Winky



Já fizera exatamente uma semana desde que a carta de Hogwarts chegou às mãos de Harry. Ele contava os dias com ansiedade, rabiscando em um calendário remendado que ele já amassara muitas vezes, que havia sido feito há muito tempo, os dias do mês que se passavam lentamente. Dali a exatamente cinco dias, Harry estaria em Hogwarts novamente. Não pôde deixar de sentir uma pequena nostalgia; e com isso, veio o pensamento de que tudo seria diferente, dessa vez.


Não haveria Dumbledore para dar-lhe conselhos ou anunciar o início e fim do ano letivo; não haveria Snape para encrencá-lo sem o menor motivo com seu nariz de gancho, cabelos sedosos e pele macilenta; não haveria Malfoy para tentar intimida-lo, falar mal de seus amigos ou coisa do gênero; não haveria Dobby para venerá-lo e tentar protege-lo de tudo que o ameaçasse; não haveria Colin para persegui-lo com sua máquina fotográfica e olhos brilhando ao vê-lo e um dos piores estava por vir: não veria mais Fred Weasley ao lado do gêmeo Jorge, inventando mil e uma coisas para o seu famoso kit Mata-Aula.


Harry estava consciente de que seria doloroso entrar pelas portas gigantescas de carvalho novamente, mas ele nunca ansiou tanto que o dia 1º de setembro chegasse.


 


Deitado, pensando em como seria o seu oitavo ano letivo em Hogwarts, dessa vez como convidado especial, sem ter de estudar para obter N.O.M’s excelentes ou sem treinar fizesse chuva ou sol o esporte favorito dos bruxos, foi que Harry lembrou-se de um comentário há muito tempo que o falecido Olho-Tonto Moody fizera. Ao que Harry lembrava, ele dissera que tanto ele quanto a amiga Hermione dariam ótimos aurores. Por que não? Pensou Harry. Só teria de passar em um teste.


 


O mostrador do rádio-relógio sob o criado-mudo indicava exatamente 7:00 PM em um vermelho-vivo, enquanto uma música um tanto antiga tocava no segundo volume, parecendo uma música de fundo. Encarou a gaiola vazia que antes abrigara sua ex-coruja das neves, Edwiges, e procurou desviar logo o olhar. Apesar de saber que toda vez que olhava para o objeto uma pontada súbita de dor invadia seu peito, estava decidido a jamais se livrar dele. Uma pancada forte na porta sobressaltou Harry, tirando-o de seus devaneios.


- Nós vamos sair, pivete. – Rosnou tio Válter pela porta entreaberta.


- Ta, tudo bem. – Assentiu Harry. Estava decidido a não fazer nada que deixasse os tios mais irritados, pois não queria que tivessem um motivo para não deixa-lo ir à Hogwarts, uma vez que ele só faria isso se quisesse – ou seus tios permitissem.


- Eu disse NÓS vamos sair, pivete. – Tornou a rosnar, cuspindo um pouco de saliva.


- Eu... Eu vou com vocês? – Em resposta, tio Válter bufou. Harry considerou aquilo um sim.


- Não vamos esperar por você. – Rosnou novamente, uma última vez, antes de bater a porta e sair do quarto.


 


Harry encarou o espelho, espantado. Jamais saíra com os tios antes – exceto quando tinha 11 anos, no aniversário do primo, onde ele teve seu primeiro contato com uma cobra. Ainda olhando-se no espelho, tentou arrumar os cabelos, que continuaram rebeldes – sempre foram daquele jeito, não seria agora que uma simples escova mudaria isso.


Desceu as escadas lentamente, ainda não acreditando que sairia com os tios, observando atentamente cada canto da casa, procurando por uma câmera que denunciasse alguma pegadinha.


 


- Aonde nós vamos? – Perguntou à tia Petúnia, vendo que ela e Duda estavam na porta da sala, esperando por tio Válter. Ela somente grunhiu em resposta.


- Ele vai? – Perguntou Duda com um tom de desdém.


- Ideia do Válter. - Tia Petúnia rosnou, acenando a cabeça um tanto desgostosa. Tanto ela quanto o marido temiam Harry mais do que nunca agora, tendo consciência de que o infelizmente-sobrinho podia usar magia sem que alguma coruja invadisse sua sala, depositando nele uma carta de expulsão.


- Talvez o confundam com um mendigo. – Comentou Duda, as mãos no bolso, tentando parecer um garoto estiloso, tal como os das novelas pelas quais ele tinha uma paixão secreta e jamais perdia sequer um episódio. Mas a única coisa que ele parecia naquela hora era um porco que aprendera a se equilibrar sob as duas patas, coçando o bumbum.


Uma barulheira vinda da escada anunciou que tio Válter descia velozmente, fazendo-a ranger alto o suficiente para acordar a vizinhança inteira. Uns quilinhos à mais e ela cede, pensou Harry.


- Escuta aqui, moleque. – Começou tio Válter, seus olhos se estreitando novamente, fazendo seu rosto parecer com um suco de groselha com dois besouros mais uma vez. – É um dia muito importante para nós. Quando digo nós – enfatizou – me refiro às pessoas descentes dessa casa, o que não inclui você – continuou, com um sorriso maldoso. – Uma gracinha, por menor que seja, e você certamente vai se arrepender de ter colocado um fio de cabelo no nosso mundo. – Terminou, um tom ameaçador dominando sua voz.


