Capítulo Cinco
Capítulo Cinco
Gina quase nunca ansiava parecer bela. A beleza da sua profissão residia no fato de ser pouco notada, passar quase despercebida. À medida que os anos passavam, ressentira-se uma vez ou outra, mas apenas quando pensava em cores suaves e vestidos vaporosos. Sempre era possível libertar esse desejo, quando tirava folga ou saía do país. Então, podia mudar a aparência com uma escolha mais detida de cores e cortes e lançar mão de um pouco de maquiagem.
Mas no momento não podia se dar a esse luxo.
Sabia que todos estariam maravilhosos para o jantar de Eve. Os eventos no palácio eram sinônimo de elegância, até mesmo de extravagância.
Não tinha dúvida que todas as mulheres naquela noite se esforçariam para estar à altura da ocasião. Todas as mulheres, menos ela, é claro.
Gina tivera a oportunidade de ver o brilhante traje de Eve, com sua saia vaporosa da cintura ao tornozelo e a ousada parte de trás drapejada. Hermione usaria algo delicado, sem dúvida, que acentuaria sua aparência frágil e feminina.
E havia Chantel O’Hurley. Tinha certeza que a atriz estaria deslumbrante, trajasse seda ou aniagem. Lembrou-se de como Harry fitara a loura, enquanto descia a escadaria do Centro rapidamente.
Isso não importava.
Importava muito.
Dissertando sobre si mesma, Gina escolhera o melhor dos piores, usando um vestido cor de lavanda clara com um corpete exagerado que depunha contra suas curvas.
Os cabelos soltos lhe conferiam a aparência de uma puritana atrevida. Uma imagem que não passaria despercebida, pensou. Com um pequeno suspiro, reuniu os cabelos para começar a laboriosa tarefa de prendê-los em uma trança.
Quando estavam aninhados na base do seu pescoço, Gina sentiu-se satisfeita por ter subjugado qualquer traço de sexualidade. Agora, sim, estava perfeitamente apresentável.
Não podia haver pesar, disse a si mesma enquanto ocultava a pistola na bolsa de noite. O dever vinha primeiro que o desejo pessoal, e, por certo, muito à frente da vaidade.
Ele a aguardava. Os convidados se encontravam na Salle des Miroirs, onde garçons com sobretudos curtos serviam aperitivos.
Ambos, o elenco e a equipe de funcionários da produção de Eve, foram convidados, de forma que a conversa era um burburinho excitado.
Embora impaciente e distraído, Harry cumpria seu dever sem hesitação. Havia sempre perguntas educadas a serem feitas, uma mão a ser beijada e uma piada da qual rir. Em circunstâncias habituais, a festa o estaria divertindo e o mantendo entretido, mas...
Onde estava ela? O príncipe sentiu-se sufocado dentro das roupas de noite que normalmente usava sem se incomodar. Ao seu redor, as mulheres brilhavam. Seus perfumes se complementavam, misturando-se em uma fragrância exótica, que não conseguia tentá-lo. Desejava um momento a sós com Gina. Não fazia a menor idéia de por que aquilo era tão importante, mas desejava essa chance desesperadamente.
Mantinha um olho na entrada enquanto conversava com a figurinista do elenco. Seu olhar se fixou brevemente no relógio de ouropel, enquanto ouvia o diretor falar sobre o potencial da peça de Eve.
- Procurando por mim? - a voz provocante soou ao seu ouvido, acompanhada de uma nuvem de perfume.
- Chantel. - Harry beijou-lhe a face antes de se afastar para admirá-la melhor. - Encantadora, como sempre.
- Faço o que sei fazer de melhor. - Sorrindo, ela aceitou um copo de um garçom que passava. O ousado decote do vestido branco deixava-lhe os tentadores ombros à mostra, antes de fechar seguindo até a cintura e acentuando suas sutis curvas. - Sua casa é tudo que dizem ser. - Ela ergueu o copo aos lábios, enquanto seu olhar passeava sobre dúzias de espelhos antigos que decoravam as paredes. - E que inteligente da parte de vocês escolher este salão para entreter um grupo de atores narcisistas.
- Também temos nossos momentos. - Harry olhou além da atriz, por um momento, mas não percebeu sinal de Gina. - Assisti ao seu último filme. Estava magnífica.
