CAPÍTULO UM
CAPÍTULO UM
A morte a cercava. Ela a encarava todos os dias e sonhava com ela à noite. Vivia com ela sempre. Conhecia seus sons, suas fragrâncias, até sua textura. Era capaz de olhar para seus olhos escuros e hábeis sem piscar. A morte era uma adversária ardilosa, ela sabia. Um segundo de hesitação, uma piscadela e ela podia se mover, podia mudar. Podia vencer.
Dez anos trabalhando como policial não a haviam endurecido com relação a isso. Uma década na força policial de Nova York não a fez aceitá-la. Quando via a morte frente a frente, seus olhos exibiam o tom frio de um guerreiro.
Gina Weasley olhava para a morte naquele instante. E olhava para a morte de um de seus companheiros.
Frank Wojinski havia sido um bom tira, muito confiável. Alguns o achavam até “caxias” demais. Era cortês, lembrou Gina. Um homem que jamais reclamara do grude disfarçado de comida que era servido na cantina do Departamento de Polícia de Nova York, ou da papelada absurda que o trabalho gerava. Ou, pensou Gina, a respeito do fato de ter chegado aos sessenta e dois sem nunca ter passado da patente de sargento-detetive.
Era meio rechonchudo e deixara o cabelo ficar ralo e grisalho de forma natural. Era raro, em 2058, um homem abrir mão das facilidades da escultura corporal e melhorias estéticas de todo tipo. Agora, em seu caixão com tampo de vidro, com o rosto e o corpo cercados por pesarosos lírios, parecia um monge de outras eras, placidamente adormecido.
Ele nascera em outra era, refletiu Gina, chegando ao mundo no fim de um milênio e vivendo quase toda a vida no milênio seguinte. Passara pelas Guerras Urbanas, mas não costumava falar tanto sobre elas quanto os tiras mais velhos. Não era de contar histórias de guerra, pelo que Gina lembrava. Era mais do tipo que gostava de exibir a mais nova foto ou um holograma dos filhos e netos.
Gostava de piadas fracas, de falar de esportes, e tinha uma fraqueza por cachorros-quentes feitos com salsicha de soja e molho condimentado demais.
Um sujeito voltado para a família, pensou, e que deixara entre os seus grande luto. Na verdade, Gina não conhecia ninguém que tivesse convivido com Frank Wojinski e não gostasse muito dele.
Morrera com metade da vida pela frente, e morrera sozinho, quando o coração que todos julgavam tão grande e forte simplesmente parará de bater.
- Droga! - Ouviu ela.
Virando-se para o lado, colocou a mão no braço do homem que chegara junto dela e disse:
- Sinto muito, Neville.
Ele balançou a cabeça e seus olhos de cãozinho carente se encheram de lágrimas e tristeza. Passando as mãos nos cabelos ruivos despenteados, disse:
- Se tivesse sido em serviço, talvez fosse mais fácil de aceitar. Consigo entender a morte no cumprimento do dever. Mas simplesmente deixar de viver, assim... dar uma relaxada na poltrona reclinável, assistindo ao jogo na tevê e apagar... isso não está certo, Weasley. Um homem não pode deixar de viver assim de repente, na idade dele.
- Eu sei. - Sem ter idéia de como proceder, Gina colocou o braço sobre o ombro do amigo e o levou para longe do caixão.
- Ele me treinou. - explicou Neville. - Cuidou de mim quando fui recruta. Nunca me deixou na mão... - A dor parecia irradiar dele e fazia seus olhos brilharem muito, estremecendo-lhe a voz. - Frank jamais deixou ninguém na mão, em toda a sua vida.
- Eu sei. - repetiu ela, porque não havia mais nada que pudesse ser dito. Gina estava acostumada a ver Neville cheio de energia, forte, durão... a delicadeza de sua dor a comoveu.
Passou com ele através das pessoas presentes. A sala do velório estava lotada de policiais e familiares do morto. E onde havia tiras e um morto, sempre havia café... ou o líquido escuro que passava por café, no caso de lugares como aquele. Servindo uma xícara, Gina a entregou a Neville.
