CAPÍTULO TRÊS



CAPÍTULO TRÊS


 


Era um lugar e tanto, refletiu Gina, e certamente bem mais calmo do que qualquer clube em que ela já estivera. Tanto as conversas quanto as músicas eram quase inaudíveis, e com um toque de elegância. As mesas estavam uma ao lado da outra, como costumava ser, mas foram espalhadas com o intuito de formar padrões circulares, que fizeram Gina se lembrar do símbolo que havia no fim do bilhete de Alice.


Revestindo as paredes, havia espelhos com o formato de estrelas e luas. Cada um deles exibia uma vela acesa, como um pilar branco que refletia luz e calor. Entre os espelhos, estavam placas com símbolos e figuras que ela não reconheceu. A pequena pista de dança era igualmente circular, bem como o bar, onde os clientes se sentavam em bancos altos com representações dos signos do zodíaco. Levou um instante para Gina reconhecer a mulher sentada sobre a face dupla de Gêmeos.


- Caramba, aquela é a Hermione!


Harry desviou o olhar, focando-o em uma mulher que trajava um vestido longo, muito rodado, em tons de azul e verde e padrões espiralados. Exibia longos cordões com contas que lhe desciam, brilhando, até a cintura, e brincos em metais multicores que balançavam musicalmente ao lado das franjas de seu cabelo reto, cortado bem curto.


- Ora, ora... - disse ele, sorrindo lentamente -... nossa resoluta Hermione está uma beleza!


- Ela parece que... faz parte do cenário. - decidiu Gina. - Tenho que me encontrar com Alice a sós. Por que não vai até lá conversar um pouco com Hermione?


- Será um prazer. Escute, tenente... - Harry deu uma longa olhada nos jeans surrados que Gina usava, no casaco de couro sem vida e nas orelhas sem brincos. - Você não está parecendo parte deste cenário.


- Está me sacaneando?


- Não!... - Colocou um dedo sobre a covinha em seu queixo. - Foi apenas uma observação. - E se afastou, deslizando suavemente para o banco ao lado de Hermione, dizendo: - Bem, vamos ver, qual seria a frase para puxar assunto aqui...? “O que uma bruxa legal como você está fazendo em um lugar como este?”


- Estou me sentindo uma idiota dentro dessa fantasia. – Hermione lhe lançou um olhar meio de lado, sorrindo.


- Está linda!


- Não é exatamente o meu estilo. - disse ela, bufando baixinho.


- Sabe o que é mais fascinante em vocês, mulheres, Hermione? - Esticou o braço, dando um piparote no brinco dela, fazendo-o dançar. - É o fato de vocês terem tantos estilos diferentes. O que está bebendo?


Sentindo-se ridiculamente elogiada, ela lutou para não ficar vermelha e disse:


- Um Sagitário. É o meu signo. O drinque foi designado espiritual e metabolicamente para a minha personalidade. - E tomou um gole do líquido claro. - Até que não é mau... qual é o seu signo?


- Não faço a menor idéia. Acho que nasci na primeira semana de outubro.


Acho, refletiu Hermione. Que estranho a pessoa não saber...


- Bem, então você é de Libra. - afirmou ela.


- Então, vamos ser espiritual e metabolicamente corretos. - E se virou para pedir dois drinques, observando Gina, que estava sentada a uma mesa. - Sob que signo você acha que a sua tenente nasceu?


- É difícil enquadrá-la em um signo.


- É mesmo... - murmurou Harry.


De sua mesa no círculo mais externo, Gina observava tudo com atenção. Não havia uma banda tocando, nem mesmo a imagem holográfica de uma... em vez disso, a música parecia vir de lugar nenhum e de toda parte. Um sopro de flautas e cordas sendo tangidas e uma voz feminina tranqüilizante que cantava com incrível doçura em uma língua que Gina não reconheceu.


Ela viu casais envolvidos em conversas sérias, enquanto outros riam baixinho. Ninguém virou o rosto quando uma mulher usando um vestido tubinho transparente se levantou para dançar sozinha. Gina pediu água e achou divertido quando notou que o líquido foi servido em um cálice que simulava prata.


Procurou prestar atenção à conversa da mesa ao lado, e achou ainda mais divertido quando percebeu que a sóbria discussão do grupo tratava a respeito de suas experiências com projeção astral.


