Capítulo Onze



Capítulo Onze


 


Gina aparentava calma, enquanto bebia chá na biblioteca. Ouvia Rony, enquanto ele atualizava Malori com as últimas novidades, intercedendo quando requisitada e voltando a ficar em silêncio.


Harry começara a lhe mostrar a biblioteca uma vez. E, então, retomaram à sala de musica e ele a beijara. Fora naquele instante que sua vida de fato começara? Imaginou. Fora naquela ocasião ou naquele dia na praia, quando o príncipe lhe entregara uma concha? Talvez fosse aquela primeira noite no jardim.


- Concorda, Gina?


Ela volveu o olhar rapidamente a Rony, amaldiçoando-se por deixar a mente vagar em uma hora crucial. Tinham apenas trinta minutos para reportarem, dos quais já se passara metade. Mesmo dentro das paredes do palácio era perigoso se reunirem.


- Desculpe-me. Poderia repetir?


Tiago a estivera observando, imaginando se os ombros daquela jovem eram fortes o suficiente para carregar tamanha responsabilidade e risco.


- Os últimos dias foram tensos. - Não havia tom de crítica na voz de Tiago e sim preocupação. Gina teria preferido a primeira.


- Os últimos dois anos foram tensos, Alteza. - E então ergueu os ombros em um gesto mais de aceitação do que contrariedade.


- Se estiver começando a se sentir desgastada... - começou Malori em seu tom conciso e sensato. - É melhor que saibamos agora.


- Não estou desgastada. - Os olhos de Gina encontraram os dele sem hesitação. - Acredito que minha atuação demonstra isso.


Antes que Malori pudesse responder, Rony o cortou. Sabia que ela estava esgotada, mas tinha de apostar que Gina agüentaria por mais alguns dias.


- Como se pudéssemos voltar atrás. Podemos presumir que Deboque encomendou o material que pediu. Alguma idéia de onde ele os procurou?


- Atenas. - retrucou Gina de imediato. - Tenho quase certeza de que ele os retirou da própria organização. Podemos dizer que ele se sente totalmente seguro, invulnerável. Não arriscaria requisitá-las de fontes externas. De acordo com meus outros relatórios, sabemos que Deboque mantém um depósito em Atenas. Possui outros, claro, mas acho que o escolheria por sua proximidade de Cordina.


- Verificaremos com nosso contato de lá e veremos se há notícias de algum explosivo sendo retirado. - Malori fez a anotação no papel. - Se tivermos sorte, fecharemos um de seus braços em Atenas quando o prendermos aqui.


- O SSI não agirá em Atenas, Paris, Londres ou Bonn até termos uma acusação incontestável contra Deboque aqui. - Gina pousou a xícara de chá. - Esse é um botão que acionarei, monsieur.


- Bien. - Malori, obviamente, não estava satisfeito com aquilo, porém anuiu.


- A acusação será bastante forte quando Gina receber o material? - indagou Tiago, alternando o olhar entre ela e Rony. - Gina pegou o contrato, requisitou o material. Quando ele for entregue, não podemos dar por finalizado o caso?


Gina fez menção de falar, porém desistiu. Deixaria que Rony explicasse. Ele era da família.


- Teríamos subsídios suficientes para uma prisão, possivelmente para uma acusação. Mesmo com o material sendo enviado de Atenas ou de outras firmas de Deboque, não seria suficiente para condená-lo por conspiração. Ele é cuidadoso o suficiente para se manter à margem desses tipos de acordos comerciais.


Acordos comerciais, pensou Tiago, enquanto batucava com os dedos no braço da cadeira.


- E quanto ao pedido que fez a Gina para exterminar minha família?


