Capítulo Sete
Capítulo Sete
Rony ficaria furioso. Gina pousou a mão no assento para manter o equilíbrio à medida que o barco aumentava a velocidade. Não sem razão, pensou ela, porém tinha de se manter firme.
Então Deboque não estava em terra, seguro em uma casa de campo como imaginavam. A menos que o barco mudasse repentina e dramaticamente de direção, ele estava no mar. A partir daquele momento não havia como retomar. Gina inspirou fundo mais uma vez, observando a água agitada atrás deles. Preferia trabalhar sozinha em qualquer missão.
Aquela noite, encontraria Deboque. A sensação era quase palpável. Sua pulsação era lenta e cadenciada, e a respiração, regular. Gotas d'água, provocadas pelo movimento do barco, lhe atingiam a pele, enquanto ela mantinha a expressão plácida. O nervosismo, ou o que restara dele, não podia ser demonstrado. A travessia pelo Mediterrâneo à meia-noite a aproximava do objetivo que perseguia há mais de 24 meses.
Excitamento, não medo, crescia dentro dela. E até mesmo aquela sensação tinha de ser controlada. Qualquer coisa que lhe fizesse a pulsação disparar ou distraísse sua mente era perigoso. Não poderia cometer um erro sequer. Nos últimos dois anos, abrira caminho na organização de Deboque dependendo quase que totalmente de sua própria perícia. Com o apoio do SSI, levara a cabo várias missões: venda de armas, tráfico de diamantes e drogas.
O fim justificava os meios.
Degraus de uma escada, pensou. Se conseguisse continuar a subir, em breve aquele reinado de destruição desabaria na cabeça de Deboque.
O mais delicado degrau fora fazer com que o conceituado Bouffe parecesse incompetente. O mais antigo tenente de Deboque não era tolo. Custara-lhe muita fraude e risco para fazer com que muitas de suas atribuições nos últimos meses malograssem, sem atrair suspeitas para si mesma. A maior delas fora o acordo de fornecimento de armas para um grupo terrorista conhecido pela baixa tolerância.
Fora difícil, porém, a cronometragem, perfeita. Gina conseguiu fazer parecer que Bouffe quase estragara o acordo até que ela entrasse no circuito e salvasse as negociações.
Os terroristas conseguiram as armas, tivera de deixar que o SSI lidasse com aquilo. E Deboque ficara com os cinco milhões de francos. O prazer seria dela em lidar com aquilo. O mais rápido possível.
Avistou o brilhante iate branco majestosamente ancorado na água escura. Um arrepio de antecipação percorreu-lhe o corpo. No leme, seu contato acenou com uma lanterna elétrica. De imediato, uma luz, proveniente do barco, surgiu, em resposta. O motor foi desligado, imergindo a noite em completo silêncio, enquanto deslizavam na direção do iate.
Gina esticou a mão para tocar a escada, sentindo o metal frio e duro contra a pele. Características que teria de aparentar. Sem olhar para trás, subiu os degraus rumo ao desconhecido.
- Lady Gina.
Um homem alto e de pele negra a aguardava. Ele lhe tomou a mão e inclinou-se em uma mesura. Gina o reconheceu como o contato que lhe forneceria as últimas instruções. Diria que seu sotaque era jamaicano.
Chamava-se Ricardo Batemen, um insulano de 26 anos, graduado em medicina em uma das universidades de maior prestigio do país. Ainda manejava o bisturi, mas preferia utilizá-lo em pessoas saudáveis, e sem anestesia.
Transformara-se em um dos favoritos de Deboque.
- Sou Ricardo. - A face jovem e delicada se iluminou em um sorriso. - Seja bem-vinda ao Invencível.
- Obrigada, Ricardo. - Gina deslizou o olhar ao redor de maneira casual e contou cinco homens e uma mulher no convés. Os homens trajavam ternos pretos e portavam metralhadoras. A mulher vestia um sarongue sobre o biquíni e parecia entediada. - Podem me servir um drinque?
- Claro. - Os olhos do jovem, notou Gina, eram pálidos. De um verde quase translúcido, e não pareciam piscar. A voz era como creme espesso sobre café quente. - Mas, por hora, terá de desculpar nosso excesso de precaução. A bolsa, lady Gina.
Ela ergueu uma sobrancelha e o fitou diretamente nos olhos.
- Confiarei em você para assegurar que o conteúdo esteja intacto antes de devolvê-la a mim.
