Capítulo Dez



Capítulo Dez


 


No meio da tarde Harry foi ao encontro dela. Lera cada palavra que constava nos relatórios que o pai lhe entregara. Embora algumas o tivessem fascinado, outras o assustaram e aborreceram. Ainda assim, não estava certo de que conhecia aquela mulher.


Agora, ele também fazia parte daquela farsa, pensou enquanto subia em direção aos aposentos de Eve. Nada do que lera ou lhe contaram poderia ser confidenciado ao irmão. Não podia confortar a irmã ou Eve quanto ao fato de que cada movimento de Deboque estava sendo monitorado. Não lhe restava, assim como a Gina, outra opção a não ser continuar com aquele jogo. Sendo assim, foi procurá-la, sabendo que a conversa não seria amena.


Encontrou Eve e Hermione sentadas à mesa com pilhas de listas e um bule de chá.


- Harry. - Hermione lhe estendeu a mão. - Chegou bem a tempo. Precisamos do ponto de vista de um homem sobre o baile de Natal.


- Certifique-se de que haverá vinho em abundância. - Ele se inclinou e beijou a face da irmã. Embora Hermione sorrisse, percebeu sinais de tensão, assim como em Eve. - Gina não está com vocês?


- Não. - Eve soltou o lápis, enquanto erguia a face para receber um beijo do cunhado. - Disse-lhe que ela devia descansar o resto do dia. Ontem à noite... - Ela apertou os dedos nos dele. - Deve ter sido aterrorizante para ela. E para você.


Harry deu de ombros, lembrando claramente o modo como a deixara encolhida e relaxada na cama.


- Pode-se dizer que não foi uma noite entediante.


- Pare de brincar, Harry. Poderia ter sido morto. Tudo em que consigo pensar é que já é a segunda vez no teatro. A segunda vez que uma de minhas peças...


Tomando as mãos de Eve nas dele, Harry se agachou.


- Não fui ferido e não quero que dê asas a sua fértil imaginação. Ficaria muito aborrecido se meu sobrinho nascesse com rugas de preocupação. Onde está Marissa?


- Cochilando.


O jovem príncipe roçou o polegar sob os olhos de Eve.


- Deveria fazer o mesmo.


Como Harry esperava, a tensão deu lugar à irritação.


- Está falando como Alex.


- Deus me livre! E onde está ele, afinal?


- Reuniões. - Eve deslizou os dedos nervosamente sobre os papéis. - Quase o dia todo. Tudo foi transferido para o escritório dele aqui no palácio por sugestão da segurança.


- Então, deve relaxar. - Harry cobriu a mão dela com a dele. - Deveria saber que os Potter são indestrutíveis. Ao menos, agradecer o fato de ele estar ocupado por um tempo, do contrário, estaria aqui a cercando de cuidados.


Eve conseguiu sorrir.


- De fato, tem razão.


Erguendo-se, Harry sorriu para Hermione.


- Acho que podemos confiar em você para mantê-la na linha... embora não esteja com a melhor das aparências também.


- O cavalheirismo está sempre presente com você por perto.


- Para que servem os irmãos? - Desejava abraçar a ambas e lhes dizer que nada nem ninguém tomaria a machucá-las. Em vez disso, puxou os cabelos da irmã.


- Agora vou deixá-las voltar ao que, estou certo, representa um trabalho fascinante.


Harry apenas colocara o pé na escada quando Hermione o alcançou.


- Harry.


Ele se voltou e a expressão da irmã impediu o sorriso que começava a lhe curvar os lábios.


Hermione olhou por sobre o ombro para se certificar de que estavam a uma distância segura de Eve e pôs a mão sobre a dele, que estava sobre o corrimão.


- Rony me revelou pouco sobre certos fatos. - Uma nuança de irritação lhe perpassou o olhar para ser rapidamente apagada. - É algo com que tenho de conviver. Porém, particularmente, desde que perdi tudo em uma ocasião, tenho fortes pressentimentos quando se trata de minha família.