Em uma das mesas que ficava no círculo ao lado do dela, duas mulheres conversavam sobre suas vidas passadas como dançarinas do templo na Atlântida. Gina ficou se perguntando por que será que as vidas passadas eram sempre mais exóticas do que a atual. A única que a pessoa tinha, em sua opinião.


Gente esquisita, mas inofensiva, pensou Gina, mas se pegou esfregando contra os jeans a palma da mão que continuava formigando.


Viu Alice no instante em que a garota entrou. Parece agitada, avaliou Gina. Está com as mãos inquietas, nervosas, os ombros tensos e os olhos assustados. Esperou que ela verificasse em torno do salão, até avistá-la, e então balançou a cabeça, cumprimentando-a. Olhando uma última vez para a porta por cima do ombro, Alice aproximou-se depressa.


- Você veio. Temia que não aparecesse. - Rapidamente, enfiou a mão no bolso e pegou uma pedra preta, lisa, pendurada em um cordão de prata. - Coloque isto, por favor. - Insistiu ao ver que Gina a pegou e começou a analisar o objeto entre os dedos. - É uma hialopsita. Foi consagrada. Ela afasta o Mal.


- Sou a favor disso. - Gina colocou o cordão em volta do pescoço. - Está melhor assim?


- Este é o lugar mais seguro que conheço. E o mais limpo, purificado. - Continuando a lançar olhares assustados em todas as direções, Alice se sentou. - Costumava vir sempre aqui. - Apertou com força os amuletos que trazia nas duas mãos enquanto uma plataforma de serviço veio deslizando em direção à mesa. - Um Golden Sun, por favor. - pediu ela, e respirou fundo, enquanto olhava para Gina. - Preciso de coragem. Tentei fazer meditação o dia todo, mas há um bloqueio... estou com medo.


- De que tem medo, Alice?


- De que aqueles que mataram o meu avô venham me matar a seguir.


- Quem matou o seu avô?


- O Mal o matou. Matar é o que o Mal sabe fazer de melhor. Você não vai acreditar nas coisas que vou lhe contar. Tem os pés plantados firmes no chão e só acredita no que pode ser visto com os olhos. - Aceitou o drinque que chegou deslizando e fechou os olhos por um momento, como se rezasse, para só então levar o copo aos lábios. - Mesmo assim, sei que não vai ignorar o que vou lhe contar. Você é uma ótima policial. Eu não quero morrer! - disse Alice, pousando o copo sobre a mesa.


Aquela, pensou Gina, era a primeira declaração razoável que ela fazia desde que entrara. O medo era genuíno, decidiu, e aparecia sem máscaras ali. Durante o velório, Alice tivera o cuidado de se cobrir com uma camada de compostura e calma.


Em respeito à sua família, compreendeu Gina.


- De quem tem medo, Alice, e por quê?


- Preciso lhe explicar tudo desde o início. Tenho que me purgar de tudo, antes de pagar por minhas faltas. Meu avô a respeitava, tenente, então vim até aqui em sua memória. Eu não nasci bruxa.


- Ah, não?... - perguntou Gina, com um tom seco.


- Algumas nascem bruxas. Outras, porém, como eu, são simplesmente atraídas para a Arte. Tornei-me interessada em Wicca através de estudos, e quanto mais aprendia, mais sentia necessidade de fazer parte daquilo. Senti-me atraída pelos rituais, pela busca do equilíbrio, pela alegria e pela ética positiva. Não compartilhava esses interesses com minha família. Eles não teriam compreendido.


Ela abaixou a cabeça, e seus cabelos se lançaram para frente como uma cortina que se fecha.


- Eu gostava do segredo de tudo aquilo - continuou - e ainda era jovem o bastante para achar que a experiência de ficar completamente despida em uma celebração ao ar livre era ligeiramente desafiadora e má. Minha família... - tornou a levantar a cabeça -... eles são conservadores, e uma parte de mim queria fazer algo bem ousado!


- Uma pequena rebelião?


- Sim, é verdade. Se eu tivesse deixado as coisas nesse pé, - murmurou Alice - se eu realmente tivesse aceitado a minha iniciação na Arte e o que isto significava, tudo seria diferente agora. Mas eu era fraca, e meu intelecto, muito ambicioso. - Tornou a pegar o drinque e molhou sua garganta seca. - Eu queria conhecer as coisas. Comparar e analisar, como se fosse em uma tese, os contrastes entre a magia branca e a magia negra. Como poderia apreciar por inteiro uma sem conhecer completamente a sua antítese? Era esse o meu raciocínio.