Para uma mulher acostumada a absorver toda a atenção de um homem, Chantel percebia, quase instintivamente, quando tinha apenas parte disso. Mesmo assim, sorriu e especulou:
- Ainda estou esperando que volte a Hollywood.
- Você parece estar muito ocupada no momento. - Ele retirou um isqueiro do bolso para acender o cigarro dela. - Como consegue dividir seu tempo entre estrela de tênis, negociante do ramo de petróleo e produtora?
Chantel inclinou a cabeça enquanto exalava uma pequena baforada de fumaça.
- Oh! Do mesmo modo, imagino, que você divide o seu entre condessas, marquesas e... era uma garçonete em Chelsea?
Rindo, Harry colocou o isqueiro de volta no bolso.
- Ma chère amie, se nós desfrutássemos de todos os incríveis e incontáveis romances que a imprensa nos atribui, estaríamos hospitalizados.
Com um afeto verdadeiro que sentia por poucos homens, Chantel tocou a face do príncipe.
- Para qualquer outra pessoa, eu diria fale por si mesmo. Porém, já que nunca fomos amantes, embora as manchetes de jornais afirmem o contrário, eu lhe pergunto como vão as coisas para você, romanticamente falando.
- Confusas. - naquele instante, através do espelho oval acima do ombro de Chantel, ele viu Gina entrar no salão. Parecia uma pomba perdida em meio a um grupo de pavões. - Muito confusas. Poderia me dar licença por um momento, amor?
- Claro. - Ela percebeu a direção que o olhar de Harry tomara. - Boa sorte.
Uma vida inteira de experiência lhe permitia deslizar por entre os grupos de pessoas, trocando uma palavra rápida, um sorriso ou uma desculpa murmurada, sem deixar para trás qualquer ofensa. Em menos de um minuto, após Gina se estabelecer em um canto, ele estava a seu lado.
- Bonsoir, lady Gina.
- Alteza. - Ela usou o título dele e o reverenciou como o protocolo exigia.
Harry segurou-lhe as mãos e a fez assumir a postura normal, dispensando a formalidade.
- É comum, quando uma mulher está atrasada, ao entrar em um lugar, mostrar-se, em vez de ficar escondida em um canto.
Maldição, aquele homem fazia seu pulso acelerar. Mesmo tentando se acalmar, Gina percebeu que mais de uma cabeça virara na direção dos dois. Depois de tanto esforço para passar despercebida!
- Prefiro observar em vez de ser observada, senhor.
- Eu prefiro observá-la. - Harry sinalizou a um garçom, então pegou um copo da bandeja e o ofereceu a ela. - Você se move bem, Gina. É capaz de andar em uma sala vazia sem fazer ruído.
Aquilo tinha muito a ver com seu treinamento de tae kwon do e as lições de balé na infância.
- Aprendi a não provocar distúrbios. - Ela aceitou o copo porque dessa forma livrava uma das mãos. - Obrigada. Que salão adorável. - As palavras foram proferidas num tom casual, como o olhar de relance que ela lançou sobre os convidados. Seu reflexo no espelho foi lançado de volta uma dúzia de vezes. O seu e o de Harry, juntos.
- Sempre fui parcial com isso. - Agora que Gina estava ali, ele estava feliz. Quase sempre ouvia o clique de coisas se encaixando em seus próprios lugares, quando estavam de mãos dadas. - Como já lhe disse, foi outro Harry, algumas gerações atrás, que começou a coleção. Parece que ele era miseravelmente vaidoso, sem muito motivo, e continuou comprando espelhos com a esperança de que um lhe contasse uma história diferente.
Gina não foi capaz de conter o riso. Por um momento, sentiu como se pertencesse àquele lugar, com vestidos, espelhos e glamour.
- Eu diria que você acaba de inventar essa história, mas soa bastante tola para ser verdadeira.
- Tem a risada mais atraente que já ouvi. - ele murmurou. - É uma risada que me lembra como você fica com os cabelos soltos e os olhos obscurecidos.
Não podia permitir tal coisa, pensou Gina. Então, disse a si mesma que era tola por se deixar comover, sabendo o quanto ele era experiente com mulheres. E mais tola ainda por se deixar apanhar com a guarda baixa, quando sabia que o jogo que estavam jogando era demasiado perigoso. Dessa vez sua voz soou fria e formal:
- Não deveria estar dando atenção aos seus convidados?
