Resolução

Desci a colina em passos lentos e solenes, notando o vale onde eu estava adentrando. Fleur afagava meu pêlo, e já não escondia sua ansiedade. Eu partilhava daquele sentimento, e tremia, tremia muito.

Sinto que poderia empurrar um rochedo, tal a quantia de adrenalina em minhas veias. Eu quase tremia - aliás, tremia - de ansiedade. Não sentia mais medo, o que era estranho. Tampouco estava triste, como estivera (n/a: metade da fic?) há muito tempo. Todos os sentimentos haviam sido substituidos por um só: Sede. Por vingança? Sangue? Justiça? Talvez sede de todos ao mesmo tempo.

-Você está bem?

Minhas passadas estavam cada vez mais espaçadas, e em pouco tempo estaria correndo, e enquanto me aproximava do meu objetivo, começava a tremer mais forte. De qualquer forma, assenti com a cabeça, e tentei assumir controle de meu corpo.

Chegando a base da colina, senti como se estivesse passando por uma bolha, um sentimento frio e vazio.

-Talvez seja isso que mantém os dementadorres e pessoas normais longe daqui. Talvez nós consigamos verr o acampamento porrquã sabemos onde ir, como acontece com Hogwarts.

Fitei o acampamento à menos de meia milha de nós, onde o barulho de uivos e grunhidos se fazia insuportável. Não fiz questão de anunciar minha chegada, eles sabiam que eu estava lá.

Desviei meu caminho até uma rocha grande o suficiente para nos esconder, e abaixei minha cabeça para Fleur desmontar. Quando ela o fez, eu me concentrei e consegui voltar a minha forma normal –Oh, os benefícios de trabalhar sob pressão.

-Veja só... – Disse, enquanto me vestia.

-Não. Eu sei o que vais dizerr, e está ficando insuportável e repetitivo. Eu não vou ficarr aqui!

-Hum, obrigado pela crítica gratuita mas não era isso que eu ia dizer. Eu ia pedir para você ser uma peça atuante no plano.

Ela arqueou uma sobrancelha.

-Ah, agora você tem um plane?

-É, tenho. Presta atenção no que você tem que fazer, criatura arrogante.

Ela silvou mas prestou atenção no que eu disse. Falei por pelo menos quinze minutos, dando direções e dizendo o que fazer. Ela assentia, com os olhos brilhando. Às vezes ela tocava na barriga, e meu coração despencava, pois lembrava do tamanho da irresponsabilidade que eu cometia, mandando-a agir, mesmo grávida.

-Prrometa que você vai ficarr bem!

-Prometo. Eu sei o que fazer.

-Você tem um plano parra você também?

-Obviamente. – Sussurrei, sorrindo.

Ela apenas deu as costas, acenando. Era óbvio que não íamos fazer daquilo uma despedida, pois estaríamos oficializando a burrice daquele ataque.

-Só pra deixar claro. – Sussurrei.- Te amo mais que tudo.

-Nos vemos logo, mon amour. A sua varrinha está no bolso esquerrdo.

Sorri.

-Cuide de Dominique.

-Ou Victor.

-Sei lá, vai por mim. Vai ser outra garota.

Ela assentiu, sorrindo, e começou a correr.

Dei as costas, e comecei a andar. Enquanto aquelas barracas vinham se agigantando, eu ia pensando, e o susto.

Enganara tão bem a Fleur quanto a mim mesmo.

Assim, de repente foi que eu lembrei que não tinha plano algum.


Meus passos já eram descompassados e inseguros, mas eu observava melhor o acampamento. As barracas eram feitas de lona ou de um material muito parecido, e era sustentado por apenas três longos paus, lembrando absurdamente as barracas indígenas americanas. Havia trilhas, estradinhas, e até conseguia distinguir uma barraca de frutas – frutas, para lobisomens? Quanta civilidade.

Quando eu estava a pelo menos quatro passos da primeira tenda, o primeiro lobisomem me avistou.