- Não consigo entender. Não consigo aceitar! - Soltou um longo e trêmulo suspiro. Ali estava ele, um homem robusto e atarracado que exibia sua dor tão abertamente quanto o sobretudo amassado que usava. - Ainda não falei com Sally. Minha mulher está com ela. Simplesmente não consigo ir até lá...
- Tudo bem... eu também ainda não fui falar com ela. - Como não sabia o que fazer com as mãos, Gina serviu uma xícara de café para si mesma, sabendo que não tinha a intenção de bebê-lo. - Todos estão muito abalados com isso. Eu não sabia que ele tinha problema de coração.
- Ninguém sabia. - disse Neville baixinho - Ninguém sabia...
Gina manteve a mão no ombro do amigo, enquanto observava a sala cheia demais e muito quente. Quando um colega policial morria no cumprimento do dever, os outros tiras ficavam zangados, mas conseguiam manter o foco, tinham um alvo onde descontar depois. Porém, quando a velha morte chegava sorrateira e apontava para alguém com seu dedo deformado e caprichoso, não havia quem culpar. Nem quem punir.
Era impotência o que ela sentia na sala e em si mesma. Não dava para ameaçar o destino com uma arma nem com os punhos.
O chefe do cerimonial, elegante em seu terno preto, bem tradicional, e com um rosto tão pálido quanto os de seus clientes, circulava pela sala, dando tapinhas nos ombros e exibindo olhos tristes. Gina decidiu que preferia ver um cadáver levantar do caixão e sorrir para ela a ouvir o blablablá do papa-defunto.
- Por que não vamos falar com a família juntos? - propôs ela.
Era difícil para ele, mas Neville concordou com a cabeça e colocou de lado a xícara de café intocada.
- Frank gostava muito de você, Weasley. “Aquela menina tem colhões de aço e uma cabeça que funciona”, era o que costumava dizer sobre você. Falava que, se estivesse encurralado, era você que ele ia querer para lhe dar cobertura.
Ouvir isso a deixou surpresa e satisfeita, mas ao mesmo tempo fez aumentar o pesar pela perda.
- Puxa Neville, nunca imaginei que ele pensasse isso de mim.
Neville olhou para ela. Gina tinha um rosto interessante, não exatamente o que ele qualificaria como “de fechar o comércio”, mas a verdade é que seus traços faziam com que um homem olhasse duas vezes quando ela passava, apreciando os ângulos, os ossos proeminentes e a covinha no queixo. Ela possuía olhos de policial, intensos e atentos, e Neville às vezes se esquecia de que eles tinham também um lindo tom castanho-dourado. Seus cabelos exibiam o tom vermelho sangue, eram curtos e precisavam urgentemente de um corte bem-feito. Ela era alta e tinha o corpo resistente.
Lembrou que, menos de um mês antes, ele a encontrara no corredor de um prédio, ferida e muito ensangüentada. Sua arma, porém, se mantivera firme na mão.
- Bem, Gina, ele realmente achava isso de você. E eu acho também. - Ao vê-la piscar os olhos de surpresa, Neville se empertigou e decidiu: - Vamos logo falar com Sally e as crianças.
Foram se apertando para abrir caminho através da multidão compacta, em uma sala que dava a sensação de opressão, com seu revestimento de fórmica imitando madeira escura, cortinas vermelhas pesadas, muito pregueadas, e o cheiro funéreo de flores em excesso apertadas em um lugar muito pequeno.
Gina se perguntou o motivo de velórios serem sempre acompanhados de flores e cortinas vermelhas pesadas. De que cerimônia ancestral teria vindo aquilo, e por que razão a raça humana continuava a seguir esse ritual? Estava certa de que, quando chegasse a sua hora, não gostaria de ficar deitada em exibição diante de seus entes queridos e colegas em uma sala sufocante de calor e fedendo a flores que pareciam estar entrando em estado de putrefação.
Então viu Sally, amparada pelos filhos e netos, e compreendeu que tais ritos eram para os vivos. Os mortos já não precisavam de cuidados.
