolvido. E lá vão eles para o arquivo central. Bonitinhos e organizados. - Soltou um longo suspiro. - Será que posso tomar um pouco de café? Só para me manter alerta?...


Gina desviou o rosto, olhou para o monitor e não viu nada de alarmante ali. Sem dizer nada, levantou-se e ordenou café para o AutoChef.


- Por que deseja saber a respeito de Wicca? Está pensando em se converter? - Ao notar o olhar sem expressão de Gina, Hermione tentou sorrir. - Foi só outra brincadeira...


- Você está cheia de brincadeiras e piadas hoje, não é mesmo, Hermione? Não... estou perguntando apenas por curiosidade.


- Bem, existem alguns pontos em comum, princípios básicos à Família Livre e à Wicca. A busca pelo equilíbrio e harmonia internos, a celebração das mudanças entre as estações do ano, coisas que remontam a tempos imemoriais. Além disso, existe um código muito rígido que prega a não-violência.


- Não-violência? - Gina estreitou os olhos. - E quanto a rogar pragas, lançar feitiços e fazer sacrifícios? Virgens nuas no altar e galos pretos sendo decapitados?


- É que as obras de ficção mostram as bruxas desse jeito. Você conhece a famosa cena: “Mais dores para a barrela, mais cinzas para a panela.” Shakespeare. Macbeth.


Gina, com ar de desdém, rebateu:


- “Vou pegar você, minha menina, e seu cãozinho também”, a Bruxa Malvada do Oeste, em O Mágico de Oz. Assisti no canal de filmes clássicos.


- Boa citação. - admitiu Hermione. - Ambas são exemplos de um imenso mal-entendido. Bruxas não são feias, velhas maléficas que preparam poções em caldeirões cheios de gosma ou perseguem garotinhas acompanhadas de simpáticos espantalhos falantes. Os seguidores da Wicca gostam de ficar despidos, mas não ferem ninguém nem nada desse tipo. Trata-se basicamente de magia branca.


- E não...?


- Magia negra.


- Você não vai me dizer que acredita nessas coisas, não é? - reagiu Gina, olhando para a ajudante. -... Mágicas e encantamentos?


- Não. - Mais animada pelo efeito do café, Hermione tornou a se virar para o computador. - Sei algumas coisas básicas porque tenho um primo que se converteu à religião Wicca. Ele leva a coisa a sério. Chegou a se filiar a um grupo e participa de convenções de bruxas em Cincinnati.


- Você tem um primo que participa de convenções de bruxas em Cincinnati. - Rindo alto, Gina colocou o café sobre a mesa. - Hermione, você vive me surpreendendo.


- Qualquer dia vou lhe contar tudo a respeito de minha avó e seus cinco amantes.


- Bem, cinco amantes não é tão anormal no período da vida de uma mulher.


- Mas não foi durante a vida toda, foi só no mês passado. E ela namorou com todos ao mesmo tempo. - Hermione olhou para cima, com a fisionomia impassível. - Vovó está com noventa e oito anos. Tomara que eu puxe a ela...


Gina ia soltar uma gargalhada, mas teve que engoli-la, pois seu tele-link tocou.


- Aqui é Weasley. - atendeu, enquanto observava o rosto do comandante Lupin surgir na tela. - Sim, comandante?


- Quero falar com você, tenente, em minha sala. O mais rápido possível.


- Sim, senhor. Cinco minutos. - Gina desligou e lançou um olhar esperançoso para Hermione. - Talvez tenha pintado alguma coisa. Continue organizando esses arquivos. Entro em contato com você se a gente tiver que sair.


Ao deixar a sala, deu um passo atrás e falou, apenas com a cabeça à vista:


- E não coma minha barra de chocolate!


- Droga! - reclamou Hermione baixinho. - Ela não deixa escapar nada.


 


Lupin passara a maior parte de sua vida por trás de um distintivo e grande parte de sua carreira no comando. Fazia questão de conhecer seus policiais, avaliar seus pontos fortes e fracos. Sabia como utilizar ambos.


Era um homem corpulento, com mãos de operário, olhos escuros e penetrantes que muitos achavam frios. Seu temperamento, na superfície, era tão calmo que chegava a assustar. E, como acontece com a maioria das águas plácidas, escondia algo perigoso que ficava borbulhando no fundo.


Gina o respeitava, de vez em quando chegava a gostar dele e sempre o admirara.


Ele estava sentado atrás de sua mesa quando ela entrou na sala, e rugas de concentração franziam-lhe a testa enquanto ele lia um relatório impresso. Não levantou a cabeça, simplesmente fez um gesto indicando uma cadeira para Gina. Ela se sentou, vendo um bonde aéreo ribombar do lado de fora da janela, e se espantou, como sempre, ao ver o número de passageiros que usavam binóculos e óculos de enxergar a distância.  


