Capítulo Vinte e Dois



Where Roses Grow Wild


Capítulo Vinte e Dois


 


    Às cinco da tarde do dia seguinte ao baile, não havia nem um único quarto de hóspedes


ocupado no Solar Potter. A viscondessa e seus amigos partiram pouco depois do almoço, sem deixar de lançar alguns olhares desconfiados na direção de Hermione e trocarem resmungos mal-humorados entre si. Hermione não se importava nem um pouco e estava muito contente de ficar livre deles.


    Mas, apesar da despreocupação que havia aparentado diante de Lord Harry na sala onde Jeremy tinha suas aulas, Hermione estava profundamente infeliz com o fato de ele ir embora de Potter. Compreendi intelectual e emocionalmente os motivos da decisão, mas estava arrasada. Nunca, mas nunca mesmo, tivera a intenção de dormir com ele e ainda não entendia como isso tinha acontecido.


    Hermione sempre se orgulhara de ser governada pela cabeça e não pelo coração, mas, na noite do baile, foi como se o corpo dela tivesse assumido o controle, deixando de lado a cabeça e o coração. Não seria exato dizer que lamentava o que acontecera, porque faro a coisa mais gloriosa já experimentada por Hermione. Mas lamentava as conseqüências inevitáveis dessa ação. Porque, naturalmente, Harry se sentiu na obrigação de lhe propor em casamento.


    E, naturalmente, ela tinha recusado.


    Sabia que talvez fosse à moça mais estúpida da Inglaterra por ter feito isso. Ora, havia mães de família espalhadas por toda Londres que dariam os seus melhores broches de diamante por uma proposta de casamento de Lord Harry para suas filhas. E Hermione tinha recusado uma proposta dessas como se fosse um convite para tomar chá.


    Mas como poderia se casar com um homem que lhe tinha pedido a mão apenas por um absurdo senso de dever? Que casamento seria esse? O casamento já era suficientemente ruim sem que os dois parceiros estivessem cientes de que a união brotara de um momento de falta de juízo. Não, Hermione preferia morrer a aceitar.


    Mas isso não queria dizer que não se sentisse morrer naquele momento.


    Porque Hermione estava apaixonada por ele. Tinha se apaixonado no momento em que trombara com ele naquele primeiro dia em Applesby. O que acontecera na noite do baile não era resultado de um momento irrefletido de desejo. Acontecera porque Hermione estava apaixonada de maneira irrevogável e não correspondida por Harry e os beijos dele tinham apagado toda a sua razão.


    Sabia muito bem que ele não a amava. Nenhuma menção da palavra amor saíra dos lábios dele naqueles terríveis momentos na cama de Hermione, quando finalmente entenderam a horripilante realidade de que haviam feito. Harry tinha dito muitas palavras contra si mesmo e xingado bastante, mas nem uma vez a tinha olhado e dito que a amava.


    E era por isso que Hermione não podia se casar com ele.


    Se fosse um tipo diferente de moça, talvez se casasse de qualquer forma, na esperança de que, com os anos, ele acabasse gostando um pouco dela. Mas o orgulho de Hermione não permitia uma coisa dessas. Se ele não a amava, não a teria novamente, não importa o quanto ela o desejasse. Ela tinha a lembrança daquela noite única e maravilhosa que os dois passaram juntos e isso seria o suficiente. O suficiente para a vida toda, esperava ela.


    Os dias se tornaram semanas e os ventos gelados de dezembro golpearam repetidamente as pedras da casa, mas Hermione mal sentia o frio. Estava determinada a, apesar de estar de coração partido, não deixar que ninguém soubesse disso. Não, Hermione decidiu que o seu amor seria sofrido em silêncio, um segredo que nunca contaria a ninguém e muito menos para o objeto do seu afeto. Sabia perfeitamente que não era a primeira moça a se apaixonar pelo belo Destruidor de Corações e que, sem dúvida, não seria a última.


    Hermione nunca se apaixonara antes. O rosto de Harry estava para sempre incrustado no seu subconsciente e nos momentos mais estranho aparecia como um lampejo diante dos seus olhos. Poderia estar fazendo uma visita a um dos arrendatários do Solar Potter e, de repente, a lembrança dos braços de Harry ao seu redor naquela noite, os lábios dele sobre os seus, a deixava como que paralisada e sem fôlego. A ânsia de sentir aqueles braços ao seu redor novamente era quase esmagadora, mas Hermione sabia que Harry estava certo ao ir embora. Aquilo não poderia acontecer nunca mais. Um braço de um momento poderia significar toda uma vida de arrependimento - especialmente porque não havia nenhuma razão para acreditar que Harry sentia qualquer coisa por ele, a não ser a admiração pela sua beleza, o que acontecia com quase toda homem que ela conhecera.


