Capítulo Doze



Capítulo Doze


 


O pacote foi entregue na mais elementar das formas. Foi deixado por uma transportadora de Dartmouth, um dos menos lucrativos e mais úteis tentáculos de Deboque. O remetente continha o endereço de uma tia de Gina da Inglaterra e tinha o carimbo FRÁGIL.


A única dificuldade era o fato de Eve estar presente quando foi entregue.


- Oh, que divertido! - A princesa rodeava o pacote. - E um presente de Natal, não? Por que não o abre?


- Não é dia de Natal. - redargüiu Gina em tom suave, pousando o pacote em uma das prateleiras de seu closet. Iria entregá-lo a Rony tão logo fosse possível.


- Oh, como pode ser tão indiferente em relação a isso? - Com os nervos à flor da pele, Eve caminhava pelo quarto. - Nunca procurou embaixo das camas ou nos armários por pacotes nessa época do ano?


- Não. – Gina sorriu e voltou ao aposento para arranjar as flores que Eve lhe trouxera. - Nunca tive vontade de estragar a surpresa da manhã de Natal.


- Não a estraga, apenas aumenta a excitação. - A princesa volveu o olhar ao closet. - Não podíamos dar apenas uma espiada?


- Claro que não, embora eu possa lhe adiantar que aquele pacote, provavelmente, contenha cinco dúzias de biscoitos tão duros quanto pedra. Minha tia Honoria é bastante previsível.


- Nem parece que estamos no Natal. - Tristonha, Eve caminhou até a janela. Colocou uma das mãos, em um gesto protetor, sobre o ventre ligeiramente abaulado e com a outra apertou com nervosismo a cortina. - O salão de baile foi lavado e polido para o feriado, as árvores estão todas armadas. Se caminhar pela cozinha, sentirei os mais apetitosos aromas, mas não parece Natal.


- Está com saudades de seu país, Eve?


- Saudades do meu país? - Exibindo surpresa por alguns instantes, a princesa se voltou, sorrindo. - Oh, não. Alexander e Marissa estão aqui. Esperava que minha irmã conseguisse se afastar da galeria de arte por uma semana ou duas, mas não estou com saudade dos Estados Unidos. É que todos tentam me paparicar, proteger-me, escondendo-me as coisas. - Deixando escapar um suspiro, caminhou até o armário de Gina e começou a brincar com a caixa esmaltada que Harry admirara. - Sei o quanto Alex está tenso e preocupado, por mais que se esforce para aparentar normalidade. Mesmo quando converso com Harry, percebo que meu cunhado não está prestando atenção em mim. Isso tem de ter um fim, Gina. Não suporto ver as pessoas que amo se desgastarem dessa maneira.


Ela também a mimaria e protegeria, escondendo-lhe a verdade, mas era o único conforto que podia dar à amiga.


- É sobre Deboque, não?


Eve devolveu a caixa ao seu lugar.


- Como um homem pode cultivar tanto ódio e causar tanta dor? Sei, embora mesmo após anos não consiga compreender, que não ficará satisfeito se não nos destruir.


- Não é possível para a maioria de nós entender a genuína maldade. - começou Gina, embora pudesse compreendê-la. - Mas acho que pioramos as coisas quando deixamos que nossas vidas sejam demasiado afetadas por esse sentimento.


- Tem razão, claro. - Eve lhe estendeu ambas as mãos. - Tem noção de quanto me sinto agradecida por você estar aqui? Sem sua companhia acho que me sentiria deprimida a maior parte do tempo. Mione chegará mais tarde, com todas as crianças. Ainda temos de entrar em contato com os músicos e com os floristas. - E apertando de leve as mãos de Gina, enquanto deixava escapar um suspiro, comentou: - Odeio me sentir impotente. Gostaria de cuspir nos olhos de Deboque, mas se tudo que me resta é facilitar as coisas por aqui, terei de me contentar com isso.


Gina jurou a si mesma que na primeira oportunidade cuspiria nos olhos de Deboque, por ela.


- Por que não me leva até o salão de baile e me diz o que tem a fazer? Gostaria de ajudá-la. - E, além disso, queria Eve longe do pacote que aguardava por Rony em uma das prateleiras de seu closet.


- Está bem, mas quero que venha até meu quarto primeiro. Tenho um presente para você.