O que será que eles esperavam ver por trás das janelas nas salas onde os policiais trabalhavam?, perguntou-se ela. Suspeitos sendo torturados, armas sendo descarregadas sobre alguém, vítimas sangrando e chorando? E por que será que a fantasia de ver tanta miséria os deixava tão interessados?


- Eu a vi no velório ontem. - anunciou ele.


Gina transferiu seus pensamentos e sua atenção para o comandante, confirmando:


- Imagino que quase todos os policiais da Central de Polícia apareceram por lá.


- Frank era muito querido.


- Sim, era mesmo.


- Você nunca trabalhou com ele?


- Ele me deu algumas dicas quando eu ainda era recruta, me ajudou algumas vezes fazendo investigações de rua em alguns casos que investiguei, mas... não, jamais trabalhei diretamente com ele.


Lupin concordou com a cabeça e manteve os olhos nos dela, informando:


- Ele era parceiro de Neville, antes do seu tempo, Weasley. Quando você começou a trabalhar nas ruas com Neville, assumiu o lugar de Frank, que se transferira para um setor burocrático.


Gina começou a sentir uma sensação desagradável na barriga. Tem alguma coisa aqui, pensou. Algo está errado. Porém, disse apenas:


- Sim, senhor. A morte de Frank foi um duro golpe para Neville.


- Sei bem disso, Weasley. É por essa razão que o capitão Neville não está conosco neste momento. - Lupin apoiou os cotovelos sobre a mesa e cruzou os dedos bem apertados. - Talvez tenhamos um problema aqui, tenente. Uma situação delicada.


- Relacionada com o sargento Wojinski?


- A informação que vou lhe passar neste momento é confidencial. Sua auxiliar pode ser informada, a seu critério, mas ninguém mais em toda a força. E ninguém da mídia. Estou pedindo a você, ordenando a você, - corrigiu - a essencialmente trabalhar nesse caso por conta própria.


A sensação de desconforto em sua barriga se transformou em fisgadas de medo ao pensar em Neville.


- Entendido, senhor.


- Há alguns problemas relacionados com as circunstâncias da morte do sargento Wojinski.


- Problemas, comandante?...


- Você precisa tomar conhecimento de algumas coisas para lhe servir de base. - Colocou as mãos cruzadas na beira da mesa, dizendo: - Chegou ao meu conhecimento que o sargento Wojinski estava efetuando uma investigação por conta própria, fora do horário de expediente, ou então estava envolvido com drogas ilegais.


- Drogas? Frank?!... Ninguém tinha a ficha mais limpa do que Frank.


Lupin continuou, sem piscar:


- No dia 22 de setembro último, o sargento Wojinski foi visto por uma detetive da Divisão de Drogas Ilegais. Ela estava sob disfarce e, segundo eu soube, conduzia uma investigação a respeito de um suspeito centro de distribuição de drogas químicas. O Athame é um clube privado, com temática religiosa, que oferece aos seus membros serviços ritualísticos individuais e em grupo, e também é licenciado para fornecer favores sexuais em particular. A Divisão de Drogas Ilegais está investigando o lugar há quase dois anos. Frank foi visto fazendo uma compra.


Ao ver que Gina não disse nada, Lupin soltou um longo suspiro e continuou:


- Este evento foi relatado a mim. Eu interroguei Frank, e ele não cooperou muito... - Lupin hesitou e então foi em frente: - Para ser franco, Weasley, o próprio fato de ele não ter confirmado nada nem negado já era estranho em se tratando dele. Isso me deixou preocupado. Ordenei que ele se submetesse a um exame físico completo, incluindo pesquisa de consumo de drogas, e o aconselhei a tirar uma semana de folga. Ele concordou com tudo. Os exames deram negativo. Em respeito à sua ficha limpa, além de nossa amizade e a opinião que tinha dele, não registrei este incidente em seu histórico e bloqueei os dados.


Levantando-se da mesa, ele se virou para a janela.


- Talvez isso tenha sido um erro. - continuou. - Se eu tivesse insistido na questão, àquela altura talvez ele ainda estivesse vivo, e nós não estaríamos tendo esta conversa.


- O senhor confiava em seu subordinado e no juízo que fazia dele.


Lupin se virou. Seus olhos pareciam ainda mais escuros, intensos, mas não frios, pensou Gina. Exibiam sentimentos.


