Capítulo Dois



 


Capítulo Dois


 


- Oh, Gina, estou tão feliz por você ter concordado em ficar por algum tempo. - De braço dado com a nova amiga, Eve contornou o cenário de fundo do teatro. Seu corpo permanecia tão esbelto quanto nos primeiros meses de gravidez, mas o vestido fora habilmente confeccionado de modo a disfarçar o menor ganho de peso. - Alex não precisa me paparicar tanto agora que você está aqui. Ele a acha muito sensata.


- Eu sou uma pessoa sensata.


O riso de Eve inundou seu sotaque lento do Texas.


- Reconheço a importância da preocupação dele, mas você nem sempre fica me dizendo para sentar e pôr os pés para cima.


- Os homens, às vezes, pensam que a gravidez e o parto são uma doença traumática em vez de encará-los como um fato da vida.


- É exatamente isso. - Encantada com a inteligência prática de Gina, Eve a conduziu até o escritório. Com Hermione a maior parte do tempo na América e sua própria irmã visitando-a raramente, de fato ansiava pela companhia de outra mulher para relaxar um pouco. - Alex continua me poupando de tudo achando que vou desmaiar ou me emocionar demais. Nunca me senti tão bem em toda a minha vida, exceto talvez quando estava esperando Marissa.


Jogando a cascata escura de cabelos para trás, Eve sentou-se na extremidade da escrivaninha. Ali, pelo menos, ainda podia desfrutar um pouco da privacidade que perdera quando se casara com um príncipe. Embora nunca lamentasse o sacrifício, às vezes gostava de ficar um pouco sozinha.


- Se você não tivesse vindo, eu teria de lutar com unhas e dentes para continuar trabalhando. Alex só concordou porque achou que você ficaria de olho em mim quando ele estivesse ocupado.


- Então não vou desapontá-lo. - Gina fez uma inspeção rápida no escritório. Nenhuma janela, nenhum acesso externo. Com um sorriso, escolheu uma cadeira. - Sabe Eve, realmente a admiro. O Centro de Belas Artes sempre teve uma boa reputação, mas, desde que você o assumiu, este teatro se tomou um dos mais importantes da Europa.


- Foi o que sempre desejei. - Eve olhou para a aliança de diamantes em seu dedo. Mesmo passados dois anos, às vezes ainda se surpreendia ao vê-la. – Sabe Gina, algumas manhãs quase tenho medo de acordar e ver que tudo não passou de um sonho. Então, olho para Alex e Marissa e penso: eles são meus. Realmente meus. - Seus olhos nublaram por um momento num misto de medo e determinação. - Não deixarei que nada ou qualquer pessoa lhes faça mal.


- Ninguém fará isso. - Os pensamentos de Eve estavam em Deboque, imaginou Gina. A princesa se esforçava para manter seus medos para si. - Agora, sem querer paparicá-la, acho que poderíamos tomar uma xícara de chá, e em seguida você pode me mostrar o tipo de trabalho que posso fazer aqui.


Eve se esforçou para se recuperar dos pesadelos com Deboque, um homem que ela nunca vira, continuava a atormentá-la.


- Chá é uma idéia maravilhosa, mas não a trouxe ao Centro para trabalhar. Achei que gostaria de conhecê-lo.


- Eve, você mais do que ninguém deveria entender que preciso fazer algo ou morrerei de tédio.


- Mas pensei que sua estada aqui pudesse representar umas férias para você.


Gina sentiu uma pontada de culpa.


- Algumas pessoas não são feitas para tirar férias.


- Certo então. Por que não assiste aos ensaios comigo por uma ou duas horas e me dá uma opinião honesta?


- Eu adoraria.


- Ótimo. Estou preocupada com a estréia. Só nos restam mais duas semanas e tive muitos problemas com esse dramaturgo.


- Oh, quem é ele?


Eve respirou fundo.


- Eu.


Gina bebeu o chá e permaneceu no fundo do palco. Não levou muito tempo para perceber que Eve era respeitada não apenas como a esposa do herdeiro do trono, como também por seu conhecimento sobre teatro. Também notou que havia guardas, não muitos, sempre por perto, vigiando-a.