- Tem a minha palavra. - Ricardo se curvou em uma mesura, enquanto ela lhe entregava a bolsa. - Agora, se fizer a gentileza de seguir Carmine, ela lhe mostrará sua cabine. Talvez queira se refrescar, enquanto Carmine se certifica de que não plantaram nenhum dispositivo eletrônico em você.
Uma revista íntima, pensou Gina resignada.
- Ninguém plantou nada em mim, Ricardo, mas admiro um homem cauteloso. - Cruzou o convés na direção de Carmine como se estivesse a caminho de um chá da tarde.
Momentos depois, Ricardo colocou a bolsa de couro de crocodilo preto sobre a lustrosa mesa de mogno.
- Carmine a está revistando. Ela possui uma pistola de pequeno calibre, o passaporte, identidade e mais ou menos três mil francos além de cosméticos. Há um envelope lacrado.
- Obrigado, Ricardo. - A voz era profunda e decidida, com traços de francês. - Pode trazê-la até mim dentro de dez minutos. E, então, não deveremos ser incomodados.
- Oui, monsieur.
- Diga-me suas impressões.
- Um tanto atraente, mais do que na foto. E fria, muito fria. As mãos, secas e firmes.
- Ótimo. - A voz apresentava um tom de divertimento. - Em dez minutos, Ricardo. - Ele pegou o envelope e quebrou o lacre.
Pouco tempo depois, Gina ajustava o suéter. Achara a revista mais aborrecida do que humilhante. Carmine retirara-lhe o sapato de salto fino, porém ela esperava aquilo. Ricardo ficara com sua arma. Por enquanto, encontrava-se só e desarmada no meio do mar. Mas ainda lhe restava a inteligência.
Gina estava parada no meio da cabine quando Ricardo abriu a porta.
- Peço-lhe desculpas mais uma vez pelo inconveniente, lady Gina.
- Um pequeno incômodo, Ricardo. - Ele não trouxera a bolsa de volta, mas Gina não fez qualquer menção ao assunto. - Espero que não haja muitos outros.
- Absolutamente. Se puder me seguir.
Gina obedeceu, caminhando com facilidade pelo barco que balançava com o movimento das águas do mar. Era do tamanho de um pequeno hotel, ela notou. E haviam rotas de escape se fosse necessário. O carpete sobre o qual caminhavam era de um vermelho intenso. Na cabine, onde fora revistada, havia um espelho antigo com vidros chanfrados, e a cama era coberta com colcha de veludo.
Existia também uma portinhola pela qual uma criança ou uma mulher magra poderiam passar com facilidade.
Ricardo parou em frente a uma lustrosa porta de carvalho e bateu duas vezes. Sem esperar resposta, girou a maçaneta e gesticulou para que ela entrasse. Gina obedeceu e ouviu a porta se fechar.
O aposento era opulento, elegante, até mesmo irreal. A França do século XVIII parecia voltar à vida. Ali, o tapete era da cor azul brilhante e profunda da realeza, e as paredes, polidas a ponto de darem a impressão de espelhos. Candelabros extremamente delicados e brilhantes espalhavam luz sobre a madeira antiga e o estofamento felpudo. Brocados haviam sido utilizados em abundância para cobrir e circundar a cama talhada para um rei. Todas as cores eram vividas, quase chocantes.
O aroma de algo floral e alguma coisa envelhecida se fundiam em uma fragrância estranhamente atraente, mas desconfortável. Com o balouçar suave do barco, a coleção de animais de cristal estremecia como que ganhando vida.
Levou apenas segundos para Gina perceber aquilo. Não obstante a magnificência e extravagância do aposento, o homem sentado atrás da mesa Luís XVI dominava o ambiente. Não percebeu o ser demoníaco que esperava. Diante dos perversos, pensou Gina, costumava-se sentir arrepios ou temor.
O que viu foi um homem esguio e atraente, aparentando 50 anos, com a cabeleira grisalha emoldurando uma face aristocrática de traços bem definidos. Ele trajava preto, e a cor parecia acentuar a palidez quase poética do rosto dele. Os olhos eram negros também, como os de uma ave de rapina, e a estudavam naquele momento, enquanto os lábios carnudos e belos se curvavam em um sorriso. Gina vira fotos daquele homem. Estudara cada informação referente a ele dos últimos vinte anos. E ainda assim... não estava preparada para a onda de sensualidade que emanava de Deboque.