    Hermione guardou os seus sentimentos para si mesma, não os revelando a ninguém. Nem para Lady Herbert e suas filhas, que visitavam Potter freqüentemente durante o mês de dezembro, nem para a Sra. Praehurst, em que Hermione havia encontrado uma companheira gentil, ainda que monótona, e de forma alguma para Lucy ou Jeremy. Guardou o seu segredo com cuidado, permitindo-se pensar nele apenas nos momentos calmos ao lado do fogo ou à noite, antes de cair no sono, apesar de que pensar em Harry, nos seus olhos verdes, nos seus lábios de sorriso malicioso, muitas vezes tornava o sono impossível.


    Achava que estava escondendo seu segredo muito bem, dadas as circunstâncias. Ao contrário das heroínas dos romances que lera, Hermione não emagrecera nem ficara pálida. Na verdade, continuava muito bem disposta, tanto que Lady Herbert exclamava, toda vez que se encontravam, que Hermione estava mais bela do que da última vez que tinham estado juntas. Hermione sabia que a outra mulher não estava tentando lisonjeá-la. Ela falava a verdade absoluta. A nova vida no Solar Potter combinava muito bem com Hermione. Era uma delícia poder passar o dia recebendo socialmente as crianças do orfanato ou escrevendo cartas para membros da Câmara dos Comuns, em vez de mourejar sobre um fogão quente ou consertar buracos nas calças. Se não fosse pela sua paixão secreta pelo dono do Solar, Hermione estaria passando os dias mais felizes da sua vida. Mas, diante da situação, forçou-se a ficar satisfeita com o trabalho criativo e em ver Jeremy ser criado adequadamente.


    O Natal chegou e passou sem que o dono da casa voltasse. Mas, de qualquer forma, Harry não era o dono do Solar Potter. Uma grande quantidade de presentes do tipo chegou na véspera de Natal, mas Jeremy não ficou feliz com eles, dizendo-se em voz alta que o que queria era Harry e não mais um batalhão de soldados de chumbo. Hermione não ficou nem um pouco contente com o presente que Harry lhe enviou, um broche de esmeralda, diamantes e rubis com o formado de uma rosa. Deu uma única olhadela à jóia, sem tirá-la da caixa de veludo, e a guardou em uma gaveta, tentando não pensar mais nisso.


    E então, quando Hermione tinha se convencido de que poderia viver muito bem sem ele e que, se cometera o erro de se apaixonar, poderia sem dúvida consertar as coisas, desapaixonando-se novamente, Harry voltou ao solar Potter. Sozinho e sem dar nenhuma explicação. Simplesmente apareceu à mesa do jantar uma noite, como se nunca tivesse estado fora.


    Àquela altura, diversas mudanças tinham acontecido na casa, todas por iniciativa de Hermione. Jeremy já não tomava as refeições isolado nos seus aposentos. Comia à mesa de jantar, como um ser humano normal. A Sra. Praehurst, apesar da sua resistência inicial, muitas vezes se juntava a eles na hora das refeições, já que Hermione gostava de um pouco de conversa fiada junto com a sopa. E a qualquer momento algumas das moças Herbert poderia estar presente, pois Hermione gostava da companhia delas e Anne Herbert, em particular, tinha se tornado uma parceira constante.


    Quando Harry apareceu na sala de jantar, portanto, o choque de Hermione diante do seu retorno inesperado foi de alguma forma menos evidente do que a surpresa dele de ver uma dúzia de órfãos malvestidos sentados ao redor da mesa, piscando atônitos diante da presença dele, e o seu próprio lugar usurpado por Jeremy. Afinal de contas, Hermione tinha que disfarçar diante da Sra. Praehurst e das moças Herbert. Não poderia permitir que os seus verdadeiros sentimentos fossem conhecidos por ninguém. Cumprimentou-o com calma e disse aos órfãos que ignorassem aquele homem mal-humorado e continuassem a tomar a sua sopa. Harry, desnorteado e encaixado à esquerda de Jeremy, foi deixado às suas próprias conclusões sobre a falta de entusiasmo com que a sua volta foi recebida.


    Quando Hermione falava com ele, era com uma familiaridade um pouco rude e as respostas dela às perguntas delicadas de Harry sobre a sua saúde beiravam a impertinência. Hermione estava convencida de que não era o tipo de moça que ficava suspirando e gaguejando diante do seu amor, não quando estava tão claro que ele não tinha nenhum sentimento em relação a ela. Por isso, deu-se ao trabalho de impedir que ele pensasse que ela o amava e isso exigia ser o mais rude possível, ainda que sem chegar a ponto de insultá-lo.