- Neville! - Sally estendeu as mãos pequenas, que pareciam pertencer a uma fada, e encostou a face na de Neville. Ficou ali por um momento, com os olhos fechados e a pele pálida e sem vida.
Era uma mulher magra, com voz suave, que Gina sempre considerara delicada. No entanto, como mulher de um policial, que sobrevivera aos estresses do trabalho do marido por mais de quarenta anos, devia ter alguma coisa de aço dentro dela. Sobre o vestido preto simples, ela usava, pendurado em um cordão, o anel que seu marido recebera ao completar vinte e cinco anos no Departamento de Polícia de Nova York.
Outro rito, pensou Gina. Outro símbolo.
- É um consolo que tenha vindo. - murmurou Sally.
- Vou sentir falta dele. Vamos todos sentir muita falta dele. - Neville deu-lhe uns tapinhas nas costas, meio sem jeito, antes de se afastar. A dor estava em sua garganta, engasgando-o. Engolir em seco só servia para fazer a dor descer fria e pesada até o estômago. - Você sabe que se houver alguma coisa que eu possa fazer...
- Sim, eu sei... - Seus lábios se curvaram de leve, formando um sorriso, e ela apertou-lhe a mão com carinho, confortando-o, antes de se virar para Gina. - Muito obrigada por ter vindo, Weasley.
- Ele era um homem bom... e um tira confiável.
- Sim, ele era. - Reconhecendo o alto tributo representado por aquelas palavras, Sally conseguiu ampliar o sorriso. - Tinha orgulho em servir e proteger. O comandante Lupin e sua esposa estão aqui, além do secretário Diggory. E tantos outros! - Seu olhar vitrificado vagou pela sala. - Tantos... Frank era querido. Eles se importavam com ele.
- Claro que sim, Sally. - Neville trocou o peso do corpo de um pé para outro, pouco à vontade. - Você, ahn... sabe a respeito do fundo de auxílio às famílias dos policiais, não sabe?
- Não se preocupe, Neville, estamos bem amparados com relação a isso. - Ela tornou a sorrir, batendo em sua mão com carinho. - Weasley, acho que você não conhece minha família. Tenente Weasley, minha filha, Brenda.
Baixinha, com curvas generosas, notou Gina ao cumprimentá-la. Cabelos e olhos escuros, um queixo firme. Puxara ao pai...
- Este é meu filho, Curtis.
Magro, ossos pequenos, mãos macias e olhos que, embora secos, pareciam confusos pelo choque.
- E estes são meus netos.
Havia cinco deles, sendo que o mais novo tinha uns oito anos e o nariz meio achatado coberto de sardas. Olhou para Gina, analisando-a, e perguntou:
- Por que trouxe a sua arma a laser?
Parecendo aturdida, Gina apertou o casaco de couro com o braço, dizendo:
- É que eu vim direto da Central de Polícia. Não tive tempo de ir em casa para trocar de roupa.
- Pete! - Curtis lançou um olhar de desculpas para Gina. - Não amole a tenente.
- Se as pessoas se concentrassem mais nos seus poderes pessoais e espirituais, armas não seriam necessárias. Meu nome é Alice, tenente.
Uma loura muito magra toda de preto deu um passo em direção a Gina. A moça seria linda de qualquer modo, refletiu Gina, mas tendo nascido de uma família tão bonita se tornara deslumbrante. Seus olhos tinham um tom suave e sonhador de azul; seus lábios eram cheios, sensuais e estavam sem pintura. Usava o cabelo solto, de forma que ele escorria liso e brilhante sobre os ombros do vestido leve. Uma fina corrente de prata descia até sua cintura. Na ponta, havia uma pedra negra com um círculo em volta, também em prata.
- Alice, você é uma pirada mesmo.
Ela lançou um olhar frio por sobre os ombros, na direção de um menino com cerca de dezesseis anos. Suas mãos, porém, ficaram envolvendo a pedra negra, como pássaros elegantes que protegiam o ninho.
- Esse é o meu irmão Jamie, tenente. - explicou, com a voz suave como seda. - Ele ainda está na fase de achar que xingamentos merecem resposta. Meu avô falava muito da senhora, tenente Weasley.