- Sei que está preocupada. - começou o irmão caçula. - Todos estamos.


- É mais que isso, embora tudo se resuma a Deboque e sua obsessão em nos destruir. Ainda tenho sonhos, mesmo depois de todos esses anos. - Podia lembrar da cabana, do escuro e do medo.


- Mione. - Harry pousou as mãos na face alva da irmã. - Nada disso voltará a acontecer.


Hermione fechou os dedos sobre o punho do príncipe.


- E me recordo de você ferido e sangrando no terraço. Lembro-me de sentar na sala de espera do hospital, enquanto Eve oscilava entre a vida e a morte. Deboque. - A face de Mione exibia uma palidez intensa. - Tudo obra de Deboque. E esse assunto ainda não está encerrado.


- Mas estará. - Algo perigoso surgiu na voz de Harry e lhe perpassou o olhar. - Eu prometo.


- Quero que tenha muito cuidado. - Ele sorriu, afastando o perigo.


- Como não, com uma dúzia de seguranças me cercando?


- Você foi muito cuidadoso. - repetiu a irmã. - Não sabia que havia levado uma arma para o teatro.


Mione sabia que aquilo fora uma mentira. Harry não precisava ouvi-la verbalizar, bastava observar seus olhos. Ela sabia, mas não compreendia. E por se tratar de Hermione, sabia que não descansaria até descobrir.


- Esqueça isso por enquanto.


- Rony me aconselhou a fazer o mesmo. - retrucou Mione, com um gesto impaciente. - Trata-se de minha família. Como posso esquecer?


- Tudo que sei é que esse transtorno acabará em breve. Enquanto isso, temos de nos unir. O assunto está sendo estudado com atenção, Mione. Confie.


- É o que tenho feito. - Ela sabia que estaria sendo injusta em pressioná-lo, portanto, deixou-o seguir em frente. - Quero que me prometa que não tomará nenhuma atitude tresloucada.


- Que reputação tenho!


- Harry, por favor


- Está bem, eu prometo. - Ele a beijou outra vez. - Eu a adoro, mesmo que tenha sido você a trazer Dorian ao mundo para me atormentar. - E deu uma última palmadinha na mão da irmã, antes de subir a escada. - A bientôt.


Mione o observou afastar-se, mas a preocupação continuava a lhe assombrar o íntimo.


- A bientôt.


Gina não estava em seus aposentos. Harry sentiu-se frustrado mais uma vez, quando os encontrou vazios. Teria saído outra vez? Imaginou. Estaria ela, naquele exato momento, se colocando em perigo para proteger sua família?


Odiava aquilo. O pensamento de Gina colocar a vida em risco, proteger seu corpo com o dela, como fizera na noite anterior, era inconcebível. Quando se tratava da família, amigos e país, Harry era protetor. Como poderia ser diferente com a mulher que amava?


Vagando pelos aposentos de Gina, dirigiu-se ao armário. Havia uma pequena caixa esmaltada com um pavão na tampa. Harry deslizou o dedo sobre ela, imaginando como Gina a adquirira. Um presente? De quem? Comprara em uma pequena loja de Londres? Tinha necessidade de saber até mesmo aqueles inconseqüentes detalhes. Teria Gina noção de que para ter certeza dos próprios sentimentos ele precisava conhecer a mulher para qual os entregara?


Harry ergueu o olhar e viu refletida no espelho a cama onde haviam lutado e se amado na noite anterior. Se permanecesse imóvel, podia quase sentir os ecos da paixão e da descoberta ainda no ar. Estaria ela o odiando por aquilo? Embora o ato de amor tivesse sido intenso e tão arrebatador para Gina quanto para ele, conseguiria perdoá-lo por tê-la forçado a derrubar certas barreiras?


Ele fora rude... Harry fitou as próprias mãos, girando-as de um lado para o outro e esticando os dedos. E não se importara em sê-lo. Durante toda sua vida, fora cauteloso em nunca ferir uma mulher. E quando encontrou a única que amou, fez exatamente aquilo que sempre evitara.