- A hipótese teórica que Deboque fez caso isso acontecesse. - corrigiu Rony. - Alteza, estou ciente, e muito, de como é frustrante não sermos capazes de fechar o caso com as evidências que possuímos no momento. Tivemos Deboque preso por mais de uma década e mesmo isso não o impediu de continuar Se quisermos nocauteá-lo de uma vez por todas, desatar todos esses nós e destruir o controle dele na Europa, temos de estar de posse de evidências consistentes e indiscutíveis de assassinato e conspiração. Gina nos proporcionará isso em questão de dias.


Tiago pegou um cigarro do bolso e volveu o olhar à agente.


- Como?


- O suborno. - Ela se sentia em terreno sólido outra vez. Ajudou-a o fato de Malori estar ali, com seu olhar aguçado e um tanto descontente. - Quando Deboque estiver convencido de que finalizei o trabalho, fará o pagamento. Tão logo o dinheiro mude de mãos, nós o teremos.


- Ele não é tolo, concorda?


- Não, Alteza, Deboque não é tolo.


- Mas você o convencerá de que matou minha família.


- Sim. Poderia analisar este diagrama, senhor? - Gina se ergueu e esperou que ele a acompanhasse até a mesa. Com a ajuda de Rony, ela desenrolou um longo rolo de papel. - O projeto que contrabandeei para Deboque mostra esta ala ocupada pelo príncipe Alexander e pela família. Informei-o de que a princesa Hermione e sua família também estariam aqui durante os dias que antecederem o baile de Natal.


- Entendo. Na verdade, a ala que a família do meu filho ocupa é esta. - Tiago apontou com o dedo para o lado oposto no desenho.


- Na noite anterior ao baile, colocarei algumas cargas aqui e outras aqui. - Gina apontava para as áreas mencionadas. - Serão bem inferiores às que Deboque supõe, porém, com os efeitos especiais que Rony adicionou, será quase um espetáculo. Envolverá algum perigo, senhor, mas aparentará bem mais do que a realidade, particularmente pelo lado de fora. Terá de fazer alguns reparos e pintura.


Tiago ergueu o sobrolho, porém Gina não sabia precisar se por divertimento.


- Há algumas áreas no palácio que necessitam ser redecoradas.


- Será imperativo, sem dúvida, desocupar esta ala de maneira discreta.


- Claro.


- Dez minutos após a explosão partirei para me encontrar com Deboque ou seu agente. O pagamento será feito após ele constatar que cumpri minha parte no acordo.


- Considerou a possibilidade de ele querer se certificar das mortes antes de lhe pagar pelo serviço?


- Sim. - Gina se empertigou e se afastou do diagrama. - Em parte, utilizaremos a imprensa. Além disso, estou deixando claro que o pagamento deve ser feito na mesma noite, bem como as providências para minha saída do país. Deboque me convidou para velejar com ele. Devo aceitar. - Ela pressionou os lábios ante o resmungo de Malori. - O dinheiro passará para minhas mãos porque ele acredita que serei o alvo mais acessível se algo der errado.


- E você será?


- Estarei com ele.


- O SSI cobrirá a chácara de Deboque e seu iate. - interveio Rony. - No momento que recebermos o sinal de Gina, entraremos em ação.


- Não há outra forma?


Mais uma vez Tiago demonstrava preocupação. Dessa vez, Gina instintivamente pôs a mão no braço do príncipe. No braço do pai de Harry!


- Poderíamos talvez ligá-lo a outros crimes. Com as informações que colhi nos últimos dois anos, teríamos algum subsídio, mas talvez levasse meses e até anos, e não teríamos nenhuma garantia. Esse é o único caminho, Alteza, para liquidá-lo de uma vez por todas.


Tiago anuiu com um gesto de cabeça e volveu o olhar a Rony.


- Concorda com isso?


- Sim.


- Malori?


- É um método mais dramático e certamente mais arriscado do que desejaríamos, mas, sim, Alteza.


- Então devo presumir que ambos supervisionarão todos os detalhes dessa operação. Quero relatórios da situação a cada quatro horas.