- Sim, confiei... e agora tenho outros dados. A autópsia-padrão detectou, no organismo do sargento Wojinski, traços de digitálicos e Zeus.


- Zeus?! - Dessa vez foi Gina quem se levantou. - Frank não era usuário, comandante. Independentemente do fato de sabermos quem ele era, uma droga química tão poderosa quanto Zeus dá a maior bandeira! Dá pra gente ver nos olhos, nas modificações de personalidade. Se ele estivesse usando Zeus, todos os tiras desta divisão iam ficar sabendo. E o exame anti-drogas teria revelado. Só pode ser um engano.


Enfiando as mãos nos bolsos, Gina fez um esforço para não começar a andar de um lado para outro na sala.


- Sei que há tiras que consomem drogas. - continuou ela. - Sei que há tiras que acham que o distintivo serve como escudo para escapar da lei. Mas não Frank! De jeito nenhum aceito a idéia de que ele estivesse sujo...


- Mas os traços estavam lá, tenente. Bem como vestígios de outras drogas, identificadas como clones de projeção. A combinação de todos esses elementos químicos resultou em parada cardíaca e morte.


- O senhor suspeita de que ele tenha tomado uma overdose ou se matado? - Ela balançou a cabeça para os lados. - Não, não é possível, isso está errado!


- Repito tenente, os traços apareceram lá, na autópsia.


- Então deve haver algum outro motivo. Digitálicos e Zeus? - Ela franziu a testa. - Digitálicos são remédios para o coração, não é? O senhor disse que ele se submeteu a um exame físico completo há duas semanas. Por que não apareceu que ele sofria de problemas cardíacos?


O olhar de Lupin permaneceu firme ao falar.


- O amigo mais chegado de Frank na força é o melhor detetive eletrônico da cidade.


- Neville? - Gina deu dois passos para frente, sem conseguir se segurar. - O senhor acha que Neville escondeu tudo dentro do sistema e alterou seus registros médicos? Droga, comandante!


- É uma possibilidade que eu não posso ignorar. - disse Lupin, sem baixar o tom. - Nem você! A amizade às vezes impede o julgamento imparcial. Estou confiando na sua competência e espero que a sua amizade com Neville não vá, nesse caso, impedir o seu julgamento imparcial.


Voltou para a mesa, reassumiu a postura de autoridade e disse:


- Estas alegações e suspeitas têm que ser investigadas e esclarecidas.


O calor que Gina sentia no estômago se transformara em azia, que queimava como ácido.


- O senhor quer que eu investigue dois colegas. Um deles está morto, e sua família está arrasada. O outro foi a pessoa que fez meu treinamento e é um grande amigo... - colocou as mãos sobre a mesa do comandante -... e é seu amigo também.


Lupin esperava a raiva, e a aceitava. Da mesma forma que esperava que ela fosse desempenhar bem a missão. Ele não aceitaria menos que isso.


- Gina, você preferia que eu entregasse esse caso a alguém que não se importasse com os dois? - Suas sobrancelhas se elevaram ao fazer a pergunta. - Quero que isso seja feito na surdina, e cada peça que sirva de prova além de todos os registros da investigação deverão ser lacrados e entregues somente a mim. Pode ser necessário que você precise conversar com a família do sargento Wojinski em algum momento. Tenho certeza de que fará isso com tato e discrição. Não precisamos aumentar o pesar da família.


- E se eu encontrar alguma coisa que manche uma vida inteira de bom serviço público?


- Caberá a mim a tarefa de lidar com o problema.


- Isso que o senhor está me pedindo é algo terrível de fazer. - afirmou ela, empertigando-se.


- Não estou pedindo, estou ordenando. - corrigiu Lupin. - Talvez ver as coisas desse modo torne a tarefa mais fácil para você, tenente. - Ele lhe entregou dois discos lacrados. - Assista a esses dois discos em sua casa. Toda e qualquer transmissão ou contato comigo a respeito desse assunto deve ser enviada da sua casa para a minha. Nada deve passar pelo sistema da Central de Polícia, até que eu determine o contrário. Agora, está dispensada!


Ela girou nos calcanhares e caminhou até a porta. Ao chegar ali, fez uma pausa e falou, sem olhar para trás:


- Não vou entregar Neville. De jeito nenhum!


Lupin a observou sair e fechou os olhos. Gina faria o que precisava ser feito, e ele sabia disso. Só esperava que não fosse mais do que ela conseguiria suportar.


Gina estava fervendo de raiva quando voltou à sua sala. Hermione continuava sentada diante do monitor, com um sorriso afetado.


- Estou quase acabando. Seu computador é de lascar, Weasley, mas já dei uns socos nele, para ajudá-lo a se comportar.