Caminhando até a janela, Harry observou a paisagem, tentando ordenar seus sentimentos. Ainda estava ressentido com Gina. Não obstante o que o cérebro lhe dissesse, o coração ainda estava ferido pela farsa. Mais ainda, não conseguia se livrar da certeza de que se apaixonara pelas duas mulheres e não conseguia confiar em nenhuma.


E, então, a avistou no jardim embaixo.


 


Precisava de tempo, disse Gina a si mesma. Apenas uma hora sozinha para clarear a mente e acalmar os nervos. Sabia que conseguira lidar com Deboque tão tranqüilamente quanto possível naquela manhã. Se nada saísse errado, o apanhariam em uma armadilha dentro de uma semana. E, então, teria obtido sucesso. Em seu currículo constaria outra menção favorável. Uma missão de dois anos concluída com sucesso poderia significar uma promoção. Sabia que estava a centímetros de distância de um cargo de comando. Então, por que tal perspectiva não a excitava como no passado?


Tempo, respondeu Gina em seu íntimo. Precisava de tempo.


Tiraria as tão desejadas e merecidas férias. Talvez, finalmente, viajasse para a América do Norte, Nova York, São Francisco.


Não seria interessante ficar incógnita nesses lugares por algum tempo?


Ou talvez voltasse para a Inglaterra. Podia passar um tempo em Comwall, caminhando pelos campos ou cavalgando à beira-mar. Na Inglaterra, não poderia se perder, mas talvez pudesse se encontrar outra vez.


Para onde quer que fosse, deixaria Cordina. E Harry.


Glicínias cresciam em um arco, projetando sombras em um banco e a convidando à longa contemplação. Gina se sentou e fechou os olhos, tentando acalmar a mente.


Quem era, afinal? Pela primeira vez em anos era forçada a perguntar a si mesma, e não sabia a resposta. Uma parte dela era a mulher reservada que apreciava ler um livro durante longas horas à tarde e de se dedicar à literatura e arte. A outra, era a mulher que mantinha a arma sempre ao alcance e escutava passos fortuitos ameaçadores.


Até então, o fato de conseguir ser as duas sempre fora uma vantagem e não, como no presente, um doloroso quebra-cabeça. Desejava conversar com o pai, ao menos por uma hora. Ele entendia o que era viver duas vidas e encontrara alegria e desafio nas duas.


Porém, não poderia arriscar fazê-lo. Naquela situação, bem como na missão que a trouxera até ali, estava sozinha.


Ele a detestava. Era Harry quem desencadeara a dor e as dúvidas que a atormentavam. Quem a forçara a questionar o que sempre acreditou como verdade absoluta. Na noite anterior, ele lhe usurpara a mente, o coração e o corpo, apenas para humilhá-la. E conseguira! Nunca ninguém havia lhe mostrado o quanto existia para desfrutar, o quanto ela poderia dar. Tampouco a deixado tão vazia e solitária.


Harry não podia imaginar o quanto a ferira. Não podia saber, pensou Gina, enquanto as lágrimas que sufocara durante toda a noite começaram a cair. Porque nunca saberia como eram fortes e sem esperança seus sentimentos por ele.


Escolhera seu caminho, relembrou a si mesma, e teria de percorrê-lo. Em questão de dias ele não mais cruzaria o de Harry.


O príncipe estaria seguro. A Família Real, também. E ela partiria.


Ele a encontrou sentada no banco, com as mãos cruzadas harmoniosamente sobre o colo. Os olhos estavam fechados e úmidos de lágrimas. Uma miríade de sentimentos o assolou, incapacitando-o de separá-los: arrependimento, desorientação, amor e culpa.


Ela queria ficar sozinha. Harry pensou entender bem o que estaria sentindo. Ainda lhe restava amargura suficiente para querer deixá-la sozinha. Porém, não podia abandoná-la ali, da mesma forma que não deixaria um cachorro ferido na beira da estrada.