- Presentes são para o dia de Natal. - lembrou Gina, enquanto iam ao quarto de Eve.


- Esse não pode esperar. - Precisava afastar a mente dos acontecimentos que assombravam todos eles. O Dr. Franco havia lhe avisado que a tensão poderia afetar a criança. - Princesas grávidas têm essa prerrogativa.


- Que esperto de sua parte usar a gravidez como desculpa quando lhe convém. - Ambas subiram o pequeno lance de escada e cruzaram a ala contígua. - Disse que Hermione estará aqui em breve. Toda família chegará hoje?


- Em peso, esta tarde.


Gina relaxou um pouco. Seria fácil transferir o pacote para Rony e levar o plano adiante.


- Harry já guardou seu tesouro no cofre?


- Tesouro? Oh, o ioiô. - Com a primeira risada espontânea do dia, Eve entrou no próprio quarto. - Ele adora aquele garoto. Nunca conheci ninguém que tenha tanto jeito com crianças como meu cunhado. Dedica um tempo enorme à Organização de Ajuda a Crianças Deficientes, mesmo que isso o afaste de seus dias de folga, com os cavalos. - A princesa se encaminhava ao closet, enquanto falava. - Outro motivo que tem me deixado deprimida é saber que Harry podia estar no topo do mundo agora e em vez disso está com uma aparência bastante desgastada.


- No topo do mundo?


- Custou-lhe seis meses e muitas decepções para conseguir uma ala especial para crianças no museu. Finalmente conseguiu, na outra noite, durante o jantar da diretoria. Não sem muito esforço e lábia. Não lhe contou?


- Não. - retrucou Gina lentamente. - Não mencionou o assunto.


- Tem sido seu principal projeto, por dois anos. Levou meses para encontrar o arquiteto adequado. Um que captasse a essência do que Harry tinha em mente. E já que a diretoria não dava prioridade ao assunto, pagou do próprio bolso o desenho do projeto. É maravilhoso. - Eve retomou do closet, carregando uma grande caixa. - Deveria pedir que ele lhe mostrasse qualquer dia desses. Harry o quer bem arejado, cheio de janelas, de forma que as crianças não se sintam enclausuradas. A diretoria fez algumas objeções quando Harry mencionou as esculturas com as quais as crianças poderiam ter contato e as ilustrações de livros infantis em vez de Rubens, Renoir e Rodin sob os vidros.


- Não tinha idéia de que ele fosse tão... engajado.


- Meu cunhado se entrega por inteiro a tudo que faz. A intenção dele é introduzir as crianças no mundo da arte, através de meios que possam entender e apreciar. Há ainda uma seção reservada à pintura e modelagem criadas pelas próprias crianças.


Gina pôs a caixa na cama e sorriu.


- Estou surpresa que ele não tenha lhe contado nada. Fala nisso o tempo todo. Levou dois anos de planejamento e seis meses de luta para que o projeto saísse do papel.


- Que amável da parte dele! - Gina sentiu o coração contrair, expandir e em seguida se encher de amor. - É fácil pensar que ele é um homem cujos únicos interesses são os cavalos e a próxima festa.


- Ele se diverte com essa imagem, mas Harry é muito mais do que isso. Acho que vocês se tomaram bastante próximos.


- Harry é muito gentil.


- Gina, não me desaponte. - Um tanto cansada, Eve sentou-se na beirada da cama. - Ele a segue com o olhar por todos os lugares.


- Ele faz isso?


- Sim. - a princesa sorriu. - Faz. Mesmo diante de toda a ansiedade e tensão da última semana, tive o prazer de ver Harry se apaixonar. Você corresponde, não?


- Sim. - estava quase no fim. Algumas mentiras não eram necessárias. - Jamais conheci alguém como ele.


- Não há alguém como ele.


- Eve, não quero que pense ou espere por algo que não acontecerá.


- Tenho o direito de esperar e pensar o que quiser. - A princesa colocou uma das mãos sobre a caixa que colocara a seu lado, dando palmadinhas na tampa. - Por hora, abra seu presente.


- Isso é uma ordem ou um pedido?


- O que for necessário para abrir. Por favor, estou morrendo de curiosidade para saber se vai gostar.


- Bem, é contra meus princípios abrir um presente antes do Natal, mas... - Cedendo, Gina ergueu a tampa. Afastou para os lados as camadas de papel vegetal e se surpreendeu, fitando deslumbrada.