Quando a princesa estava no teatro, todas as entradas eram bloqueadas, a segurança duplicada em todas as portas. Também estava ciente de que uma unidade especial de segurança checava o Centro diariamente à procura de explosivos.


Sentada ao lado de Eve, Gina assistiu ao ensaio. Sempre tivera afeto e respeito pelos atores, porque estava a par do esforço e da habilidade que lhes eram exigidos para atuarem. Agora, enquanto as falas eram ensaiadas e o cenário montado, ela relacionava os membros da equipe com as informações que compilava sobre cada um deles.


Eram de fato talentosos, pensou Gina enquanto estava envolvida com o ritmo e a emoção da peça da amiga. Os cenários ainda estavam inacabados, mas os atores não precisaram de mais do que as palavras de Eve e a própria habilidade para montarem uma cena. Cada um deles tinha uma reputação no teatro e passara por uma completa investigação.


Afinal, fora um ator, Russ Talbot, quem quase levara a cabo a vingança de Deboque dois anos atrás. Gina não podia esquecer que havia uma forte possibilidade de que, assim como ela, alguém poderia ter se infiltrado. Deboque era conhecido por cobrir suas apostas.


- Ela é maravilhosa, não é?


Deixando as conjecturas de lado, Gina olhou para Eve.


- Desculpe, não estava prestando atenção.


- Chantel O’Hurley. Ela é primorosa. - Remexendo-se na cadeira, Eve curvou-se sobre o espaldar do assento à sua frente. - Raramente faz peças de teatro, logo temos sorte de tê-la conosco. Tenho certeza de que já a viu atuando em filmes na Inglaterra.


- Sim. - Gina concentrou toda sua atenção na loura curvilínea no centro do palco.


Chantel O’Hurley! Ela fez uma pausa para lembrar de tudo que leu no arquivo da atriz. Vinte e seis anos. Estrela de cinema norte-americano. Residência, Beverly Hills. Filha de Francês e Margaret O’Hurley, artistas ambulantes. As irmãs, Abigail e Madeleine. Irmão, Trace.


Gina fez uma careta e continuou assistindo. Tinha muita informação sobre a família inteira de O’Hurley, exceto sobre o irmão. Aí suas fontes minguaram. Em todo caso, Chantel O’Hurley era uma atriz talentosa, com uma lista impressionante de filmes em seu currículo e nenhuma ligação conhecida com qualquer grupo político. No entanto, ficaria de olho nela.


- Ela interpreta com o coração. - murmurou Eve. - Terminei a peça e estava tentando encontrar coragem para produzi-la quando a vi em seu último filme. Então, soube imediatamente que ela seria a atriz perfeita para interpretar a Julia.


Respirando fundo, Eve reclinou-se para trás novamente, num movimento relaxado não condizente com uma princesa.


- Mal posso acreditar que ela está aqui, recitando meu texto. Não há uma emoção que essa voz não consiga extrair.


- Tenho certeza que ela deve se sentir honrada por estar interpretando uma peça escrita e produzida pela princesa Eve de Cordina.


Com um meio sorriso, Eve sacudiu a cabeça.


- Se a peça fosse ruim, eu podia ser a imperatriz da Europa, mas Chantel não aceitaria participar. Foi isso que mais me animou.


- Um membro da Família Real não escreve peças ruins. - Ao ouvir o som da voz atrás dela, Eve estremeceu.


- Alexander! O que está fazendo aqui?


- Também tenho interesses no Centro. - O príncipe herdeiro beijou a mão da esposa, antes de se virar para Gina. - Por favor, mantenham-se sentadas, não pretendia perturbá-las.


- Não. - Eve suspirou e olhou para trás, onde os ensaios continuavam. - Só pretendia me controlar.


Aquilo era de fato verdade, mas Alexander apenas encolheu os ombros. Sob a luz tênue, Gina percebeu o olhar dele se dirigir aos guardas colocados em vários pontos estratégicos.