Quando ele se aproximou, Gina se ergueu num impulso. Harry percebeu a surpresa e a humilhação na face pálida. Por um instante, pensou que ela fosse girar nos calcanhares e correr. Mas Gina se manteve firme.


- Pensava estar sozinha. - A voz soou fria, enquanto ela lutava contra a ira e a vergonha.


Harry tirou um lenço do bolso e o ofereceu. No momento, era o único conforto que podia lhe dar, ou Gina aceitar.


- Desculpe se a incomodei. - O tom do príncipe soava tão tenso quanto o dela. - Acho que precisamos conversar.


- Já não o fizemos? - Gina secou os olhos e em seguida dobrou o lenço de linho nas mãos.


- Gostaria de se sentar?


- Não, obrigada.


Harry enfiou as mãos nos bolsos. Ela não dormira, pensou quando viu as sombras sob os olhos azuis.


- Conversei com meu pai esta manhã. Você encontrou com Deboque hoje.


Gina fez menção de interrompê-lo, mas desistiu. O jardim era tão seguro quanto o castelo, por hora.


- Não devo falar sobre isso com você, Alteza.


A irritação o fez estreitar os olhares e cerrar os punhos, mas quando falou a voz soou calma:


- Não, mas tomei conhecimento da situação. Li os relatórios.


Gina sentiu o coração disparar em um acesso de raiva. Nada do que era ou fizera pertencia apenas a ela?


- Muito bem, suas perguntas foram respondidas e a curiosidade satisfeita. Sabe tudo que há para saber sobre mim. Espero que tenha se divertido.


- Não os li para me entreter. - rebateu Harry. - Diabo, Gina! Tenho direito de saber.


- Não tem direito algum sobre mim. Não sou sua criada nem subordinada.


- É a mulher que levei para a cama ontem à noite.


- Isso está esquecido. Não faça isso! - Todo o corpo de Gina ficou tenso quando ele deu um passo em sua direção. - Não me toque nunca mais.


- Muito bem. - O príncipe se contraiu, tal como ela. - Porém, ambos sabemos que certas coisas não podem ser esquecidas.


- Erros podem. - disparou ela. - Estou aqui como agente do SSI para protegê-lo e à sua família, impedir os planos de Deboque para destruir Cordina e evitar as repercussões disso na Europa. Farei o que for necessário para conseguir isso, mas não deixarei que me humilhe outra vez. - As lágrimas voltaram com força total, cegando-a. - Oh, droga! Não pode me deixar sozinha? A noite passada não foi uma desforra suficiente para você?


Aquilo derrubou o último vestígio de controle de Harry. Ele a segurou pelo braço, fechando os dedos sobre o músculo firme do braço delgado.


- Foi isso que significou para você? Uma desforra? Pode me fitar e dizer que não sentiu nada, que não sente nada? O quanto pode mentir?


- Não importa o que senti. Você queria me punir, e conseguiu.


- Queria amá-la, e foi o que fiz.


- Pare! - Aquilo doía, mais do que podia suportar. Gina o empurrou, apenas para ser mantida cativa bem próximo a ele. O movimento brusco suscitou uma chuva de flores de glicínia. - Acha que não percebi o quanto me odiava? Fitou-me nos olhos e me fez sentir vil. Durante dez anos orgulhei-me do que fazia e até mesmo isso você conseguiu destruir.


- E quanto a você? - Harry mantinha o tom de voz baixo, porém irritado. - Tem coragem de me dizer que não sabia que eu estava apaixonado por você? - Gina fez menção de menear a cabeça negando, mas o príncipe aumentou a pressão dos dedos que a seguravam. - Sabia que eu estava apaixonado por uma mulher que sequer existe. Serena, tímida e honesta, para quem eu queria demonstrar ternura e paciência. Pela primeira vez em minha vida encontrei uma mulher a quem poderia entregar meu coração e confiar, mas ela era apenas uma miragem.


- Não acredito em você. - Porém Gina desejava fazê-lo e não pôde conter o movimento acelerado do coração. - Você é inconstante e entediado. Eu lhe servi como uma diversão.