- Desligue! - disse Gina com cara feia enquanto pegava o casaco e a bolsa. - Pegue seu equipamento, Hermione.


- Temos um caso para resolver? - Animada, Hermione pulou da cadeira e correu atrás de Gina. - Que tipo de caso? Aonde vamos? - Ela acelerou o passo para acompanhá-la. - Weasley?... tenente?


Gina apertou com força o botão do elevador e só o olhar furioso que lançou para Hermione já foi o bastante para acabar com as perguntas. Gina entrou no elevador, apertou-se no meio de um monte de policiais barulhentos e permaneceu em um silêncio de pedra.


- Oi, Weasley, como vai a vida de recém-casada? Por que não pede ao seu marido rico para ele comprar a lanchonete aqui da central? Quem sabe assim a gente finalmente vai conseguir alguma comida de verdade para morder.


Gina lançou um olhar gélido por cima do ombro e olhou para o rosto sorridente do policial que disse isso.


- Você pode me morder, Carter.


- Bem que eu tentei isso, há uns três anos, e você quase me quebrou os dentes. Acabou deixando um civil te morder... - completou, enquanto uma gargalhada geral explodia em volta deles.


- Pelo menos foi alguém que não é o maior babaca da Divisão de Roubos. - acrescentou alguém lá do fundo.


- É melhor que ser o menor babaca, Forenski. - reagiu Carter. - Ei Hermione, quer que eu morda você?


- Se o seu plano odontológico estiver em dia...


- Vou verificar e depois a informo. - Dando uma piscadela, Carter e vários outros saíram em bando.


- Carter dá em cima de qualquer mulher. - comentou Hermione casualmente, preocupada ao ver que Gina continuava a olhar direto em frente. - É uma pena que seja realmente um babaca. - Nenhuma resposta. - Ahn, eu acho Forenski um gato... - continuou Hermione. - Ele não tem namorada firme, tem?


- Não fico xeretando a vida pessoal dos colegas. - reagiu Gina, saltando quando o elevador chegou à garagem.


- Mas não se importa de xeretar a minha vida. - disse Hermione baixinho. Esperou até Gina digitar o código para abrir o carro e entrou no lado do carona. - Devo informar ao sistema qual é o nosso destino, senhora, ou é uma surpresa? - Então piscou, preocupada, ao ver que Gina simplesmente apoiou a cabeça sobre o volante. - Ei, você está bem? O que está acontecendo, Weasley?


- Digite o endereço da minha casa. Vamos para a sala de trabalho que fica lá. - Gina sugou o ar com esforço e se ajeitou no banco. - Vou explicando tudo pelo caminho. Todas as informações que você receber e todos os registros que surgirem e que tenham relação com esta investigação devem ser codificados e lacrados. - Gina manobrou o carro para fora da garagem e saiu na rua movimentada. - Todas as informações que eu citar são confidenciais. Você deverá se reportar apenas a mim ou ao comandante Lupin.


- Sim, senhora. - Hermione engoliu em seco, desobstruindo a garganta, e perguntou: - É um assunto interno, não é? O investigado é um de nós.


- Sim... droga! É um de nós.


 


Seu sistema caseiro não tinha as excentricidades do computador do trabalho. Harry providenciara isso. Os dados rolavam suavemente na tela.


- Detetive Marion Burns. Ela vem trabalhando sob disfarce no Clube Athame há oito meses, como atendente no bar. - Gina apertou os lábios. - Burns... eu não a conheço.


- Eu a conheço, por alto. - Hermione chegou sua cadeira mais para perto da de Gina. - Tive contato com ela quando estava... você lembra, durante o caso Casto. Ela me pareceu uma profissional do tipo confiável, focada e alerta. Se me lembro bem, ela faz parte da terceira geração de policiais em sua família. Sua mãe ainda está na ativa. Tem a patente de capitão, me parece, em Bunko. Seu avô tombou no cumprimento do dever durante as Guerras Urbanas. Não sei por que motivo ela teria dedurado o sargento Wojinski.


- Talvez tenha simplesmente relatado o que viu, ou talvez haja mais alguma coisa por trás. Vamos ter que descobrir. O relatório que entregou a Lupin é curto e direto. À meia-noite e meia do dia 22 de setembro de 2058, ela observou o sargento Wojinski sentado em uma cabine privativa em companhia de Selina Cross, conhecida traficante de drogas químicas. Wojinski entregou algumas fichas de crédito para ela e recebeu um pequeno pacote que parecia conter uma substância ilegal. A conversa e a compra demoraram quinze minutos, ao fim dos quais Selina Cross foi para outra cabine. Wojinski permaneceu no clube por mais uns dez minutos e então foi embora. A detetive Burns seguiu o suspeito por dois quarteirões, até que o viu entrar em um coletivo.