- Parece-me lógico.


- Mas é uma falsa lógica. - insistiu Alice. - Eu estava enganando a mim mesma. O ego e o intelecto são muito arrogantes. Pretendia estudar as artes negras em um nível puramente acadêmico. Queria conversar com as pessoas que haviam escolhido o outro caminho para descobrir o que as desviara da luz. Pareceu-me algo empolgante e, durante algum tempo, foi mesmo...


Uma criança, pensou Gina, no corpo de uma mulher estonteante. Brilhante e curiosa, mas uma criança mesmo assim. Era ridiculamente fácil arrancar informações dos jovens.


- Foi assim, Alice, que você conheceu Selina Cross?


Empalidecendo, Alice fez um gesto rápido, unindo as pontas do indicador e do dedo mindinho, antes de perguntar:


- Como soube dela?


- Andei fazendo umas pesquisas. Não queria vir até aqui no escuro, Alice. Como neta de um policial, tenho certeza de que você não esperaria isso de mim.


- Tenha cuidado com ela! - disse Alice, apertando os lábios. - Tenha muito cuidado com ela!


- Selina Cross é apenas uma picareta de segunda categoria e traficante de drogas.


- Não, ela é muito mais! - Alice tornou a apertar o amuleto. - Acredite em mim, tenente. Eu vi... eu sei. Ela vai querer você. Você vai desafiá-la.


- Você acredita que ela teve alguma coisa a ver com a morte de Frank?


- Sei que ela o matou. - Seus olhos ficaram rasos d’água e começaram a brilhar, intensificando o tom de azul que havia neles. Uma imensa e solitária lágrima transbordou e escorreu pelo seu rosto muito branco. - Ela o matou por minha causa.


Gina se inclinou para confortá-la e também para bloquear a visão que qualquer pessoa em volta pudesse ter daquele rosto choroso.


- Conte-me a respeito disso. - pediu Gina. - Fale-me dela.


- Eu a conheci há quase um ano. No sabá do Samhain. É a noite do Dia de Todos os Santos no calendário cristão. Vou ter que fazer mais pesquisas, foi o que disse a mim mesma. Não imaginava o quanto eu já estava envolvida nem o quanto já estava absolutamente seduzida pelo poder, pela ambição mesquinha em estado puro que havia no outro lado. Ainda não havia participado de nenhum dos rituais, pelo menos naquela época. Estava apenas observando. Foi quando eu a conheci, e também um homem chamado Alban.


- Alban?


- Ele é um servo de Selina. - Alice levantou a mão e colocou os dedos sobre a boca. - Naquela noite, as coisas ainda não estavam muito claras na minha cabeça. Hoje, percebo que eles lançaram um feitiço em mim. Deixei que eles me levassem até o centro do círculo e tirassem o meu manto, as minhas roupas. Ouvi o soar dos sinos e o cântico em louvor ao Príncipe Negro. Presenciei o sacrifício de um bode. E compartilhei um pouco do seu sangue.


Sua cabeça tornou a tombar para a frente, e a vergonha pareceu envolvê-la por completo.


- Compartilhei um pouco do seu sangue, bebi do cálice cerimonial e gostei daquilo. Fui o altar da cerimônia naquela noite. Eles me amarraram na pedra. Não sei como aconteceu isso nem quem o fez, mas não senti medo. Estava excitada.


Sua voz baixou ao nível de um sussurro. A música ambiente mudou e passou das cordas para a percussão, com tambores e sinos, criando uma atmosfera alegremente sexual. Alice continuou, sem levantar os olhos:


- Cada membro da convenção me tocou, esfregou óleos em meu corpo e um pouco de sangue sobre a minha pele. O cântico parecia vir de dentro de mim, e o fogo estava tão forte e quente... Então Selina se deitou sobre mim. Começou a fazer... coisas. Eu jamais havia tido experiências sexuais de nenhum tipo. Então, enquanto ela se esfregou e veio se arrastando pelo meu corpo acima, Alban montou em mim com as pernas abertas. Ela olhava para mim. As mãos dele estavam sobre os seios dela, e, de repente, ele estava dentro de mim. E ela olhava para o meu rosto. Eu quis fechar os olhos, mas não consegui. Não consegui. Não conseguia parar de fitar os olhos dela. Era como se fosse ela... como se fosse ela que estava dentro de mim.