- Eu a amei. - Harry ergueu as mãos e tomou-lhe a face, mantendo-a cativa e muito próxima. Ela percebeu os olhos negros como na noite anterior: marrom-amarelados e cheios de paixão. - Terá de viver com isso.


- Harry...


- E quando fui até seu quarto ontem à noite, encontrei outra mulher, a que mentira e me usara. - O príncipe deslizou a mão para cima, envolvendo-a com os cabelos vermelho-escuros e fazendo os prendedores afrouxarem. - A que parecia uma feiticeira. - murmurou, enquanto a massa de cabelos caía pesada sobre as mãos dele. - E a desejei da mesma forma, porém sem aqueles ternos e doces sentimentos. Deus me ajude, ainda a quero!


Quando Harry lhe tomou os lábios em um beijo profundo, ela não protestou. Percebera a sinceridade naqueles olhos também. Ele a amara. Ou à pretensa Gina. Se desejo era tudo que aquele homem podia lhe oferecer, aceitaria. Sacrificara o amor ao dever, porém, até mesmo por dever não sacrificaria as migalhas que restaram.


Pensando assim, deslizou os braços em tomo do pescoço de Harry. Talvez, se pudesse corresponder a sua paixão, algum dia ele a perdoasse.


Com que facilidade Harry podia se perder naquela mulher! A paixão era aguda e dolorida, mas parecia não ter importância. Os lábios quentes, o corpo esguio e tenso. Se não fosse amor que Gina sentia por ele, ao menos sentia desejo. Em sua vida pregressa, procurara apenas aquilo.


- Diga que me quer. - ele pediu, enquanto movia os lábios, sôfrego, por toda a extensão da delicada face.


- Sim, eu o quero. - Gina não sabia que era possível sentir derrota e triunfo ao mesmo tempo.


- Venha comigo. Agora.


- Harry, não tenho direito a isso. - Ela esfregou a face no pescoço forte, desejando desfrutar um pouco mais daquele homem. - Estou aqui apenas para...


Com as mãos nos ombros de Gina, o príncipe a afastou antes que ela pudesse completar a recusa.


- Apenas por hoje, por um dia, coloquemos nossos deveres de lado.


- E amanhã?


- Existirá apenas se quisermos. Dê-me algumas horas, Gina.


Ela teria lhe dado a vida, e de alguma forma sabia que seria mais fácil do que entregar o que o príncipe lhe pedia naquele momento. Ainda assim, Gina pôs a mão na dele.


Eles foram montados em lombos de cavalos. Enquanto cavalgava a meio galope ao lado dele, Gina percebeu que o príncipe estava bem familiarizado com o caminho que percorria. Viraram, embrenhando-se na floresta, onde já haviam cavalgado, e Harry tomou a liderança. Cada vez que as dúvidas emergiam para assombrá-la, ela as afastava para o fundo da mente. Aproveitaria as poucas horas que lhe estavam sendo oferecidas.


Ouviu o som do riacho, antes de visualizá-lo. Era um som puro e musical, em harmonia com a sombra projetada pelos galhos das árvores altas. Quando Harry o alcançou, girou o cavalo para o sul. Por um quarto de milha galoparam em silêncio ao longo da margem.


O riacho formava uma curva e seguia uma rota tortuosa para em seguida se alargar, em um ponto onde três salgueiros se curvavam sobre ele. Harry estacou e apeou.


- Que lindo lugar! - Gina também parou, porém não teve coragem para desmontar. - Cada vez que penso ter visto o mais belo lugar de Cordina, encontro outro ainda mais bonito. Você vem sempre aqui?


- Não o suficiente. - Harry amarrara o cavalo e naquele momento se encaminhava para ela. Sem nada dizer, estendeu-lhe a mão.


Aquela era a escolha que ele não lhe dera na noite anterior.