Reconhecendo a dispensa, Malori se curvou em uma reverência. Até mesmo Rony enrolou o diagrama e Gina preparou uma cortesia.


- Gina, por favor, gostaria que ficasse mais um pouco.


- Sim, Alteza. - Ela esperou ao lado da mesa, empertigada e tensa, enquanto os dois homens se retiravam. O príncipe devia estar sabendo de seus sentimentos por Harry, pensou. Mesmo durante o breve tempo em que estivera em Cordina, percebeu que Tiago era astuto e observador. O tipo de nobre que não governa do trono, porém atrás de uma mesa e em reuniões. Se aquele país estava em paz e próspero, se devia em grande parte ao fato de ele saber comandá-lo, fazer escolhas e manter a objetividade.


Sim, ele sabia, pensou Gina outra vez. E por certo não aprovava. Era européia e aristocrata, mas uma espiã por escolha e profissão.


- Está pouco à vontade. - começou ele. - Por favor, sente-se.


Em silêncio, Gina se acomodou na cadeira e esperou.


Parecia uma pomba, pensou o príncipe. Uma pequena pomba cinza que esperava e aceitava o fato de que estaria prestes a ser abatida por uma raposa. Estudando-a, o príncipe achava difícil acreditar que seria ela a dar um fim ao turbilhão de terror que atormentava sua família por mais de uma década.


- Rony confia em você.


- Posso garantir-lhe que não está iludido, Alteza. - Ela quase relaxou. Não se tratava de Harry.


- Por que concordou em aceitar esta missão?


As sobrancelhas de Gina se ergueram, pois lhe parecia uma resposta simples que requeria uma resposta igualmente simples.


- Fui escalada.


- E quanto ao direito de recusar?


- Sim, senhor. Nesse tipo de trabalho o agente sempre tem escolha.


Um príncipe, não. Tiago compreendia a diferença e, ainda assim, não conseguia invejá-la.


- Aceitou a missão por que seus superiores a requisitaram?


- Sim, e porque o que Deboque fez aqui afetou e poderia continuar afetando meu país, assim como o restante da Europa. Um terrorista, não obstante o ramo que escolha, continua sendo um terrorista. A Inglaterra quer as mãos de Deboque amarradas, e bem apertado.


- Sua primeira consideração é o país.


- Sempre foi.


Ele meneou a cabeça, sabendo que aquilo podia trazer tanta alegria quanto sofrimento.


- Escolheu sua profissão porque gosta de aventura? - Gina relaxou completamente e sorriu. Quando o fez, Tiago compreendeu o que cativara o filho.


- Desculpe-me, senhor, mas compreendo que a palavra "espiã" conjura toda a sorte de imagens glamourosas: docas nebulosas, vielas parisienses, pistolas revestidas de níquel e carros velozes. Na verdade, é bastante entediante. Nos últimos dois anos, trabalhei mais ao telefone e nos computadores do que a mais simples das secretárias.


- Não quer negar o perigo que envolve.


- Não. - Gina deixou escapar um breve suspiro. - Mas, para cada hora de perigo, corresponde um ano de trabalho de coleta de dados e preparação. Com relação a Deboque, Rony, Malori e o SSI conceberam esse plano passo a passo.


- Ainda assim, no final, estará sozinha.


- E o meu trabalho. Sou boa nisso.


- Quanto a isso não tenho dúvidas. Em circunstâncias normais, eu me preocuparia menos.


- Alteza, garanto que tomamos todas as providências cabíveis.


Tiago tinha certeza da veracidade daquela informação. Por hora, se encontrava de mãos atadas.


- Se algo der errado, como confortarei meu filho?


Gina entrelaçou os dedos.


- Eu sei, prometo-lhe que, independentemente do desfecho, Deboque será punido. Se o senhor...


