Amor



Aquela luz. Eu lembrava de ter visto aquela luz há algum tempo. Muito tempo, talvez. Mas não era tão vibrante, nem tão atrativa. Esta era ofuscante, com certeza, como se fosse duas vezes a cor daquela garota que eu matara em Wineseptre. De um prateado claro, particularmente insuportável de se olhar. Mas eu parecia ser impelido a olhar para aquilo.

Era bem antagônica a situação. Ao mesmo passo que aquela luz me repelia, ela me atraía.

E eu infelizmente sabia bem por que.

Minha parte racional queria fugir dali, o mais rápido possível, para não machucá-la, enquanto minha parte irracional queria sentir, abraçar, esmagar Fleur.

Ela me olhava atentamente, com uma mão no peito, e a outra segurando fortemente a varinha.

Ela me atacaria? Eu sabia que ela conseguiria me deter, se quisesse, até por que meus pensamentos não estavam muito claros.

Aliás, por que ela não me atacara até agora? Ela não tinha como saber que aquele lobo vermelho e cor de sangue era eu!

Dei um passo para frente. Não foi exatamente voluntário, ou premeditado, mas foi o que eu fiz. 

Ela me olhava com medo, e eu levantei uma mão. Dessa vez,para minha desgraça,eu tinha ciência exata de tudo o que eu estava fazendo, mesmo sabendo que não devia fazê-lo.

Minha garras cortaram o ar e eu acertei o peito de Fleur, a empurrando por alguns metros até que ela batesse em uma árvore, de costas, e tombasse no chão, Ela se levantou quase sem forças, e olhou para mim, resoluta. Ela levantou a mão que segurava a varinha, e levantou bem alto. Pensei que ela fosse atacar, mas ela sorriu. O sorriso mais tenebroso que você pode ver no rosto de alguém que ama. O sorriso de aceitação.

Ela deixou a varinha pender, e suas duas mãos repousaram em sua barriga.

Não podia ser, simplesmente não podia ser! Meu rosto contraiu-se em dor, assim como o dela, quando eu levantei minhas garras mais uma vez.

Mas não consegui desferir o ataque. Assim como eu não consigo explicar o quão fora de si se fica quando se está em forma de lobo, não consigo explicar o meu repentino surto de sanidade.

Deixei meus braços penderem, imóveis, enquanto sentia grossas lágrimas escorrerem e caírem vermelhas do meu queixo.

Fleur estava tão resplandecente, e agora eu entendia por que. Entendia por que a impressão que eu tive fora de que aquele brilho era duas vezes o brilho de uma pessoa normal.

-Fleur... – Sussurrei. Foi um espanto ao ouvir minha voz. Não amanhecera, mas ali estava eu, em minha forma humana. Meu corpo, cada órgão, cada membro e cada músculo. Um pouco mais de pêlos, mais largo em geral e dentes mais pontudos, mas definitivamente não era um lobo.

Senti o impacto do rosto de Fleur em meu peito, e suas lágrimas me encharcando. Abracei-a forte.

-Desculpe, desculpe, desculpe!

Ela assentiu vagamente

-Victor se for um garotão, e Dominique se for uma menininha. – Disse a frase, que fora entrecortada por pelo menos seis soluços.

Ela balançou avidamente a cabeça, em sinal de afirmação.



Fleur trazia mudas de roupa em uma mochila em suas costas. Me vesti.

-Por que raios você trazia roupas do Ron em sua mochila?

-Achei que serriam necessárias.

-Por que?

-Caso você rrasgasse as únicas que você tinhe!

-Como?

-Se trransformando em lobo, orras!

-Não faz sentido! Você não sabia que eu era um lobisomem!

-Não seja idiote! Eu vi você sem rroupas naquela noite, n’A Toca!

Estapeei meu rosto. Idiota.

-Vi os arranhões no seu abdômm, e deduzi o que erram.

-E Ron, por que ele não fez o que eu pedi?

-Ah, assim que você saiu do nosso quarte, eu te segui até o quarte do Ron, e ouvi toda a converrsa de vocês. Quando você aparratou, entrrei no quarrto, e o enfeiticei. Peguei algumas mudas de roupa, e aparatei diretamente parra o chalé. Vendo que você não estava ali ainda, me escondi entrre as árvorres. Logo você aparreceu com o Hati, e o enterrou.

-Você esteve aqui o tempo inteiro, então?

-Obviamente.

-Por que você não se revelou?

-Você pediu para que eu não viesse com você. E você prrecisava, mais do que nada, de um tempo para esfrriar a cabeça. Eu só estava aqui parra averriguar, afinal, se você estarria bem.

-E então...

-E então o Greyback aparreceu, e eu os segui até essa clareirra, só que ele fugiu.