- Esquece-se, ma mie, que ainda sou o presidente do Centro. Além disso, a peça da minha esposa está sendo ensaiada. Tenho um pouco de interesse nisso, também.


- E veio para se certificar se eu não estava ficando de pé por muito tempo. - O amor falou mais alto que a frustração e Eve se ergueu para beijá-lo. - Obrigada. Gina, diga a Sua Alteza que tomei cuidado durante as quatro horas e quarenta minutos desde que ele me viu pela última vez.


- Alteza, - começou Gina com submissão - a princesa tem se cuidado muito bem.


Um sorriso suavizou as feições do príncipe, que continuou de pé, protetoramente, ao lado da esposa.


- Obrigado, Gina. Tenho certeza de que foi graças a você.


Com um riso baixo, Eve comprimiu a mão no abraço de Alexander


- Gina, como você pode ver eu não estava brincando quando disse que Alex pensa que preciso de um guardião. Se você não tivesse vindo, não duvidaria que ele contratasse um lutador com mais de 100 quilos e cheio de tatuagens para me proteger


- Fico feliz por salvá-la de tal constrangimento. - Mas o que era aquilo? Gina desejou saber. Uma pontada de inveja? Mesmo achando ridículo, reconheceu a emoção enquanto estudava Alexander e Eve. Bastante apaixonados, pensou. O poder daquele amor criava uma aura ao redor dos dois. Será que percebiam como era raro o que haviam encontrado?


- Agora que já as interrompi, - disse Alexander - gostaria de convidá-las para almoçarem comigo e com o senador norte-americano.


- O ianque do Maine.


Com um sorriso, Alexander acariciou a face da mulher.


- Minha querida, continua a me fascinar o modo como o país se divide em seções. Mas, sim, é o ianque do Maine. Devemos terminar o almoço antes das 15h e estaremos de volta ao palácio quando Marissa despertar do cochilo.


- Mas você tem uma reunião esta tarde.


- Cancelei. -Alex levou a mão dela aos lábios. - Quero passar algum tempo com minha família.


O brilho de prazer iluminou o teatro.


- Dê-me cinco minutos para pegar minhas coisas. Gina, vai conosco?


- Se não se importarem, eu realmente gostaria de ficar e assistir ao restante do ensaio. - Sua mente já estava trabalhando à frente. Sozinha, poderia fazer uma excursão casual pelo complexo. Se houvesse qualquer ponto vulnerável, ela o acharia.


- Claro, fique quanto tempo desejar. - Eve se curvou e beijou-lhe a face. - Deixaremos um carro à sua espera na porta do teatro. Cinco minutos. - repetiu ao marido antes de sair apressada.


- O que acha da peça? - Alexander perguntou a Gina, enquanto se acomodava ao seu lado.


- Não sou expert em teatro, Alteza.


- Quando estivermos a sós, por favor me chame de Alexander.


- Obrigada. - murmurou ela, atenta ao fato de que aquilo lhe conferia uma intimidade concedida a poucos. - Há uma intensidade, uma imediação no diálogo que faz a pessoa se concentrar profundamente nos personagens. Não sei como termina, mas estou torcendo para que Julia ganhe, mesmo receando que isso não aconteça.


- Eve deveria ouvir isso. A peça e... outras coisas a estão deixando muito tensa.


- Está preocupado com ela. - Num gesto de puro instinto, Gina colocou a mão sobre a dele. - Ela é muito forte.


- Eu sei disso, melhor que ninguém. - Mas Alex jamais fora capaz de esquecer como o corpo dela enrijecera em seus braços quando uma bala a atingiu. - Ainda não tive oportunidade de lhe dizer o quanto estou grato por ter vindo para ficar com ela. Eve precisa de amigos. Mudei a vida dela, por egoísmo, talvez, porque não sei viver sem ela. Então, tudo que eu possa fazer para dar uma sensação de normalidade e paz à vida dela, farei. Você conhece as obrigações da realeza. As limitações. Até mesmo os riscos.


- Sim, conheço. - Gina deixou a mão sobre a dele um pouco mais e depois afastou-a. - E reconheço uma mulher feliz quando vejo uma.