- Não estou me referindo a Deboque no momento, mas a você e a Harry. - O príncipe ergueu a mão antes que ela tivesse tempo de responder - É rara a oportunidade que tenho para falar apenas como pai. Peço-lhe para que me conceda o direito de me dar a esse luxo agora, aqui neste escritório.


Gina deixou escapar um suspiro e tentou soar clara.


- Compreendo que Harry esteja zangado e aborrecido porque não foi informado dos motivos de minha estada aqui. Acho que, de certa forma, sente-se responsável por mim, pelo fato de eu estar aqui para proteger a família dele.


- Ele a ama.


- Não. - O pânico a surpreendeu outra vez, assim como a vergonha e o desejo desesperado de que aquilo fosse verdade. - O fato é que ele pensava assim antes, quando acreditava que eu era... Em determinado momento, Harry desenvolveu uma afeição, mas quando soube quem... o que eu era, tudo mudou.


Tiago pousou as mãos nos braços da cadeira. O anel de sua função, brilhando à luz da lâmpada.


- Minha querida, pode ser mais clara em seus sentimentos por ele?


Gina o fitou. Os olhos negros que a observavam estavam mais temos. Olhos austeros. Aquele homem podia ser severo quando necessário, mas, naquele momento, podia ver porque a família e o país o amavam e depositavam toda sua confiança nele.


- Posso confiar no senhor?


- Sabe que sim.


- Eu o amo mais do que jamais amei nada ou ninguém. Se pudesse mudar os fatos, voltar e ser o que ele pensou que eu fosse, apenas isso, juro-lhe que o faria. - Não havia lágrimas. Derramara-as um dia e prometera a si mesma não voltar a fazê-lo. Em vez disso, fitou as próprias mãos. - Mas é claro que não posso.


- Não. Não podemos mudar o que somos. Quando amamos profundamente, suportamos muita coisa. O coração de Harry é muito generoso.


- Eu sei. Prometo-lhe que não voltarei a feri-lo.


Os lábios de Tiago se curvaram. Ela era tão jovem e tão corajosa!


- Não temo que o faça. Quando tudo isso acabar, peço-lhe que permaneça em Cordina por mais alguns dias.


- Alteza, acho que seria melhor se retornasse à Inglaterra imediatamente.


- Queremos que fique. - repetiu o príncipe, e o tom não era mais paterno. - Acho que deve querer descansar antes de jantar.


Sem outra opção, Gina se ergueu e se curvou em uma reverência.


- Obrigada, Alteza.


O jantar foi longo e formal. Gina foi apresentada ao ministro de Estado e sua esposa, bem como a um empresário alemão do ramo da navegação e uma francesa idosa que possuía uma vaga ligação com os Potter e estava em visita a Cordina nos feriados. Ela falava em um tom rouco e baixo que fazia Gina esforçar-se para escutá-la e lhe dar respostas polidas. O alemão deixava escapar palavras grosseiras em voz alta e parecia deleitado por ter sido convidado a jantar no palácio. Gina agradecia o fato de o homem estar sentado do outro lado da mesa, de modo que podia evitar um diálogo direto com ele.


Harry não estava presente. Uma reunião de diretoria no museu foi seguida de um jantar da Sociedade Eqüestre. Gina lembrou a si mesma que Claude e mais dois seguranças deixariam o jovem príncipe aborrecido, porém protegido durante toda a noite.


Enquanto a francesa idosa lhe chiava ao ouvido outra vez, tudo em que podia pensar era que Harry tivera sorte em não estar ali.


Do outro lado da mesa, Eve sorvia goles de água gasosa e ouvia, com aparente fascinação, o alemão que a regalava com histórias de seus negócios. Quando se voltou para pegar a colher de sobremesa, os olhos da princesa encontraram os de Gina por tempo suficiente para transmitir o que na verdade estava sentindo. Respondendo a uma pergunta em tom baixo e polido, Eve revirou os olhos, rapidamente em um gesto que dispensava palavras. E, então, estava sorrindo para o alemão outra vez e o fazendo se sentir fascinado. Gina teve de erguer a taça para disfarçar o sorriso. Os nobres eram humanos, afinal. A criança que a cunhada de Harry gerava em seu ventre, um dia governaria, mas também sorriria, choraria, sentiria e sonharia.