Houve um silêncio passageiro.

-Ela está viva, Fleur.

-Como você sabe? – Perguntou Fleur. Nós sempre nos agarramos à possibilidade d’ela estar viva, mas nunca houve uma prova concreta.

-Coisas que ele disse me levaram a crer, inclusive sua promessa de que eu poderia revê-la caso me unisse à matilha.

-Vamos voltar ao Chalé das Conchas. – Disse Fleur, se levantando.

-Pra que?

-Lá é melhorr que aqui, ué.

Parei no meio da ação de me levantar. Me apoiei na árvore e sorri.

-Não vamos sair daqui. Talvez... Talvez eu possa nos levar até a matilha de Greyback. – Disse, quando uma idéia quase óbvia finalmente o ocorreu.

-Como?

-Eu sou um lobo e o rastro dele ainda está por aqui. Eu posso seguir seu cheiro.

-Magnifique! – Sussurrou Fleur, sem ânimo algum. Mas eu vi seus olhos brilharem, com a esperança de ver Victoire, e tê-la mais uma vez. – Então, vamos rápido com isso!

Mas... e se eu a atacasse novamente? Meu Deus! Eu quase matara minha esposa e o filho que estava em seu ventre!

-Você já se provou capaz de se controlarr.

-Isso depois de quase partir sua coluna.

-Vamos logo!

Assenti, e me despi. Não queria desperdiçar mais roupa do que eu já desperdiçara.

Eu nunca fizera aquilo antes, então foi um pouco difícil para mim achar a alavanca de ativação de transformação voluntária. Mas eu a encontrei depois de algum tempo, quando eu quase começava a sentir a luz da lua em minha pele.

Como de costume, meus músculos se expandiram surpreendentemente e meus pêlos triplicaram de número e tamanho.

Mais rapidamente do que as minhas outras transformações, em menos de vinte segundos eu já era um lobo novamente, pronto para partir em disparada.

Olhei para Fleur. Ela ainda era incrivelmente brilhante, mas não tão atrativa, no sentido lupino. O que quer que tenha acontecido, no momento em que eu não a ataquei, surtiu um efeito inesperado, e bem extenso. Eu era incapaz de atacar Fleur, de qualquer forma.

Me abaixei, e Fleur, receosa, montou em mim. Rosnei, e ela entendeu o recado, segurando-se com força em meus pêlos.

E eu comecei a correr. Minha velocidade era incrível, e eu nunca havia a explorado tanto. Em menos de dois minutos eu já saíra da floresta, para dentro do continente.

Em mais algum tempo, eu já havia alcançado um imenso e interminável campo de relva verde e baixa, e flores incrívelmente prateadas.

E eu corria, corria a ponto de me preocupar com a saúde de meus músculos. Sentia que eles podiam explodir a qualquer momento, mas não me importava. Finalmente eu sabia onde Victoire estava, e agora ela me atraía como um imã.

Não me importava com Greyback, Skoll, ou quantos lobisomens viessem. Eu abriria o caminho a dentadas.

-Vai darr tudo cerrto, mon amour.

-Rr... – “Afirmativo.”

Estranhamente, eu não queria terminar aquele momento. Por mais que eu estivesse ansioso, eu sentia que não ia cansar de correr por aquele campo. A relva açoitava meu ventre, fato, mas eu sentia cada parte de Fleur em meu dorso, e sentia o cheiro das flores prateadas que me cercavam. Eu sentia esperança, e isso era mais do que eu tinha sentido em muito tempo. Eu sentia o calor de Fleur, depois de um mês de frio.

Mas o campo acabou em menos de meia hora, e depois dele veio uma estrada de terra batida e nua, margeada de árvores retorcidas, escuras. Fleur às vezes sussurrava coisas indistintas, e eu sentia suas mãos segurando cada vez mais fraco em mim.

Subimos em uma colina, e lá estava. Foi inesperado e repentino, como se num momento não estivesse lá, e no outro já se via completo e formado.

Mais aterrador do que se podia esperar, vimos um acampamento. Como um acampamento de guerra, quase do tamanho de uma vila. Via-se gente transitando de um lado para o outro, e alguns eram mais lobos do que gente. Eram muitos. Centenas?

Ouviam-se uivos, o que não deixava margem para erro: Aquele era o lugar.

O mais estranho, é que eles não estavam escondidos, tampouco em uma área estratégica. O fato de não estarem protegidos, significava que eles não tinham medo de nada, mau sinal.

Mas a onda de ânimo de repente me trouxera coragem, e tirara o peso da tristeza de minhas costas. Victoire estava em algum lugar daquela cidadela de licantropos, e eu iria encontrá-la.

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