Capítulo Nove
Capítulo Nove
Seria uma batalha de sagacidade. Uma contenda por controle. Era mais fácil para Gina pensar daquela forma quando os lábios de Harry pressionaram os dela. Ele não queria fazer amor, mas puni-la. Até mesmo subjugá-la. Era raiva, não desejo que os levara até aquele ponto. Não poderia se dar ao luxo de pensar de outra forma, nem por um instante sequer. Ainda assim, o beijo era cruel. Quentes e intensos, os lábios de Harry se moviam sobre os dela, mais escarnecedores do que insistentes. A mão que se encontrava em sua garganta tanto ameaçava quanto controlava. Os dedos calejados provavam a força que possuíam, mesmo quando a tocavam para excitá-la e seduzi-la.
Gina forçou o corpo a permanecer inerte e sem vida sob o dele, esperando não apenas uma chance de se desvencilhar, mas de lutar e vencer.
Porém, o sangue começava a se agitar em suas veias.
Ele percebia aquilo. Era um homem familiarizado com a paixão, com o desejo e com a vulnerabilidade, bem como com a arte de despertá-los. Usara tais artifícios antes, sempre com bom humor, para dar tanto quanto receber.
Naquele momento, os utilizaria para ferir tão fundo quanto fora machucado.
Mulheres o haviam frustrado, divertido, confundido e fascinado. Porém nenhuma o havia ferido, antes de Gina.
O fato de ela tê-lo feito tão inadvertidamente, não no ímpeto da ira, mas com frieza e sem paixão, tornava o pecado imperdoável. Pela primeira vez na vida, tomava uma mulher em seus braços com a única intenção de feri-la.
Ou assim pensava.
Não havia apenas carne sob o robe. Sabia, antes de fazê-lo escorregar pelos ombros delgados. Havia força ali. Sentira-a uma vez. Naquele momento, desfrutava também da maciez.
Ambos o incitavam a continuar. Da mesma forma, percebeu, seu toque a estimulava. Quando Gina esboçou os primeiros sinais de luta, ele se moveu, fazendo com que o robe se abrisse ainda mais.
Gina não era ingênua a ponto de entrar em pânico, mas o coração e o desejo a traíam. No momento em que Harry deslizou a palma da mão sobre a pele desnuda, uma chama ardente de prazer abriu as portas ao temor, à excitação e à paixão. A reação de Gina os fez rolar pela cama, em atitude de combate. A estrutura esguia do príncipe e os movimentos experientes tomaram a força intensa que Gina descobriu nele surpreendente e excitante ao mesmo tempo. A musculatura firme, tensa, sob a camisa, a atraía, à medida que Harry contrapunha tentativas de luta e a levava aonde queria. Mais uma vez, Gina descobriu-se cativa sob o corpo dele, com os braços presos pelo robe que escorregara pelas suas costas.
Sem fôlego, ela o fitou nos olhos. Estava subjugada, mas não se rendia. O luar lançava reflexos sobre a face pálida, fazendo a pele parecer cremosa. Os olhos verdes, escuros e brilhantes. O medo neles refletido havia se transformado em condenação. Em uma massa disforme, os cabelos macios e espessos se espalhavam sobre a cama, fazendo-o lembrar de sereias e feiticeiras.
- Eu o desprezarei por isso.
Algo se partiu em silêncio dentro de Harry. O coração ou talvez a alma. Ele ignorou aquilo e se fixou no desejo de puni-la por fazê-lo se apaixonar por uma ilusão.
Harry baixou os lábios mais uma vez, porém ela virou o rosto. Uma pequena defesa, mas não inteligente, já que os lábios quentes e tentadores encontraram a curva vulnerável do delicado pescoço. Gina prendeu a respiração e em seguida a expeliu, com um gemido. O som fez o coração do príncipe disparar, enquanto provava o sabor tão único e perigoso quanto seus sentimentos por ela.
Desejava amá-la e odiá-la. Confortá-la e puni-la. Ferir e dar prazer. Em meio ao turbilhão que lhe agitava a mente, Harry se esqueceu de tudo, com exceção daquela mulher.
Ásperas pelo trabalho, gentis por natureza, as mãos dele se moviam pelo corpo de Gina. Com a ponta da língua, traçou linhas de fogo, tentadoras e torturantes, sobre a pele sedosa. Podia sentir o calor sob o próprio corpo, que aumentava ainda mais o sabor e a maciez de Gina. Ela se contorcia para um lado e para o outro, mas os movimentos só aumentavam a excitação deles.