Quando o príncipe se virou para encará-la, Gina notou a forte semelhança entre ele e o pai. A face estreita, quase sábia, as linhas aristocráticas, a boca firme.


- Obrigado, Gina. Acho que sua permanência aqui fará bem a todos nós.


- Assim espero. - Ela olhou de novo para o palco, para os atores e para o desempenho deles. - De fato, é o que espero.


Sozinha, Gina assistiu ao ensaio por mais meia hora. Sim, a peça era boa, decidiu, fascinante, mas ela tinha outros assuntos a tratar.


Os guardas permaneceram em seus lugares, mas sem a presença da realeza estavam ali mais com a finalidade de manter os outros do lado de fora, monitorando os que se encontravam no interior. Lady Gina já ficara conhecida como a confidente e companheira da princesa. Pessoa de confiança do príncipe Tiago. Portanto, não foi seguida quando se levantou e saiu por uma porta lateral.


Havia uma mini-máquina fotográfica escondida em um porta-batom dentro da sua bolsa, mas Gina não a usaria ainda. O treinamento lhe ensinara a confiar em seus poderes de observação, primeiro, depois, nos equipamentos.


Um prédio do tamanho do Centro não era fácil de ser controlado pelos seguranças. Gina acenou com respeito para Rony Weasley enquanto caminhava. Havia sensores e câmeras escondidas. Mas os sensores só eram ativados quando o Centro era fechado.


Os membros do elenco e os funcionários usavam crachás de segurança. Nas noites de espetáculo, porém, a entrada era franqueada com a simples compra de um ingresso. Deboque deixaria a prisão em um dia.


Enquanto caminhava, passando de um corredor a outro, Gina repassava a planta baixa do Centro, que estudara, mas preferia percorrê-lo, vê-lo, tocar as paredes e o piso.


Muitos cantos fechados, pensou. Muitas salas pequenas usadas para armazenamento. Muitos lugares para se esconder. Mesmo com a perícia de Rony, a edificação poderia se tomar vulnerável a um plano bem elaborado de ataque. Entretanto, qualquer prédio poderia ser, concluiu Gina.


Ela se virou para o vestiário, fingindo interesse casual pelas fantasias. Será que o guarda na porta conhecia todos apenas de vista? Seria fácil substituir um dos técnicos? O crachá tinha uma foto do portador, mas maquiagem e apliques poderiam resolver o problema. Com que freqüência ela, ou outra pessoa como ela obteria acesso a um lugar falsificando credenciais ou usando um disfarce inteligente?


Uma vez no interior, um homem poderia desaparecer facilmente. E se um homem no painel de segurança fosse subornado ou substituído, tanto melhor.


Sim, anotaria aquela opção no relatório e deixaria seus superiores ruminando sobre aquilo durante algum tempo. Acrescentaria o fato de que ninguém conferira a bolsa dela. Um explosivo de plástico pequeno podia ser carregado e posicionado com extrema facilidade.


Entrou no vestiário em um corredor cercado de espelhos. Um tanto surpresa, contemplou seu reflexo de todos os lados.


Então, como fizera no jardim, deixou escapar uma risada baixa e leve.


Oh, Gina, pensou desgostosa, como está sofrível. Virando-se de lado, meneou a cabeça. Não, definitivamente, marrom não combinava com ela, e o casaco de gola alta com seu cinto grosso só a fazia parecer demasiado magra. A saia, bem abaixo dos joelhos, escondia-lhe as pernas. Trançara os cabelos firmemente, aquela manhã, e, em seguida, o enrolara num coque na base do pescoço.


Ser parte dela mesma era o melhor disfarce que poderia ter concebido. Fora uma criança muito magra, com cabelos maltratados e joelhos sempre machucados. Os ossos faciais sempre foram proeminentes, mas no rostinho de uma menina pareciam muito evidentes, muito angulosos.


Então, quando as outras meninas da sua idade começaram a florescer e a exibir curvas, seu corpo teimava em permanecer esguio. Era brilhante, atlética e alegre. Os meninos lhe davam tapinhas nas costas e a chamavam para praticar esportes, mas jamais se interessavam em levá-la para dançar.