Brilhava como uma jóia e cintilava como fogo. O vestido tinha a cor verde intensa e sedutora das esmeraldas com várias centenas de pequenas contas que captavam a luz da tarde.


- Tire-o da caixa. - Insistiu Eve, para em seguida, demasiado impaciente, retirar o traje com as próprias mãos.


A seda ondulou, sussurrou e se imobilizou. Era de corte estreito, com uma gola alta que brilhava por causa da faixa de contas na altura do pescoço. Os braços ficariam desnudos até os ombros, assim como as costas, até o tecido drapejar outra vez, seguindo uma linha longa até o chão. Era um vestido feito para brilhar sob candelabros e cintilar sob o luar


- Diga-me que gostou. Levei a costureira à loucura por um mês.


- É lindo. - Tímida, Gina estendeu a mão. O traje parecia tremular com vida ao mínimo toque. - É a coisa mais linda que já vi. Não sei o que dizer


- Diga que o usará no baile de Natal. - Satisfeita consigo mesma, Eve girou a amiga até que ficasse de frente para o espelho, e segurou o vestido na frente do corpo dela. - Veja como combina com seus olhos. Eu sabia! - Rindo, colocou o traje nas mãos de Gina de forma que pudesse dar um passo atrás e observar. - Sim, tinha certeza disso. Com sua pele... Oh, sim! - exclamou, batendo com um dedo nos lábios. - Harry pousará os olhos em você e babará feito um idiota. Mal posso esperar para ver.


- Acho que eu não deveria...


- Claro que deveria, e o fará, porque me recuso a receber um não como resposta. - Estreitando o olhar, deu um passo à frente para retirar uma mecha de cabelos solta da face da amiga. - Minha cabeleireira terá de fazer uma revolução em você.


- Isso soa um tanto sinistro. - Por mais que ansiasse por aquilo, não se permitia ousar. A reservada e modesta lady Gina Weasley não teria coragem de usar um vestido como aquele. - Eve, é maravilhoso. Você é extraordinária, mas acho que não combino com um traje como este.


- Nunca me engano. - Eve afastou a recusa com um gesto de mão. Podia ser uma princesa apenas há dois anos, mas sempre fora determinada. - Passo tempo demais no teatro para não saber o que combina ou não. Confie em mim, e se isso é lhe pedir demais, ao menos faça-me este favor como amiga.


Elas haviam se tomado amigas, não obstante as razões iniciais ou o objetivo final. Que mal faria aceitar? Seria bem possível que não estivesse em Cordina para o baile.


- Sinto-me como uma Cinderela. - murmurou Gina, desejando de fato sê-la.


- Ótimo. E lembre-se que nem sempre o conto de fadas se desfaz nas 12 badaladas.


Mas Gina sabia que sim. Recordou as palavras de Eve quando ela e Rony se moviam em silêncio pelo palácio. O jogo estava quase no fim, assim como o tempo de que dispunha.


O pacote continha os explosivos que solicitara e uma mensagem codificada. Teria de entrar em ação naquela noite e encontrar o agente de Deboque nas docas à 1h. O pagamento viria em seguida.


- Isso tem de funcionar. - resmungou Gina, enquanto pousava a primeira carga com cuidado. O equipamento que utilizava naquele momento era aprovado pelo SSI. O pacote que recebera já estava sendo rastreado. Dentro em pouco, Deboque perderia seu braço em Atenas, e muito mais.


- Do lado de fora do palácio, parecerá que o fogo está fora de controle. - informou Rony, trabalhando tão rápida e eficientemente quanto ela. - Os explosivos fazem mais barulho do que têm potência. Explodiremos algumas janelas e produziremos um espetáculo infernal, enquanto Malori e seus homens permanecerão aqui para conter a explosão se necessário.


- O príncipe está com eles agora?


- Sim, Tiago está colocando o restante da família a par dos acontecimentos. Malori objetou, mas acho que ele tem razão. Não lhes fará mal algum saber a verdade a essa altura, e podemos evitar muita ansiedade.


Pensou em Hermione. Após aquela noite, talvez os pesadelos a abandonassem.


- Não suporto a idéia de Eve acordando com a explosão e pensando ser obra de Deboque. E Harry? Ele está seguro na ala da família?