Era o tipo de homem pelo qual as mulheres poderiam morrer. E, naquele momento, entendia por que era a espécie que outro homem mataria sem questionar. Conseguia compreender aquilo também, enquanto a três metros de distância podia sentir o poder que desprendia dele.
- Lady Gina. - Ele se ergueu de modo lento e gracioso. O corpo era bem talhado, quase delicado. A mão, estendida em direção a Gina, estreita e bela, com um trio de anéis de diamantes ornando os dedos longos.
Gina não podia hesitar, embora sentisse que se tocasse a mão oferecida seria arrancada do seu mundo de certezas e atirada ao desconhecido e amedrontador.
Ela sorriu e deu um passo à frente.
- Monsieur Deboque. - Ficou satisfeita ao perceber a sutil expressão de surpresa do homem ante a referência de Gina a seu nome. - É um prazer.
- Por favor, sente-se. Aceita um conhaque?
- Sim, obrigada. - Gina escolheu uma cadeira macia de espaldar alto postada defronte à mesa. Chopin reverberava através de caixas de som ocultas.
Ela ouviu as notas musicais enquanto Deboque cruzava o aposento na direção de um armário laqueado do qual retirou uma garrafa.
Havia um quadro atrás da ampla mesa. Um dos seis que Gina sabia terem sido roubados de uma coleção particular no ano anterior. Ela mesma ajudara a executar o roubo.
- Aprecio a beleza. - disse Deboque ao lhe oferecer o conhaque. Em seguida, em vez de se acomodar na cadeira atrás da mesa, sentou-se ao lado dela. - A sua saúde, mademoiselle.
- E a sua. - retrucou Gina, dando-lhe um sorriso antes de sorver um gole da bebida.
- Talvez possa me esclarecer como descobriu meu nome.
- É um hábito saber para quem estou trabalhando, monsieur Deboque. - Gina meneou a cabeça em negativa, quando ele apanhou um estojo de cigarros e lhe ofereceu um. - Devo congratulá-lo por sua segurança e funcionários. Descobrir quem... digamos... controlar, não é tarefa fácil.
Deboque soltou uma baforada de fumaça lentamente, como um homem que apreciava o bom gosto.
- Muitos achariam impossível.
Os olhos de Gina o fitavam frios e divertidos.
- Não acredito no impossível.
- Outros achariam fatal. - Como Gina apenas sorriu, ele esqueceu o assunto. Como dissera Ricardo, aquela era uma mulher muito fria. - As informações que tenho sobre a senhorita são bastante lisonjeiras, lady Gina.
- Claro.
Foi a vez de Deboque sorrir.
- Admiro sua confiança.
- Eu também.
- Ao que parece, estou em débito com você por facilitar uma troca com nossos vizinhos mediterrâneos alguns meses atrás. Teria ficado, no mínimo, aborrecido se tivesse perdido aquele contrato.
- O prazer foi todo meu. Eu diria, monsieur, que havia alguns elos frágeis na corrente.
- Sim, havia - murmurou ele. Ponderara entregar Bouffe a Ricardo para que fosse eliminado. Uma pena, pensou Deboque.
Bouffe fora leal e valioso por mais de uma década.
- Está gostando de sua estada em Cordina?
Gina sentiu o coração falhar, mas continuou a bebericar.
- O lugar é adorável. - Movimentou os ombros, enquanto deixava o olhar vagar pelo aposento. - Eu também aprecio a beleza. Compensa o fato de os Bisset serem um tanto entediantes.
- Não se sente impressionada com a Família Real, lady Gina?
- Não sou facilmente impressionável. São pessoas muito belas, porém muito... dedicadas. - E emprestando um sutil tom de escárnio à própria voz. - Prefiro me dedicar a algo mais tangível do que a honra e o dever.
- E quanto à lealdade, lady Gina?
Ela lhe voltou o olhar outra vez. Deboque a fitava com intensidade, tentando ver dentro e através dela.
- Posso ser leal. - começou, tocando com a língua a borda do copo. - Conquanto me seja lucrativo. - Aquilo era um risco, sabia. Deslealdade era punida com a morte na organização de Deboque. Aguardou, impassivelmente fria, apesar de uma gota de suor lhe descer pelas costas.
Deboque a estudou por alguns instantes e em seguida jogou a juba grisalha para trás, gargalhando. Gina sentiu cada músculo de seu corpo relaxar de alívio.