De repente, o corpo dela se tomou inerte, quase como sem respiração. E então o tremor começou.
Gina nunca se sentira tão consciente da própria feminilidade e mais distante dos pensamentos racionais. Queria se lembrar do motivo que o levara a estar ali, as razões pelas quais não podiam estar fazendo aquilo, mas tudo que conseguia era sentir. As razões não mais importavam. As conseqüências foram esquecidas. Ambos desejavam. Certo e errado pertenciam aos racionais.
Quando o príncipe lhe tomou os lábios mais uma vez, Gina o aguardava ansiosa.
Harry não encontrou docilidade ou pânico, mas a paixão da qual Gina abrira mão a maior parte de sua vida. Libertava-a para aquele homem, e em um breve momento concluiu que nunca mais a conseguiria disfarçar.
Impaciência. Desespero. Juntos, rolaram na cama mais uma vez, porém, em um tipo diferente de combate. O robe fora tirado, deixando os braços de Gina livres para envolvê-lo. Com um movimento que deveria dizer tudo a Harry, ela o puxou contra o próprio corpo.
Fique comigo. Ame-me. Compreenda-me.
E, então, até aquilo foi esquecido, em uma torrente de calor que os deixou ofegantes.
Uma vez, percebera um vulcão preso dentro daquela mulher. Naquele momento, quando ele entrou em erupção, Harry foi agitado pelo poder e pela violência oculta daquele fenômeno. A brisa que agitava as cortinas era fria e moderada, porém, no centro da cama havia uma labareda de fogo que ambos faziam aumentar cada vez mais.
Frenética por desfrutar mais daquele homem, Gina puxou-lhe o tecido da camisa, espalhando os botões pela cama e pelo chão. A risada que ela deixou escapar era baixa e ardente como Harry ouvira antes, porém, no momento, tinha uma nuança de algo parecido com triunfo. E, então, ela suspirou, ao deslizar as mãos pelo peito musculoso. O beijo era faminto quando os corpos expostos se encontraram. Como amante, Harry sempre fora hábil, generoso e carinhoso. Nunca encarara o sexo como um jogo. Tampouco uma competição. Era sempre resultado de afeição ou a culminação natural de desejos mútuos.
No entanto, nunca sentira um desejo tão intenso.
A ternura fora totalmente esquecida, bem como a vingança, enquanto enterrava as mãos na massa de cabelos macios e a puxava em sua direção. Os dentes do príncipe se cravaram no lábio inferior de Gina, emitindo fagulhas inebriantes de prazer pelo corpo dela excitado. E, então, ele começou a mover os lábios, ligeiro, deixando os dela ansiando, enquanto torturava e dominava todos os pontos em que tocava.
O pânico a atingiu mais uma vez, entretanto, tomada de uma excitação arrebatadora, Gina não o reconheceu. Temor. Desejo. Tentou afastá-lo, quando, com uma intensidade que a deixou ofegante, ele a levou às alturas. O corpo dela se contraiu, quase em defesa, para em seguida experimentar uma onda de calor que lhe fez o sangue ferver. A satisfação plena a atingiu em uma torrente, enquanto gritava o nome dele, com a certeza de que ninguém mais seria capaz de levá-la àquele limite, a não ser Harry.
Sentia-se frágil e trêmula. As mãos que haviam se cravado nos lençóis, relaxaram. Por um instante, pensou flutuar. E, então, Harry reacendeu a labareda.
Era aquilo que o príncipe desejara, para ela e dela. A pele sedosa estava úmida sob as mãos dele. Os músculos estavam flácidos, quando Gina começou a se mover outra vez. Ao luar prateado, Harry observou o rosto pálido, tonto de prazer e corado pelo esforço. Espalmando as mãos em concha sobre os quadris curvilíneos, Harry traçou uma linha de beijos quentes e demorados pelo corpo delgado. Podia sentir o momento em que a força voltou a fazê-lo vibrar.
Ainda trêmula e ofegante, ela desceu a calça de Harry. Tivera uma amostra, porém desejava mais. Queria tudo. Enquanto Gina o despia, o príncipe deslizou a ponta dos dedos pelo interior das coxas macias, atrasando-lhe o progresso e a excitando ao máximo. Observou os olhos verdes se arregalarem, abalados pelo iminente clímax, enquanto o corpo dela arqueava de encontro à fonte de prazer. Em seguida, quando os músculos de Gina relaxaram, os lábios do príncipe tomaram os dela mais uma vez, guiando-a para a próxima jornada.
