Capitulo 3



  


-Não se preocupe. Tenho certeza de que você é tudo o que seu pai espera... e muito mais. Muito, muito mais!


   Tentando entender o que ele lhe dissera, Gina pôs-se a tomar seu sorvete de baunilha, observando-o comer queijo com biscoito. Mesmo contra a vontade, sentia-se fascinada pelos traços do rosto sombrio e os dedos longos e masculinos.



   - Já é hora de você ir para a cama – o conde anunciou, finalmente – Está dormindo em pé. Ainda é tão criança... Quer que eu a leve para a cama e lhe dê um beijo de boa noite? – Riu baixinho, notando o leve gesto de recusa que ela fez – É tão confuso, não é? As freiras lhe disseram uma coisa, e o seu corpo diz outra.


   Levantou-se e deu a volta na mesa, inclinando-se para tomá-la nos braços como se não pesasse mais que uma criança, levando-a para a cama com o rosto enterrado em seu ombro. Os sentidos de Gina absorveram avidamente aquele cheiro e aquele contanto, enquanto ele puxava os lençóis e a colocava sobre o colchão. O conde cobriu-a depois, deixando que os dedos repousassem por um instante sobre o ombro feminino, antes de se retirar.


 


  Gina não sabia dizer se foi alívio ou decepção que atingiu seu corpo de forma tão dolorosa quando a porta se fechou atrás dele. Mas, certamente, era alivio.  Não podia ter desejado que ele a beijasse de novo!


    - Se está pronta, acho melhor continuarmos a viagem.
   


Durante o café da manhã, eles tinham comidos pãezinhos quentes com geléia fresca e maçã, e Gina estava satisfeita. Seus cabelos não haviam perdido o novo estilo, e ela não achara difícil maquiar-se, apesar do tremor nas mãos.  Sem duvida esse tremor era uma conseqüência do fato de saber que teria que enfrentar o conde ainda uma vez.



   No entanto, não precisava ter se preocupado, pois o homem zombeteiro e quase assustador da noite anterior cedera lugar a um cavalheiro sorridente, ligeiramente paternal, que não conseguira reconhecer.


   Viajaram a manhã inteira, com o conde inserindo fitas atrás de fitas no gravador do painel, o que eliminou a necessidade de conversarem, permitindo que Gina se concentrasse no cenário, embalada pela música.
  


Na hora do almoço, o conde entrou numa cidadezinha francesa. Estacionou o carro no pátio do que, segundo ele contou, um dia já fora uma famosa estalagem.


 


  A construção era velha, com as paredes recobertas por uma trepadeira, de cujos galhos pendiam ramos de flores vermelhas. O proprietário levou-os pessoalmente a uma mesa, ficando por perto com ar solícito, para aconselhar a respeito do menu. A principio, Gina pensou que fosse porque ele conhecia o conde, mas depois, quando ficaram a sós, o conde lhe explicou que, na maioria das casas francesas, o almoço era considerado a principal refeição do dia. E aquele aubergue tinha uma reputação das melhores, tanto em relação à comida quanto ao tratamento dispensado aos fregueses.
  


- Como vamos passar o resto da tarde viajando, acho melhor comermos algo leve – ele sugeriu, com um sorriso bem- humorado – Quer que eu escolha para você?


  Recusando com um gesto de cabeça, Gina pegou o menu. As freiras ensinavam bem, e quando terminou de fazer sua escolha, passando-a ao garçom, teve a satisfação de ver que não falhara.



  A comida mostrou ser tudo o que ela esperava, e não cometera o erro de pedir algo mais pesado. As refeições no convento eram sempre leves, cuidadosamente balanceadas, e ela automaticamente escolhera com a mesma precisão cuidadosa. Para sua surpresa, ele também fora bastante cuidadoso na escolha, mostrando preferência pelo valor nutritivo dos alimentos do que apenas pelo gosto.


  - Você me surpreende, ma petite – ele disse, quando o garçom se afastou – Pensei que o gosto pelos doces fosse uma prerrogativa das jovens.
 


 - Sorvetes e doces melados, monsieur? – Gina perguntou com um sorriso, meneando a cabeça enquanto explicava as aulas que todas as alunas recebiam da nutricionista do convento.


 


  -Em resumo, nós somos o que comemos – ele concluiu, quando ela chegou ao fim. – Até certo ponto isso é valido, mas temos que mostrar uma certa indulgência por outros... Desejos. Ninguém é uma maquina funcionando a poder de combustível, é preciso levar em conta as necessidades dos sentidos.


   - O senhor não tomou vinho em sua refeição. Nem escolheu uma comida muito rica.