- Sinto-me lisonjeada.
- Seu marido não está em sua companhia esta noite?
Gina levantou uma sobrancelha. Ali não há apenas luto, deduziu, mas um pouco de nervoso também. Era bem fácil de reconhecer. Havia sinais, embora não fossem muito claros. A garota estava a fim de alguma coisa, avaliou Gina. Mas do quê?
- Não, meu marido não veio. - Desviou o olhar para Sally. - Ele enviou suas condolências, Sra. Wojinski. Está fora do planeta.
- Deve exigir muita concentração e energia - interrompeu Alice - manter um relacionamento com um homem como Potter e ao mesmo tempo construir uma carreira difícil, cheia de exigências e até perigosa. Meu avô costumava dizer que, quando você assume uma investigação, não larga o osso até desvendá-la. Essa é uma descrição precisa, tenente?
- Se você largar o osso, você o perde... e eu não gosto de perder. - Gina fez questão de manter o olhar grudado no de Alice, que apresentava um ar estranho, e então, por impulso, se agachou e sussurrou ao ouvido de Pete: - Quando eu ainda era uma recruta, vi seu avô acertar um cara com a arma de atordoar a mais de dez metros de distância. Ele era o melhor! - Foi agraciada com um sorriso curto, antes de endireitar o corpo. - Seu marido não será esquecido, Sra. Wojinski. - disse ela, oferecendo a mão. - Todos nós gostávamos muito dele.
Deu um passo para trás, mas Alice colocou a mão sobre seu braço e se inclinou em sua direção, discretamente. A mão, notou Gina, tremia ligeiramente.
- Foi muito bom conhecê-la, tenente. Obrigada por ter vindo.
Gina inclinou a cabeça e se misturou à multidão. De forma casual, enfiou a mão no bolso do casaco e tocou com a ponta dos dedos a estreita tira de papel que Alice enfiara ali dentro. Levou mais uns trinta minutos para sair, esperou até estar do lado de fora e dentro do carro antes de abrir o bilhete e ler.
Encontre-me amanhã à meia-noite no Clube Aquarius.
NÃO CONTE PARA NINGUÉM. Sua vida corre perigo.
À guisa de assinatura, havia um símbolo, uma linha escura que formava um círculo que se expandia e formava uma espécie de labirinto. Quase tão intrigada quanto chateada com aquilo, Gina enfiou o bilhete de volta no bolso e foi para casa.
Como era uma policial experiente, reparou na figura vestida de preto, pouco mais que uma sombra entre as sombras. E por ser uma policial capaz, soube na hora que a figura a estava vigiando.
Sempre que Harry viajava, Gina preferia fingir que a casa estava vazia. Tanto ela quanto Moody, que trabalhava como mordomo e era também chefe da criadagem de Harry, faziam o possível para ignorar a presença um do outro. A casa era imensa, uma intrincada multiplicidade de quartos que tornava uma questão simples evitar um ao outro.
Ela entrou no largo vestíbulo e jogou o casaco de couro muito arranhado sobre a coluna entalhada que ficava no primeiro degrau da escada, pois sabia que isso ia fazer Moody ranger os dentes de raiva. Ele detestava qualquer coisa que maculasse a elegância da casa. Particularmente Gina.
Subindo as escadas, ela desviou para sua suíte particular com escritório, em vez de ir para o quarto principal da casa. Já que Harry ia passar mais uma noite fora do planeta, ela preferia dormir na sua poltrona de relaxamento, em vez de ir para a cama deles.
Ela muitas vezes tinha sonhos terríveis quando dormia sozinha.
Com o tempo que gastara analisando a papelada e depois indo ao velório, ela não teve oportunidade de comer nada. Ordenou em voz alta um sanduíche, com presunto de verdade e pão de centeio, e café, que ela sabia que vinha cheio de cafeína pura. Quando o AutoChef entregou o pedido, Gina inalou os aromas bem devagar, com avidez. Deu a primeira mordida e fechou os olhos para sentir melhor o milagre do sabor.