Talvez a estivesse concedendo agora, por saber que a decisão já fora tomada. Gina entrelaçou os dedos nos dele, esperou um instante e desmontou. O silêncio se prolongou enquanto ela amarrava o cavalo ao lado do de Harry.


- Vim para cá quando minha mãe morreu. - Ele não sabia por que parecia importante dizer aquilo. - Não para me lamentar, mas por que ela sempre amou lugares como este. Está vendo as pequenas flores ao longo da margem? - A mão do príncipe segurava a dela outra vez, enquanto se aproximavam do riacho. - Minha mãe as chamava de asas de anjo. Elas têm um nome complicado em latim, mas asas de anjo lhes cai bem. - Inclinando-se, Harry arrancou uma. Não era maior do que seu polegar, com as pétalas formando um copo em torno de um diminuto centro azul. - Todo verão, antes de voltar a Oxford, eu vinha até aqui. Por alguma razão, tornava a partida mais suportável. - O príncipe prendeu a flor nos cabelos de Gina. - Quando era criança, pensava que as fadas viviam aqui. Costumava procurar por elas entre os trevos e sob os fungos.


Ela sorriu e lhe tocou a face.


- E encontrou alguma?


- Não. - Cobrindo o punho de Gina com a mão, girou a cabeça para lhe depositar um beijo na palma. - Mas acho que ainda estão por aqui. Por isso este lugar é mágico. É por esse motivo que quero fazer amor com você aqui.


Os lábios de ambos ainda estavam a milímetros de distância quando eles se inclinaram em direção à grama. E permaneceram assim, enquanto se despiam. Ajoelhados com os olhos fixos um no outro, desabotoaram as roupas. A luz do sol refletia nas peles à medida que se livravam das roupas. Os lábios se tocaram e em seguida se fundiram.


Harry não conseguia conter o ímpeto do poder e a torrente de desejo. Em segundos, ambos rolavam na grama. Ele a acariciava por inteiro, procurando, encontrando, explorando até que os gemidos de Gina vibraram contra seus lábios. A ânsia de possuí-la de forma rápida e completamente não conseguia ser contida, especialmente quando os dedos delicados lhe abriram o fecho do jeans.


Esperaram apenas até que todas as barreiras fossem removidas e, então, se juntaram em uma jornada veloz e furiosa que os deixou completamente saciados.


Nua e deitada na grama de costas, Gina ergueu o olhar para os raios de sol que se infiltravam por entre galhos e folhas acima. Antes fizera o mesmo ao luar, experimentando raiva, vergonha, êxtase e vergonha outra vez. Naquele dia, à luz do sol, não mais se sentia embaraçada.


O que havia entre eles podia, por aquele curto espaço de tempo, ser apenas entre o homem e a mulher. No dia seguinte, seriam o príncipe e a agente outra vez.


- Em que está pensando?


Gina conseguiu sorrir e virou o rosto na direção dele.


- Que este é um lindo lugar.


Ele quis levá-la ali antes. Imaginou fazê-lo. A forma paciente e lenta com que lhe mostraria os prazeres do amor! Afastando aquele pensamento, puxou-a para si. Aquele era um dia diferente, e ela, uma outra mulher.


- Está aquecida?


- Hmmm. Mas eu... - Gina se deteve, sabendo que soaria tola.


- Mas?


- Bem, eu nunca... - Como se expressaria? - Nunca deitei nua na grama sob o sol antes.


Harry riu, sem perceber que o tom e o sentimento por trás daquela afirmação eram da mulher que conhecera a princípio.


- A vida deve sempre incluir experiências novas.


- Estou certa de que já esteve nu nos lugares mais inusitados.


O tom seco da voz de Gina o deleitou. Rolando sobre ela, Harry lhe depositou um beijo nos lábios e em seguida afastou a cabeça para fitá-la. Os cabelos estavam espalhados pela grama escura. As pequenas flores brancas misturadas a eles como se tivessem crescido ali. As sombras sob os olhos a faziam parecer tanto lasciva quanto delicada, como se fosse uma virgem que passara a noite sendo iniciada nos mistérios do amor.