As lágrimas começaram a pingar sobre a mesa nesse momento. Embora Gina tivesse mudado o ângulo do corpo para protegê-la dos olhares da maior parte das pessoas que estavam no salão, e apesar de a voz de Alice estar pouco mais alta do que um cochicho a esta altura, várias cabeças se viraram na direção delas com curiosidade.


- Você foi drogada, Alice. E explorada sexualmente. Não há nada do que se envergonhar.


Seu olhar se levantou por um instante e pareceu partir o coração de Gina, quando ela perguntou:


- Então, por que estou com tanta vergonha agora? Eu era virgem e senti dor, mas mesmo isso foi excitante, incrivelmente excitante! O prazer que veio com aquilo foi imenso, monstruoso. Eles me usaram, e eu implorei para ser usada novamente. E fui, por todos os que estavam na convenção. Quando amanheceu, eu estava perdida, escravizada. Acordei na cama, no meio deles. Alban e Selina. Já me transformara em discípula deles... e em seu brinquedo.


As lágrimas voltaram a escorrer e ela voltou a beber do drinque.


- Sexualmente - prosseguiu - não havia nada que eu não permitia que eles fizessem comigo; nem eles nem as pessoas que eles escolhiam. Eu abracei as trevas. E me tornei descuidada em minha arrogância. Alguém contou tudo para o meu avô. Ele nunca me disse quem foi, mas sei que foi alguém ligado à crença Wicca. Ele me questionou e eu ri na cara dele. Avisei-o para ficar longe dos meus assuntos. E achei que ele havia feito isso.


Sem dizer nada, Gina empurrou um pouco de água na direção dela, pela mesa. Sentindo-se grata, Alice pegou o copo e bebeu tudo.


- Alguns meses atrás, descobri que Selina e Alban estavam promovendo rituais privados. Eu viera da faculdade mais cedo, um dia. Fui à casa deles, entrei por conta própria e ouvi os cânticos cerimoniais. Abri a porta da sala de rituais. Eles estavam lá, juntos, oferecendo um sacrifício... - Suas mãos começaram a tremer. - Dessa vez não era um bode, mas uma criança. Um menininho.


- Você testemunhou o assassinato de uma criança cometido por eles? - A mão de Gina apertou com força o punho de Alice.


- Assassinato é uma palavra muito gentil para o que eles fizeram. - Suas lágrimas secaram de tanto horror. - Não me peça para lhe contar tudo em detalhes. Não me peça isso!


- Conte-me o que conseguir, então. - Gina sabia que ia precisar de todos os detalhes, mas isso podia esperar.


- E vi... Selina... a faca ritual. O sangue, os gritos. Juro que conseguia ouvi-los como se fossem manchas negras rasgando o ar. Já era tarde demais para impedi-los.


Tornou a olhar para Gina, os olhos ainda marejados, implorando para ser convencida pelo menos disso.


- Já era tarde demais para fazer qualquer coisa pelo menino, mesmo que eu tivesse a força ou a coragem de tentar.


- Você estava sozinha, chocada. - disse Gina, com todo o cuidado. - A mulher estava armada, o menino estava morto. Você não teve condições de ajudá-lo.


Por um longo momento, Alice ficou olhando para Gina, e então cobriu o rosto com as mãos, dizendo:


- Eu tento acreditar nisso. Tento muito! Viver com isso está me destruindo. Eu saí correndo. Simplesmente fugi...


- Você não pode mudar isso! - Gina manteve a mão no pulso de Alice, mas com menos força. Ela também já vira uma criança ser mutilada e também chegara tarde demais, uma questão de segundos. Ela não fugira... matara. Mas a criança continuou morta do mesmo jeito. - Você não pode voltar lá e mudar o que aconteceu. Tem que viver com as coisas do jeito que elas são.