Realmente, havia muitas vantagens em ser casada com um homem que podia se dar ao luxo de consumir carne de verdade, em vez de subprodutos ou imitações sintéticas.
Para satisfazer a curiosidade, foi até a escrivaninha e ligou o computador. Engoliu um bom pedaço de presunto e o acompanhou com um gole de café.
- Quero todos os dados disponíveis a respeito de Alice, sobrenome paterno desconhecido. O nome de solteira da mãe é Brenda Wojinski, e os avós maternos chamam-se Frank e Sally Wojinski.
Pesquisando...
Gina tamborilou na mesa com os dedos, pegou o bilhete e tornou a lê-lo, enquanto acabava sua rápida refeição.
Objeto de pesquisa: Alice Lingstrom. Data de nascimento: 10 de junho de 2040. Primogênita e única filha mulher de Jan Lingstrom e Brenda Wojinski, divorciados. Residência: Rua 8, número 486, lado oeste, apartamento 4B, Nova York. Irmão: James Lingstrom, nascido em 22 de março de 2042. Grau de instrução: ensino médio completo. Foi oradora da turma. Dois semestres de faculdade em Harvard, um em antropologia e outro em mitologia. Trancou a matrícula no terceiro semestre. Atualmente trabalhando como balconista na loja Busca Espiritual, na Décima Avenida, parte oeste, número 228, Nova York. Estado civil: solteira.
Gina passou a língua sobre os dentes da frente.
- Tem ficha na polícia?
Sem registros criminais.
- Parece tudo normal. - murmurou Gina. - Dados a respeito da loja Busca Espiritual.
Busca Espiritual. Loja de magia ligada à religião Wicca e centro de consultas de propriedade de Isis Paige e Charles Forte. Funciona há três anos no local. Renda bruta anual de cento e vinte e cinco mil dólares. Há um herbolário e uma sacerdotisa registrada; um hipnoterapeuta formado também trabalha no local.
- Magia Wicca? - Gina se recostou na cadeira, bufando pelas narinas. - É algum lance ligado à bruxaria? Meu Deus... que tipo de troço é esse?
Wicca, movimento reconhecido como religião e também como arte. Trata-se de uma fé ancestral, baseada na natureza, que...
- Tá bom, chega! - ordenou Gina, soltando o ar com força. Ela não estava atrás de uma definição detalhada de bruxaria. Queria apenas uma explicação para o fato de um policial durão e com os pés no chão acabar tendo na família uma neta que acreditava em feitiços e cristais mágicos.
E por que essa neta queria um encontro secreto com ela.
O melhor jeito de descobrir, decidiu, era dar as caras no tal de Clube Aquarius dali a pouco mais de vinte e quatro horas. Gina deixou o bilhete sobre a mesa. Era mais fácil jogar aquilo fora, pensou, mas ele havia sido escrito pela neta de um homem que Gina respeitava muito...
Além do mais, reparara naquela figura entre as sombras. Uma figura que ela tinha certeza de que não pretendia ser notada. Foi até o banheiro da suíte e começou a se despir. Era uma pena que ela não pudesse levar a Luna com ela para o encontro misterioso. Gina tinha a leve impressão de que o tal do Clube Aquarius tinha tudo a ver com sua amiga. Chutou os jeans para um canto e se inclinou para a frente, fazendo um alongamento para relaxar depois do longo dia. Perguntou-se o que ia fazer para passar a noite comprida que tinha diante de si.
Não havia nenhum trabalho urgente a fazer. Seu último homicídio fora resolvido tão depressa que em menos de oito horas ela e sua assistente fecharam o caso. Talvez ela passasse umas duas horas assistindo a algum filme. Ou talvez pegasse uma das armas da sala de tiro de Harry e rodasse algum programa holográfico para se exercitar e gastar o excesso de energia até conseguir ter sono.
Ela nunca experimentara um dos rifles automáticos de ataque. Devia ser interessante descobrir como um policial derrubava um inimigo nos idos das Guerras Urbanas.
Entrou sob o chuveiro e ordenou:
- Jato forte, em modo pulsante a trinta e seis graus.