Ela mesma amava um príncipe. Gina pegou a própria colher e começou a remexer a elegante mistura de chocolate e creme à sua frente. Entregara o coração a um homem que era o segundo na linha de sucessão a um dos poucos tronos da Europa. Dentro de alguns dias, poderia estar dando a vida por ele.


Por que aquela era a pura verdade, pensou, enquanto a mulher chiava a seu lado. Podia ter começado como dever a seu país e à organização em que escolhera trabalhar, mas, quando terminasse, o que fizera seria por Harry.


Nunca seria possível lhe dizer aquilo, assim como não revelara tudo ao pai dele aquela tarde. Se admitisse seus sentimentos a um superior, mesmo com todo o planejamento e o tempo perdido, seria imediatamente afastada do caso.


Portanto, nada diria, porém sentiria. E, mesmo com seus sentimentos, veria a derrocada de Deboque, se sobrevivesse... e, então, admitiu Gina, teria de escolher entre a promoção e a aposentadoria. O trabalho de campo estaria fora de questão. Não acreditava que pudesse manter a pose da reservada e despretensiosa lady Gina outra vez. Não depois de ter sido amada por um príncipe!


Era quase meia-noite quando conseguiu se retirar de forma polida.


Gina escolhia entre uma ducha quente ou o rápido esquecimento do sono, quando chegou a seus aposentos. Eve insistira em retornar no dia seguinte às suas atividades no Centro de Belas Artes, portanto não teria escolha a não ser acompanhá-la. Chegaria a mensagem no dia seguinte ou Deboque a deixaria na expectativa até o último instante?


Encontrava-se no meio do quarto quando os sinais começaram a incomodá-la na base do pescoço. Não havia ninguém ali. Uma rápida investigação revelou que nada estava fora do lugar.


Mas...


Gina deu alguns passos cautelosos para trás e abriu a gaveta do criado-mudo. Retirou de lá a arma. A luz era fraca às suas costas, enquanto se movia em direção à sala contígua. A porta estava entreaberta, mas aquilo poderia ser obra de uma das criadas. Os pés de Gina pisavam silenciosos o carpete, enquanto o cruzava. Com uma das mãos, pressionou a madeira de modo que a porta se abrisse sem emitir som.


Nada havia à frente... a não ser a impecavelmente arrumada sala de estar envolta na fragrância das gardênias que enfeitavam, úmidas e graciosas, um vaso.


Devia ter sido uma criada, pensou Gina, voltando a relaxar gradualmente. Uma delas colocara flores na sala de estar e... Foi então que escutou o som, metálico, e a tensão voltou a atingi-la. Empunhando a arma com firmeza, deslizou ao longo da parede e entrou no aposento.


O pequeno sofá estava distante da porta, portanto não foi capaz de avistá-lo até que entrasse totalmente na sala de estar. Harry se encontrava esparramado sobre ele. A gravata afrouxada e pendendo do pescoço, os sapatos deixados ao lado dos pés e o rosto enterrado em uma almofada azul.


Gina deixou escapar um xingamento, mas com delicadeza abaixou a arma. O jovem príncipe parecia exausto e muito à vontade, pensou enquanto erguia uma das sobrancelhas. A primeira reação era cobri-lo com uma manta, mas ainda lhe restava muito da reservada lady Gina para saber que não seria adequado para Harry de Cordina ser encontrado cochilando na sala de estar dos aposentos de uma hóspede. Começou a se inclinar na direção dele e, então, se lembrou do revólver que empunhava.