- Sim. - retrucou Rony sucinto. - Vou lhe dar dez minutos. É o suficiente para abandonar o local. As docas estão seguras, de modo que se alguma coisa sair errado, estaremos com você em um instante. Estarei no barco que mantém o iate de Deboque sob vigilância. Entrarei no momento que me der o sinal. Gina, conheço o risco que corre com o dispositivo. Se for revistada...


- Lidarei com isso. - O microfone era uma obra-prima do SSI. Tinha a aparência de um intrincado medalhão que pendia milímetros abaixo da pulsação no pescoço de Gina.


- Se ele o perceber, agirá rapidamente.


- Serei mais rápida. - Gina pousou uma das mãos na dele quando Rony fez menção de falar. - Tenho interesse nisso também. Não quero morrer.


Ele a fitou por alguns instantes.


- Tenho reputação de manter meus parceiros vivos. - Gina agradeceu o fato de o agente conseguir fazê-la sorrir.


- Estou contando com isso. Mas se algo sair errado, poderia transmitir uma mensagem a Harry para mim?


- Claro.


- Diga-lhe que... - Gina hesitou. Não costumava confiar seus sentimentos a ninguém. O relógio marcou meia-noite e Gina rezou para que a magia não se dissolvesse. - Diga que o amo. As duas partes de mim o amam. E que não me arrependo de nada.


Gina partiu pela porta principal e dirigiu vagarosamente na direção dos portões. Em minutos, os seguranças que não haviam sido informados da camuflagem reagiriam da exata maneira que esperavam. Qualquer pessoa que estivesse observando o palácio veria a surpresa e a ação. Por hora, apenas partiu pelos portões após breve registro. Consultava constantemente o relógio de pulso enquanto dirigia, ouvindo os minutos escoarem e pensando em Harry. Estaria seguro naquele momento? Não obstante o que acontecesse naquela noite, ele e a Família Real estariam a salvo. Se Deboque fizesse o pagamento, seria preso por conspiração. Se a matasse, seria preso pelo assassinato de um agente do SSI. O fim justificava os meios.


Gina estacionou o carro e esperou. E, então, ouviu a explosão. Malori prometera barulho e cumprira. Abriu a porta do veículo e se postou ao lado do carro por um momento. O palácio era uma névoa branca no céu noturno, porém a ala leste estava iluminada como o dia. O fogo era impressionante daquele ponto, e sabendo que um dos homens de Deboque podia estar próximo, ficou satisfeita. Dentro de vinte minutos um dos homens de Malori anunciaria que a Família Real, com exceção de Tiago, morrera na explosão.


Porém, no momento em que chegou, as docas estavam desertas. As notícias alarmantes já haviam se espalhado. Gina estacionou o carro nas sombras e se afastou para esperar sob a luz. Constituía um excelente alvo.


O barco ancorado fora do cais aparentava ser um pequeno, caro e prazeroso iate. Várias vezes durante o dia uma mulher de cabelos escuros aparecera no convés para se bronzear e ler.


De vez em quando, um homem jovem, bronzeado e com o peito desnudo vinha lhe fazer companhia. Beberam vinho, acariciaram-se e dormiram. Os vigilantes do Invencível fizeram apostas sobre a hora em que o casal faria sexo sob o sol, mas ficaram desapontados.


Na cabine inferior, o aparato do SSI ia desde monitores de televisão a lançadores de mísseis. Oito homens e três mulheres ocupavam a cabine e esperavam.


 


Harry estava confinado à cabine há horas, não engolira nada exceto café e a própria impaciência. Observava o monitor que captava a imagem de uma câmera de longo alcance. Queria vê-lo. Por Deus! Ansiava por fitá-lo nos olhos quando a armadilha se fechasse. Mais do que isso, deseja ouvir através do transmissor que estava acabado e Gina, a salvo.


- Weasley está chegando. - O homem com os fones de ouvido anunciou e continuou a fumar


Segundos depois, Rony entrou na superlotada cabine. Retirou o quepe de marinheiro e o jogou para o lado.


- O primeiro estágio foi finalizado. - declarou, anuindo com um gesto de cabeça para Harry. - Além dos portões, parece que a ala leste foi devastada. O SSI é teatral.


- E minha família? - indagou o jovem príncipe, voltando a atenção ao monitor.


- Segura.


Ele esticou a mão para pegar o café frio e amargo.


- Gina?