Aquele homem era como uma droga viciante. Era como se os braços de Gina pesassem como chumbo quando tentou erguê-los para envolvê-lo mais uma vez. A cabeça rodopiava pela torrente de sensações. A fragrância característica da paixão os envolvia, tomando a pele de ambos pegajosa e quente. Gina podia ouvir a própria respiração entrecortada por suspiros e gemidos enquanto lutava para contemplar a face de Harry.
Os olhos dele haviam adotado uma tonalidade marrom-amarelada, como um gato antes de saltar. Recordou a imagem de Harry sobre o cavalo, atrevido e perigoso. Ela estremeceu e então se rendeu. De olhos abertos e o coração desejoso, puxou-o para si.
Gina se abriu. Ele a preencheu.
A cavalgada era rápida e intensa. Colados, ambos dispararam. Sem diminuir o passo, escalaram a colina.
O silêncio parecia perdurar para sempre. Ela se aninhou naquela reação e esperou que Harry partisse. Embora a mente não estivesse totalmente fria, parte da razão voltara. Abrigada na escuridão, podia admitir em seu íntimo que nunca mais seria a mesma. Aquele homem conseguira quebrar o verniz polido e conquistado a mulher que pulsava sob a superfície. A mesma que ele odiava. Não podia lhe confessar seu amor. Já lamentava a perda de algo que nunca possuíra e pelo qual passaria o resto da vida ansiando.
Harry desejava esticar o braço e a puxar para si. Acariciar-lhe os cabelos ao luar. Porém, não seria possível tocá-la outra vez. Tomada no momento da ira, algo que um dia ansiara possuir com ternura. O sentimento de culpa estava presente, real e ácido, apesar da sensação de ter sido traído.
A mulher pela qual se apaixonou não existia. Fora uma mentira, mais do que uma ilusão. E, então, acabou por fazer o que, mesmo em seus momentos mais indômitos, evitava: fizera amor com uma estranha. E, Deus o ajudasse, apaixonara-se da mesma forma por ela.
Será que a ferira? Queria perguntar, porém deteve-se. Não podia se dar ao luxo de sentir remorso ou acabaria por fazer papel de tolo na frente dessa nova Gina também. O orgulho seguiu-se da honra.
Desde que sacrificara o primeiro em nome da ira e da dor, se agarraria firmemente ao segundo.
Enquanto se levantava, passou as mãos pelos cabelos. Como podia amá-la, se sequer a conhecia? Como podia amar a mulher que sabia nunca ter existido?
Harry se vestiu em silêncio, enquanto ela permanecia deitada inerte como uma pedra na cama.
- Acho que agora usamos um ao outro. - murmurou ele. Gina descerrou as pálpebras. Não havia lágrimas em seus olhos. Agradecia a Deus por ainda lhe restar forças para não chorar. Ele estava de pé ao lado da cama, nu da cintura para cima, segurando a camisa rasgada em uma das mãos.
- Podemos nos considerar quites.
- Podemos? - As juntas dos dedos de Harry se tornaram brancas, enquanto ele apertava a camisa. Ensaiou um passo na direção dela, mas girou nos calcanhares e partiu, deixando-a sozinha.
Gina permaneceu deitada ouvindo o silêncio até o dia amanhecer.
- Você tem perguntas a fazer. - começou Tiago, enquanto encarava o filho mais novo. A luz da manhã invadia forte através das janelas abertas e mostrava claramente os sinais da noite insone em ambas as faces. - Prefiro que as guarde para quando eu terminar.
Tiago se preparara para a raiva e para os questionamentos. As linhas de desgaste e cansaço faziam o pai, de repente, parecer mais velho e vulnerável. Mais uma vez, era o amor, em vez do dever, que o guiava.
- Está bem. - Necessitando de café, Harry se serviu da bebida pura.
- Quer se sentar?
- Não.
O olhar de Tiago se estreitou ante o tom do filho. E, então, ele, também, deixou que o amor falasse mais alto.
- Pois eu sim. - Uma vez acomodado, colocou a xícara de café intocada de lado. - Há dois anos, reuni-me neste escritório com Rony e Malori. Você e Alexander também estavam presentes. Lembra-se?