- Eu sei. Isis sempre me diz isso. - Alice respirou fundo, uma inspiração entrecortada, e abaixou as mãos. - Eles estavam envolvidos com o que estavam fazendo e não me viram. Ou pelo menos eu rezo para que eles não tenham me visto. Não procurei o meu avô nem a polícia. Estava aterrorizada, enjoada. Não sei exatamente quanto tempo se passou, mas procurei por Isis, a sacerdotisa que me iniciara na religião Wicca. Ela me aceitou; mesmo depois de tudo o que eu fizera, ela me aceitou.


- Você não chegou a contar a Frank sobre o que viu?


- Não na época. - Alice se encolheu um pouco ao perceber o tom contundente da voz de Gina. - Passei algum tempo fazendo sessões de reflexão e purificação. Isis realiza vários rituais de limpeza e cura da aura. Ela e eu chegamos à conclusão de que era melhor que eu permanecesse em reclusão por algum tempo, concentrando-me em tornar a encontrar a luz e fazendo penitência.


Os olhos de Gina estavam mais duros quando ela chegou perto de Alice e perguntou:


- Você está me dizendo que viu uma criança ser assassinada e não contou a mais ninguém, a não ser para a bruxa da vizinhança?


- Sei que isso parece horrível. - Seus lábios começaram a tremer, antes que ela os apertasse com os dentes para acalmá-los. - O ser físico da criança já estava além de qualquer auxílio. Eu não podia fazer mais nada por ele, a não ser rezar por uma passagem segura da sua alma, rumo ao plano seguinte. Estava com medo de contar ao vovô. Com medo do que ele poderia fazer e do que Selina faria com ele. Então, finalmente, fui procurá-lo no mês passado e contei-lhe tudo. Agora ele está morto, e sei que ela é a responsável.


- Como é que sabe?


- Eu a vi.


- Espere um pouco. - Gina levantou a mão, devagar, com os olhos semi-cerrados. - Você a viu matá-lo?


- Não. Eu a vi do lado de fora da minha janela. Olhei para fora na noite em que ele morreu e a vi em pé na rua, olhando para cima... olhando para mim. Então o telefone tocou. Era a minha mãe, me dizendo que vovô estava morto. E Selina sorriu. Sorriu e acenou para mim. - Alice tornou a enterrar o rosto nas mãos. - Ela enviou suas forças contra ele. Usou os poderes dela para fazer o coração do meu avô parar. Por minha causa! Agora um corvo vem pousar toda noite no peitoril da minha janela e fica olhando para mim com os olhos dela.


- Um corvo, um pássaro? - Meu Deus, pensou Gina, onde será que vamos parar com essa história?


- Ela consegue mudar de forma. - afirmou Alice, com as mãos trêmulas sobre a mesa. - Selina adquire a forma que quiser. Tentei me proteger o melhor que pude, mas talvez minha fé não seja forte o bastante. Eles estão me pressionando, me chamando.


- Alice. - Apesar de manter um ar de simpatia, Gina sentiu que sua paciência estava se esgotando - Selina Cross talvez tenha alguma coisa a ver com a morte do seu avô. Se descobrirmos que ele não morreu de causa natural, pode crer que não foi nenhum encanto; sua morte foi calculada, assassinato simples. E se for esse o caso, vai haver alguma prova, e um julgamento, e ela vai ter que pagar por isso.


- Não se pode encontrar fumaça. - disse Alice, balançando a cabeça. - Você não vai encontrar provas de uma maldição.


- Bem, nesse momento você é testemunha de um assassinato. - disse-lhe Eve, achando que já ouvira o bastante. - Potencialmente, é a única testemunha, e se estiver com medo, posso conseguir um lugar seguro para você ficar. - Sua voz estava mais rápida, objetiva, bem profissional. - Preciso que me dê uma descrição da criança para que eu possa verificar com o serviço de desaparecidos. Com o seu depoimento formal, posso conseguir um mandado de busca para entrar no lugar onde você diz ter testemunhado o assassinato. Preciso que me forneça os detalhes, detalhes bem específicos. Horas, locais, nomes. Posso ajudá-la.


- Você não compreende. - disse Alice, balançando a cabeça lentamente. - Você não acredita em mim.


- Acredito que você é uma mulher inteligente e curiosa, que se impressionou com algumas pessoas realmente desprezíveis. Acredito também que esteja confusa e aborrecida. Conheço uma pessoa com quem você pode conversar e que vai ajudá-la a superar tudo.


