Capitulo 5



Um banho quente de pouco serviu para acalmar os nervos de Gina, que lhe estavam à flor da pele. Todos os planos de fuga em que pensou lhe pareceram impossíveis, e não havia nem um telefone à vista, que pudesse usar para chamar seu pai!



   “Se eu fosse a heroína de um romance, sem duvida acharia uma faca ou um revolver à mão para me defender”, pensou com desespero, vestindo a velha camisola de algodão que trouxera do convento. Por nada no mundo usaria as roupas de seda que comprara em Sevilha. E era bom o quarto estar as escuras.  Já seria ruim demais suportar o toque do conde, quanto mais ter que olhá-lo!


  Mas Gina não ficou por muito tempo sozinha no quarto, com seus pensamentos agoniantes. Enterrou as unhas na palma das mãos quando ouviu a porta se abrindo. A luz foi acessa e o conde examinou-a, sorrindo de leve ao reparar na camisola. Não fez nenhum comentário, limitando-se a trancar a porta e colocar a chave no bolso, antes de se dirigir ao quarto de vestir.
 


 Quando ele desapareceu, Gina descobriu que estava tremendo. Ouviu o barulho abafado de água correndo e tentou desesperadamente deter sua imaginação. Que a fazia ver o corpo do conde, sublimando a força dele e sua própria fraqueza. Milhares de terrores femininos e primitivos assaltaram-na, até que virtualmente se esqueceu do pouco conhecimento que tinha, reduzida pelo medo a uma massa trêmula de nervos e músculos.


 


Quando o conde voltou, usava um roupão atoalhado e tinha os cabelos úmidos. A visão dos pêlos que lhe cobriam o peito e as pernas fez o estômago de Gina revirar, em protesto pela intimidade que estava sendo impingida a ela. É claro que já vira revistas que mostravam fotografias de homens na praia, mas isso não a tinha preparado para a realidade crua da virilidade emanada de um corpo de carne e osso.
  


- Monsieur... – Sua intenção era implorar, fazê-lo mudar de idéia, mas calou-se quando ele riu, os dentes parecendo muito brancos em contraste com a pele bronzeada. Era a primeira vez que o ouvia rir, e corou, zangada imaginando o que teria feito para despertar esse riso.


   - As freiras sem dúvida a ensinaram a ser polida, ma petite, mas, tendo em vista nossa... Intimidade, acho melhor que pare de me chamar de senhor. Diga meu nome, Gina. – exigiu baixinho, com um olhar que não mais continha o menor traço de humor.



   Gina pressionou os lábios, apertando os punhos e desafiando-o em silêncio.  Se ele queria que o chamasse pelo nome, teria de bater nela antes. Não podia negar-lhe seu corpo, mas aquele pequeno gesto de desafio podia fazer e faria.
 


- Não tem importância. Você acabará por dizê-lo, esta noite ou qualquer outra.  - O conde tirou o roupão, sem ligar para a exclamação chocada de Gina, e ela compreendeu que essa era uma forma sutil de castigo por seu desafio. O corpo dele amedrontou-a, mas não foi capaz de desviar os olhos dos músculos que se moviam sobre a pele bronzeada, quando ele se inclinou e puxou os lençóis.


 


Sua primeira reação foi fugir, mas não havia lugar para onde pudesse ir, e não pretendia se humilhar mais ainda. Sem dúvida, seu pânico só serviu para diverti-lo.


  - Então... estamos prontos. – Ele se virou para fitá-la. – A não ser por isso.– Tocou com desdém a velha camisola. – Escolheu-a pensando em me fazer mudar de idéia, não é? – Ergueu as sobrancelhas num gesto interrogativo, mas Gina não confirmou nada. – Hum... – Estudou-a por um momento levando a mão à gola da camisola. – Sinto ter que fazer isso, pequena, mas não pretendo perder minha dignidade e talvez até minha paciência, tentando livrar você dela.
 


Os dedos masculinos se apertaram e Gina enrijeceu, arregalando os olhos, horrorizada, quando ele rasgou o tecido de alto a baixo, desequilibrando-a com a violência do gesto e fazendo-a cair de encontro a si. De imediato ela ergueu as mãos para afastá-lo, tocando-o no peito por um breve momento antes de retirá-las, como se tivesse sido queimada, incapaz de entender o que acontecera até ver os restos de sua camisola no chão. A percepção de sua nudez fez com que envolvesse o corpo com os braços, no mais antigo gesto de proteção.



- As luzes! – gritou, agoniada, imaginando que ele pretendia atormentá-la ainda mais, deixando-as acesas.