- Então ela não o viu consumir a droga.


- Não. E também não o viu retornar ao clube naquela noite nem em nenhuma noite subseqüente, durante o tempo em que ficou de vigia. Marion Burns é a primeira em nossa lista de interrogatórios.


- Sim, senhora. Weasley, já que Wojinski e Neville eram muito ligados, não lhe parece que Wojinski teria confidenciado algo a ele? Ou, se isso não aconteceu, que Neville talvez tenha reparado em... alguma coisa?


- Não sei. - Gina esfregou os olhos. - Clube Athame... que diabos é um athame?


- Não sei. - Hermione pegou seu computador de mão e requisitou dados. - Athame: punhal cerimonial para rituais wiccanos, é uma ferramenta normalmente fabricada em aço. Tradicionalmente, o athame não é utilizado para cortar, mas apenas para marcar ou traçar círculos protetores, em religiões ligadas à terra.


Hermione olhou para Gina e acrescentou:


- Feitiçaria. É uma tremenda coincidência.


- Não creio. - Pegando o bilhete de Alice que guardara na gaveta, entregou-o a Hermione. - A neta de Frank me entregou esse papel, disfarçadamente, durante o velório. Descobri que ela trabalha em uma loja chamada Busca Espiritual. Conhece esse lugar?


- Não, mas sei o que é. - Preocupada, Hermione devolveu o bilhete. - Os seguidores Wicca são pacíficos, Weasley. E usam ervas, não elementos químicos. Nenhum wiccano legítimo vai comprar, vender ou consumir Zeus.


- E quanto a digitálicos? - Gina colocou a cabeça meio de lado. - São feitos a partir de ervas, não são?


- São destilados da dedaleira, uma erva do gênero Digitalis. Vêm sendo usados para fins medicinais há séculos.


- Funciona como, é um tônico ou estimulante?


- Não sei tanto assim a respeito de cura, mas... sim, acho que sim.


- Zeus também... fico imaginando que tipo de efeito você consegue misturando os dois. Mistura malfeita, dosagem errada, sei lá, mas não ficaria surpresa se soubesse que provoca parada cardíaca.


- E você acha que Wojinski se matou?


- O comandante é quem suspeita disso. - respondeu Gina, com impaciência. - Eu só tenho perguntas, não respostas. Mas vou consegui-las. - Tornou a guardar o bilhete. - Vamos começar por hoje à noite, com Alice. Quero que você esteja lá às onze da noite, à paisana. Tente parecer uma entusiasta da Família Livre, Hermione, e não uma policial.


- Bem, tenho um vestido bem típico que a minha mãe fez para mim e me deu no último aniversário, - contraiu o rosto - mas vou ficar muito injuriada se você começar a rir dele e me zoar.


- Prometo que vou tentar me controlar. Por ora, vamos ver o que conseguimos desencavar a respeito dessa tal Selina Cross e do Clube Athame.


Cinco minutos depois, Gina estava sorrindo com ar sombrio para o monitor, enquanto comentava:


- Muito interessante. Nossa Selina anda muito agitada... Passou algum tempo na cadeia. Olhe só para a sua ficha criminal, Hermione. Ofereceu-se para fazer sexo sem ser licenciada, em 2043 e 2044. Acusada de assalto também em 2044, mas a queixa foi retirada. Depois encarou uma queixa de fraude, em 2047, quando gerenciava uma espelunca para contatos mediúnicos. Mas por que diabos será que as pessoas vivem querendo conversar com os mortos, hein? Suspeita de mutilação de animais em 2049. Não houve provas suficientes para prendê-la. Fabricação e distribuição de substâncias ilegais. Foi isso que a levou para o xadrez, de 2050 a 2051. Tudo isso pode ser considerado coisa pequena. Em 2055, porém, ela foi chamada para interrogatório por suspeita de estar ligada ao assassinato ritual de um menor. Seu álibi, porém, foi confirmado.


- A Divisão de Drogas Ilegais a vem mantendo sob observação desde que saiu da prisão, em 2051. - acrescentou Hermione, olhando a ficha.


- Mas não conseguiram enquadrá-la.


- Como você disse, ela é uma sardinha... eles devem estar à procura de um peixe maior.