- Uma pessoa? - Os olhos de Alice ficaram frios e sua voz, dura. - Um psiquiatra? Você acha que andei imaginando coisas, inventando? - Seu corpo tremeu e ela se levantou de um salto. - Não é a minha mente que está em perigo, é a minha vida! Minha vida, tenente Weasley, e minha alma! Se um dia você enfrentar Selina, vai acreditar em mim. E que a deusa a ajude!


Girando o corpo, ela saiu e deixou Gina praguejando baixinho.


- Pelo que reparei, foi um tremendo fracasso. - comentou Harry, chegando por trás de Gina.


- A garota pirou, mas está apavorada! - Gina expirou com força e se levantou. - Vamos dar o fora daqui. - Fez um sinal para Hermione e começou a caminhar em direção à porta.


Do lado de fora, uma leve névoa rastejava junto do solo, com movimentos furtivos, como serpentes que se entrelaçavam. Uma garoa fina e fria começava a polir a calçada com um brilho molhado.


- Lá vai ela. - murmurou Gina, ao avistar Alice correndo e virando em uma esquina. - Está indo para o sul. Hermione, cole nela e certifique-se de que ela vai chegar em casa em segurança.


- Já fui!... – Hermione saiu na direção indicada, quase correndo.


- A cabeça daquela menina está um desastre! Eles foderam com ela, de todas as formas possíveis e imagináveis. - Enojada, enfiou as mãos nos bolsos. - Talvez eu devesse ter tentado lidar melhor com a situação, mas não vi em que ajudaria ficar incentivando os seus delírios. Feitiços, maldições e gente que assume a forma que bem quer. Santo Cristo!


- Querida Gina. - Ele beijou-lhe a sobrancelha. - Minha tira particular, totalmente prática e objetiva.


- Pelo que Alice contou, ela se tornou praticamente a noiva de Satanás. - Resmungando, Gina resolveu ir para o carro, virou-se na direção de onde viera e começou a caminhar de volta. - Deixe-me contar como foi a história, Harry. Ela queria brincar, começou a se interessar pelas ciências ocultas e acabou encontrando gente da pesada. Ela é uma menina ingênua, bonita, e não é preciso bola de cristal para ver isso. Enfim, ela foi a uma das reuniões deles, ou sei lá como chamam aquilo, e eles a drogaram. Depois a estupraram, em bando. Canalhas! Ela ali, drogada, em choque, vulnerável e sugestionável... foi fácil para um casal de picaretas profissionais convencê-la de que ela fazia parte da seita. Foi só fazer alguns truques de mágica, tirar objetos da cartola e fasciná-la. Depois, usaram o sexo para mantê-la na linha.


- Ela comoveu você... - murmurou Harry, tocando nos cabelos de Gina e secando-os com as pontas dos dedos.


- Talvez sim... droga, você deu uma olhada nela? Aquela jovem foi batizada com o nome certo, sabia? Parece a menina da história infantil. Provavelmente, também acredita em coelhos brancos que falam. - Então suspirou, tentando colocar as emoções de volta no lugar. - O problema é que essa história não é um conto de fadas não... ela afirma que presenciou um assassinato ritual. Um menininho, segundo disse. Tenho que levá-la para a Dra. Minerva dar uma olhada. Uma psiquiatra vai conseguir separar o que é fato do que é ficção. Mas acredito que o assassinato foi um fato, e se eles mataram uma criança, já devem ter matado outras. Gente desse tipo adora atacar os indefesos.


- Eu sei. - Ele esticou o braço para massagear a tensão que sentiu nos ombros de Gina. - Você se identificou com o caso?


- Não. Isso não foi igual ao que aconteceu comigo... ou com você. - Mas havia ecos suficientes naquela história para deixá-la desconfortável. - Nós continuamos aqui, não é? - Colocou a mão sobre a dele, franzindo a testa entre as sombras da noite e perguntando a si mesma, em voz alta: - Por que razão Frank não fez um registro do que a neta lhe contou? Por que diabos decidiu que ia resolver tudo sozinho?


- Talvez ele tenha feito um registro de tudo. Um registro particular.


- Meu Deus, como é que pude ser tão lerda? - Gina piscou e olhou direto para Harry. Colocou as mãos uma em cada lado de seu rosto e o beijou com força. - Você é brilhante!