- Eu estava. - Harry deslizou o dedo polegar suavemente sobre as juntas da mão dela. Era um gesto pequeno e íntimo que a fez desejar uma vez mais ter se arrumado melhor para ele. Que pudesse, mesmo simples, ter sido para ele. - Enquanto esperava por você.
Ele se aproximou. Pelo fato de ter se colocado em um canto, não havia como fugir.
- Seu perfume é delicioso.
- Harry, por favor. - Ela quase espalmou a mão no tórax dele, antes de se lembrar que estavam sendo observados. Em sua defesa, ergueu o copo e o levou aos lábios.
- Gina, não posso deixar de lhe dizer o quanto me agrada vê-la nervosa. As únicas vezes que fica insegura é quando me aproximo de você.
Era verdade, e uma pílula amarga de engolir para uma mulher que sobrevivia graças à segurança que depositava em si mesma.
- As pessoas estão nos observando.
- Então venha me encontrar nos jardins, onde podemos ficar a sós.
- Não acho que seja uma boa idéia.
- Tem medo que eu a seduza?
Havia diversão e arrogância no tom do príncipe, mas quando Gina o fitou, também percebeu um brilho de desejo em seu olhar. Ela tomou um gole da bebida novamente para umedecer a garganta seca.
- Não tenho medo. Pouco à vontade parece um termo mais adequado.
- Eu sentiria um grande prazer em deixá-la pouco à vontade, Gina. - A voz do príncipe soou baixa, uma carícia acompanhando o roçar dos seus lábios sobre os dedos dela. - Quero fazer amor com você em algum lugar escuro, tranqüilo, de modo lento e suave.
Uma onda de desejo a invadiu, fazendo-a lutar para conter um tremor de antecipação. Poderia ser assim, com ele, poderia ser. Se pelo menos...
Não podia haver "se" em sua vida, Gina pensou. Isso significaria incerteza, e incerteza era letal. Esforçando-se para controlar o nervosismo, ela o encarou. Em seus olhos havia desejo... mas também uma bondade, uma doçura que poderiam acabar por destruí-la. Podia se maravilhar pelo fato de o príncipe sentir algo real por ela e, de alguma maneira, enxergar além da superfície e se interessar.
Podia desejar tal coisa, mas não aceitar. Só havia um modo de parar o que nunca deveria ter começado: teria que magoá-lo, e faria isso naquele momento.
- Estou certa de que deveria sentir-me lisonjeada. - A voz soou fria e calma outra vez. - Mas, se me perdoa, senhor, sei que seus gostos não são muito seletivos.
Os dedos de Harry enrijeceram antes de libertar-lhe a mão. Gina pôde perceber pelo olhar dele que a seta acertara seu alvo.
- Apreciaria uma explicação para isso.
- A explicação parece óbvia. Por favor, deixe-me passar, ou vai provocar uma cena.
- Já provoquei outras antes.
Havia algo novo em sua voz agora. Era raiva, por certo, mas uma raiva despreocupada, negligente. Gina sabia que se não jogasse com precisão imediatamente veria seu nome estampado nas manchetes por brigar com Harry em público.
- Muito bem. - Colocando o copo sobre uma mesa próxima, cruzou as mãos no seu jeito habitual. - Sou mulher e, portanto, posso despertar algum interesse. Para ser franca, tal interesse não é recíproco.
- É mentira.
- Não. - Ela o cortou num tom firme. - Embora seja difícil para um homem como você entender, sou uma mulher simples, com valores simples. Como você mesmo me disse, sua reputação o precede. - Ela fez uma pausa bastante longa para vê-lo estremecer. Oh, Harry, sinto muito. Sinto muito. - Não vim a Cordina para distraí-lo. - murmurou, dando um passo para o lado.
O príncipe ergueu a mão de repente para detê-la e ela esperou.
- Você não me distrai, Gina.
- Então, imploro que me perdoe. - Sabendo que parecia mais um insulto do que uma cortesia, ela se curvou em uma mesura. - Se me dá licença agora, senhor, eu gostaria de falar com Eve.
Harry a impediu de se afastar. Gina podia sentir a fúria dele através das pontas dos dedos e queimando-lhe a carne. Então, de um momento para o outro, virou gelo.
- Não vou segurá-la aqui. Aproveite a noite.
- Obrigada.