Aprendera a montar, nadar, praticar tiro ao alvo e acertar uma flecha no olho de um búfalo a cem passos de distância, mas não a namorar. Aprendera a falar russo, francês e cantonês o suficiente para impressionar o próprio pai, mas fora sozinha ao próprio baile de formatura.


Ao completar 20 anos, seu corpo mudou, mas preferiu esconder as curvas tardias sob roupas sombrias. Já havia traçado um caminho para sua vida. Beleza virava cabeças e na sua área era melhor passar despercebida.


Agora, olhando para os resultados nos espelhos, ficou satisfeita. Nenhum homem a desejaria. Fazia parte da natureza humana valorizar mais o aspecto físico do que o intelecto ou a alma. Nenhuma mulher a invejaria. A insípida estava segura, afinal de contas.


Ninguém suspeitaria que uma mulher erudita, com aparência comum, excelente criação e maneiras sociais reservadas, seria capaz de fingir ou ser violenta com alguém. Apenas um seleto grupo sabia que a mulher oculta era capaz de ambos.


Por uma razão que não saberia dizer, aquele pensamento a fez deixar as reflexões de lado. Fingir sempre fizera parte da sua vida adulta, mas, mesmo assim, não podia deixar de sentir uma pontada de culpa sempre que Eve a fitava como amiga.


Era seu trabalho, Gina lembrou-se. Nenhuma ligação emocional, nenhum envolvimento era permitido. Esta era a primeira e a mais importante regra do jogo. Não podia se permitir gostar de Eve, pensar na princesa até como alguém além de um ícone político. Caso contrário, tudo que lutara para conseguir estaria perdido.


Também não podia sentir inveja, lembrou-se Gina. Era uma atitude perigosa permitir-se contemplar o amor entre o príncipe e Eve e desejar algo semelhante para si. Não havia lugar para o amor em sua profissão. Apenas metas, compromissos e riscos.


Não haveria nenhum príncipe para ela, real ou imaginário. Mas, antes que pudesse evitar, seus pensamentos direcionaram-se a Harry e para o modo como ele lhe sorriu ao luar.


Idiota, disse a si mesma, e começou a ajeitar alguns grampos soltos. Ele era a última pessoa no mundo com quem devia pensar em se envolver. Se não por outra razão, havia o dossiê do príncipe e a surpreendente lista de mulheres que haviam feito parte da sua vida.


Usá-lo, sim, prosseguiu pensando, mas não pensar em Harry como algo mais do que um meio para chegar um fim. Suas fantasias românticas haviam terminado aos 16 anos. Dez anos depois, em meio ao seu mais importante trabalho, não era hora de começar a revivê-las.


Faria tudo para se lembrar que a séria lady Gina jamais olharia para Sua Alteza Real, o príncipe Harry de Cordina, com um brilho romântico no olhar.


Mas a mulher em seu interior sonhava, e por um momento se apoiou nas paredes que construíra a seu redor.


Gina se virou a fim de olhar para trás, para os espelhos, quando ouviu passos.


Imediatamente alerta, baixou o olhar e saiu do vestiário.


- Ah, aí está você.


Ao ouvir a voz de Harry, Gina blasfemou em pensamento, mas fez uma reverência respeitosa.


- Alteza.


- Fazendo uma excursão? - ele se aproximou, desejando saber por que ela parecia tão sem graça quanto uma tia solteirona e mesmo assim continuava a intrigá-lo.


- Sim, senhor. Espero que não haja problema.


- Claro que não. - Harry segurou-lhe a mão, desejando que ela o encarasse. Havia algo nos olhos dela... Ou talvez fosse sua voz, o frio e sereno sotaque britânico. - Vim tratar de negócios na cidade. Alexander sugeriu que quando eu terminasse viesse ver se você estava pronta para voltar.


- É muita gentileza da sua parte. - Oh, como ela teria preferido um motorista silencioso, anônimo, que lhe desse a oportunidade de redigir seu relatório no trajeto de volta ao palácio.