Bem que ela gostaria de ter um assassinato nas mãos para resolver. Algo em que focar a mente e acelerar sua circulação. Droga, aquilo era patético. Ela estava se sentindo solitária, compreendeu. Louca por algo com o que se distrair, e ele só estava fora há três dias.
Os dois tinham seu trabalho e suas vidas, não é? Já tinham antes de se conhecerem, e continuavam a ter depois de casados. As exigências profissionais dos dois absorviam muito do tempo de ambos e da sua atenção. O casamento só funcionava, e isso continuava a surpreendê-la, porque os dois eram pessoas independentes.
Nossa, ela sentia falta dele de uma forma absurda. Revoltada consigo mesma por sentir isso, enfiou a cabeça sobre o jato e deixou que a água lhe martelasse o cérebro.
Quando sentiu duas mãos que subiram lentamente pela sua cintura e acabaram comprimindo os dois seios, não chegou a se assustar. Seu coração, sim, deu um pulo. Ela conhecia aquele toque, a emoção daqueles dedos longos e finos, a textura das palmas largas e envolventes. Deixou a cabeça tombar para trás, convidando a boca que sentia respirar por trás dela a pousar na curva do seu ombro.
- Humm, Moody!... seu tarado!
Sentiu dentes se enterrarem em sua carne e soltou uma risada. Polegares experientes roçavam de leve os seus mamilos, ensaboando-os, e ela gemeu.
- Não adianta, porque eu não vou despedi-lo! - Harry deixou a mão ir descendo lentamente até o centro do corpo dela.
- Não custa a gente tentar. Você já voltou... - Os dedos dele se enfiaram com muita perícia dentro dela, muito lisos e escorregadios, fazendo-a arquear o corpo com violência, gemer mais e gozar na hora, tudo ao mesmo tempo -... voltou mais cedo. - conseguiu dizer afinal, soltando o ar em uma explosão e perdendo o fôlego. - Ah, meu Deus!...
- Diria que cheguei na hora certa. - Girando-a e colocando-a de frente para ele, viu que ela estava ainda trêmula, piscando muito para tirar a água dos olhos, e cobriu-lhe a boca em um beijo longo e voraz.
Ele pensara nela o tempo todo durante o interminável vôo de volta. Pensara basicamente naquilo, simplesmente naquilo: tocá-la, saboreá-la e ouvir-lhe a respiração entrecortada ao fazer isso. E ali estava ela, nua, molhada e já tremendo à espera dele. Ele a encostou no canto do boxe, agarrou-a pelos quadris e lentamente a levantou do chão, perguntando:
- Sentiu saudade?
O coração dela martelava... ele estava ali, a poucos centímetros de penetrá-la, preenchê-la e desestruturá-la.
- Não muito...
- Bem, nesse caso... - ele a beijou de leve no queixo -... vou deixá-la terminar seu banho em paz.
Com a rapidez de um relâmpago, ela o envolveu, colocando as pernas em volta de sua cintura e agarrando sua vasta cabeleira molhada com força, ameaçando-o:
- Nem pense nisso, meu chapa, senão você pode se considerar morto...
- Então, simplesmente por uma questão de auto-preservação. - disse ele e, para torturar a ambos, deixou-se deslizar para dentro dela bem devagar, vendo seus olhos ficarem opacos. Fundiu sua boca com a dela novamente e sentiu-lhe a respiração ofegante trepidar por dentro dele.
A cavalgada foi lenta, escorregadia, e mais suave do que ambos haviam esperado. O orgasmo dos dois veio em um suspiro longo, bem baixinho. Os lábios dela se abriram em um sorriso, de encontro aos dele, dizendo:
- Bem-vindo ao lar.
Ela conseguia vê-lo agora, com aqueles atordoantes olhos azuis, o rosto que tinha um pouco de santo e de pecador, e a boca de um poeta condenado. Seus cabelos, por onde a água escorria, eram pretos e lisos, um pouco compridos, tocando de leve os ombros largos enfeixados com músculos sutis, mas surpreendentemente duros.