- Esperamos um comunicado dentro de alguns minutos. Alguns de nossos melhores homens estão nas docas, como reserva.


Harry o fitou por um longo instante. Desejara estar nas docas, o mais próximo possível. Fora de encontro à barreira intransponível que se revelaram o pai, Rony e Malori, e teve de ceder. Se fosse reconhecido, toda a operação seria posta em risco.


Naquele momento, havia apenas Gina a se arriscar.


- Deboque não foi visto o dia todo.


- Ele está lá. - Rony acendeu um cigarro e se preparou para esperar. - Ele não gostaria de estar longe esta noite.


- Contato. - Um agente a bombordo ergueu as mãos para tocar os fones de ouvido. - Ela está fazendo contato.


 


A brisa do mar era fria e a noite, clara.


Gina reconheceu o homem que se aproximava como sendo o mesmo que entrara no pequeno e enfumaçado bar. Chegou sozinho e de mãos vazias.


- Mademoiselle.


- Minha parte da barganha foi concluída, monsieur. Está com o pagamento?


- E uma bela noite para um passeio de barco.


O iate. Gina sentiu um arrepio tanto de desconforto quanto de excitação.


- Compreende que não posso retornar a Cordina?


- Isso está entendido. - Ele gesticulou em direção a um pequeno barco a motor. - Suas necessidades serão atendidas.


Como antes, não lhe restava escolha. Podia puxar a arma e rendê-lo. Se tivessem sorte, o homem trocaria a própria liberdade pela de Deboque. Porém, não poderia arriscar a segurança de Harry.


Sem dizer uma palavra, entrou no barco e se sentou.


Tinha a vida nas próprias mãos, pensou Gina, e as cruzou. Não obstante o desfecho daquela noite, Deboque estaria arruinado.


Seu contato não voltou a falar, mas o olhar se movia para a frente e para trás em meio à escuridão da noite. Naquele momento, todos esperavam e observavam. O iate de Deboque se destacava, branco e imponente, no mar. Gina podia avistar três homens no convés: Ricardo e outros dois. Foi o homem de confiança de Deboque que a ajudou a embarcar.


- Lady Gina, é um prazer revê-la.


Havia algo de malícia e satisfação em seu olhar.


E então Gina soube, tão certo quanto se ele tivesse lhe encostado uma faca ao pescoço, que não pretendiam deixá-la partir do Invencível. A voz era fria e calma quando ela falou e, esperava, claramente recebida através da amplidão da água.


- Obrigada, Ricardo. Espero que isso não demore muito. Sou forçada a admitir que me sinto desconfortável nas águas de Cordina.


- Partiremos em uma hora.


- Para?


- Um clima mais confortável. O rádio anunciou as trágicas mortes de vários membros da Família Real. O príncipe Tiago está isolado, amargando sua tristeza.


- Claro. Cordina perdeu seu coração e herdeiro. Monsieur Deboque já foi informado?


- Ele a espera na cabine. - Ricardo esticou a mão para a bolsa de Gina.


- Os empregados são sempre revistados?


- Podemos dispensar isso, lady Gina, se me permitir ficar com suas armas. - Ele pegou a arma dela e a colocou no bolso. - E a faca?


Dando de ombros, Gina ergueu a saia até a coxa. Observou o olhar de Ricardo se fixar lá, enquanto retirava a lâmina. Acionou o botão. A seu redor, o som de pistolas sendo engatilhadas se fez ouvir.


- Uma arma admirável. - elogiou Gina, em tom suave, enquanto segurava a faca contra a luz. - Silenciosa, com estilo e útil. - Sorriu e acionou o botão outra vez, recolhendo a lâmina. - E dificilmente eu a usaria em um homem que está prestes a me entregar cinco milhões de dólares americanos. - Ela colocou a faca na palma da mão de Ricardo, sabendo que, a partir daquele momento, só lhe restavam os punhos para se defender - Podemos ir? Gosto do cheiro do dinheiro quando ainda está quente.


Ele lhe tomou o braço com suas mãos de cirurgião e com considerável segurança guiou-a à cabine de Deboque.


- Lady Gina. - A cabine estava iluminada por uma dúzia de velas. Uma sonata de Beethoven podia ser ouvida, suavemente, através dos alto-falantes. Ele trajava uma jaqueta vinho e usava rubis. Cores de sangue. Uma garrafa de champanhe estava imersa em um balde de prata. - Como é ligeira. Pode nos deixar, Ricardo.