- Exato! Vamos ver o que Marion Burns tem a nos dizer. Veja só... Selina Cross é a dona do Clube Athame, a dona legal! - Gina apertou os lábios. - Ora, ora... onde é que uma traficante de segunda classe consegue grana para comprar e manter um clube prive? Ela é testa-de-ferro! Será que o pessoal das Drogas Ilegais sabe para quem ela está servindo de fachada? Vamos dar uma olhada na cara dela. Computador, exiba uma foto da suspeita, Selina Cross.


- Ahff... - Hermione sentiu um calafrio diante da imagem que surgiu na tela. - Fantasmagórica!


- Não é um rosto fácil de esquecer. - murmurou Gina.


Era comprido e estreito, os lábios cheios, muito vermelhos, os olhos pretos como ônix. Havia traços belos ali, considerando o conjunto... a pele era muito branca e lisa, mas com um rosto frio. E, como Hermione tão bem descrevera, fantasmagórico. Seus cabelos eram tão pretos quanto os olhos, repartidos bem no meio, e desciam em fios retos, escorridos. Havia uma pequena tatuagem acima da sobrancelha esquerda.


- Que símbolo é aquele ali, tatuado? - quis saber Gina. - Ampliar a imagem em trinta por cento e aumentar a nitidez nos segmentos vinte a vinte e dois! - ordenou ao sistema.


- Um pentagrama... - a voz de Hermione estremeceu, fazendo com que Gina olhasse com mais curiosidade -... e está invertido. Ela não segue a religião Wicca, Weasley. - Hermione pigarreou. - Ela é adepta do satanismo!


 


Gina não acreditava nessas coisas, magia negra ou magia branca. Mas estava disposta a aceitar que outros acreditavam. E mais inclinada ainda a imaginar que havia gente por aí usando esse tipo de fé mal direcionado, a fim de explorar e tirar vantagens.


- Tenha cuidado com o que você não acredita, Gina.


Distraída, ela olhou para ele. Harry insistira em dirigir. Ela não podia reclamar, pois qualquer um dos carros que ele tinha deixava o dela no chinelo.


- O que quer dizer com isso?


- Quero dizer que, quando certas crenças e tradições sobrevivem intactas durante séculos, existe uma razão para isso.


- Claro que existe. Os seres humanos são, e sempre foram, crédulos e ingênuos. E existem, como sempre existiram, indivíduos que sabem como usar essa credulidade simplória. Vou descobrir se alguém andava explorando essa fraqueza em Frank.


Ela contara toda a história a Harry, justificando isso para si mesma com o argumento de que, já que não podia recorrer a Neville para ajudá-la na parte técnica, poderia e iria usar os talentos de Harry para isso.


- Você é uma boa policial e uma mulher sensível, Gina. Às vezes, é uma policial boa demais e uma mulher sensível demais, até... - Parou em um sinal e olhou para ela. - O que estou lhe pedindo é para ser mais cuidadosa ainda ao aprofundar-se em uma área como essa.


Seu rosto parecia circunspecto, sombrio, e sua voz, ainda mais séria.


- Estamos falando de bruxas e adoradores do diabo. Qual é, Harry, já estamos em outro milênio... satanistas, pelo amor de Deus! - Tirou o cabelo da frente do rosto. - O que esse pessoal acha que poderia conseguir do diabo, se ele existisse e eles conseguissem chamar sua atenção?


- Esse é o problema, não é? - disse Harry baixinho, enquanto virava para oeste, na direção do Clube Aquarius.


- Demônios existem! - Gina franziu a testa quando ele conseguiu estacionar em uma vaga elevada, junto da calçada. - Existem, são de carne e osso... e caminham sobre duas pernas. Você e eu já encontramos um monte deles.


Ela saltou do carro e seguiu pela rampa que descia até o nível da rua. Estava ventando um pouco e a brisa refrescante limpara os cheiros e a fumaça, levando-os para longe. Acima deles, o céu estava carregado com nuvens negras e não dava para ver a lua nem as estrelas. Fachos de luz se cruzavam no céu, lançados por veículos presos em um engarrafamento aéreo, e ouvia-se o roncar suave dos motores no alto.


A rua ficava em uma região sofisticada, cheia de pretensões urbanas artísticas, um ponto nobre e valorizado onde o carrinho de churrasquinho de rua era limpo e brilhante e o cardápio apresentava até mesmo frutas híbridas frescas, em vez de vender apenas enfumaçados cachorros-quentes de soja. A maior parte dos vendedores ambulantes já havia se recolhido para a noite. Durante o dia, porém, camelôs montavam suas bancas e discretamente ofereciam jóias fabricadas à mão, tapetes feitos manualmente em tear, ervas para banhos aromáticos e chás.