- Uma mulher sincera. Admiro isso. Sim, aprecio essa qualidade muito mais do que juras e promessas. - Tragou o cigarro francês e em seguida expeliu a fumaça. - Seria vantajoso para eu continuar a ser lucrativo para alguém com suas habilidades e ambições.
- Não esperava menos de você. Dou preferência ao ramo executivo, se me entende, monsieur Deboque, mas estou abrindo meu próprio caminho. Delegar e organizar não é tão recompensador quanto executar, não acha?
- De fato. - Ele a estudou mais uma vez, pensativo. Ela parecia ser moderada, educada e com recursos. Preferia a aparência externa calma e despretensiosa em uma mulher. Pensou em Janet Smithers, a qual usara e descartara há quase uma década.
Lady Gina, pensou, talvez provasse ser bem mais interessante e competente.
- Está conosco há dois anos?
- Sim.
- E nesse tempo provou ser bastante útil. - Deboque se ergueu e retirou um envelope da mesa. - Trouxe-me isto, suponho.
- Sim. - Gina girou o copo de conhaque. - Embora tenha achado o método como ele foi entregue irritante.
- Peço-lhe desculpas. É uma informação interessante, lady Gina, porém temo que incompleta.
- Uma mulher que escreve tudo que sabe em um pedaço de papel perde o valor rapidamente. O que não está aí, está aqui. - Gina apontou um dedo para a têmpora.
- Entendo. - ele admirava um colaborador que conhecia seu próprio valor e o protegia. - Se partirmos da premissa que estou interessado nos sistemas de segurança do palácio real, do Centro de Belas Artes e do museu com o propósito de utilizá-los a meu favor, seria capaz de preencher essas lacunas?
- Claro.
- E se eu lhe questionasse como conseguiu tal informação?
- Esse é o propósito de minha estada em Cordina.
- Um deles. - Intrigado, Deboque bateu com o envelope na palma da mão. - Foi de grande valia se tomar amiga da princesa Eve.
- De grande valia, mas não difícil. Ela ansiava por uma companhia feminina. Sou talhada para o papel. Brinco com sua filha, escuto-a desabafar sobre os medos e queixas que a atormentam. Por lhe aliviar a carga de trabalho, adquiri também a gratidão do príncipe Alexander. Teme que a esposa se esforce enquanto está grávida.
- Eles confiam em você?
- Sem restrições. E por que não haveriam de confiar? - acrescentou ela. - Sou de família respeitável e minha formação dispensa comentários. O príncipe Tiago me vê como a jovem prima da mulher falecida. Como meu perdão, monsieur, não foram essas as razões pelas quais me escolheu para infiltrar no palácio?
- Sim, foram. - Deboque se recostou no assento da cadeira. Aquela mulher o agradava, mas estava longe de lhe despertar total confiança. - Ouvi dizer que o jovem príncipe está interessado em você.
Algo dentro dela congelou.
- Sua rede de informações é admirável. - Gina volveu o olhar ao copo vazio e o inclinou em direção a Deboque, que se ergueu imediatamente para repor a bebida.
Foi o tempo que Gina precisou para se recompor.
- Harry está, estou certa de que é de seu conhecimento, interessado em qualquer mulher que se encontrar ao alcance de suas mãos. - Emitiu uma risada baixa, tentando não se odiar por aquilo. - É apenas um menino mimado. Concluí que o modo mais simples de lidar com ele é mostrando desinteresse.
Deboque anuiu de modo lento.
- Para que ele a persiga.
- Alguns homens são mais cômodos se mantidos sob certas circunstâncias.
- Desculpe-me se pareço muito pessoal, mas o que quer dizer com "cômodo"?
- Ele é um tanto entediante e incauto. A franqueza do jovem príncipe pode ser útil. Acredito que algumas informações interessantes podem ser extraídas dele. Foi ele quem me levou ao Centro de Belas Artes e à base naval em Le Havre. - Gina sorveu outro demorado gole do conhaque. Deboque já deveria estar ciente de seu tête-à-tête com Harry no museu. Portanto, usaria o conhecimento de seu oponente e distorceria a verdade. - Foi apenas uma questão de fazer perguntas e expressar interesse no modo como os museus guardam seus tesouros. Com isso, fui apresentada aos sistemas, alarmes, monitores e sensores. - Fez outra pausa, deixando a informação penetrar na mente de Deboque. - Quanto mais uma mulher demonstra ignorância, mais aprende.