Quase curiosa, girou-o nas mãos. Parecia um brinquedo, porém já provara ser letal. Parte de seu trabalho, pensou. E da vida que escolhera! Mas sabia que seria uma parte pouco agradável para Harry. Voltando ao quarto, guardou a arma. Tinha de acordá-lo e mandá-lo para o próprio quarto, mas não era necessário manter a prova física das diferenças entre eles em mãos.


Voltou à sala de estar e ajoelhou-se ao lado do sofá, colocando uma das mãos no ombro do príncipe.


- Harry! - Sacudiu-o com delicadeza e recebeu um gemido em resposta. Os lábios de Gina se curvaram em um sorriso. Durante o sono, a energia, a alegria e a têmpera sempre eram postas de lado. Parecia perfeitamente satisfeito em permanecer ali, meio para fora, meio para dentro do pequeno sofá, por dias. Gina inclinou-se sobre ele e erguendo o tom de voz deu-lhe uma rápida e brusca sacudida. – Harry, acorde.


O jovem príncipe entreabriu os olhos, porém Gina percebeu que ele a viu. Esticando uma das mãos, Harry apertou o lóbulo da orelha ela.


- Não tem respeito por um homem morto?


- Oh! - Ela segurou o punho dele em um gesto defensivo, mas já se encontrava vários centímetros mais próxima. - Se é respeito que deseja, chamarei alguns criados e mandarei que eles o carreguem com a devida consideração. Enquanto isso, solte-me, ou terei de lhe mostrar como é fácil fazer alguém perder os sentidos apenas pressionando algumas terminações nervosas.


- Gina, tem de aprender a não ser tão briguenta.


- Está no sangue. - Gina sentou-se sobre os calcanhares para massagear a orelha. - Por que está dormindo em meu sofá em vez de em sua cama?


- Não sei quem desenhou esta coisa. Mais meio metro e um homem poderia se acomodar facilmente nele. - Harry se moveu de forma que a perna descansasse sobre o braço do sofá. - Queria conversar com você. - Esfregou ambas as mãos sobre a face. - Quando entrei, percebi que ainda tínhamos convidados. Optei pela covardia e subi pela escada dos fundos.


- Entendo. E madame Beaulieu lhe fez tantos elogios.


- Madame Beaulieu não fala, apenas chia.


- Eu sei. Sentei-me ao lado dela no jantar.


- Antes você do que eu.


- Que gentil!


- Quer gentileza? - Com um giro, ele a ergueu do chão e a deitou sobre o próprio corpo. Em seguida, deslizou uma das mãos pela nuca delicada, pressionando-a, enquanto os lábios tomavam os dela.


- O que isso tem a ver com gentileza? - ela conseguiu dizer após alguns instantes.


O príncipe sorriu e deslizou a ponta de um dedo pelo nariz de Gina.


- Todas as mulheres que conheci ficaram impressionadas com ela.


Gina afastou a cabeça um centímetro para trás. Sorrindo, deslizou a ponta de um dedo pelo pescoço forte, imitando-lhe o gesto.


- Voltando às terminações nervosas às quais me referi. - Ele lhe segurou um dos pulsos, depois o outro.


- Está bem, amanhã procurarei uma poça d'água para cobri-la com uma capa para você passar.


- Uma promessa segura, já que não chove há dias. - Gina fez menção de se mover, apenas para ser puxada contra o corpo dele.


- Fique. Não a vi durante todo o dia. - Os lábios eram insinuantes sobre a face pálida. - Sabe Gina, um homem tem de tê-la nos braços, roçar os lábios sobre essa pele macia antes de capturar sua essência. Faz isso de propósito?


Gina não estava usando perfume. Fazia parte da necessidade de não deixar rastros.


- Disse que... - começou ela, enquanto Harry movia os lábios pela orelha delicada - Que queria conversar comigo.