Gina ouviu a porta se fechar atrás dela. Sabia que o homem de confiança de Deboque estaria do lado de fora.


- Um ambiente prazeroso. - comentou ela. - A maioria dos negócios não são concluídos à luz de velas.


- Deixemos as formalidades de lado, Gina. - Deboque sorria, enquanto caminhava para o balde com champanhe. - As notícias de Cordina são um tanto histéricas e trágicas.


- A rolha explodiu.


O champanhe borbulhou pelo gargalo.


- Acho adequada uma pequena e saborosa celebração.


- Raramente recuso champanhe, monsieur, mas o sabor dele fica ainda mais agradável quando tenho dinheiro em minhas mãos.


- Seja paciente, minha cara. - Ele ergueu duas taças e lhe ofereceu uma delas. A face de Deboque tinha uma palidez marmórea sob a luz tênue e os olhos quase negros, cheios de prazer - A um trabalho bem feito e a um futuro deveras opulento.


Gina tocou a taça na dele e sorveu um gole da bebida espumante.


- Uma safra excelente.


- Acabei por entender que aprecia o excelente e o caro.


- Precisamente, monsieur, espero que não se sinta ofendido se disser que, embora aprecie o champanhe e a luz bruxuleante, ambos ficariam ainda mais agradáveis se nosso negócio fosse fechado.


- Muito mercenária. - Deboque deslizou os dedos pela face alva e delicada. A luz tênue a valorizava. Dentro em pouco floresceria sob suas mãos. Era uma pena que não pudesse se arriscar a mantê-la com ele alguns meses. Dispunha apenas de uma hora para desfrutá-la. Porém, muito podia ser conseguido naquele tempo. - Peço-lhe desculpas, mas estou de muito bom humor. Desejo celebrar seu sucesso. Nosso sucesso.


A mão dele escorregou pelo pescoço de Gina, a milímetros do microfone. Ela segurou o punho dele e sorriu.


- Você determinou o humor, monsieur, confiscando minhas armas. Prefere mulheres indefesas?


- Prefiro as obedientes. - Deboque ergueu a mão para lhe tocar os cabelos, enterrando os dedos na maciez dos fios vermelho-escuros. Gina ficou tensa ao ser beijada. Podia mostrar resistência, mas não repulsa. - Você é forte. - murmurou ele, trazendo os lábios aos dela mais uma vez. - Prefiro essa qualidade também. Quando a levar para a cama, terá de lutar comigo.


- Eu lhe darei mais que isso, após ver o dinheiro. - A pressão dos dedos de Deboque aumentou, machucando-a a ponto de ela ofegar E então relaxaram, enquanto a risada sarcástica ecoava no aposento.


- Muito bem, mon amie cupide. Verá seu dinheiro, porém depois me dará algo em troca.


Quando Deboque virou de costas para revelar o cofre escondido, Gina esfregou os lábios com o dorso da mão.


- Já lhe dei o pagamento.


- A vida da Família Real. - Enquanto ele girava o disco do cofre, o coração de Gina disparou. - Cinco milhões de dólares para assassinar os Potter e me proporcionar um prato cheio de vingança e a doce sobremesa do poder. Acha que é muito? - Os olhos de Deboque brilhavam quando ele se voltou e caminhou para ela com uma caixa grande. - Minha querida criança, poderia ter pedido dez vezes mais. Há mais de dez anos tramei tal vingança e por duas vezes estive muito próximo de conseguir matar um membro da Família Real. Agora, pela ínfima quantia de cinco milhões de dólares, eliminou todos eles para mim.


 


- E isso. - anunciou Rony, quando a voz de Deboque ecoou nos receptores. - Movam-se. Devagar.


A mão de Harry se fechou em tomo do braço do cunhado.


- Vou embarcar com você.


- Isso está fora de questão.


- Vou embarcar com você. - repetiu o jovem príncipe em tom áspero e gélido. Escutara todos os detalhes da conversa e suou frio quando Gina ficou a sós com Deboque. Quando aquele canalha a tocou e se preparou para pagar-lhe pelo assassinato de tudo e todos que amava. - Dê-me uma arma, Rony, ou irei desarmado.


- A ordem que tenho é para mantê-lo aqui.