Ele aqueceu o conhaque nas mãos.
- Hipoteticamente, se me compreende, a segurança do palácio pode ser burlada?
Até que enfim, pensou Gina, estavam chegando ao ponto crucial.
- Hipoteticamente, qualquer segurança pode ser violada. Eu diria que Rony MacGee desenvolveu um admirável sistema, porém, não invencível.
- Interessante. - Deboque pegou um objeto de porcelana em forma de falcão, e o observou. O aposento imergiu em silêncio por tempo suficiente para que Gina concluísse que ele estava tentando deixá-la nervosa. - Tem alguma teoria de como minar aquele tal sistema?
- De dentro. - retrucou ela, sorvendo outro gole do conhaque. - É sempre possível, do interior.
- E quanto ao Centro?
- A mesma coisa.
- A peça que a princesa escreveu será encenada dentro de alguns dias. Seria divertido causar uma certa perturbação.
- De que natureza? - Ele apenas sorriu.
- Oh! Estou apenas falando teoricamente, você entende. Ao que parece, a Família Real se sentiria desconfortável se algo atrapalhasse a estréia. Detestaria perder isso. Estará lá?
- Minha presença é esperada. - Precisava pressioná-lo a algo definitivo. - Prefiro saber por que porta entrar, monsieur.
- Então deve ser esperta o suficiente para permanecer na platéia. Não gostaria de perdê-la agora que nos aproximamos.
Gina tinha ciência daquilo, porém, sabendo que ele solicitaria as demais estatísticas e em seguida a dispensaria, mudou de estratégia.
- Apenas por curiosidade pessoal, posso lhe perguntar por que tanto interesse na Família Real? Intriga-me, pois vejo muito de mim em você. Uma pessoa mais interessada nos lucros do que em vantagens pessoais.
- O lucro é sempre desejável. - Deboque colocou o falcão de porcelana na mesa. Possuía mãos que pareciam capazes de tocar violino ou escrever sonetos. Raramente matavam. Apenas gesticulavam para que outros o fizessem. - Vantagens pessoais podem ter muitas variáveis, n'est-ce pas?
- Conquanto que satisfatórias. - concordou ela. - Usar o seqüestro da princesa Hermione ou as ameaças aos Bisset para alavancar sua liberdade foi justificável. Mas não está mais na prisão. - Mais uma vez Gina deixou o olhar admirado vagar pelo aposento. - Pensei que iria se dirigir a águas mais promissoras.
- Todo negócio deve ser concluído. - Pela primeira vez Gina percebeu um reflexo de emoção, quando os dedos longos apertaram o copo. - Todos os débitos devem ser pagos. A importância de dez anos é muito alta. Os juros de dez anos são bastante altos. Não concorda?
- Sim. Vingança, ou retribuição, se preferir. Entendo que isso é tão doce quanto diamantes. - Volvendo-lhe o olhar, Gina percebeu que nada o impediria de seguir com ela. - Monsieur, providenciou para que eu fosse infiltrada no palácio. Pretendo continuar lá até que dê uma ordem contrária, mas prefiro fazer isso com certa orientação. - Gesticulou com a palma da mão para cima. - A vingança é sua, não minha. E não costumo trabalhar às cegas.
- Um homem que põe todas as cartas sobre a mesa perde a vantagem.
- Concordo. Assim como um homem que não afia suas ferramentas e não as usa onde seriam mais vantajosas. Estou dentro, monsieur. Possuir algum esquema seria útil.
Pretendia utilizá-la. E bem. Recostando-se ao espaldar da cadeira mais uma vez, Deboque juntou as mãos, formando uma torre. Os diamantes emitindo faíscas. Fracassara duas vezes antes ao usar os Bisset para seus propósitos. Não conseguira fazer Tiago se dobrar diante dele. Não obstante o que devesse ser feito, quem quer que tivesse de usar, não falharia dessa vez. Encontrara o instrumento para alcançar seu objetivo em Gina.
- Deixe-me fazer-lhe uma pergunta: se um homem pretende destruir outro, o que deve fazer?
- O mais simples é acabar com a vida do outro.
Deboque sorriu, e naquele momento Gina viu o ser demoníaco. Revestido de vidro, disfarçado de elegância, porém real.
- Não sou um simplista. A morte é terminal e, mesmo quando lenta, logo acaba. Para destruir um homem, a alma, o coração, é necessário mais do que uma bala no cérebro.