Desprezando-se, Gina passou pela multidão. As luzes pareciam brilhantes, disse a si mesma. Talvez fosse porque seus olhos estavam marejados de lágrimas.
- Lady Gina, boa noite. - Rony aproximou-se e tomou-a pelo braço. - Gostaria de um pouco de vinho?
- Sim, obrigada. - Acompanhando os passos dele, aceitou o copo que ele lhe ofereceu.
- Já viu esta coleção de espelhos? Sempre achei estes três particularmente impressionantes. Você está bem? - acrescentou a meia voz.
- Sim, são adoráveis. E estou bem.
Rony fechou a mão ao redor da ponta de um cigarro, olhando ao redor casualmente para se certificar de que ninguém os estava ouvindo.
- Parece que andou tendo alguns problemas com Harry.
- Ele é insistente. - Gina tomou um gole do vinho, pasma porque seus nervos ainda não haviam se acalmado. - Por certo, este aqui data do século XVIII.
- Gina. - Rony lhe mostrou outro espelho enquanto caminhavam, mas seu tom de voz ficou mais suave. - Trabalhei com seu pai quando passei pelo SSL. Isso me faz sentir quase como da família. Você está bem?
- Eu ficarei. - Respirou fundo e sorriu como se ele tivesse dito algo divertido. - Eu o magoei, e não gostei do que fiz.
Rony afagou-lhe a mão num gesto casual. O toque era reconfortante como um abraço.
- É difícil levar a cabo uma missão sem ferir alguém.
- Sim, eu sei que os fins justificam os meios. Não se preocupe, farei meu trabalho.
- Não estou preocupado.
- Ajudaria bastante se você cuidasse para manter Harry ocupado durante a próxima semana ou mais. As coisas podem se agravar e eu não preciso dele...
- Distraindo-a?
- Interferindo. - corrigiu Gina. Em seguida, olhou através de um dos espelhos e viu Harry com Chantel. - Embora eu possa muito bem cuidar disso sozinha. Com licença.
Harry conduzia o cavalo velozmente, mas mesmo assim não conseguia o nível de satisfação que buscava. Blasfemando, mergulhou no caminho sinuoso, mas nem alegria nem excitação cavalgavam ao seu lado. A raiva não deixava espaço para tal.
Estava sofrendo por ela. Amaldiçoou-a inúmeras vezes, mas continuava sofrendo por ela. Nos dias que se seguiram desde aquele em que ela o evitara, a dor não aliviara. Agora estava encoberta com auto-desprezo e raiva, mas não diminuíra.
Tentou se convencer de que aquela mulher era uma puritana fria, sem sentimentos, sem generosidade ou coração. Então, lembrou-se dela na praia, com uma concha na mão, os olhos brilhando alegremente com o vento soltando os grampos que lhe prendiam os cabelos.
Disse a si mesmo que ela era dura como uma pedra, e insensível! Então, lembrou-se da maciez dos lábios dela sobre os seus quando os provara. Amaldiçoou-a mais uma vez e galopou mais rápido.
O céu estava carregado de nuvens negras, mas ele as ignorou. Era a primeira vez em dias que pudera se livrar das obrigações por tempo suficiente para sair com Drácula e cavalgar mais do que o exercício básico. O vento assobiou e revolveu o oceano, provocando ondas altas que açoitavam a costa.
Desejava a tempestade. Deus, como desejava o vento, a chuva e os trovões! E desejava Gina.
Imbécile! Só um tolo desejaria uma mulher que não lhe oferecia nada em troca. Só um louco pensaria em maneiras de obter o que já lhe fora negado. Já se dissera isso antes, mas mesmo assim se pegava sonhando em como pegá-la e levá-la para algum lugar até que encontrasse o jeito certo de lhe mostrar... De lhe mostrar o quê? Perguntou-se. Mostrar-lhe que era diferente com ela?
Que mulher acreditaria naquilo?
Dúzias, pensou, e a própria risada ecoou, amarga. Podia até provar tal coisa. Mas agora que era verdade, quando era importante para ele, aquela mulher não acreditaria.
Tudo porque agira como um idiota. Puxando as rédeas, fez o garanhão parar na beirada de um precipício e contemplou o mar. Fora insistente e precipitado. Era simples admitir que agira dessa forma porque nunca encontrara muita resistência antes. As mulheres se atiravam aos seus pés por causa do seu título e da sua posição.