  O conde dissera que não queria magoá-la, mas seria mesmo verdade: Até agora, não recebera nenhuma compaixão.


  Ele não apagou as luzes, mas diminuiu-as.


  - Assim fica menos assustador que a escuridão total! – disse voltando para a cama. – Não tem nada a temer, Gina. Um instante de dor, que só terá que agüentar uma vez. As freiras não lhe disseram...


 


   - Disseram, disseram – Gina concordou num murmurou angustiado, louca para acabar com tudo de uma vez. Não tinha meios de escapar e, portanto, teria que enfrentar o inevitável da melhor maneira possível. Isso era o que as freiras tinha lhe ensinado.



   - Você está gelada.


   O conde estava em pé diante dela, com as mãos em seus ombros, descendo-as por sua pele até alcançar a cintura. Um exploração lenta e gradual, durante a qual Gina não se atreveu a respirar. Quando ele a deitou na cama, manteve-se imóvel como uma estátua, recusando-se a fitá-lo enquanto se juntava a ela, as mãos deslizando novamente por sua pele, explorando cada centímetro.



  Não tentou repudiá-lo; forçou a mente a uma aceitação atordoada, usando toda a energia que tinha para manter-se imóvel, lutando para não gritar em protesto ou ceder ao instinto que a mandava se afastar. O choque da boca ardente sobre sua pele, explorando a curva de seu pescoço, foi como fogo sobre gelo. E, ao sentir a mão dele passar de seu braço para seu seio, a mente fugindo das implicações daquele contato, começou a tremer de uma maneira incontrolável, o corpo sacudiu pelo medo e pelo choque. A voz do conde chegou-lhe de muito longe, num tom baixo e tranqüilizante. Não entendia o que dizia, mas percebeu que ele lhe pedia para não mais chamá-lo de senhor ou conde, e sim de Harry.



  Fisicamente, o contato das mãos masculinas não era doloroso ou cruel, mas sua angustia mental bloqueou a percepção de que ele não a estava machucando. Ele não tinha o direito de tocá-la daquele modo, de ver e observá-la. E, incapaz de entender por que seus seios intumesciam ao tocar o peito masculino, ou por que uma estranha sensação nascia na boca de seu estômago cada vez que ele a tocava, fazendo-a amolecer por completo, ela tentou se convencer de que tudo não se passava de uma reação causada pelo medo.


 


Com a mente e o corpo lutando numa batalha que exauria suas frágeis defesas, Gina se viu dividida entre a vontade de ceder a seus instintos e o conhecimento de que aquele homem não será seu marido nem alguém a quem amasse, mas um estranho que a estava usando como usaria qualquer outra que lhe viesse às mãos, naquela guerra contra seu pai. No fim, sua mente venceu, subjugando as estranhas sensações de seu corpo. Enrijeceu todos os músculos contra o peso e o calor do corpo de Harry, que agora a forçava de encontro à cama e separava suas pernas sem o menor remorso, tomando-a presa de um terror real, com ondas de pânico assolando-a de forma cada vez mais intensa.



   Ela lutou contra Harry de corpo e alma, até se sentir entorpecida pelo cansaço. A histeria começou a aparecer sob o seu controle, que a abandonou quando o corpo dele cobriu o seu, e o grito de dor que tinha jurado nunca deixá-lo ouvir foi seguido por lagrimas copiosas, que desciam de seus olhos e sacudiam sua figura esbelta. A agonia mental foi mais potente que a dor física e, quando ele a largou, deu-lhe as costas, curvando-se em posição fetal.



   Sabia de antemão o que acontecera, mas as aulas que tivera e as conversas sussurradas com as colegas não a tinham preparado para o trauma de ter seu corpo invadido, violado por um estranho. De certo modo, teria agüentado melhor se ele tivesse tentando deliberadamente feri-la. Mas nem essa pouca emoção existira no que ele lhe fizera, e sua mente fugia do que acontecera com o mesmo desespero com que seu corpo tentara, momentos atrás.


 


  -Gina...
 


Sentiu a mão dele em seu ombro e contraiu-se.


  - Está bem, eu não vou tocar em você.


   Não se moveu, paralisada pelo medo, incapaz de relaxar até mesmo quando  Harry se afastou, murmurando um palavrão. Sentiu deixar a cama e dar a volta, indo para a janela. Ele não se deu ao trabalho de por o roupão, e seus olhos, incapazes de se desviar do corpo viril, observaram-no olhar para a escuridão lá fora.
 