- E se fosse Mione? - Os olhos de Harry estavam inflamados e impulsivos. - Se fosse ela, ficaria para trás e deixaria que outros a protegessem?


Rony baixou o olhar à mão que o segurava. Era forte, capaz e jovem. E, então, fitou os olhos que eram mais verdes que os de sua esposa, mas que continham a mesma paixão. Erguendo-se, pegou uma pistola calibre 45 automática do arsenal.


Agiriam naquele momento, pensou Gina, lutando para manter o tom de voz impassível.


- Diz isso agora para que me arrependa? - Ela soltou uma gargalhada e caminhou até a mesa. - Cinco milhões serão muito úteis. Planejo investir e viver uma vida tranqüila no Rio pelos próximos anos.


Deboque mantinha os olhos fitos nos dela, enquanto abria a caixa. O dinheiro estava lá, mas seria para seu próprio uso.


- Não tem interesse em continuar a fazer parte de minha equipe?


- Infelizmente isso seria arriscado para ambos depois dos eventos desta noite.


- Sim. - Ele pensava exatamente daquela forma. Ainda assim, abriu a tampa para que Gina tivesse ao menos o prazer de ver o dinheiro antes que a matasse.


- Adorável. - Dando continuidade a seu papel, Gina deu um passo à frente e ergueu um grosso maço de notas de cem. - Tem noção da fragrância sensual que notas novinhas em folha possuem? - indagou, deslizando os dedos por elas.


- É verdade. - Deboque deslizou a gaveta superior da mesa, deixando-a aberta. Dentro dela havia um elegante revólver com cabo perolado. Pensou em matá-la com estilo. Fechou os dedos sobre a arma, quando os primeiros tiros foram ouvidos acima deles.


Gina virou a cabeça em direção à porta, esperando que ele confundisse excitação com sobressalto.


- Que tipo de jogo é esse? - indagou ela, batendo a tampa da caixa com força e a carregando consigo em direção à saída. Fechou a mão em tomo da maçaneta.


- Parada! - ordenou Deboque, apontando a arma para o coração de Gina. Gotículas de suor lhe assomaram à fronte, enquanto o som de passos apressados ecoava sobre suas cabeças. Mantinha o dedo encostado ao gatilho, mas não o pressionou. Não sabia que tipo de problema estava acontecendo no convés, mas não queria atraí-lo para si. - A caixa, Gina.


- Uma traição? - Os olhos azuis se estreitaram, enquanto ela calculava por quanto tempo poderia detê-lo. - Sim, você me pagaria facilmente dez vezes mais que isso, já que não pretendia me recompensar com nada.


- A caixa. - Deboque começou a se mover na direção dela, vagarosamente. O medo começava a florescer dentro dele, não da morte ou da derrota, mas de ser preso. Não seria capaz de sobreviver atrás das grades outra vez.


Gina esperou até que ele estivesse a meio metro. Então, retirou a mão da maçaneta e atirou a pesada caixa contra a arma.


 


Os homens de Deboque, tanto por medo como por lealdade, lutavam bravamente. Tiros de revólver explodiam em todas as direções dos dois barcos. Uma chuva de balas de uma metralhadora ecoava atrás das costas de Deboque. Observou seus homens caindo sobre as grades do iate e deslizando para a água.


Àquela altura, os tiros disparados do lado do luxuoso iate se tornavam mais esporádicos, mas o tempo passava rapidamente. E Gina ainda estava com ele. Viva, disse Harry a si mesmo, enquanto mirava e atirava. Estava viva. Saberia dizer se estivesse enganado, pois seu coração teria parado. Porém, havia uma urgência crescendo dentro dele, mais intensa do que a noite selvagem e o cheiro de sangue. Movendo-se imbuído dela, o jovem príncipe caminhou até a popa do barco e mergulhou na água.


A noite era rasgada por tiros e gritos de homens. Avistou um deles se atirar do iate e nadar, frenético, em direção à costa, a dez milhas. Sentiu a mão tocar em um corpo que flutuava de bruços. Se pertencia ao ISS ou era um inimigo, Harry não poderia dizer. Enquanto a luta continuava, nadou silenciosamente em direção ao iate.


Por saber que estava quase concluído, Rony sinalizou para que seus homens se recolhessem. Foi então que percebeu que Harry não estava mais a seu lado.


- O príncipe. - Sentiu a garganta ressequida pelo pânico. - Onde está o príncipe Harry?