Até os pedintes daquela área eram mais educados, e deixavam suas licenças para exercer a mendicância bem à vista de todos. Provavelmente gastavam seus ganhos diários em uma boa refeição e não em drogas químicas.


A criminalidade era baixa ali, e os aluguéis, caríssimos. Os moradores da região, bem como os comerciantes, eram, em média, jovens.


Gina detestaria morar ali.


- Chegamos cedo. - murmurou ela, analisando a rua em volta com todo o cuidado, por força do hábito. Então seus lábios se abriram em um sorriso forçado, dizendo: - Olhe ali! Delicatéssen Mediúnica. Imagino que você entre lá, peça uma porção de vegetais picados e o atendente afirme que já sabia que você ia pedir esse prato. Saladas, massas e leitura de mãos. Estão abertos. - Por impulso, virou-se para Harry. Queria alguma coisa que ajudasse a levantar o seu astral. - Está a fim de ir até ali?


- Você quer pedir a uma pessoa para ler a sua mão?


- Já que a gente está aqui... - Agarrou a mão dele. - Vai servir para me deixar no clima de investigar seguidores de Satanás que também são traficantes de drogas químicas. Talvez a quiromante faça um acordo e leia a sua mão também pela metade do preço.


- Não.


- A gente nunca sabe, não custa pechinchar.


- Não quero que leiam a minha mão.


- Covarde! - murmurou ela e o empurrou pela porta de entrada.


- Eu prefiro a palavra cuidadoso.


Gina tinha de admitir... o cheiro estava tentador! Não havia o fedor de cebolas e molho apimentado em excesso, tão comum em lugares como aquele. Em vez disso, havia uma leve fragrância de temperos exóticos e flores, que se mesclavam perfeitamente com a música etérea.


Mesinhas brancas e cadeiras também brancas estavam colocadas a uma boa distância da mesa do bufê, onde tigelas e pratos de comida muito colorida eram apresentados por trás de vidros impecavelmente limpos. Dois clientes estavam sentados junto de uma das mesas, debruçados sobre tigelas de sopas claras. Ambos usavam mantos brancos e soltos, sandálias incrustadas com pedras e tinham as cabeças raspadas.


Atrás do balcão, estava um homem cheio de anéis de prata, um em cada dedo. Usava uma camisa solta, azul-clara, com mangas largas. Seus cabelos louros estavam cuidadosamente trançados com um cordão de prata. Ele sorriu, dando-lhes as boas-vindas.


- Abençoados sejam... desejam comida para o corpo ou para a alma?


- Achei que você ia descobrir só de olhar... - Sorriu Gina para ele. - Que tal uma leitura?


- Leitura de mão, tarô, runas ou aura?


- Mão! - Divertindo-se com aquilo, Gina esticou a mão com a palma para cima.


- Cassandra é a nossa quiromante. Fiquem à vontade, sentem-se... ela ficará feliz em atendê-los... Irmã! - chamou ele, enquanto Gina começava a se virar para sentar. - Suas auras são muito fortes e vibrantes. Vocês combinam muito bem um com o outro. - E dizendo isso, pegou uma vareta de madeira com a ponta redonda e a passou com suavidade sobre a borda de uma tigela branca fosca, translúcida.


Com o som melodioso da madeira sobre a borda de vidro, uma mulher surgiu por trás de uma cortina de contas que escondia uma sala ao fundo. Usava uma túnica prateada, com um bracelete em prata preso acima do cotovelo. Gina notou que ela era muito jovem, em torno de vinte anos, e, como o homem do balcão, tinha os cabelos louros e trançados.


- Sejam bem-vindos. - Sua voz tinha um leve sotaque da Irlanda. - Por favor, fiquem à vontade. Os dois vão querer leitura de mão?


- Não, só eu. - Gina sentou-se a uma mesa mais afastada. - Quanto é?


- A leitura é de graça. Solicitamos apenas uma doação, a critério do cliente. - Sentando-se com graça e leveza, sorriu para Harry. - Agradecemos muito pela sua generosidade. Agora, senhora, a mão com a qual a senhora nasceu.


- Eu nasci com as duas.


- A esquerda, por favor. - Ela fechou os dedos em concha sob a mão que Gina lhe ofereceu, quase sem tocá-la a princípio. - Força e coragem. Seu destino não foi determinado. Um trauma, uma falha na linha da vida. A senhora era muito nova... apenas uma criança... tanta dor, tanta tristeza. - Levantou os olhos em um tom de cinza-claro. - Não teve, e não tem, culpa pelo que houve.


Ela segurou a mão de Gina com mais força ao sentir que, por instinto, ela a estava recolhendo.