  - O fato de estar dirigindo me impede de saborear um vinho como se deve. E quanto a comida... – O conde fitou-a, e Gina estremeceu de leve. – Não se engane, Gina. Por mais nutritiva e boa que seja esta comida, se ela não for servida de um jeito atraente, eu não a tocaria. Nós temos sentidos para que possamos aproveitar o que nos cerca, seja através doa ato ou do paladar.
 


Enquanto falava, ele pousou os olhos no corpo dela, e Gina teve a sensação de estar quase sendo tocada. Como seria fazer amor com um homem como aquele?    Mas logo ficou tão assustada pelo direção de seus pensamentos que não percebeu que seus olhos refletiam o que pensava, e que o homem sentado a sua  frente observava-a com atenção.



   A tarde já ia avançada quando o conde lhe disse que estavam entrando na Borgonha, região da França onde ficava a propriedade a que se dirigiam. O cenário da Cote-d’Or fez com que ela prendesse a respiração, encantada com a visão dos vinhedos, de belos châteaux e antigas casas de fazenda. A palavras clos aparecia cada vez mais nas tabuletas. E o conde explicou-lhe que se referia a vinhedos fechados, que um dia tinham pertencido a conventos ou monastérios, mas que ainda conservavam seus muros.


 


  -Seus vinhedos também são assim? - Gina perguntou, com uma vontade repentina de saber mais a respeito dele.



  - Não. As terras Serivace são muito extensas para serem muradas, mas temos um pequeno clos não muito longe... da casa.
 


Ele não parecia disposto a falar mais, e Gina recaiu no silêncio, muito tensa, embora não soubesse o porquê.



  Afinal, saíram da estrada principal, tomando uma estradinha mal asfaltada, ladeada por vinhedos. Era tão estreita que quase não continha a Ferrari.


   -Os vinhedos Serivace – o conde esclareceu -Nossos vinhedos são dos mais extensos da região. Meu primeiro antepassado a vir para cá disse que teria terras em todas as direções, em volta das sua casa, indo tão longe quanto a vista pudesse alcançar. Apesar das muitas dificuldades por que minha família passou, isso ainda é verdade, hoje em dia. – Fez uma pausa, apontando para um agrupamento de edifícios baixos e longos, a distância. – Naquele lugar é que engarrafamos o vinho. Jules Duval, meu administrador, vive lá com a família.   Muitos pequenos viticultores locais também usam nossas instalações.


   De repente, um bosque fechado surgiu na frente deles, tão estranho naquela região coberta de vinhedos, que pegou Gina de surpresa. O sol, que estivera escondido atrás de uma nuvem acinzentada, apareceu inesperadamente, fazendo brilhar algo atrás das arvores. E logo estavam entre elas. Com conde explicando que muitas eram espécimes raros, plantas por seus ancestrais para criar um parque “ao estilo inglês”. Para além do bosque havia jardins solenes, e no fim do caminho...


 


Gina arregalou os olhos ao ver o lago com o château elevando-se dele. Era uma visão branca, de contos de fada, repousando junto às águas prateadas, como uma miragem. Uma antiga ponte levadiça cobria o lago na sua parte mais estreita. As rodas do Ferrari repercutiam quando a cruzaram, passando em seguida por baixo de um arco de pedra e penetrando num pátio, onde estacionaram ao lado de uma porta arredondada e cheia de cravos de ferro.


  - Parece... Parecer coisa de contos de fadas – ela balbuciou fascinada com o que via. Uma “casa”, o conde dissera... Tolamente, ela esperava encontrar uma casa de fazenda, e não aquele château encantador, com suas torres, jardins e um lago.


   - A Bela Adormecida, talvez? – o conde sugeriu, soltando o cinto de segurança e abrindo a porta. – Eu lhe garanto que não há nenhuma princesa cativa aqui, ma chérie. Mas venha, depois eu pego suas malas. – Sorriu, vendo a expressão dela. – Estava esperando um exercito de cortesãos? Esses dias acabaram. A maioria dos quartos do château está em desuso. Tenho uma suíte no edifício principal, que é cuidada por Pierri, meu... “Faz-tudo”. A propósito, é melhor que você esteja prevenida, antes de encontrá-lo. Ele trabalha para nós e ficou muito ferido na explosão do carro que matou meus pais. Meu pai ocupava um posto no governo, na época da rebelião da Argélia. Jogaram uma bomba no carro dele. Minha mãe e ele morreram na hora, mas Pierre, que estava dirigindo, foi atirado longe. Ficou muito queimado e, desde o acidente, nunca mais falou. Também perdeu a capacidade de ouvir.