Ele uivou vigorosamente, e outros lobos se aproximaram dele. Eles me olharam e... sorriram? Ou seja lá o que aquela cara estranha significasse.

Eles me flanquearam por um caminho sinuoso que eu nunca decoraria, enquanto eu assistia, realmente assustado, a vida dos lobisomens.

Havia ossos nas margens das estradinhas, e esporadicamente, se encontrava no chão, pedaços sangrentos de carne.

Eles gritavam, bradavam, mordiam e chutavam uns aos outros. Brigando por espaço, por comida, ou por excesso de barulho. Era insuportável transitar por ali.

Foram uns três ou quatro minutos de caminhada, até que eu notei que estávamos no outro lado do vale, de frente para outra colina. Lá, havia uma arena de areia, repleta de pedrinhas negras. E bem no centro estava Fenris Greyback.

Não hesitei, e andei em passos rápidos até ele.

-Veio se juntar à nós?

-Deixe-me ver Victoire antes de responder.

-Eu proponho algo diferente, na verdade. – Disse ele, como se um surto de inspiração tivesse o atingido. – Eu o desafio. – E todos os lobos que passavam em volta pararam de fazer o que estavam fazendo para encará-lo. Ele devia ter dito algo incrivelmente assustador.

-Pai Fenris... Você não vai. – Disse um lobo de pelagem amarela. Eu estranhei o fato de ele ser totalmente lobo, e mesmo assim falar.

-Vou sim, Vaan. – Disse, sorrindo. – Bill, eu te desafio a lutar comigo pelo posto e Alfa da matilha.

Arqueei minha sobrancelha. Minha idéia era ver se Victoire estava bem, e me unir a matilha até Fleur chegar. Minhas mãos já estavam coçando e se movendo impacientes para tocar em Victoire. Eu não ia suportar muito tempo mais.

-Está certo. – Disse, deduzindo que era a forma mais rápida de alcançar Victoire. E por sorte, Fleur chegaria antes da batalha acabar. Antes dele acabar comigo!

-Então, por favor, preparem-no.

Desta vez fui direcionado à uma tenda espaçosa, margeado por três lobos grandes. Fui empurrado em uma cadeira ao lado de uma mesinha de madeira lascada. Encima desta mesa havia uma tigela, um prato, uma bacia, ou seja lá o que fosse aquilo, tapada por um fino tecido imaculadamente branco, que me impedia de ver seu conteúdo.

Um lobisomem meio humanóide adentrou-se e me encarou. Ele era maior até que Greyback, e tinha os pêlos alvos como a neve. Se aproximou e se ajoelhou na minha frente, olhando fixamente para meus olhos.

-Skoll. – Ele rosnou, e eu comecei a tremer, não de medo ou ansiedade, mas pela estranheza da situação. – Então você é o Grande Bill que matou meu irmão?

-Parece que sim. – Sussurrei.

-Congratulações. – Respondeu. Ele parecia tão melancólico, tão conformado com sua vida, e ao mesmo tempo tão alheio.

Ele tirou o pano de cima da bacia revelando um líquido viscoso e negro.

Ele molhou dois dedos, e começou a passá-los no meu rosto, arranhando-o, na verdade.

-E Victoire? – Perguntei, inseguro. Um dos lobos que escutava a conversa rosnou, mas Skoll acenou para que ficasse quieto.

-Acho que nunca vou me acostumar em ser o Beta. – Disse, sorrindo. – Victoire está bem, na minha tenda. Ela não passou fome, frio, sono, e está limpa. Você não tem o que temer.

-Hati insinuou que você cuidava dela. Obrigado.

-Não por isso. – Rosnou. – Saiba que eu não apoiei em nenhum momento a idéia de raptarem uma criança.

-Não que eu não esteja gostando da conversa, mas a lua está cheia, e você não devia estar... Doidão, raivoso, maluco? – Perguntei, inseguro. Depois, quase tapei a boca, mas as palavras já haviam se espalhado, não havia como enfiá-las de volta goela à baixo.