- Eu estava aqui perto. - Harry sentiu uma onda de inquietação dominá-lo quando ela afastou a mão. - Se quiser ver mais, eu ficaria feliz de mostrar-lhe o restante do Centro.


Gina ponderou os prós e os contras em questão de segundos. Outra inspeção rápida poderia acrescentar algo, mas ela já havia passado pelo teatro principal duas vezes: uma, com Eve; a outra, sozinha. Podia começar a parecer estranho, se voltasse lá com Harry.


- Não, obrigada. É um lugar fascinante. Nunca vi um teatro por esse lado.


- O território de Eve. Confesso que prefiro vê-lo das fileiras do meio. - Harry segurou o braço de Gina e começou a conduzi-la ao longo do corredor. - Se permanecer muito tempo perto dela, ela logo achará algo para você fazer. Comigo, normalmente, é carregar caixas. Caixas pesadas.


Rindo, Gina inclinou a cabeça e o fitou.


- É uma das melhores utilidades que uma mulher pode achar para um homem.


- Agora entendo por que Eve se identificou tanto com você. - Ele viera para fazer um simples favor à cunhada, mas agora se sentia contente. Aparências à parte, lady Gina era qualquer coisa, menos entediante. Talvez pela primeira vez na vida Harry estivesse começando a enxergar algo além do corpo em uma mulher. - Já visitou muitos lugares em Cordina, Gina?


Ela percebeu que ele a chamou apenas pelo nome, mas decidiu não dar importância.


- Não muito, senhor. Quando estiver um pouco mais familiarizada com a rotina de Eve, planejo explorar um pouco mais. Ouvi dizer que seu museu tem excelentes exposições. O próprio prédio por si só tem fama de ser um bom exemplo de arquitetura pós-renascentista.


Harry não estava interessado em exposições, mas nela.


- Gosta do mar?


- Claro. Ar marinho é muito benéfico para o corpo.


Com um meio sorriso nos lábios, o príncipe fez uma pausa no topo dos degraus.


- Mas você gosta do mar?


Harry tinha um estranho talento de olhar para uma mulher, como se a estivesse vendo pela primeira vez. E de fitá-la como se de fato se importasse com ela.


Apesar do seu treinamento, Gina sentiu o pulso acelerar.


- Sim. Minha avó tem uma casa perto de Cornwall. Passei vários verões lá quando criança.


O príncipe desejou saber qual seria a aparência dela com os cabelos soltos, livres, ao sabor da brisa. Ela riria como a ouvira rir no jardim? Veria aquele flash de luz flamejar novamente nos olhos dela? Então percebeu que não era importante a aparência dela. Num impulso, continuou, sabendo que poderia vir a se lamentar mais tarde.


- Tenho que estar em Le Havre dentro de dois dias. O motorista percorre toda a costa. Venha comigo.


Se Harry lhe tivesse pedido para entrar na sala de armazenamento e beijá-lo, ela teria ficado menos surpresa. Mas a surpresa transformou-se depressa em cautela e a cautela em conjectura. Mas, antes de tudo, havia o simples prazer de saber que o príncipe desejava sua companhia. Era o prazer que a preocupava.


- É muita gentileza da sua parte, Alteza, mas Eve pode ter outros planos.


- Então, vamos perguntar-lhe primeiro. - Ele queria que ela fosse. De repente, viu-se desejando passar algumas horas com ela, longe do palácio. Talvez fosse por puro desafio, o de descobrir o que havia por trás daquela aparência tão peculiar. Fosse qual fosse a razão, Harry não questionou. - Você gostaria de ir?


- Sim, gostaria. - Gina disse a si mesma que era porque isso lhe daria oportunidade de estudá-lo mais de perto, por motivos profissionais. Assim teria a chance de ver como a segurança trabalhava longe do palácio e da capital.


Mas a verdade era tão simples quanto sua resposta: queria ir.


- Ótimo, então vamos combinar isso e você poderá ficar a meu lado durante a longa e entediante cerimônia de boas-vindas.


- Detesto me sentir entediada sozinha, você também?


Rindo, Harry segurou a mão dela novamente.