Olhar para ele depois dessas ausências curtas e periódicas sempre fazia com que algo inesperado se movesse por dentro dela. Gina duvidava de que algum dia pudesse se acostumar com a idéia de que ele não apenas a desejava, mas também a amava.
Ainda sorria ao passar os dedos por entre seus cabelos fartos e pretos enquanto perguntava:
- Está tudo bem no Olympus Resort?
- Alguns ajustes, alguns atrasos. Nada que não possa ser resolvido. - O elaborado resort e o centro de entretenimento e prazer que estavam sendo construídos em uma estação espacial iam ser inaugurados dentro do prazo, porque Harry não aceitaria menos que isso.
Ordenando o fechamento da ducha, ele pegou uma toalha e a enrolou em volta dela, mesmo sabendo que Gina preferia o tubo de secagem de corpo.
- Comecei a entender o porquê de você preferir ficar aqui nesta sua suíte particular sempre que viajo. Eu também não consegui ficar na suíte presidencial do Olympus. - disse e pegou outra toalha, esfregando-a sobre os cabelos de Gina. - Estava muito solitário lá, sem você...
Ela deixou-se recostar nele por um momento, só para sentir o relevo familiar das linhas do corpo dele de encontro ao dela, e disse:
- Estamos ficando muito melosos!...
- Não me importo. Nós, irlandeses, somos muito sentimentais.
Isso a fez dar um sorriso afetado no instante em que ele se virou para pegar os robes. Talvez ele tivesse aquele sotaque musical irlandês na voz, mas Gina duvidava muito de que algum dos seus companheiros ou rivais de negócios pudesse considerar Harry um sentimental.
- Ora, vejo que você não adquiriu nenhuma marca roxa nova. - observou ele, ajudando-a a colocar o robe antes mesmo de ela tentar vesti-lo. - Imagino que isso signifique que as coisas por aqui andam calmas.
- Pode-se dizer que sim. Tivemos um cara que ficou um pouco entusiasmado demais quando estava em companhia de uma acompanhante autorizada e a estrangulou durante o sexo. - Dando um laço no robe, ela passou os dedos pelos cabelos e lançou respingos de água para os lados. - Depois, ficou apavorado e fugiu. - Encolheu os ombros enquanto ia para o escritório. - No fim, resolveu arrumar um advogado e se entregou poucas horas depois. O promotor o enquadrou como caso de homicídio culposo. Deixei Hermione interrogá-lo e fichá-lo.
- Humm... - Harry foi até uma cabine embutida para pegar vinho e serviu dois cálices. - Anda tudo quieto, então.
- É... estive naquele velório hoje à noite.
- Ah, sim... - lembrou ele, depois de franzir o cenho. - Sinto muito não ter conseguido voltar a tempo de ir até lá com você.
- Neville está muito abalado. Seria mais fácil se Frank tivesse tombado no cumprimento do dever.
Dessa vez as sobrancelhas de Harry se uniram, demonstrando estranheza.
- Você está me dizendo que preferia que seu colega tivesse sido assassinado, em vez de, digamos, deslizar suavemente para o sono eterno?
- Bem, eu aceitaria melhor, apenas isso. - Franziu os olhos, olhando para o vinho. Não achou muito sensato contar a Harry que ela própria preferia uma morte violenta e rápida. - Só que há algo estranho nessa história. Conheci a família de Frank. A neta mais velha é meio esquisita.
- Esquisita como?...
- O jeito de falar, e os dados sobre ela que levantei quando cheguei em casa.
- Você fez uma pesquisa sobre ela? - perguntou ele, intrigado, levando o vinho aos lábios.
- Só uma conferida rápida. Porque ela me entregou isto. - Gina foi até a mesa e pegou o bilhete.
- Um labirinto do elemento Terra. - observou Harry com atenção, avaliando o desenho.
- Um o quê?
- Esse símbolo aqui. É celta.
- Eu, hein!... - Balançando a cabeça, Gina chegou mais perto para tornar a olhar o desenho. - Você sabe de cada coisa estranha!
- Não é tão estranho assim. Sou irlandês... descendente dos celtas, afinal. Este antigo labirinto é um símbolo mágico e sagrado.