Aquela fora a forma como a imaginara um dia, como a desejara e amara.


- Você e tão linda!


Ela sorriu, relaxada o suficiente para achar engraçado o comentário.


- Isso, eu nunca fui.


Harry deslizou a ponta de um dedo pelo contorno da face pálida.


- Quanta autocrítica! Ou como é tola. Fazer-se menos atraente não altera a realidade. Tem uma pele perfeita. - Roçou os lábios pela sedosidade como para provar. - Esses ossos elegantes que fazem um homem imaginar se é feita de carne e osso, ou de vidro. Os olhos calmos e inteligentes, que me deixam louco, fantasiando o quanto escureceriam e se turvariam se eu descobrisse a maneira certa de tocá-la. E isso... - O príncipe roçou o dedo sobre os lábios quentes. - Tão macios e carnudos! - Harry baixou a cabeça, porém apenas roçou com a língua o contorno deles. - Lembra-se da primeira vez que a beijei?


A respiração de Gina já estava entrecortada e os olhos azuis, semi-cerrados.


- Sim, eu me lembro.


- Imaginei como uma mulher tão reservada conseguia fazer meus joelhos enfraquecerem apenas por prová-la.


- Beije-me agora. - ordenou Gina, puxando-o em sua direção.


Porém, não foi como esperava. Havia ternura em vez de ansiedade. Calma substituindo a urgência. Ela murmurou contra os lábios que a acariciavam, confusa. Harry limitou-se a roçar os dedos sobre a face delicada e esperar que ela relaxasse. Mais que isso, aguardou até que Gina aceitasse aquilo.


Mesmo quando aprofundou o beijo, manteve-o terno. O fogo estava presente, porém mais latente do que abrasador.


Ele estava fazendo amor com a Gina que passara a entender, concluiu ela, emocionada. Sentia luxúria por uma e afeição pela outra. Como podia lutar contra a outra se ela fazia parte de sua personalidade?


Com um suspiro trêmulo, esvaziou a mente. Naquele momento, daria a Harry o que ele precisava.


Harry percebeu a mudança, a lenta e quase fluída entrega. Com um murmúrio de aprovação, pressionou os lábios sobre o pescoço delicado. Desejava mostrar a ela mais do que pressa e ansiedade. Se dispunham apenas de algumas horas, iria utilizá-las para ofertar a Gina toda a ternura que ela aceitasse.


Com a leveza de uma pluma, acariciou a maciez do corpo esguio. O que exigira dela na noite anterior, agora pedia, persuadia e oferecia.


Sem pressa, esperou até a excitação de Gina crescer, enquanto o sol se refletia na face pálida e o riacho ciciava ao lado. Houve promessas, elogios, carinhos. Gina respondia, de modo tão frágil que as palavras quase se dissolviam no ar.


Nunca fora amada daquela forma antes, como se fosse algo precioso e especial. Mesmo através da mente enevoada podia ouvir o murmúrio das águas contra as rochas. Sentir a fragrância da grama e das doces flores do campo espalhadas sobre ela. Com os olhos semi-cerrados, os reflexos do sol tinham a aparência de ouro e se derramavam em abundância sobre a pele de seu amante. Deslizou a mão sobre ela, descobrindo-a macia, tensa e quente.


Seu amante! Gina tomou-lhe os lábios, entregando tudo que possuía no coração. Se aquele lugar era mágico, também era o momento que estavam vivendo. Desde que podia se lembrar, os sonhos nunca fizeram parte de sua vida, mas Gina abriu-se para recebê-los naquele instante. Encontrava-se entregue e maleável! Harry desejara muito sentir aquele tipo de emoção que ela esboçava. Aquilo ia além do calor e ultrapassava as barreiras do desejo.


Ela o tocava como se tivesse esperado por aquele homem durante toda sua vida. Beijava-o como seu primeiro e único amante.


Quanto mais Gina se entregava, mais ele descobria ter para corresponder.