Não era tão convencido ou tão tolo a ponto de não reconhecer isso. Mas também as atraía porque as apreciava. Gostava da suavidade, do humor e das vulnerabilidades femininas. Também era verdade que não tivera tantos casos quanto lhe atribuíram, mas muitas mulheres passaram pela sua vida para ele entender que os romances não eram nada simples.
Gina era jovem, sem experiência, fechada. O termo "lady" não era somente um título, mas um estilo de vida. Até onde os homens estavam envolvidos, era de se duvidar que ela tivesse afastado os olhos dos livros tempo suficiente para manter um relacionamento sólido.
Com outro xingamento, Harry deslizou os dedos por entre os cabelos desalinhados pelo vento. E o que fizera? Tentara seduzi-la durante o jantar de Eve. Como podia esperar que uma mulher da estirpe e sensibilidade de Gina não se sentisse insultada? Fizera a mais desajeitada e talvez a mais grosseira das proposições.
Drácula começou a se mover impaciente, mas ele o controlou com pulso firme, enquanto observava a tormenta se formar lentamente no horizonte.
Não lhe contara, jamais tentara lhe contar o que sentia por ela. Só o fato de conversar com ela, olhar aquela face solene e de modos serenos o excitava mais do que qualquer mulher exótica ou extravagante antes. Era algo mais profundo. Nunca lhe dissera que com ela estava a ponto de acreditar no amor, que não julgara existir.
Agora não poderia mais fazer nada disso, depois que a insultara. Mas podia fazer qualquer outra coisa. Um sorriso curvou-lhe os lábios no instante em que as primeiras gotas de chuva caíram no mar. Poderia tentar um novo recomeço.
Harry girou o cavalo quando o primeiro raio cortou o céu. Ambos estavam correndo de volta para casa.
Uma hora depois, com roupas secas e os cabelos gotejando, foi ao berçário. Bernadette o impediu de entrar.
- Perdão, Alteza, mas está na hora de a princesa Marissa cochilar. A princesa está descansando com o bebê.
- Estou procurando lady Gina. - Ele se curvou para perscrutar o quarto, mas Bernadette se manteve firme em sua posição.
- Lady Gina não está aqui, senhor. Acho que foi visitar o museu esta tarde.
- O museu. - Harry ponderou por um momento. - Obrigado, Bernadette.
Antes que a mulher pudesse concluir sua mesura, ele havia partido.
O Musee d'Art era pequeno e adorável como o restante de Cordina. Parecia um minipalácio, com seus pisos de mármore e colunas esculpidas. No salão de entrada principal, um teto alto com clarabóia de vidros coloridos e uma sacada circular davam a ilusão de mais espaço. A partir desse centro, as salas se situavam como raios de uma roda. No andar inferior havia um restaurante com preços modestos, onde os clientes podiam desfrutar da vista dos jardins através de uma ampla parede envidraçada.
Gina chegara cedo, a fim de fazer o levantamento do prédio inteiro. A segurança era reforçada, mas as pessoas que descansavam nos bancos próximos às exposições eram totalmente ignoradas. Grupos escolares eram conduzidos por seus professores, a maioria das crianças mais impressionada pela tarde longe da sala de aula do que com as pinturas e esculturas. Turistas, com panfletos nas mãos, se misturavam em uma confusão de sotaques: francês, italiano, inglês britânico e americano.
Em uma tarde chuvosa de um dia de semana, o museu era um passatempo agradável. Um bom número de pessoas entrava e saía. Gina decidiu que não poderia ter planejado melhor sua tarefa.
No momento em que pediu sua mensagem, caminhava em direção a uma marinha de Monet. Parou tempo suficiente para ler a placa e estudar o trabalho do pintor. Fosse quem fosse que iria encontrar, provavelmente estaria ali, fazendo o próprio estudo do prédio e dela. Com um andar vagaroso, ela foi de pintura a pintura.
Então, viu a aquarela, e seu coração e mente voltaram à sala de música do palácio e a Harry.
Na placa lia-se: "Sua Alteza Sereníssima Princesa Louisa de Cordina." Mas, em letras minúsculas, no canto da pintura, havia a assinatura: Louisa Bisset.