- Bem, combina com ela. Anda envolvida com bruxarias, ou algo desse tipo. Conseguiu entrar em uma das melhores faculdades. Harvard. De repente, trancou a matrícula e foi trabalhar como balconista em uma loja do Village que vende cristais e ervas mágicas.
Harry passou a ponta do dedo sobre o desenho. Ele já tinha visto aquilo, e outros desenhos do mesmo tipo. Durante sua infância, os cultos em Dublin eram comuns entre gangues ferozes e piedosos pacifistas. Todos, é claro, usavam a religião como pretexto para matar. Ou serem mortos.
- Você não faz a mínima idéia do motivo pelo qual ela quer se encontrar com você?
- Não. Imagino que tenha visto alguma coisa na minha aura, sei lá!... Luna trabalhava nesse ramo de enganar os outros com lances místicos antes de eu prendê-la por bater carteiras. Ela me contou que as pessoas pagam qualquer preço para você dizer a elas o que desejam ouvir. Pagam até mais se você disser o que elas não desejam ouvir.
- É por isso que as trapaças e os negócios legalizados são mais ou menos a mesma coisa. - Ele sorriu para ela. - Aposto que você vai lá, de qualquer jeito.
- Claro! Vou ver qual é...
Naturalmente que ela iria. Harry deu mais uma olhada no bilhete e o colocou de lado, informando:
- Vou com você.
- Mas ela quer que eu vá...
- É uma pena que queira. - Tomou o vinho com ar de quem sempre conseguia exatamente o que queria, de um jeito ou de outro. - Não vou atrapalhar seu papo, mas vou junto. O Clube Aquarius é basicamente inofensivo, mas sempre pintam uns elementos desagradáveis que conseguem entrar lá.
- Elementos desagradáveis são a minha vida. - disse ela, com ar sensato, e então jogou a cabeça para o lado. - Você não é... tipo assim... dono do Clube Aquarius, é?
- Não. - Ele sorriu. - Por quê? Você quer que eu seja?
Ela riu e levou-o pela mão, dizendo:
- Venha comigo. Vamos acabar de beber isso na cama.
Sentindo-se relaxada pelo efeito do sexo e do vinho, ela caiu em um sono plácido, enroscada em Harry. Por isso é que se sentiu surpresa ao se ver súbita e completamente desperta duas horas mais tarde. Não fora um de seus pesadelos o que a acordara. Não sentia terror, nem dor, nem frio, nem um suor pegajoso.
No entanto, ela acordara de repente, e seu coração não estava muito tranqüilo. Ficou deitada quieta, olhando o céu através da larga cúpula de vidro que havia sobre a cama, ouvindo o respirar calmo e constante de Harry ao lado dela.
Mexendo-se um pouco para o lado, olhou para os pés da cama e quase gritou ao ver olhos que brilhavam na escuridão. Então percebeu o peso sobre os seus tornozelos. Galahad, lembrou, e rolou os olhos para cima. O gato entrara no quarto e pulara na cama. Foi isso o que a acordara, disse a si mesma. Foi apenas isso...
Acomodando-se novamente, virou de lado e sentiu o braço de Harry enlaçá-la, enquanto ele dormia. Suspirando, fechou os olhos e se aninhou, bem aconchegada a ele.
Foi apenas o gato, pensou, já sonolenta.
Mas podia jurar que ouvira vozes cantando.
Agradecimento especial:
moe-chan: que bom que você gostou de Ronda Noturna, agora quanto ao que você disse: Bem, Cerimônia Mortal é a quinta historia de uma série que eu estou adaptando para HP, Série Mortal de JD ROBB. Esses dias eu estou meio sem tempo, to com um trabalho de Geometria e Algoritmo para fazer pra semana que vem, isso está me deixando um pouco estressado, mas é necessário. Mas já dei uma passada no link da sua fic, parece muito boa, Snape e Hermione se encontrando depois da guerra, um shipper bem diferente e que sinceramente eu não escreveria, mas me deixa bastante intrigado. Beijos.
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