-Você é um lobisomem também. Está peludo e com dentes afiados, mas não está... Doidão, raivoso, maluco. – Disse, arqueando uma sobrancelha espessa.

-O que faz sermos... Diferentes dos outros?

-A nossa razão. Parece que aceitamos bem o que somos, híbridos. Tampouco somos inteiramente lobos, ou inteiramente humanos. Estes, porém, - Disse, abrangendo todo o acampamento com as mãos. – se entregaram a vida de lobo.

-E afinal, o que é isso que você está passando em mim? – Perguntei, quando ele começou a desenhar listras no meu nariz. Eu me sentia como na preparação dum genuíno ritual indígena.

-Sangue, escorrido diretamente da cabeça dos lobos que ousaram desafiar Pai Fenris pelo controle da matilha.

Quase vomitei.


-Tire suas roupas. – Falou Skoll.

Me levantei e despi minhas roupas, jogando-as no chão. Ouvi um som metálico, e o ignorei por enquanto.

Quando ele terminou finalmente de pintar meu corpo, ele sussurrou:

-Se você tiver uma, pode levar sua varinha.

Conferi o bolso esquerdo da calça, e lá estava a minha varinha, e algo que cortou meu dedo. Me posicionei de modo que meu corpo escondesse o que quer que fosse, tirei do bolso a pequena faca de prata que eu tirara do esconderijo de lobisomens, em Wineseptre. Fleur devia ter posto lá.

Peguei a minha varinha, e a faca era tão pequena que toda sua lâmina cabia em minha mão fechada, de modo que eu a escondi totalmente de Skoll.

Ele me guiou junto com seus três lobos novamente para a arena, onde Greyback me esperava.

Havia centenas de lobos formando um círculo, onde ocorreria a batalha. Eles sorriam, gritavam, uivavam, grunhiam, e alguns inclusive brigavam.

-Pensei que você tinha fugido. – Comentou Greyback. Alguns risos deslocados se ouviram.

-É, mas eu não fugi. – Alguns lobos pareciam esperar frases de efeito, ou uma ceninha, mas eu não estava disposto a fazer isso. Nem sabia fazer isto.

-Vejo que você trouxe sua varinha. Um licantropo que se preze sabe usar suas garras e dentes para se defender. Nenhum de nós usa uma varinha. – Reparou.

-Então... – Disse, indo até o centro da arena e deixando no chão a varinha e a faca. Greyback estava atento demais em mim para notá-la, enquanto os outros lobos estavam longe demais. – ... Teremos uma luta justa.

-Perfeito. – Disse, sorrindo.

Antes que eu mesmo levantasse o rosto, eu senti a sombra de Greyback tapando a luz da lua. Ele já se transformara.


Afastei fios de cabelos amarelo que já se grudavam em minha testa. Acabara de aparatar em um pequeno vilarejo, e lá estavam eles, com seus mantos esvoaçantes. Já era pelo menos a terceira vez que eu aparatava em uma vila das redondezas e eles sempre estavam lá.

-Expecto Patronum – Bradei.

Mais um patrono irrompeu de minha varinha, mas eu mal parei para fitá-lo. Girei meu corpo e desaparatei pela quinta vez. Quase não me sustentava mais nos meus dois pés, mas eu tinha que se forte. Por Victoire, por Bill, e pela pequena Dominique. E faltava pouco, vamos logo com isso!


-Trapaceiro! – Gritou Skoll.

Ele lutava ferozmente, e naquele momento eu sentia seu hálito bem próximo a meu pescoço. Ele mordia o ar, em busca de minha cabeça, mas eu estava disposto, e por um bom motivo, a mantê-lo afastado com meus braços.

Encaixei meus pés em seu abdômen e lancei-o para cima, fazendo-o cair de costas no chão atrás de mim.