Harry caminhou até a janela e olhou para fora.
- Sim. Conversávamos sobre Deboque e o que poderíamos fazer em relação a ele.
- Então deve se lembrar que Rony, naquela época, tinha um agente em mente para infiltrar na organização de Deboque.
- Sim, lembro-me também que o nome dessa pessoa não seria dito a mim ou a Alex. - A pontada de ressentimento que sentira na época havia se transformado em amargura em apenas uma noite. - E que Malori não se mostrou muito satisfeito com a escolha de Rony.
- Malori sempre foi um dos mais confiáveis membros da segurança em Cordina. Porém, é antiquado. - Tiago não achou necessário acrescentar que ele também tivera suas dúvidas. - Estava preocupado em designar uma mulher.
Harry sorveu metade do conteúdo da xícara de café.
- Na ocasião achei, como agora, que eu e Alexander tínhamos o direito de saber o que estava sendo feito. Mais que isso, todos nós tínhamos o direito de saber que a mulher que estávamos acolhendo como amiga era uma agente do SSI.
- Na ocasião da opinião, como agora... - O tom de voz de Tiago, embora baixo, soava cheio de autoridade. -... nenhum de vocês precisava saber. Se eu tivesse adoecido, Alex, claro, seria informado. No entanto...
- Acha que porque não governarei, Cordina é menos importante para mim? - disparou Harry. A fúria estampada no rosto do jovem príncipe era definitiva. - Durante toda a minha vida fui o irmão caçula. Alex nasceu para governar Cordina depois de você. Foi moldado para isso, assim como o filho dele o será. Acha que por isso me importo menos, amo menos ou ofereceria menos?
Tiago permaneceu em silêncio por alguns instantes, sabendo que teria de escolher as palavras com cuidado, mesmo ditas pelo coração.
- Harry, eu o vi crescer e se transformar em um homem e sempre esperei por um sinal de que se ressentia de sua posição. Algumas vezes, você se mostrou indômito, outras, negligente, e quase sempre indiscreto, mas nunca vi nada além de amor e devoção a seu país e a sua família.
- Então, por que, quando algo ameaça os dois, oculta seus planos de mim?
Tiago sentia a cabeça latejar. Fechou os olhos por alguns instantes, mas não ergueu a mão para massageá-la.
- Há dois anos, lady Gina Weasley foi escolhida entre 12 dos mais altamente qualificados agentes para se infiltrar e destruir a organização de Deboque. Estávamos cientes, assim como ela, de que isso envolveria riscos, tempo e exigiria perícia para obter sucesso.
- Por que ela? - Harry descobriu que aquela era a resposta que mais ansiava para que pudesse lidar com as outras.
- Rony percebeu que o talento de Gina era perfeito para a operação. Ela está no SSI há dez anos.
- Dez anos? - Harry caminhou pela sala outra vez, enquanto tentava absorver a informação. - Como isso é possível? Ela é tão jovem!
- E da segunda geração. - explicou Tiago em tom gentil. - O pai a treinou pessoalmente, enquanto ela ainda cursava a escola. Lorde Weasley, embora quase aposentado agora, é um dos mais valiosos agentes do SSL e responsável, em parte, pelo treinamento inicial de Rony, o que foi mais uma razão para que seu cunhado confiasse a operação a Gina.
- Dez anos! - repetiu o jovem príncipe. Quantas mulheres fora? Quantas mentiras contara?
- Ao que parece, ela tem um dom natural para esse tipo de trabalho. - Tiago percebeu a mandíbula do filho se contrair, porém continuou. - Após ler o relatório de Rony sobre ela, tive de concordar que era a mais bem talhada para o que tínhamos em mente.
- Deboque quase sempre usa mulheres. - murmurou Harry.
- Acha que elas podem ser mais perspicazes e mais cruéis que os homens. - Tiago lembrou de Janet Smithers e da bala que tivera de ser retirada do corpo do filho. - Essa preferência se resume a um certo tipo: reservado, educado e de linhagem imaculada.
- Gina.
- Sim. Foram tais qualidades que pesaram na decisão a favor dela. Com a cooperação do SSI, foi criado um detalhado pano de fundo para ela. As credenciais que lhe foram fornecidas tornaram possível sua entrada na companhia de Deboque. Em dois anos, Gina passou de mensageira ao topo da organização.