Harry assentiu lentamente, olhando para a lâmpada acima da cabeça de Válter, concentrado. Válter seguiu seu olhar e saiu depressa debaixo da lâmpada, com um olhar mais que ameaçador ao sobrinho.


- O que você disse mesmo? – Perguntou Harry, como se não tivesse ouvido sequer uma palavra do tio. Válter ficou em uma cor púrpura, abriu a porta da sala, pegou o sobrinho pela gola da camisa e jogou-o para fora. Harry caiu de joelhos no chão, arranhando as mãos na única parte que tinha asfalto ali – que sorte a sua, considerando que podia cair na grama.


Duda soltou uma gargalhada alta, Petúnia deu uma risadinha abafada e tio Válter deu um sorriso triunfante. Assim que seu filho e mulher saíram, ele fechou a porta e girou a chave na fechadura.


- Qualquer gracinha que seja... – Continuou, ameaçador.


Harry levantou-se, sustentando o olhar mortífero do tio com um três vezes pior. Agora, sabendo que tio Válter o temia, não havia motivos para ele mesmo temer o tio. Virou de costas e começou a andar pela Rua dos Alfeneiros, rumo ao seu fim.


- Aonde você vai? – Gritou tio Válter à um Harry um pouco distante dali.


- Eu não vou com vocês. – Berrou Harry de volta, sem olhar pra trás.


- Volte aqui, seu pivete! – Gritou Válter novamente, recebendo um tapa bem dado no braço pela mulher.


- Válter! O que os vizinhos vão pensar?


- Deixa ele ir, pai. Quem sabe seja atropelado. – Comentou Duda, cheio de esperanças.


- Certo, certo. Ele vai voltar. – Válter franziu o cenho. Era claro que queria que o sobrinho desaparecesse de vista para sempre, mas não podia deixar de ficar preocupado. E se o encontrassem e perguntassem onde ele morava? Harry responderia a verdade? Como os Dursley ficariam conhecidos por abandonar um menor de idade – pelo menos no mundo dos trouxas -? Parou de pensar nisso e entrou em seu carro, junto com a esposa e o filho.


 


Se as circunstâncias não fossem as que eram no momento, Harry voltaria ao número 4, arrombaria a porta, pegaria todos os seus pertences e voaria até o largo Grimmauld. Porém, não queria reviver suas tristes lembranças – o reencontro com o padrinho, as brincadeiras com Tonks, as conversas com Lupin e quando tentara bisbilhotar a conversa da Ordem com os irmãos Weasley – que antes eram 7, mas agora, 6.


Continuou a andar pela rua, chutando as pedras do caminho, quando, olhando de esguelha, viu um vulto preto entre as moitas. Talvez estivesse imaginando coisas, pensou. Era o mesmo lugar que tinha visto pela primeira vez o padrinho; não era de surpreender que ele fosse reviver os momentos.


Mas uma vez, a moita se mexeu. Harry meteu as mãos no bolso da calça, procurando a varinha. Quando a encontrou, segurou-a firme, e no outro segundo, já estava apontando-a para a moita. Ouviu-se um choro esganiçado.


- Winky? – Perguntou Harry, reconhecendo aquela voz.


- S-sim, meu senhor... – Winky saiu da moita, ainda encolhida, encarando a varinha com os olhos mais esbugalhados que o normal. – W-winky não quer fazer mal à Harry Potter... – Começou a falar, ainda encarando a varinha, totalmente amedrontada. Harry guardou-a rapidamente, aproximando-se mais de Winky.


- O que você está fazendo aqui? – Perguntou Harry, baixinho. – Não devia estar em Hogwarts?


- Winky te-teve permissão escrita pela Sra. McGonagall pra sair... – Respondeu Winky, a voz retomando o tom normal, agora que não se sentia mais ameaçada pela varinha de Harry.


- O que você quer? – Perguntou novamente, sem ser grosseiro. Aproximava-se lentamente de Winky, temendo que um movimento brusco a fizesse chorar outra vez.


- Winky ouviu falar que Harry irá voltar à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts esse ano, como convidado de honra... É verdade? – Harry assentiu com a cabeça, ainda um tanto pressuroso. – Não! – Winky exclamou, agora sua voz estava um pouco mais alta. – Harry Potter não pode! Harry Potter quase perdeu a vida na última batalha! Se outra ocorrer, esse poderá ser seu fim!


- Quê? – Perguntou Harry, ainda não acreditando. – Winky, Voldemort já foi! – Ao ouvir o nome tão claramente assim, a elfa tremeu. – Ele não irá mais voltar! – E Harry tinha certeza disso. E para isso acontecer, muitos foram assassinados.


- Não, não o Lorde das Trevas! – Negou Winky, suas orelhas de abano balançando, como acontecia com Dobby quando ele negava algo rapidamente. – Alguém cuja força se assemelha à Daquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado! Alguém que veio aqui completar o objetivo de seu amo! Alguém que quer eliminar Harry Potter! – Os olhos de Harry arregalaram-se. Poderia Winky estar brincando? Que brincadeira de mal gosto, se realmente fosse uma, pensou.

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