As sombras mudavam de lugar e se estendiam sobre eles, enquanto se acariciavam, ofereciam e descobriam.


E quando ele a possuiu, foi de modo lento e temo. O desejo crescente ainda controlado por profundos sentimentos. Moveram-se em harmonia, quase dolorosa em sua perfeição, enquanto Gina lhe segurava a face nas mãos e os lábios do príncipe encontravam os dela. Daquela forma atingiram o ápice e desceram suavemente.


 


- Desejava me ver, monsieur Deboque?


- Sim, Ricardo. - Deboque ergueu o bule de chá e se serviu. Admirava o hábito britânico do chá da tarde. Parecia-lhe tão civilizado! - Tenho uma pequena lista de compras para você. - Com uma das mãos, gesticulou em direção à mesa sob a janela. - Gostaria que supervisionasse a aquisição pessoalmente.


- Claro. - Sempre satisfeito por desfrutar da confiança do patrão, Ricardo pegou a lista detalhada em um grosso papel creme. Ergueu a sobrancelha apenas um segundo. - Posso requisitá-las do suprimento interno da companhia?


- Por favor. - Deboque adicionou creme ao chá. - Prefiro limitar isso à casa, por assim dizer. A entrega deve ser destinada a lady Gina na... eu diria quinta-feira. Não há necessidade de enviar-lhe a mercadoria antes.


- Ela está correndo um grande risco, contrabandeando um pacote tão volátil para dentro do palácio.


- Tenho uma confiança implícita em sua amiga inglesa, Ricardo. - Deboque recordou o modo como ela se sentara à frente naquela manhã. Composta, impecável e culta. Dava um toque agradável a seus planos, o fato de serem executados por tão delicadas mãos. - Aquela mulher tem certo estilo, não acha?


- Classe, mesmo quando tão discretamente disfarçada, é sempre classe, monsieur.


- Exatamente! - Deboque sorriu e sorveu um gole do chá. - Não tenho dúvida de que ela atingirá seu objetivo, classe. - Tomou outro gole da bebida quente e suspirou. - De fato, admiro os britânicos, Ricardo. Tão tradicionais e flexíveis! Não tão vivazes quanto os franceses, mas tão maravilhosamente pragmáticos. Em todo caso, certifique-se de que a mercadoria seja despachada para o endereço que consta na lista. Não quero que chegue através de minhas mãos.


- Claro.


- Estou preparando um itinerário. Estarei velejando no próximo final de semana. Verei lady Gina uma vez mais. Pode se ocupar dos detalhes?


- Como quiser.


- Obrigado, Ricardo. Oh, por falar nisso, providenciou para que aquela coroa de flores fosse enviada ao funeral de Bouffe?


- De rosas como pediu, monsieur.


- Excelente. - Deboque escolheu um dos pequenos biscoitos doces do prato Wedgwood. - Você é muito eficiente.


- Tento ser, monsieur.


- Tenha uma boa tarde, então, Ricardo. Avise-me se obtiver mais alguma informação sobre o problema no teatro. Estou muito incomodado com as notícias atuais.


- Assim o farei. Boa tarde, monsieur.


 Deboque recostou-se no espaldar da cadeira, mordiscando o biscoito. Ricardo o agradava muito. Um homem inteligente com tendências sofisticadas fora uma excelente aquisição para sua equipe. Estava certo de que Ricardo ficaria muito agradecido com a missão de se encarregar de Gina depois que ela completasse o trabalho. Era tentador, porém Deboque descartou tal possibilidade. Lidaria com aquela mulher pessoalmente. Afinal, o mínimo que poderia fazer depois que ela tornasse real seu maior desejo era lhe proporcionar uma morte o menos dolorosa possível.


 


 


 


Agradecimento especial:


 


Thamis No mundo .......: realmente o Harry e a Gina juntos são fogo e combustível, o que da explosão na certa. A Gina não pode morrer, isso seria um crime, não concorda, mas a morte vai passar a centímetros do rosto do Harry, literalmente falando. Beijos.


 

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