- Ao topo? - O medo o atingiu então, como algo que o sufocava. - O que quer dizer com isso?
- Ela se encontrou com Deboque pessoalmente, conseguindo desacreditar um de seus mais confiáveis colaboradores, e no momento o está substituindo. Rony lhe explicou que até onde Deboque sabe, ela está aqui no palácio como seu instrumento.
A amargura era mais palpável do que o medo e Harry se concentrou naquele sentimento.
- Ela joga muito bem.
- Uma agente na posição dela tem de fazê-lo ou perde a vida. Sabe melhor que ninguém que Deboque não hesita em matar. O nome dela, bem como toda a operação, foi mantido em estrito sigilo, não para protegê-lo ou à nossa família, mas para salvaguardá-la.
Harry pousou a xícara e parou de caminhar.
- De que forma?
- Três outros agentes foram mortos tentando fazer o que Gina quase conseguiu. O último foi cruelmente assassinado. - Tiago observou a palidez do caçula. Como pai, gostaria de poupá-lo daquilo. Porém, como príncipe, não poderia fazê-lo. - Trazendo-a para cá dessa forma, deixando que todos vocês acreditassem no que Deboque quer que acreditem, Gina possuía a única proteção que podíamos oferecer. Se for descoberta, nem mesmo o SSI poderá protegê-la. Agora que sabe de toda a história, o risco que ela corre é maior do que nunca.
Em silêncio, Harry cruzou o escritório e sentou-se à frente do pai. Embora um turbilhão de emoções lhe fustigasse o íntimo, a expressão do jovem príncipe era calma.
- Eu a amo.
- Sim. - Tiago se recostou no espaldar da cadeira. - Eu temia isso.
- Não vou cruzar os braços e observar Deboque ferir as pessoas que amo.
- Harry, há momentos, e muitos, em que os sentimentos pessoais não podem influenciar em nossas ações.
- Para você. - A voz de filho caçula permanecia calma, porém, um pouco mais fria. - Talvez para Alex, mas não para mim. Prefiro matá-lo com minhas próprias mãos.
Tiago sentiu uma onda de medo, bem como um lampejo de orgulho, mas controlou ambos.
- Se fizer qualquer coisa para interferir na operação a essa altura, poderá ser responsável pela morte de Gina, não de Deboque.
Levado ao limite, Harry se inclinou para a frente.
- Entende que estou apaixonado por Gina? Se estivesse em meu lugar, conseguiria se omitir?
Tiago estudou a expressão do filho e lembrou da única mulher que amou.
- Tudo que posso dizer é que faria o que fosse necessário para garantir a segurança dela. Mesmo que isso significasse me omitir.
O príncipe se ergueu e caminhou até a mesa.
- Leia isto. - ordenou, erguendo um pequeno maço de relatórios com o selo da segurança máxima. - Eles contêm informações anteriores de Gina, alguns de seus próprios relatórios sobre variadas operações e, mais recentemente, o progresso que fez com Deboque. Deixarei aqui para que possa lê-los. Não devem sair desta sala.
Harry se ergueu e pegou os relatórios.
- Onde ela está agora?
Tiago esperava que o filho não perguntasse.
- Gina recebeu uma mensagem bem cedo pela manhã. Foi ao encontro de Deboque.
Teria de ser muito cuidadosa desta vez. Gina sentou-se com as mãos cruzadas sobre o colo no elegante salão da chácara alugada por Deboque. Embora daquela vez o encontro ocorresse em terra firme, sabia que se seu disfarce tivesse sido descoberto estava tão sozinha quanto estivera no iate.
Se ele desconfiasse do papel que desempenhara nos eventos da noite anterior, teria a garganta cortada antes que pudesse negar. Um risco que todos os agentes secretos corriam, lembrou. Para testar a si mesma, ergueu o bule de porcelana colocado sobre a mesa em frente a ela e se serviu de café. A mão estava firme.
Era imperativo que a mente se mantivesse atenta, concentrada naquela missão. Todos os outros pensamentos pertenciam a Harry.
- Lady Gina. - Deboque entrou no salão e fechou a porta dupla. - Que prazer revê-la.
Ela adicionou uma colher de creme ao café quente em um gesto calmo.
- A mensagem que recebi esta manhã não me deixava outra opção.