- Lá. - Um dos homens o localizou antes de ele desaparecer na curva da popa do iate de Deboque.


- Em nome de Deus! - Rony ofegou. - Ajam depressa. Preparem-se para embarcar.


Não havia ninguém a estibordo quando Harry se alçou para o convés. Estampidos de balas ocasionais ecoavam, mas os gritos haviam cessado. Passara uma hora durante aquele longo e interminável dia confinado em uma exígua cabine, estudando o diagrama do iate de Deboque feito por Gina. Sendo assim, foi à procura dela.


 


Gina conseguira derrubar o revólver no chão, mas Deboque era mais rápido e forte do que aparentava. Apesar de ela mergulhar para apanhá-lo, Deboque pulou em cima dela. Uma das mãos lhe apertava a garganta, sufocando-a. Gina conseguiu livrar um dos braços e apertou o pulso contra a traquéia do oponente. E, então, ambos ofegavam. Ela esticou a mão para a frente e resvalou os dedos no cabo do revólver. Deixou escapar um xingamento tanto de dor como de fúria quando Deboque a puxou para trás pelos cabelos. Por trinta amargos e exaustivos segundos lutaram no chão da cabine. A blusa de Gina rasgou na costura. Sob ela, escoriações se formavam. Conseguiu fazer a boca de Deboque sangrar, mas se frustrava com a incapacidade de lhe aplicar um golpe que o nocauteasse.


Entrelaçados como dois amantes, rolaram na direção do revólver mais uma vez. Gina o alcançou primeiro, quase o segurando. Porém, pela visão periférica, avistou o punho dele quase a atingindo, e se esquivou. O impacto, embora previsível, foi forte o suficiente para fazê-la vacilar. E, então, se descobriu fitando o cano do revólver de Deboque. Preparou-se para morrer. Lutando por ar, retesou o corpo. Se nada lhe restava fazer, cumpriria a promessa de lhe cuspir nos olhos.


- Sou uma agente do SSI. Os Potter estão seguros e você não tem saída agora.


Gina percebeu a fúria estampada nos olhos assassinos. Sorriu para ele e esperou pelo disparo.


Quando Harry entrou o escritório, viu Deboque agachado sobre Gina, apontando a arma para sua cabeça. Tudo aconteceu em um lampejo, tão rápido que, segundos depois, não saberia dizer quem atirou primeiro.


A cabeça de Deboque girou. Os olhos de ambos se encontraram. Quando a arma se moveu da cabeça de Gina na direção do príncipe. Ela gritou, e se desvencilhou. Dois gatilhos foram pressionados. Duas balas foram disparadas.


Harry sentiu apenas um sibilo tão próximo que sua pele estremeceu e esquentou. Viu o sangue explodir do peito de Deboque um instante depois, antes que ele tombasse sobre Gina.


E, então, ela começou a tremer. Todos os anos de treinamento se dissolveram, enquanto permanecia, trêmula, sob o homem morto. Preparara-se para a própria morte. Aquele era seu dever. Em vez disso, vira a bala se cravar na madeira a menos de um milímetro de distância da face de Harry.


Mesmo quando ele se aproximou, empurrando o que antes fora Deboque para o lado e puxando-a para si, o tremor não cessou.


- Acabou, Gina. - O jovem príncipe a aninhou e balançou nos braços, depositando beijos sobre os cabelos macios. - Está tudo acabado agora. - Em vez de satisfação, até mesmo da glória que esperara sentir, havia apenas alívio. Gina estava a salvo, e ele providenciaria para que continuasse assim.


- Podia ter sido morto. Diabos, Harry! Era para estar em casa.


- Sim. - Ele ergueu o olhar a Rony que irrompeu no escritório. - Ambos estaremos lá em breve.


Havia lágrimas na face pálida. Limpando-as, Gina se esforçou para levantar. Encarou Rony ofegante.


- Estou pronta para fazer meu relatório.


- Para o diabo com isso! - Harry a ergueu nos braços - Vou levá-la para casa.


 


 


 


Agradecimento especial:


 


Brunacarvalho: que bom que gostou do resumo, espero que goste da fic. Eu passo sim na sua fic, mas não garanto nada pelo menos até esse final de semana, porque são os únicos dias que eu não passo na correria entre trabalho, faculdade e casa. Beijos.


 


 

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