- Menti... - Os dentes se fecharam suaves sobre o lóbulo. - Queria fazer amor com você. Na verdade, tive uma noite infernal, tentando varrer esse pensamento da minha mente durante uma reunião frustrante e um jantar barulhento. - Harry abaixou o zíper na parte de trás do vestido. - Tive de fazer um discurso. - Encontrou a sedosidade frágil e fina sob o linho. - Foi difícil não gaguejar, quando me imaginava aqui com você.


- Não quero interferir em seus deveres oficiais. - Com os olhos fechados, Gina pressionou os lábios no pescoço dele e se permitiu usufruir das suaves carícias que executavam as mãos do príncipe.


- Já está interferindo, ma mie. Permaneci lá, ouvindo a conversa monótona de dez homens mais interessados em pinturas do que em gente, e a imaginei sentada lá com as mãos harmoniosamente cruzadas e os olhos solenes. Você estava com os seus cabelos soltos.


Gina retirara a gravata de Harry, mas estacou antes de abrir o terceiro botão da camisa.


- Na reunião de diretoria?


Algum dia, deixaria de se sentir fascinado por aquele tom sério e seco e aqueles olhos verdes?


- Pode ver por que tive problemas para me concentrar. - Harry não lhe disse que tivera de lidar com inesperadas pontadas de medo ao imaginá-la com Deboque, à mercê daquele homem, desamparada e só. Aquela era uma imagem que não conseguira tirar da mente, mesmo após incontáveis xícaras de café ou taças de vinho. - Sendo assim, resolvi vir até aqui e esperá-la.


- E caiu no sono!


- Esperava que percebesse a ironia e revertesse o conto de fadas. Acordasse o príncipe adormecido com um beijo. Em vez disso, recebi um safanão.


Com ambas as mãos lhe emoldurando a face, Gina puxou-o em sua direção.


- Deixe-me compensá-lo por isso, então.


Roçou os lábios nos dele, provocante, e os retraiu para voltar a tocá-los outra vez. Sentiu os dedos de Harry pressionando sua nuca, enquanto brincava com a boca quente e macia.


A língua deslizava, os dentes mordiscavam, enquanto o calor se elevava. Gina não ofereceu resistência quando ele apertou seu corpo contra o dela, quando a boca que até então provocava, se moveu, faminta, sobre seus lábios. Se Harry ansiara por aquilo o dia inteiro, o desejo do príncipe não era mais intenso que o dela. Iriam desfrutar de algumas horas juntos.


Gina havia lhe desabotoado e aberto a camisa. O vestido que trajava fora abaixado, revelando o brilho cor de mel da roupa íntima. Harry deixou que as pontas dos dedos brincassem sobre o tecido, enquanto absorvia o contraste e a delícia que compunham sua Gina. Retirou-lhe os prendedores dos cabelos. A fragrância deles era tão suave e envolvente quanto a da pele macia. Qualquer que fosse o encanto que aquela mulher possuía, era parte inata dela e não oriundo de potes e frascos.


Fresco, real e dele. Delirante, Harry deslizou o vestido pelo resto do corpo e o deixou cair no tapete.


Os dedos calejados deslizaram desde o sapato de salto fino de tiras até as coxas firmes.


Gina se contraiu, lembrando da arma, no mesmo instante em que ele a encontrou. O calor que dele emanava esfriou tão rapidamente que a fez estremecer Quando ela se afastou, Harry não a impediu.


- Desculpe-me. - disse ela, esquecendo-se que ali não cabia escusas ou arrependimento. Os olhos verdes a fitavam, impassíveis e vazios, enquanto o príncipe se sentava. Por não lhe restar nada a dizer ou alguma forma de remover aquela barreira, Gina se manteve em silêncio.


Os cabelos eram uma massa confusa de ondas que lhe caíam sobre os ombros, cobrindo a pele sedosa que combinava com a cor dos fios brilhantes. Os olhos, profundamente azuis, estavam solenes, enquanto esperavam que ele se pronunciasse. Ou partisse.