Gina sabia que ele estava se referindo a Tiago. Não era o momento de pedir para que citasse nomes ou revelasse seus planos. Deboque nada diria, e desconfiaria dela. Pensando assim, pousou o copo e tentou pensar como aquele homem.
- Para destruí-lo verdadeiramente tem de tomar o que é mais precioso para ele.
O coração de Gina começou a bater na garganta, suscitando-lhe uma onda de náusea. Ainda assim, quando falou, aparentou fria admiração.
- Os filhos?
- É tão inteligente quanto graciosa. - Inclinando-se, Deboque pousou a mão sobre a dela, fazendo-a sentir o movimento obscuro e vil da morte. - Para fazer um homem sofrer, destruir-lhe a alma, tem de privá-lo do que mais ama e deixá-lo viver sem aquilo. Os filhos e os netos mortos e o país imerso em caos não lhe deixará nada a não ser a miséria. E um país sem um herdeiro se toma instável e lucrativo para alguém perspicaz.
- Todos. - murmurou Gina. Pensou na pequena Marissa, tão bela e meiga e em Dorian, com seu rosto sempre sujo e seu sorriso luminoso. De repente, o temor por eles se tomou tão intenso e vital que Gina pensou estarem refletidas em seus olhos. Baixou-os, fitando a mão que cobria a dela e o brilho dos diamantes. - Todos eles, monsieur? - Quando julgou poder confiar em si mesma outra vez, ergueu o olhar para fitá-lo. Deboque estava sorrindo. À luz tênue dos candelabros parecia tão pálido quanto um fantasma, porém infinitamente mais amedrontador. - Não será uma tarefa fácil, mesmo para alguém com o seu poder.
- Nada valioso é simples, minha querida. Porém, como você mesma disse, nada é impossível. Especialmente com alguém confiável e por perto.
Ela ergueu a sobrancelha. Não estremeceu ou se retraiu. Negócios, disse a si mesma. Lady Gina era toda negócios. Ele estava lhe oferecendo um trabalho, o mais vital que poderia.
- Foi cuidadosamente escolhida, lady Gina. Por mais de dez anos acalentei um sonho. Acredito que seja o instrumento para tomá-lo realidade.
Ela comprimiu os lábios, como que considerando o assunto, enquanto a mente trabalhava adiante. Deboque lhe apresentava um contrato de grande magnitude. Enquanto Gina permanecia calada, os dedos longos deslizavam sobre os dela, suaves. Como uma aranha, pensou ela, uma bela e inteligente aranha.
- Tal responsabilidade é pesada para alguém em minha posição dentro da organização.
- Isso pode ser revisto. Bouffe está... se aposentando. - afirmou Deboque em tom suave. - Precisarei de um substituto.
Gina deixou a mão parada sob a dele, enquanto com a língua tocava o lábio superior.
- Uma garantia, monsieur.
- Minha palavra.
Ela exibiu um breve sorriso.
- Monsieur.
Com um gesto de cabeça, Deboque anuiu e se ergueu, pressionando um botão em sua mesa. Em segundos, Ricardo apareceu.
- Lady Gina substituirá Bouffe. Tome as providências necessárias. E discretamente.
- Claro. - Os olhos verdes pálidos se semi-cerraram demonstrando certa satisfação.
Gina esperou até a porta se fechar. A vida de um homem fora descartada.
- Chegará o dia em que decidirá me substituir com a mesma casualidade.
- Não, se continuar a me agradar. - Deboque ergueu a mão dela mais uma vez e a beijou. - E tenho o pressentimento de que o fará.
- Devo lhe dizer, monsieur, que não me agrada matar crianças.
Os dedos longos se apertaram em tomo da mão de Gina de modo sutil, mas ela não se incomodou.
- Acredito que serão necessários cinco milhões de dólares para superar essa aversão.
Gina podia ver refletido nos olhos negros: ele poderia lhe quebrar os dedos com a mesma facilidade com que os beijava. Sendo assim, fitou-o com firmeza, esperando que não tivesse abusado da sorte.
- É o dinheiro que a seduz, ma petite?
- Não seduz. Agrada. E gosto de me sentir agradada.
- Tem duas semanas para me agradar, lady Gina. E, então, poderei lhe devolver o favor. - Deboque manteve a mão dela nas suas, enquanto a ajudava a se levantar. - Agora, como uma demonstração de confiança, o que deixou de notar neste aposento?