 


   -Coitado! – Gina exclamou chocada, o que lhe valeu um olhar irônico do conde, enquanto ele a ajudava a descer do carro.
  


- É melhor você não manifestar esse tipo de sentimento diante de Pierre. Ele não é homem que goste de... Piedade. – E, antecipando a próxima pergunta de Gina, continuou: - Eu tinha catorze anos, quando isso aconteceu. Na época,  fiquei muito amargo. Mas tudo passa na vida, e eu tinha...
 


 - Pierre? – Gina completou, cheia de compaixão pela dor que acabava de vislumbrar nos olhos dele.
 


- Pierre? Ah, sim, eu tinha Pierre.


  Deixando Gina para trás, o conde cruzou o pátio e abriu a pesada porta. Ela o seguiu, sentindo um calafrio ao dar com o vasto hall. O chão era coberto por mármore, num desenho de losangos brancos e pretos, que continuavam pelas escadas, sustentadas graciosamente por colunas de mármore, com portas de mogno polido abrindo-se ao longo das paredes, a intervalos regulares.



  - Por aqui. – O conde tocou-a no braço, indicando uma das portas. – Só usamos a parte central do château, agora. Esta é a biblioteca. Depois eu lhe mostro os cômodos.


A biblioteca era forrada de lambris de madeira, com uma enorme lareira de mármore e um tapete em tons esmaecidos de verde, rosa e amarelo, que Gina desconfiou ser um Aubusson. Cortinas de veludo verde-pálido pendiam das janelas, e uma escrivaninha fora colocada no lugar onde se podia obter o máximo beneficio da luz do dia.


 


 -A biblioteca também me serve de escritório – o conde explicou – Vou lhe mostrar o resto, agora. Pierre pode preparar nosso jantar depois.
 


 Enquanto iam de cômodo em cômodo, Gina não pode deixar de pensar que o tal  Pierre devia trabalhar de sol a sol, cuidando de um lugar tão grande. Mas o conde logo lhe explicou que recebiam ajuda da vila, quando era necessário.



  - Depois da vindima, chega a hora de entretermos nosso compradores, e ai o château revive. Mas você parece cansada. Vou levá-la para seu quarto.


   O mármore das escadas fez gelar a sola fina de suas sandálias, e o lustre de cristal, pendendo do teto refletia a luz do sol poente como um enorme prisma colorido, quase a cegou com seu brilho. O patamar formava uma galeria, com as paredes cobertas de seda verde-claro, e Gina imaginou quem teria escolhido a decoração, obviamente recente, e quem faria papel de anfitriã para o conde, quando ele recebia os compradores.



   Abrindo uma das portas, o conde indicou com um gesto, que entrasse.
   Era um cômodo gigantesco, com uma cama em estilo império, cujo reposteiro tinha sido puxado para trás a fim de revelar a rosa que o sustentava, presa ao teto e recoberta com ouro e esmalte. Uma espreguiçadeira revestida com o mesmo brocado creme e rosa do reposteiro descansava ao pé da cama, combinando às mil maravilhas com as duas bergère diante da lareira e a delicada mobília imperial em branco e dourado, que fez Gina prender a respiração, deslumbrada.


  


-O banheiro e o closet ficam ali - o conde disse, indicando outra porta. – Vou deixá-la aqui, enquanto vou atrás de Pierre. Ele trará suas malas.
  


Quando ficou só, Gina caminhou até a janela. Já estava escuro lá fora, e só pode ver o brilho do lago e os jardins se estendendo até o cinturão de árvores.


 


    Enquanto investigava o banheiro, ouviu o barulho da porta do quarto se abrindo e fechando, e deduzindo que devia ser Pierre com suas malas. O banheiro era maravilhoso, obviamente uma estrutura moderna. Três paredes, o chão, as peças sanitárias e a enorme banheira embutida no solo eram de mármore. A parede restante era totalmente espelhada.
 


  O closet, que atravessava a caminho do banheiro, era recoberto de armários, todos com espelhos e, pensando que seria demais esperar que Pierre desfizesse suas malas, Gina voltou para lá, pondo-se a escolher as roupas que usaria na manha seguinte. Ao pretendia se trocar para jantar – sua intenção era apenas se lavar um pouco e retocar a maquiagem.



  Exatamente quando chegaria seu pai? Ela abafou um certo desaponto por não tê-lo encontrado lá, raciocinando que isso havia acontecido provavelmente por ele estar muito ocupado com os negócios. Senão, não teria mandado o conde ir buscá-la.


 


 


 


(...)


 


 


 


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