A obra recebera o título simples de La Mer. De fato, era o mar, mas de um ângulo que Gina ainda teria que ver em Cordina. Havia uma queda denteada de penhascos que se estendiam até a orla rochosa. De lá, a areia branca se esparramava até a beirada azul do oceano. Mas as águas não estavam calmas. Naquela pintura, a artista capturara o poder e o perigo. A espuma das ondas se erguia bem alto e no horizonte se formava uma tempestade.
O príncipe achara aquela aquarela guardada em um baú, lembrou-se ela, e teve de resistir ao desejo de tocar a moldura como ele, provavelmente, tocara. Harry a encontrou, pensou outra vez, e talvez tivesse visto nela uma parte de si mesmo.
- Um tema interessante.
A voz a seu lado tinha forte sotaque francês. O contato fora feito.
- Sim, a artista era muito hábil. - Gina deixou cair seus panfletos. Quando se abaixou para pegá-los, olhou ao redor e ficou satisfeita por ninguém estar bem próximo para ouvi-los ou até mesmo notá-los. - Tenho informações.
- Passe-as para mim.
Gina sorriu como se ambos estivessem trocando algumas observações agradáveis sobre a pintura. O homem de estatura mediana tinha uma tez morena, e não possuía cicatrizes. Avaliou que ele estivesse na casa dos 50, embora pudesse ser mais jovem. Certas profissões tendiam a fazer as pessoas envelhecerem mais rapidamente. Não era francês de nascimento. O sotaque germânico era leve, mas ela percebeu, e registrou em sua mente.
- Há certos aspectos de algumas das minhas informações que eu me sinto no dever de revelar pessoalmente ao homem que me paga.
- É contra a política da organização.
- Assim me informaram. Porém, estou ciente do que quase aconteceu seis meses atrás por causa da política. Não pareceu desfavorável quando usei minha própria iniciativa e salvei a organização, digamos, de certos embaraços.
- Mademoiselle, estou aqui apenas para receber sua informação.
- Minha informação é esta. - Antes de falar outra vez, Gina se dirigiu à outra pintura. Novamente, se deteve algum tempo estudando a obra. Ergueu uma das mãos como se fosse mostrar ao seu companheiro uma certa combinação de cores. - Tenho acesso livre ao palácio. Nem eu, nem meus pertences são revistados. Já compilei as estatísticas completas do sistema de segurança em ambos, o palácio e o Centro de Belas Artes.
- Isso será muito útil.
- E será passado ao homem que me paga. Esta é minha política, monsieur.
- Você é paga pela organização.
- E a organização é dirigida por homens. Sei para quem trabalho e por quê. - Ela se virou para ele com um sorriso frio nos lábios, porém bastante calma. Poderiam estar discutindo sobre o tempo. - Não sou boba. A... organização tem certos objetivos. Assim como eu. Estou mais do que satisfeita por saber que esses objetivos se combinam, para nossa mútua satisfação. Quero me encontrar e conversar com a autoridade máxima. Veja se consegue isso o mais rápido possível.
- Algumas pessoas dão um passo e se vêem despencando de um precipício.
- Meus pés estão bem firmes. Pegue isto, s'il vous plaîl. O que sei é de grande valor. O que posso descobrir vale ainda mais. Vai encontrar o bastante para provar o que estou dizendo aqui. - Gina deixou o panfleto cair, mas dessa vez não o pegou de novo. - Bonjour, monsieur. - Com estas palavras, virou-se, sabendo que tal demanda a levaria para a próxima fase da sua missão ou terminaria sumariamente descartada.
Com os nervos formigando, começou a caminhar em direção à saída. Seu coração parou quando Harry entrou.
Dúzias de pensamentos passaram por sua mente em questão de segundos.
Deus, teria sido enganada? Estaria sendo usada para atrair o príncipe a um lugar público? Eles a teriam procurado porque Deboque já havia atacado alguém em algum lugar?
Levou apenas mais um segundo para classificar tais pensamentos como irracionais.
Fora uma simples coincidência, e azar, Harry aparecer por ali.
- Espero que não se incomode se eu lhe fizer companhia. - disse Harry antes que ela pudesse pensar em uma abordagem plausível.
- Claro que não. - Contudo, Gina não ousou olhar para trás para ver se o seu contato ainda estava lá. Sorriu, não muito certa de como se comportar, já que ela e Harry haviam feito um excelente trabalho, evitando um ao outro por vários dias. - O museu ainda é mais bonito do que me disseram.
- Já viu tudo? Ficaria feliz em mostrar-lhe o que faltar.