Omitindo os detalhes, Gina se preparou para mentir.
Sentia-se exausta. Em uma década de missões, nada a deixara tão vazia e suja. Enquanto guiava o carro através dos portões do palácio, tudo em que conseguia pensar era em um banho quente, onde poderia eliminar quaisquer traços da colônia de Deboque.
Rony estava a trinta metros do portão. Gina parou o carro e esperou que ele deslizasse para dentro.
- Demorou muito. - Ele a estudou demorada e detalhadamente. - Não estava nos planos ficar inacessível por mais de uma hora.
- Estava nos meus planos chegar até Deboque.
- E conseguiu?
Gina abriu um pouco mais a janela do carro.
- Encontrei-o em um iate, o Invencível. Está ancorado a cinco milhas a noroeste. Tem pelo menos seis seguranças armados, porém arriscaria dizer que deve ter o dobro. Está de posse da informação que queríamos lhe passar. Estou substituindo Bouffe.
As sobrancelhas de Rony se ergueram.
- Deve tê-lo impressionado.
- Era o objetivo. - Gina imaginou quando conseguiria se livrar do sabor do conhaque de Deboque que permanecia em sua boca. - Está planejando algo para o dia da estréia da peça. - Percebendo Rony tencionar, continuou. - Acho que não será nada diretamente contra a Família Real. Deboque pensa que será divertido criar confusão. É muito cauteloso com o que fala. Não menciona nada de forma direta. Mesmo que eu testemunhe contra ele, seria difícil condená-lo por conspiração. Ele faz suposições e conjecturas o tempo inteiro.
- Deu-lhe alguma idéia onde pretende dar a cartada final?
Por um momento, Gina escutou o canto triste de um pássaro.
- Seu maior interesse parece ser o palácio. É o maior desafio. Temos duas semanas.
- Agirá dentro de duas semanas?
- Foi o prazo que me deu para matar sua família. - Ela se voltou para Rony e percebeu a palidez na face dele. - Todos vocês, menos Tiago. As crianças, todo mundo. Deboque quer destruir a alma de Tiago e deixar Cordina sem herdeiro. Se confia em meu julgamento, parece-me que ele busca nisso mais satisfação pessoal do que os lucros que poderá obter quando Cordina estiver imersa no caos.
Rony retirou um cigarro do bolso, mas não o acendeu.
- Confio em seu julgamento.
- Temos duas semanas para impedi-lo, ou convencê-lo de que fiz o que ele desejava.
Era de sua família que ela estava falando. Seu coração. Ainda assim, sabia que tinha de pensar de modo frio como Gina.
- Estará ele preparando uma armadilha para você?
Ela pensou por alguns instantes e meneou a cabeça em negativa.
- Acho que não. É mais provável que queira me eliminar depois que eu conclua o trabalho, mas acho que continuará me usando. Fizemos um bom trabalho, plantando informações sobre mim, e nos últimos dois anos o poupei de muitos problemas e despesas. Se Deboque acredita que sou capaz de cumprir a missão, esperará sentado que eu o faça.
- Teremos de informar Tiago sobre isso.
- Eu sei. - Mas não Harry. Apenas Tiago.
- Por enquanto, continue a agir normalmente. - Rony gesticulou para que ela continuasse a dirigir. - Precisaremos de algum tempo.
- A estréia da peça de Eve acontecerá dentro de alguns dias.
- Conseguiremos. Precisa dormir. Tão logo tenhamos instruções, entrarei em contato com você.
Gina saltou do carro. Em seguida, como Rony permanecia parado do outro lado, estacou.
- Eu o quero. Desejo eliminá-lo sozinha. Sei que não é profissional e é estúpido, mas, se tiver chance, se encontrar um modo, vou tirá-lo de cena sozinha.
Rony permaneceu em silêncio enquanto ela subia a escada. Fizera o mesmo juramento para si mesmo.
Agradecimentos especiais:
Thamis No mundo ........: A Gina não precisou do Harry não, ela sabe se cuidar perfeitamente bem sozinha, na verdade ela é quem vai salvar a vida do Harry em breve. Beijos.
Nanny Black: acho que agora já deu pra perceber mais ou menos como as coisas são, a Gina é uma agente disfarçada que vem trabalhando infiltrada a dois anos nas organizações do Deboque, Beijos.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!