Skoll de repente veio correndo até Greyback e tocou em seu peito.

-Você devia ter dado tempo para ele ter se transformado! Deve respeitar sua ignorância quanto as regras e agir dentro delas mesmo assim. É assim que sempre foi! – Sibilou ameaçadoramente.

-Ora, quem é você para me julgar! – Greyback levantou-se e provou que apesar de mais baixo era bem mais forte. Ele chutou as costelas do filho – pausa para som de ossos sendo triturados -, que se curvou de dor. Logo após, pegou sua cabeça com uma mão, e lançou-o para longe.

Enquanto Greyback fitava seu filho se contorcer de dor, pude me transformar em lobo. Rosnei, avisando que estava preparado.

-Não conte com outra interrupção dessas. – Ele disse.

Não respondi, afinal de contas ainda não dominava a fala, transformado. Mas meu olhar já dizia “Eu não preciso de uma”.

Ele saltou para cima de mim, e nos embrenhamos mais uma vez em uma luta feroz. Ele tentava morder meu pescoço, mas eu conseguia evadir com garradas e empurrões.

Em dois pontos distintos consegui derrubá-lo, mas ele sempre era mais rápido, levantando-se e voltando a investir em mim.

Em certo ponto, eu arranhei profundamente seu peito, e ele se afastou, arfando.

Ele estendeu uma mão, e do meio da multidão, jogaram-lhe com exatidão cinematográfica um machado de guerra, que completava perfeitamente a sua caracterização. Skoll, que se arrastara para junto de seus guardas pessoais, rosnou em desaprovação ao golpe baixo de Greyback.

Agora, abusando de suas habilidades manuais e se mantendo em duas pernas, manejava facilmente sua arma. Sorrindo maldosamente, Greyback saltou levantando o machado acima da cabeça. Me esquivei a tempo de não ser partido ao meio. Corri para a outra extremidade da arena, e me agachei antes de perder a cabeça para mais um golpe daquele machado. Ele seguia atacando, em um ritmo incrível, e não parecia dar sinais de cansaço.

Tentei correr, mas ele me acertou um soco no peito, que me derrubou. Quando ele se aproximou, chutei sua perna, o que o fez pender para um lado, e cair.

Me levantei, e ele segurou meu pé. Consegui me livrar, mas me desequilibrei e caí novamente a alguns metros dali.

Estava exausto. Fora pouco tempo de luta, mas eu não conseguiria fazer muito mais que aquilo.

Me virei de peito para cima, enquanto eu sentia pedras duras machucando minha pele. Isso significava que eu não sustentara a minha forma de lobo, e era humano novamente.

Olhei para o lado, e ali estavam a faca e minha varinha. Quando me impulsionei para pegá-la, o pé de Greyback me deitou novamente fazendo bater de cabeça no chão. Fiquei tonto, enquanto ele me fitava, novamente humano também;

-Quando você aceitou o desafio, você realmente achou que me venceria?

Não respondi, só estiquei meu braço. Ele se abaixou, e olhou fixo nos meus olhos.

-Olhe para mim. – Olhei. – Você não quer desistir e se unir a nós?

-Nunca. E esta luta ainda não terminou!

Ele me olhou, meio decepcionado, meio aturdido. Ele parecia crer realmente que eu me uniria à ele, uma vez vencido.

Quando ele estava quase deitado sobre mim, e abriu a boca para falar algo, eu consegui alcançar a faca.

Em um movimento rápido tentei perfurá-lo, mas o que ele falou, me fez parar:

-Eu dei ordens para dois dos meus mais fieis filhos: Na possibilidade de eu perder essa luta, sua filha morreria.

Meu braço tremeu e pendeu, imóvel.

-Você não tem que morrer.

-Só prometa que não vão machucar Victoire. – Pedi.

-Não a machucaríamos, a não ser que você nos der motivos.

Sorri. A segurança de Victoire estava assegurada, até que Fleur chegasse. – Então me mate.

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