O príncipe segurou-a pela mão de um modo casual e amigável, que a fez perceber que isso poderia reforçar sua posição se o homem de Deboque os estivesse observando.
Permitindo que seus dedos se entrelaçassem, odiou-se por usar a generosidade de Harry contra ele.
- Poderia passar dias olhando, mas estou um pouco cansada.
Então, ela o viu. O homem passara pela sua visão periférica. Tinha o panfleto que ela lhe dera nas mãos, e embora estivesse de costas para eles, sabia que ele estava ouvindo.
Harry não notou a presença do homem.
- Vamos tomar uma xícara de café no meu escritório. Gostaria de falar com você.
Gina sentiu as lágrimas embaçarem-lhe os olhos. Tudo o que ele dizia, e o modo como dizia, só tornava suas reivindicações mais plausíveis.
- Adoraria um pouco de café. - Ela o deixou conduzi-la pelo braço, sabendo que todos os detalhes seriam relatados a Deboque.
Acompanhados de um guarda-costas silencioso e carrancudo, eles pararam na porta de um elevador. Harry usou uma chave para entrar e a levou ao terceiro andar.
Cruzaram um tapete cinza-claro, passaram por guardas uniformizados em direção a um conjunto de salas. Duas secretárias, uma controlando uma mesa de telefones e outra trabalhando no computador de arte estadual, levantaram-se quando Harry entrou.
- Janine, poderia nos trazer um pouco de café, por favor?
- Sim, Alteza. Imediatamente.
Ainda segurando o braço de Gina, com a outra mão Harry abriu uma porta. No momento em que a fechou, depois que passaram, os murmúrios começaram. Sua Alteza não costumava levar mulheres ao escritório.
Era uma sala que demonstrava pertencer a um homem que amava coisas belas. Cinza e azul se misturavam suavemente às paredes de marfim. Cadeiras acolchoadas convidavam a longas permanências e conversas agradáveis, enquanto um limoeiro ornamental prosperava em um dos cantos. Estantes de vidro abrigavam pequenos tesouros, como uma tigela de porcelana, um cavalo de T'ang, um punhado de conchas, que ela imaginou que o príncipe juntara para si mesmo, e uma xícara pequena lascada que podia ter sido adquirida em um mercado de pulgas.
Embora houvesse uma escrivaninha e uma cadeira antiga bastante eficientes, a essência da sala era relaxante. Gina desejou saber se era ali que ele se isolava quando precisava escapar do palácio e das obrigações do seu título.
- Sente-se, Gina. Se passeou pelo museu inteiro, deve estar em pé há horas.
- Sim, mas adorei. - Ela escolheu uma cadeira em vez do confortável estofado e dobrou as mãos sobre o colo. - Sempre amei o Louvre, mas este é bem mais pessoal.
- O Conselho Diretor e a Câmara de Comércio adorariam ouvir isso. - Harry permaneceu parado, com as mãos nos bolsos, desejando saber como começar a falar. - Se tivesse me dito que viria hoje aqui, eu teria apreciado lhe mostrar o museu pessoalmente.
- Não quis incomodá-lo. Em todo caso, prefiro ficar perambulando a esmo.
Harry estava nervoso, ela percebeu. Isso poderia tê-la agradado em algum recanto do seu ser, se não tivesse descoberto que também estava nervosa.
Fora o encontro com o homem de Deboque, disse a si mesma. Não, era por causa de Harry. Era uma tola em negar tal fato.
- Costuma trabalhar aqui com muita freqüência?
- Quando é necessário. É mais conveniente trabalhar fora do meu escritório em casa. - Harry não queria falar sobre o museu. Enfiou as mãos mais fundo nos bolsos. Desde quando tinha dificuldade para falar com uma mulher? Desde que Gina aparecera em sua vida, pensou aborrecido, e tentou novamente. - Gina...
A batida na porta o fez murmurar um xingamento, enquanto a abria para Janine e a bandeja de café. O bule era prateado e as xícaras de porcelana fina cor de violeta com bordas douradas, ela observou.
- Sim, deixe isso ali, Janine. Eu mesmo servirei.
- Sim, senhor. - A secretária pousou a bandeja sobre a mesa em frente à poltrona e se curvou em uma reverência.
Ciente de ter sido conciso, Harry sorriu para a funcionária.