- Sinto que tenha sido assim, mas você estava tão tensa e apavorada que não poderia ser de outro modo. Da próxima vez... – Voltou-se para ela, alertado por um gemido que ela deixara escapar. Ao olhá-la, surpreendeu-a numa expressão amarga e angustiada. – Tente dormir um pouco. Verá tudo de forma diferente amanhã. – Aproximou-se, sentando-se na cama enquanto ela se encolhia mais. –  Você estava lutando não só contra mim. Mas também contra si mesma, Gina. As freiras devem ter lhe ensinado que sexo é um dever que você tem para seu marido, um meio de alcançar um único fim: filhos. Mas saiba que também de um prazer raro e cheio de encantos. Se ouvir o seu corpo, e não a sua mente, verá que tenho razão.
 


Gina o viu levantar-se e esperou que fosse embora, mas, para seu desespero,    Harry deu a volta na cama e deitou-se à seu lado, embora sem tocá-la. Muito tensa, percebeu a respiração dele ir se aprofundando no sono, e relaxou um pouquinho.



   Seria possível o que acontecera entre eles tivesse dado a ela satisfação física? Difícil de acreditar, mas as freiras tinham dito que as necessidades masculinas eram diferentes das femininas. Suspirou. Não era completamente ignorante. Sabia, de suas leituras, que havia mulheres que sentiam prazer no ato sexual, mas achou que jamais seria uma delas. Sua mente e seu corpo estavam doloridos e magoados, sua pele violada, e uma vontade irresistível de mergulhar na água de uma banheira e a vontade de lavar a lembrança do toque de Harry a invadiu.


 


  Devagarzinho, deslizou para fora da cama, tomando cuidado para não acordar o homem ao seu lado. Sentiu o carpete macio sob os pés, mas estava estranhamente ofegante. Chegou ao final da cama antes que seus joelhos cedessem e teve a sensação de que seu corpo flutuava, quase sem peso. Ouviu um som atrás de si, mas não registrou o que era, não conseguiu entender nem quando Harry a pegou, levando-a nos braças enquanto o quarto girava loucamente em torno deles.
 


- Quero me lavar – pediu, mal sabendo o que dizia. – Quero...


  - Eu sei, ma chérie.


Com as palavras parecendo flutuar em torno de si, Gina apoiou a cabeça no ombro de Harry, a mente e o corpo cansado demais para reagirem. Teve a vaga noção de ser levada para o magnífico banheiro de mármore, de ser enrolada numa toalha macia enquanto a água enchia a banheira, mas era muito esforço prestar atenção. Não queria pensar ou lembrar. Aquela sensação de atordoamento era muito mais agradável.
 


A água era quente e perfumada. Teve vontade de ficar ali para sempre, mas alguém falava e falava com ela, esfregando seu corpo com delicadeza, num toque tranqüilizante que a fez lembrar da infância e da babá que tivera, antes de ir para o convento. Mas deixara o convento e agora...


  Sua mente fugiu da dor que sabia estar à sua espera. Estava sendo retirada da banheira e enxugada, a pele quente e limpa, e obedeceu de imediato a ordem de abrir a boca para receber um comprimido que lhe provocara caretas, e aceitar com gratidão um copo de água. Dentro de segundos, teve a impressão de estar caindo num abismo escuro, e lutou instintivamente contra isso, apavorada pela vaga lembrança dos horrores que esperavam nas sombras. Então, ouviu uma voz fria pronunciando seu nome e sentiu a mão forte levantar seus cabelos e apoiar seu rosto de encontro a algo quente e levemente reconfortante.


 


  -Gina...


 


O som de seu nome conseguiu atravessar a densa névoa. Abriu os olhos. Estava nos braços de Harry, com a cabeça apoiada no peito dele.



   - Você me machucou – disse com voz sentida, com se ainda fosse uma criança.



   O modo como ele retesou-se a espantou, mas logo o tranqüilizante que tomara fez efeito e caiu de novo na escuridão, aconchegando-se instintivamente ao corpo dele à procura de conforto. Não pôde ter consciência de que os olhos verdes a observavam por muito tempo depois de haver adormecido, ensombrecidos por uma expressão dolorosa.


   Não era próprio dele desviar-se de um caminho que decidira tomar. A morte de Tanya tinha de ser vingada, e aquele era, sem dúvida, o melhor modo.



Resmungando algo baixinho, ele olhou para o rosto apoiado em seu peito, com traços de lagrimas ainda visíveis na pele.


 


  Gina abriu os olhos, recuperando de imediato a consciência e virando a cabeça com um movimento abrupto. Uma onda de alívio invadiu seu corpo tenso quando viu que estava só. Hesitante, afastou o lençol e deslizou para a beirada da cama. Lembrava-se vagamente de ter se levantado na noite anterior, depois de... Franziu a testa, tentando recordar exatamente o que acontecera, arregalando os olhos à mediada que as lembranças voltavam.
 