- Sim, agora sei exatamente por que Eve a trouxe para o palácio. - A mão de Gina estava a alguns centímetros dos lábios dele quando um murmúrio de vozes invadiu no recinto. Olhando para baixo, um pouco aborrecido, Harry avistou Chantel.


- A raiva deve ser expressada. - insistia ela, caminhando tão depressa que o diretor precisou alongar o passo para alcançá-la. - Julia não é uma mulher passiva. Não esconde o que sente, não importa as conseqüências. Droga Maurice, farei isso de maneira sutil. Conheço meu trabalho.


- Claro que sim, chérie, não estou questionando isso. E que simplesmente...


- Mademoiselle. - Do topo dos degraus, Harry olhou para baixo. Pela primeira vez Gina teve uma breve amostra de como o príncipe sorria para uma mulher verdadeiramente bela. Sem pensar, ela afastou a mão e entrelaçou os dedos.


Chantel, erguendo a mão para afastar os cabelos louro-claros do rosto, jogou a cabeça para trás. Mesmo uma observadora imparcial como Gina tinha de admitir que poucas mulheres eram capazes de reunir tal combinação de beleza, fascinação e sensualidade. Os lábios da atriz se curvaram. Os olhos, de um azul profundo e sonhador, pareciam sorrir.


- Alteza. - disse Chantel num tom de voz suave e melodioso, enquanto se inclinava em uma mesura formal. Ela começou a subir os degraus e Harry a descer. Na metade da escadaria os dois pararam, então ela lhe segurou o rosto, antes de puxá-lo mais para si e lhe aplicar um longo beijo. No topo da escada, Gina sentiu os dentes rangerem. - Quanto tempo!


- Muito. - Harry segurou-lhe as mãos entre as dele. - Está maravilhosa como sempre. É surpreendente!


- São os genes. - Chantel comentou, e sorriu. - Meu Deus, Harry, que homem lindo você é. Se eu não fosse cínica, o pediria em casamento.


- Se não tivesse medo de você, eu aceitaria. - Os dois se abraçaram novamente com a camaradagem de amigos de longa data. - Chantel, que bom vê-la outra vez. Eve estava quase arrancando os cabelos até você concordar em participar.


- É uma boa peça. - disse ela, encolhendo os ombros. - Embora eu o adore, não teria vindo aqui para encenar um fiasco. Sua cunhada é uma mulher talentosa. - Chantel lançou um olhar por sobre o ombro ao diretor, que esperava respeitosamente no último degrau. - Não esqueça de lhe dizer que estou lutando para preservar a integridade da Julia dela. - Ao se virar, ela avistou Gina no alto da escada. - Sua amiga?


Olhando para trás, Harry estendeu uma das mãos.


- Gina, venha conhecer a incomparável Chantel.


A rigidez dos seus movimentos combinava com suas feições, Gina disse a si mesma, enquanto começava a descer a escada. Todas as mulheres comuns ficavam tensas quando confrontadas com uma grande beldade. Ela parou ao lado de Harry, mas manteve boa distância entre ambos.


- Lady Gina Weasley, Chantel O’Hurley.


- Como vai? - formal e respeitosa, Gina ofereceu-lhe a mão.


Chantel manteve a face passiva, mas aceitou o cumprimento.


- Bem, obrigada. - Como mulher e como atriz que conhecia ângulos e encenações, desejou saber por que alguém com um físico magnífico e uma aparência sem defeitos fazia questão de disfarçá-los.


- Lady Gina fará companhia a Eve durante alguns meses.


- Que bom. Cordina é um bonito país. Tenho certeza que vai gostar.


- Sim, já estou gostando. E também gostei de assistir ao seu ensaio.


- Obrigada, mas agora temos que ir. - Chantel bateu um dedo no corrimão e desejou saber por que sentira tal desconfiança imediata.


Usando o excesso de trabalho como desculpa para partir, a atriz se dirigiu a Harry.


- Tenho que me apressar. Veja se arruma algum tempo para mim, meu bem.


- Claro. Você virá no sábado para jantar com o restante do elenco?