- Ah, fui rude! - Deboque cruzou o aposento, tomou-lhe a mão e roçou os dedos delicados com os lábios. - Peço-lhe desculpas. O evento da noite passada me deixou um pouco confuso.
- A mim também. - Gina puxou a mão. O instinto lhe dizia que se fingir aborrecida seria a melhor estratégia. - Fiquei imaginando se você havia feito uma escolha inteligente.
Deboque optou por se sentar ao lado dela. Em seguida, sem pressa, retirou um cigarro de uma cigarreira de cristal. Naquele dia, usava esmeraldas.
- O que quer dizer com isso?
- Há apenas alguns meses me vi na posição de ter de limpar o caminho de um de seus empregados. - Ela sorveu um gole do café. Era forte e procedente da Turquia. - Na noite passada, um outro quase arruinou cada passo cuidadosamente estudado que dei em direção aos Bisset.
- Devo lembrá-la, mademoiselle, que foi avisada para ficar fora do caminho?
- Então terei de lembrá-lo, monsieur, que não alcancei minha posição atual negligenciando meus próprios interesses. Se não tivesse seguido Harry, nós dois poderíamos estar sentados em aposentos bem menos confortáveis.
Deboque soltou uma baforada de cigarro.
- Explique-se.
- Harry estava se sentindo entediado com a peça e pensou em esperar no camarim da atriz norte-americana até o final do espetáculo. Já que estava ciente de que havia planos para aquela noite, decidi que seria melhor me manter próxima a ele. Quando as luzes se apagaram, tive de decidir entre voltar ou manter o jovem príncipe ao alcance de minhas mãos. Se tivesse decidido pela primeira opção, monsieur, Harry a esta hora poderia estar morto.
- E por que espera minha gratidão?
- Ele poderia estar morto. - repetiu Gina. - E um membro da sua organização, mantido sob custódia. Quer que lhe sirva café?
- Merci. - Ele esperou pacientemente, enquanto Gina enchia uma segunda xícara. Ante sua anuência, ela acrescentou creme.
Gina recostou-se no espaldar da cadeira mais uma vez e cruzou as mãos sem anéis.
- MacGee e os seguranças já estavam a caminho. Avistei seu homem. - Gina fez uma expressão de desgosto. - Consegui distrair Harry, bancando a mulher histérica, mas o idiota não aproveitou a oportunidade para escapar. As luzes se acenderam. O jovem príncipe o viu empunhando a arma. Devia se sentir lisonjeado, pois desde sua soltura Harry carrega uma pequena pistola com ele. Não hesitou em usá-la, e por motivos pessoais sinto-me agradecida que o tenha feito, pois homens mortos não revelam nomes. - Continuando a representar, Gina se levantou. - E agora lhe pergunto: aquele homem tinha ordem de matar um dos Bisset? Você confia ou não confia em mim para cumprir nosso acordo? - Diga-me, ordenou em silêncio. - Diga em voz alta, e de uma voz por todas, para que possamos acabar com isso.
Uma espiral de fumaça se ergueu para o teto, quando Deboque apagou o cigarro no cinzeiro.
- Por favor, minha querida, acalme-se. O homem ao qual se refere pode ter sido orientado a ter iniciativa, mas não recebeu uma ordem específica. Claro que confio em você.
- Concordamos que eu iria eliminar os Bisset em troca de cinco milhões de dólares.
Deboque sorriu como um tio generoso.
- Concordamos que se isso acontecer haverá uma certa recompensa.
- Estou cansada de jogos. - Como se para provar o que estava dizendo, Gina pegou a bolsa. - Se não quer conversar francamente ou honrar nosso acordo, não há razão para continuarmos.
- Sente-se! - A ordem soou áspera e clara, enquanto Gina se encaminhava para a porta. Ela parou, girou, mas não voltou. - Esqueceu-se: ninguém que trabalha para mim sai até que seja dispensado.
Gina sabia que haveria homens do lado de fora da porta para detê-la ou eliminá-la a um simples gesto de Deboque. Porém, apostava que aquele tipo de homem admiraria sua audácia.
- Talvez seja melhor eu encontrar outro emprego, então. Não estou acostumada a ter acesso apenas à metade do baralho.
- Lembre-se que só eu tenho acesso completo. Vou lhe pedir mais uma vez: sente-se.
Dessa vez Gina obedeceu. Deixou que a impaciência aflorasse, apenas para que ele lhe observasse seu autocontrole.