- Sou sim, eu sei... - Ele a afastou quando viu uma figura sair das sombras e subir pela rampa. - Um gato preto. - disse ele, achando graça e sentindo um certo desconforto ao mesmo tempo. - Sinal de azar...


- É... sei... - Ela começou a subir a rampa, virou a cabeça um pouco para o lado ao ver o gato sentado sobre as patas traseiras ao lado do carro de Harry, olhando para ela com olhos verdes muito brilhantes, quase cintilantes. - Você não parece estar com fome, rapazinho. Tem o pêlo muito macio e brilhoso para um gato de beco. É perfeito demais! - E compreendeu: - Deve ser um andróide. - Mesmo assim, se agachou e esticou o braço para acariciá-lo. O gato soltou um ronco agudo por entre os dentes, arqueou a espinha e atacou com a pata, tentando alcançá-la. Gina quase levou um arranhão bem fundo na palma da mão, mas recuou a tempo. - Puxa, como você é amigável!...


- Você já devia ter aprendido que não se deve estender a mão para animais estranhos, mesmo andróides. - Harry passou na frente de Gina para digitar o código, a fim de abrir o carro, e encarou fixamente o brilho verde dos olhos do gato. Quando Gina já estava no carro, ele falou suavemente com o animal. O pêlo do bicho se eriçou todo e sua cauda de levantou, mas logo em seguida ele pulou com agilidade da rampa para a rua e foi engolido pela névoa.


Harry não sabia explicar a razão de ter dado a ordem para o gato ir embora em idioma gaélico... simplesmente saíra daquele jeito, sem que ele planejasse. Continuava a refletir sobre isso quando entrou no carro, colocando-se ao lado de Gina.


- Escute Harry, não posso contar com Neville para xeretar nada nem aprontar nenhum tipo de armação eletrônica dessa vez. Pelo menos até o comandante aliviar um pouco. Posso ter que recorrer à família para ter acesso aos registros pessoais de Frank, mas, se fizer isso, vou ter que oferecer alguma justificativa para eles ou contar-lhes algo.


- E você prefere não fazer isso.


- Não, pelo menos por enquanto. Enfim, que tal usar um pouco das suas... habilidades para acessar os arquivos pessoais do computador de Frank?


- Isso depende, tenente. - Seu astral começou a melhorar quando ele ligou o carro e começou a descer da vaga elevada, para alcançar o nível da rua. - Vou ganhar um distintivo para fazer isso?


- Não, - disse, e seus lábios se abriram em um sorriso malicioso - mas pode ganhar uma transa com uma policial.


- Então eu topo! Posso escolher a policial? - Simplesmente sorriu ao levar um soco no braço. - Eu ia acabar escolhendo você mesma. Provavelmente... e imagino que você queira que eu comece a oferecer minha consultoria extra-oficial ainda esta noite.


- A idéia é essa.


- Tudo bem, mas quero o sexo antes. - Empurrou a bochecha com a língua, enquanto ela caía na risada. - Por quanto tempo ainda você acha que Hermione vai estar ocupada? Opa, estou só brincando! - disse ele, depressa, e colocou o carro no piloto automático, para o caso de Gina ficar violenta. - É que ela estava realmente muito atraente com aquela roupa. - Rindo, ele segurou o soco seguinte em pleno ar com uma das mãos e com a outra foi subindo lentamente, até apertar um dos seios de Gina.


- Escute aqui, meu chapa, você já tem problemas suficientes, não precisa arrumar mais. Tentativa de praticar qualquer ato de natureza sexual dentro de um carro em movimento é uma violação do código municipal de trânsito.


- Então me prenda! - sugeriu ele, mordendo-lhe o lábio inferior.


- Olhe que eu posso mesmo fazer isso! Depois que tiver acabado com você! - Conseguindo se libertar, ela o empurrou para trás. - Agora, só por causa da piadinha sobre a minha assistente, nada de sexo até depois do trabalho!


- Quer apostar? - Ele desligou o piloto automático e retomou o comando do veículo, olhando para ela de lado, com um jeito maroto.


- Aposto! - Gina encarou o olhar arrogante dele. - Cinqüenta fichas de crédito.


- Combinado! - Ele começou a assobiar, enquanto entrava pelos portões de ferro de sua casa.


 


 


 


 

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