- Oh, não perderia por nada. Eu a verei lá, lady Gina.


- Adeus, Srta. O’Hurley.


Depois de dar um tapinha rápido na face do príncipe, Chantel desceu os degraus novamente e deixou o diretor correndo atrás dela.


- É uma mulher maravilhosa. - murmurou Harry.


- Sim, ela é muito bonita.


- Também. - Sem fitá-la, ele segurou o braço de Gina novamente. - Sempre admirei a força de vontade e a ambição de Chantel. Quer ser a melhor e não tem medo de trabalhar para isso. Toda vez que a vejo na tela, fico fascinado.


Gina enterrou os dedos na bolsa e lembrou a si mesma que deveria parecer modesta.


- Admira ambição, Alteza?


- Nada muda para melhor ou pior sem isso.


- Alguns homens ainda acham essa característica desagradável em uma mulher ou, pelo menos, incômoda.


- Alguns homens são idiotas.


- Concordo plenamente. - O tom seco foi o suficiente para fazê-lo erguer as sobrancelhas e lançar um olhar em sua direção.


- Por que nunca tenho certeza se está me insultando ou não, Gina?


- Perdoe-me. Estava apenas concordando com o senhor. - Harry parou novamente. Do palco vinha um murmúrio de vozes, mas o corredor estava deserto. Harry segurou-lhe o queixo, ignorando o tremor que a sacudiu e a observou.


- Gina, por que, quando a olho, tenho a impressão de não a estar vendo por inteiro?


Sinos de alarme soaram na cabeça dela. Sua face empalideceu um pouco. Ela percebeu, mas pensou, esperou, que ele julgasse aquilo natural. Nem por um segundo demonstrou qualquer sinal de preocupação.


- Não sei o que está querendo dizer.


- Tenho pensado... - murmurou ele, deslizando o dedo pelo rosto macio de Gina, traçando o contorno do queixo e descendo para onde a pele era mais sensível e morna. - Sim, tenho pensado em você mais do que deveria. Tem uma resposta para isso?


Pontos ambarinos salpicaram os olhos dele, transformando o tom castanho claro em algo fulvo e atraente. Ele tinha a boca de um poeta e as mãos de um fazendeiro. Gina desejou saber como era possível combinar os dois enquanto seu coração, sempre tão firme, disparou.


- Alteza... - foram ambas as mulheres dentro dela que balbuciaram.


- Tem, Gina?


Harry viu os lábios dela se abrirem. Estranho, não ter reparado antes o quanto eram atraentes... femininos... um pouco cheios e formosamente delineados sem cosméticos. Desejou saber como seriam se os provasse, frios como a voz ou tão encantadores quanto os seus olhos?


Precisava colocar um fim naquilo, ali e agora, pensou Gina. Aquele sentimento crescente dentro dela podia ser destrutivo. Mesmo desejando desafiá-lo, ela baixou o olhar.


- Não senhor, exceto que muitas vezes os homens ficam intrigados com uma mulher apenas porque ela não é igual às outras as quais eles estão acostumados.


- Veremos. - Harry se afastou e ficou surpreso pelo grande esforço que isso lhe custou. - Vou levá-la de volta agora, Gina, e ambos teremos tempo para refletir sobre o assunto.


 


 


 


Agradecimentos especiais:


 


Nanny Black: Oh sim, a Gina trabalha pros caras maus. Bem, não posso dizer muito, pois se não estragaria a surpresa, mas posso dizer que logo ela vai começar a mudar de lado, espere pra ver. Que bom que você está gostando das minhas fics. Gina amante do cara? Foi deixar esta em aberto. A historia dela é interessante, mas só vai ser revelada mais pra frente, mas aos poucos as coisas vão ficando mais claras. Gina realmente é um verdadeiro lobo, isso que ela está apenas começando. Beijos.


 


Thamis No mundo ........: A Gina tinha dezesseis anos quando os fatos aconteceram, então duvido muito, mas quem sabe não é mesmo? Um suspense é sempre interessante. Beijos e com certeza que essa fic é fantástica.


 


 


 


 


 

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