- Muito bem.
- Diga-me como os Bisset estão lidando com o assunto esta manhã.
- Com dignidade, claro. - Fingiu achar divertido. - Harry está cheio de si. Tiago, preocupado. Eve ficará confinada ao leito o resto do dia. Hermione está lhe fazendo companhia. MacGee está trancado com Malori... sabe quem é?
- Sim.
- Arriscaria dizer que estão tentando atinar com o propósito da confusão da noite passada. Seu homem fez um excelente trabalho na sala de força, embora tenha achado que ele exagerou com a quantidade de explosivo. - Gina deu de ombros, como se tivesse visto um chapéu ornado com um exagero de penas. - De qualquer forma, ligaram o gerador pelo resto da noite e colocaram uma equipe no Centro de Belas Artes para reparar os danos. Eles acreditam que a energia elétrica foi interrompida para que o assassino chegasse até o camarim real.
- Uma suposição natural. - afirmou Deboque, enquanto voltava a atenção à xícara de café. E exatamente a que esperava. - Embora esse tipo de ação seja confusa e démodé. E você, minha querida? Como reagiu depois de presenciar um assassinato?
- Resolvi parecer chocada e fragilizada com os eventos. Porém, corajosa, naturalmente. Nós ingleses o somos.
- Sempre admirei essa qualidade. - Ele lhe deu um sorriso mais uma vez. - Tenho de congratulá-la por sua habilidade. Parece que não pregou os olhos a noite toda.
Era um erro recordar, pensar em Harry sequer por um instante.
- Tomei café suficiente para me manter acordada até de madrugada. - mentiu, com facilidade, sentindo um nó no estômago. - No momento, julgam que estou fazendo uma caminhada para clarear a mente. - Para desviar a atenção de Deboque do assunto, acrescentou o que ela e Rony haviam combinado. - Tem noção de que a Família Real inteira estará reunida no baile de Natal?
- Assim manda a tradição.
- Com Eve em estado interessante, a princesa Hermione trouxe toda a família para permanecer no palácio por vários dias durante os preparativos para a festa. Os MacGee dividem uma ala com Alexander e Eve, para que possam estar próximos das crianças.
- Que interessante!
- E cômodo. Precisarei de artefatos para três explosivos plásticos.
Deboque anuiu.
- O jovem príncipe não reside na mesma ala.
- Ele será mortalmente ferido ao tentar salvar os outros membros da família. Deixe isso comigo. Apenas providencie para que os cinco milhões de dólares estejam à minha disposição. - Gina se ergueu mais uma vez e inclinou a cabeça, esperando permissão para partir.
Deboque se levantou também e, em seguida, surpreendeu-a, tomando-lhe ambas as mãos nas suas.
- Pensei em tirar umas longas férias após os feriados natalinos. Porém, vou me sentir entediado sem companhia.
Gina sentiu o estômago revirar. Rezou para que a repulsa não se refletisse em seu rosto sequer por um instante.
- Sempre fui fã do sol. - Ela não ofereceu resistência quando Deboque se aproximou, porém sorriu. - Tem reputação de se descartar das mulheres com tanta facilidade quanto as atrai.
- Quando elas me entediam. - Ele deslizou uma das mãos pela nuca de Gina. Os dedos eram leves, macios, mas ainda a faziam lembrar de aranhas. - Tenho um pressentimento que com você não será assim. Não me deixo seduzir pela aparência, mas por cérebro e ambição. Juntos, acredito, poderíamos nos dar muito bem.
Se os lábios de Deboque tocassem os dela, seria capaz de vomitar. Pensando isso, Gina inclinou a cabeça para o lado apenas alguns milímetros.
- Talvez... depois que nosso negócio for concluído.
Os dedos em sua nuca se contraíram e relaxaram. As marcas que deixaram desapareceriam em minutos.
- É uma mulher cautelosa, Gina.
- O suficiente para querer cinco milhões de dólares antes de dormir com você. Agora, se me der licença, tenho de voltar antes de levantar suspeitas.
- Claro.
Ela caminhou até a porta.
- Precisarei dos suprimentos até o final da semana.
- Espere um presente de sua tia de Brighton. - Concordando com um gesto de cabeça, Gina se retirou com graciosidade.
Deboque voltou a se sentar e concluiu que admirava aquela mulher. Era uma pena que ela teria de morrer!
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