Lutando contra a onda inicial de raiva, ele deixou o olhar deslizar sobre Gina. A pele alva como leite, as curvas suaves do corpo, a delicadeza da seda. Aquela mulher era o que se convencera não ser, linda, estonteante e desejável.


Em uma das coxas delgadas, presa por finas fitas de couro, havia uma faca, o que o fazia lembrar becos escuros e bares enfumaçados.


Sem nada dizer, Harry esticou a mão para o objeto. Em um gesto automático, ela lhe segurou o punho.


- Harry...


- Fique quieta. - A voz era impassível e fria como os olhos. Gina soltou o punho dele. Em um movimento lento, o príncipe retirou a arma da bainha. Estava quente pelo contato da pele e era bem pequena para caber na palma da mão. Até que acionasse o botão e a lâmina fina deslizasse para fora, silenciosa e letal! Ao captar a luz da lâmpada, a prata brilhou.


Ela a usava na intimidade, pensou. Queria perguntar se algum dia a utilizara, mas parte dele sabia que seria melhor guardar tal questionamento para si mesmo. Era muito leve, porém pesava como chumbo nas mãos.


- Por que necessita disso no palácio?


Gina puxou uma das alças da lingerie sobre o ombro e esfregou a pele no local, que se tomava mais frio a cada segundo.


- Estou esperando notícias de Deboque. Não sei quando ou de onde virá. Talvez seja necessária uma reação imediata, portanto, é melhor estar preparada.


- Que tipo de notícia?


- Acho que deveria perguntar...


- Estou perguntando agora. - A voz do príncipe tinha um tom que raramente usava, porém efetivo. - Que tipo de notícia, Gina?


Ela encolheu os joelhos, encostando-os ao peito, e fechou os braços em torno deles antes de lhe relatar tudo. Àquela altura, de nada valiam as objeções. Harry sabia demais.


- Então sacrificaremos parte da ala este! Camuflagem. - Ele girou a lâmina contra a luz. Sabia, sem sombra de dúvida, que seria capaz de enterrá-la no coração de Deboque.


- Quanto mais factuais forem os acontecimentos, mais fácil será convencer Deboque. Não partirá com cinco milhões de dólares sem se certificar de que Cordina se encontra sem um herdeiro.


- Ele mataria as crianças. - murmurou Harry. - Até mesmo o filho de Alexander que ainda não nasceu! E tudo por quê? Vingança, poder, dinheiro?


- Pelos três. Ele se vingaria do príncipe Tiago, seu poder se fortaleceria com o caos e sua riqueza aumentaria, como conseqüência. É a ambição que o destruirá desta vez. Eu prometo.


Foi a paixão contida na voz de Gina que o fez olhá-la outra vez.


Os olhos azuis estavam dilatados e secos, mas a emoção saltava deles. Para proteger a própria família, pensou Harry ao mesmo tempo em que apertava a mão em tomo do estilete. Para si mesma. Com a mesma rapidez com que se apaixonara, percebeu a verdade. O que quer que Gina fizesse, que métodos utilizasse, não importava, desde que se mantivesse em segurança.


Apertou o botão outra vez e recolheu a lâmina. Iria se incumbir daquela tarefa pessoalmente. Após colocar a faca de lado, esticou o braço e desatou a fita de couro da coxa de Gina. A pele macia esfriara, embora a temperatura do aposento estivesse amena. Aquilo despertou algo que Harry reconheceu como instinto protetor. Ela não se moveu ou falou, e hesitou quando o príncipe se levantou. Estava esperando que Harry a rejeitasse, dispensasse ou deixasse. Ele percebeu tanto a surpresa quanto a dúvida estampadas na face dela, quando a puxou, tomando-a nos braços.


- Deveria confiar mais em mim, Gina. - afirmou em tom suave.


Quando a sentiu relaxar contra ele, com a cabeça pousada em seu ombro, carregou-a para cama.


 


 


 

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