- Ah, você está acordada!


  Gina gelou quando a porta se abriu e Harry entrou, alto e ágil numa camisa de algodão e jeans.



   - Café da manhã – ele lhe disse, indicando a bandeja que trazia. Colocou bandeja sobre uma mesinha e veio se sentar na beirada da cama, enquanto ela virava-lhe o rosto. – Não há sentido em ficar de mau humor, Gina. Não será sempre como ontem à noite. O que sofreu não foi o pior do que sofreria nas mãos de Draco. Talvez até menos, embora eu duvide que possa acreditar nisso agora.



  - Mas ele teria se casado comigo – Gina insistiu, ignorando a última frase dele.



  Como podia ele falar do que acontecera com tanta calma? Ficara chocada com a invasão de sua privacidade e a violação de seu corpo. Não podia aceitar a intimidade indesejada da situação. Não podia suportar a idéia de que aquele homem não só possuirá seu corpo, cimo também parecia conhecer profundamente seus sentimento e emoções. Sentia-se como se não tivesse mais nada que pudesse chamar de seu, nenhum canto de sua alma em que pudesse se esconder dele, e isso a amedrontava.


 


  -Gina. – Harry segurou-a pelos ombros, franzindo a testa ao senti-la esquivar-se. Adivinhando a causa dessa tensão, ao ver a luz do sol dançar sobre a curva nua do ombro feminino, levantou-se, foi até o quarto de vestir e voltou trazendo um robe de seda transparente. – Sente-se e vire – mandou, sentando-se atrás dela e vestindo-lhe o robe enquanto ela obedecia, cheia de relutância. – agora, tente entender – disse, atando com firmeza as fitas que fechavam a frente da vestimenta. – Aos olhos das pessoas que se importam com você como gente, o fato de termos sido amantes não significa nada. Eles a julgarão pelo que você é, Gina. Sua virgindade ou a falta dela só tem importância para o seu pai, porque ele a encara como algo que pode vender. As mulheres, hoje em dia, não trocam mais sua inocência por um casamento. Agora você pode achar estranho o que estou lhe dizendo... mas um dia talvez me agradeça pelo que fiz.
 


- Não minta! – Zangada, Gina empurrou-o para longe. – Ontem à noite, você me disse que sua irmã era amante de meu pai e que ele não se casaria com ela...



  - Por ela não ter dinheiro, não por não ser mais virgem. E não foi porque minha irmã resolveu se dar ao seu pai que eu trouxe você para cá, foi por causa do modo como ele a tratou depois. Agora, acho melhor você tomar o café e se vestir.


  - Com o quê? Não tenho nada escarlate...


 


Ele riu, enfurecendo-a mais ainda, aparentemente mais divertido que aborrecido com o comentário. E logo replicou com malícia:



  - Mesmo com as roupas de uma putai. Você se pareceria exatamente com o que é, ma petite: uma inocente ostentando a mágoa interna e externa de sua violação.



   - Quando vamos para o Caribe?


   - Quando você perder essa cara de criança violada e se tornar uma mulher.


   - Isso nunca acontecerá! – Gina garantiu com raiva, odiando-o ainda mais quando ele enrolou uma mecha de seus cabelos no dedo indicador, rindo novamente.



   - Au contraire, ma jolie. E isso vai acontecer mais cedo do que pensa. Muito mais cedo.


   Inclinou-se para a frente, deslizando a mão para o queixo de Gina, mantendo-a prisioneira enquanto esfregava a língua em seus lábios. Beijou-a, afastando-se em seguida para estudar-lhe as faces coradas e os cabelos despenteados, com expressão pensativa. Por um instante,Gina pensou que fosse toca-la novamente, mas para seu alívio nada fez, limitando se a dizer:



   - Agora, tenho que inspecionar os vinhedos. Se quiser, pode explorar a casa e o pátio interno, mas não poderá sair. A ponte continuará erguida, e lembre-se de que Pierre não pode ajuda-la. Siga meu conselho e aceite o inevitável, Gina. Não há vergonha em achar prazer na sexualidade de sue corpo, apesar do que as freiras lhe ensinaram.
 


 - Como posso encontrar prazer, quando odeio você? – Gina jogou-lhe na cara, observando as linhas de riso se aprofundarem em torno dos olhos verdes.
 


- Você verá – ele prometeu, caminhando para a porta. – Tome seu café. Vejo você à noite. – Desapareceu antes que ela pudesse pensar numa boa resposta, deixando-a sozinha com seus pensamentos.


 





 


 


(....)


 


 


 


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