- Não é necessário que se lembre de tudo o que aconteceu, pelo menos até estar pronta. Vejo muito pesar, dúvidas a respeito de si mesma, paixões bloqueadas. Uma mulher solitária que sempre escolhe se manter focada em um objetivo. Tem uma grande necessidade de ver a justiça ser feita. É disciplinada, auto-motivada... atormentada. Seu coração se quebrou... na verdade, foi pior do que isso. Assim, a senhora guardou com cuidado o que sobrou dele. É muito capaz no que faz. Muito confiável também.


Pegou a mão direita de Gina com firmeza, mas mal olhou para ela. Os olhos cinzentos permaneceram fixos no rosto da consulente, e continuou:


- A senhora carrega muito do que aconteceu dentro de si. É algo que não se aquieta, algo que não lhe dá descanso. Mas conseguiu encontrar o seu lugar. A autoridade combina com o seu temperamento, bem como a responsabilidade que a acompanha. Vejo que é teimosa, muitas vezes obstinada, mas seu coração está curado. A senhora ama...


Lançou um olhar de lado para Gina mais uma vez, e seus lábios se tornaram mais suaves quando tornou a olhar para Gina, dizendo:


- É um amor tão profundo que a deixa surpresa. Isso a deixa nervosa também, e a senhora não é de ficar nervosa com facilidade. - Seu polegar passou de leve pela palma da mão de Gina. - Seu coração é profundo. E é... seletivo, exigente. Ele caminha com muito cuidado, mas quando se dá, é de forma completa. A senhora possui uma identificação única e personalizada... uma espécie de... distintivo. - Sorriu de leve. - Sim... fez a escolha certa, talvez a última que teria a chance de fazer. A senhora já matou outro ser humano. Mais de uma vez. Não houve alternativa para a senhora, mas isso pesa muito no seu coração e na sua cabeça, o tempo todo. Com relação a isso, a senhora tem dificuldades para separar o intelecto do emocional. Vejo aqui que vai tornar a matar...


Os olhos cinzentos ficaram vidrados de repente, e a força com que segurava a mão de Gina aumentou.


- Está escuro... - murmurou ela. - As forças são muito escuras aqui. Forças do mal. Há vidas que já se perderam e outras ainda vão se perder. Vejo dor e medo. Corpo e alma. A senhora deve proteger muito bem a si mesma e àqueles que ama.


Virando-se para Gina, ela agarrou de forma inesperada a mão dele e começou a falar muito depressa em idioma gaélico. Seu rosto ficou muito branco e sua respiração se tornou ofegante.


- Já chega! - Abalada, Gina puxou a mão para perto de si. - Foi um tremendo show... - Irritada por sentir que a palma de sua mão formigava, ela a esfregou com força nas calças, sobre o joelho. - Você tem mesmo um olho muito bom. Cassandra é o seu nome, não é? Tem uma conversa mole bem impressionante também. - Enfiando a mão na bolsa, Gina pegou cinqüenta fichas de crédito e as colocou sobre a mesa.


- Espere! - Cassandra abriu uma pequena bolsa bordada que trazia presa à cintura e pegou uma pedra lisa, em um tom de verde muito claro. - Isto é um presente... uma lembrança. - Ela a colocou na mão de Gina, fechando-a. - Leve-a sempre com a senhora.


- Por quê?


- Por que não? Por favor, voltem sempre. Abençoados sejam.


Gina deu mais uma olhada rápida em seu rosto pálido, antes de Cassandra voltar correndo para dentro, deixando para trás um som musical das contas que balançavam umas contra as outras.


- Bem, Harry, acho que não rolou a previsão que diz que “você vai fazer uma longa viagem pelo mar”. - murmurou Gina, enquanto se encaminhava para a porta. - O que foi que ela disse para você?


- O dialeto que usou era um pouco estranho, carregado... acho que ela veio de algum condado da parte oeste da Irlanda. - Ao sair da loja, sentiu-se estranhamente aliviado ao respirar o ar da noite. - O básico da mensagem foi que se eu a amo tanto quanto ela imagina, devo me manter bem perto de você. Disse que você está em grande perigo de perder a vida, e talvez até a alma, e vai precisar de mim para sobreviver.


- Quanta bobagem!... - Gina olhou para a pedra que estava em sua mão.


- Fique com a pedra. - Harry fechou os dedos de Gina sobre ela. - Mal não vai fazer.


- Acho que vou manter distância desses paranormais. - Encolhendo os ombros, Gina guardou a pedra no bolso.


- Excelente idéia! - afirmou Harry com sinceridade, enquanto atravessava a rua com Gina, seguindo ambos em direção ao Clube Aquarius.


 


 


 

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