- Obrigado, Janine. O aroma está maravilhoso.
- Obrigada, senhor. - A porta se fechou atrás dela com um discreto clique.
- Parece que estamos com sorte. - Harry ergueu o bule e verteu o líquido escuro nas xícaras. - Estes docinhos são do restaurante do primeiro andar. São deliciosos. Creme?
- Sim, obrigada. Sem açúcar. - Quanta cortesia entre os dois, pensou ela, à medida que a tensão começava a se espalhar por seu pescoço e ombros. Como dois estranhos em um encontro casual.
- Poderia se sentar aqui se eu prometer me comportar? - Embora o tom de Harry soasse brando, Gina podia sentir a tensão no ar. Ela abaixou a cabeça e olhou para as mãos. Ele não saberia dizer se por vergonha ou timidez.
- Claro. - Erguendo-se, uniu-se a ele, acomodando-se no sofá. Sem, porém, esquecer do café, enquanto o príncipe deixara o dele de lado.
- Gina, peço que me desculpe pelo meu comportamento naquela noite. Não é de admirar que tenha ficado ofendida.
- Oh, por favor, não se preocupe. - Com uma angústia que sequer os anos de treinamento eram capazes de sufocar, colocou a xícara na mesa e começou a se erguer. A mão de Harry a tocou e deteve. - Não quero desculpas. - Lutando para manter o controle, ela se forçou a encará-lo. - Para ser franca, não fiquei ofendida. Apenas fiquei...
- Assustada, então? Isso é da mesma maneira imperdoável.
- Não... quer dizer, sim... - Qual das duas respostas era a certa? Por fim, ela se rendeu. - Harry, a coisa mais verdadeira que posso lhe dizer é que ninguém jamais me deixou tão confusa.
- Obrigado.
- Isso não é um elogio, mas uma reclamação.
- Gina, graças a Deus que está de volta. - Rindo, o príncipe tomou-lhe ambas as mãos e as levou aos lábios. Ao senti-la enrijecer, soltou-as, mas continuou sorrindo. - Amigos?
Ainda cautelosa, ela assentiu com a cabeça.
- Está bem.
- Amigos, então. - Satisfeito por ter superado a primeira barreira, Harry sentou-se outra vez. Esperaria e seria bem mais cauteloso, antes de tentar a segunda investida. - Do que mais gostou no museu?
Gina não confiava nele. Era muito boa no jogo do disfarce para perceber quando alguém estava em ação.
- A atmosfera etérea e sem limites, acho. A maioria dos museus é um lugar sério e solene. Oh, vi outra das pinturas da sua tataravó. Uma marinha. Formidável.
- É uma das minhas favoritas. - Harry estava se policiando para não tocá-la novamente. - Fiquei tentado a colocá-la em meu quarto, só para mim, mas... - encolhendo os ombros, apanhou a xícara de café - Não me pareceu justo.
- E você é justo. - murmurou ela, sabendo que o havia usado.
- Tento ser. - rebateu ele, sabendo que usaria meios justos ou violaria as regras para ganhá-la. - Gina, você sabe montar, não é?
- Sim.
- Cavalgue comigo amanhã de manhã. Tem de ser bem cedo porque o resto do meu dia está cheio. Mas já faz bastante tempo que não tenho companhia para um passeio a cavalo.
- Não sei se posso. Eve...
- Estará ocupada com Marissa até as 10h. - concluiu Harry.
Deus, como ela amaria um passeio. Uma hora de liberdade e movimento.
- Sim, mas prometi ir com Eve ao Centro. Ela tem compromissos lá às 11h.
- A essa hora já estaremos de volta, se estiver disposta a sair bem cedo. - E ele não pretendia perder aquela oportunidade. Harry viu hesitação nos olhos dela e administrou sua vantagem. - Ora, vamos, Cordina é ainda mais bela de manhã bem cedo.
- Certo. - Estava agindo por impulso, pensou Gina, mas poderia desfrutar de uma hora de relaxamento.
Em questão de dias, se encontraria com Deboque. Erguendo a xícara outra vez, tomou um gole do café. Ou estaria morta.
Agradecimento especial:
Thamis No mundo ........: realmente a ruiva não é do mal, mas o fato dela ser uma agente disfarçada vai pegar pesado quando o Harry descobrir, a reação não vai ser das melhores, espere pra ver. Beijos.
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