    A volta de Harry aconteceu logo depois do Ano-Novo - data que Hermione e Jeremy haviam comemorado com a família Herbert, já que Harry estava "detido em Londres pelo clima inclemente que tornava impossível a sua viagem de volta a Yorkshire" - e foi na manhã seguinte ao súbito reaparecimento dele na sua vida que Hermione, ao arrumar um vaso de flores da estufa no Grande Saguão, viu Harry, Jeremy a reboque, descendo a escadaria.


    Jeremy, que se ajustara à vida no Solar Potter tão rapidamente que até Hermione se surpreendera um pouco, tinha sido muito mais amistoso com Harry do que Hermione. Ele não se conformara com a longa ausência do tio. O seu lamento - "Mas, por quê? Por que tio Harry tem que ficar tanto tempo em Londres?" - fora ouvido pela casa toda, e mais de uma vez Hermione lhe dissera para escrever, perguntando ele mesmo a Harry, já que estava tão curioso. As respostas de Harry sobre esse assunto - ele escrevia regularmente para o menino - eram sem dúvidas insatisfatórias, pois Jeremy continuava reclamando sobre o mesmo assunto.


    Mas, naquele dia, parecia que Jeremy finalmente tinha tido o seu desejo satisfeito. Tio Harry se dignava a passar algumas das suas preciosas horas na companhia do sobrinho que o adorava. Os dois usavam roupas próprias para sair ao ar livre - um empreendimento que exigia coragem, já que Hermione ouvia o vento uivar do outro lado da porta dupla. Apesar de já passar das dez horas da manhã, o sol ainda não tinha aparecido no céu, que estava muito nublado. Não obstante, os dois homens Potter passaram por Hermione sem nem sequer fazerem um gesto de cabeça na sua direção.


    De repente, ela perdeu a calma.


    "E posso saber aonde vão os dois?", interpelou ela, a voz dissimulando doçura, mas os olhos castanhos soltando fogo.


    Jeremy deu meia-volta, assustado. Quando viu Hermione, o rosto sardento se abriu em um sorriso largo, todo orgulhoso. "Olá, Hermione", disse ele, alegremente. "Tio Harry e eu vamos dar uma olhada em algumas das minhas propriedades. Preciso começar a aprender sobre os meus deveres de duque, você sabe."


    Hermione jogou uma rosa amarela de talo espinhoso dentro de um vaso que estava diante dela com mais força do que talvez fosse necessário. "Sei", disse ela, lançando um olhar carregado a Harry. "Que ótimo! E a sua aula de alemão?"


    Jeremy fez a devida cara de aversão. "O alemão pode esperar", disse: "Tenho o dia inteiro para o alemão."


    Harry estava de pé em silêncio ao lado do sobrinho, com o chapéu na mão, e deu um passo para frente, como se viesse em socorro do menino. "Só vai levar uma ou duas horas, Srta. Granger", disse ele, com grave delicadeza.  "Há um arrendatário a quem ainda não apresentei o novo duque. Ele tem um filho da idade de Jeremy e eu pensei que…"


    Hermione levantou as sobrancelhas. "E desde quando o senhor se interessa pelos assuntos dos arrendatários de Potter, Lord Harry?", perguntou ela, friamente. "Corrija-me se eu estiver errada, mas pensei que o motivo de o senhor se empenhar tanto em encontrar Jeremy era exatamente para não ter que cumprir deveres com este."


    Harry enfrentou impassível o olhar dela. "Pensei que talvez estivesse na hora de fazer uma tentativa."


    "Santo Deus!", disse Hermione com suavidade. "Londres deve ter estado realmente monótona para inspirar no senhor um desejo ardente de conhecer melhor os seus arrendatários." Ela gostaria de morder a língua por ter dito isso, mas, depois que já tinha falado, não havia mais nada a fazer. Parecia uma esposa rabugenta. Um rubor subiu-lhe ao rosto, mas manteve os olhos focados nas flores.


    "Sinto muito se assuntos importantes…", a voz de Harry, cheia de sarcasmo ao pronunciar as duas últimas palavras, "…me mantiveram afastado de Potter mais do que a senhorita gostaria, Srta. Granger", disse ele. "Porém, não havia outro jeito."


    "Não poderia me importar menos, Lord Harry, sobre as suas idas e vindas", disse Hermione com um tom de voz que, esperava ela, fosse desdenhoso e mordaz. "A não ser no que se refere a Jeremy. Espero que o senhor não tenha se esquecido do último pequeno passeio que fizeram juntos."


    Foi à vez de Harry corar. Hermione, surpresa, observava o forte queixo dele ficar vermelho-escuro, enquanto ele se lembrava do infeliz desenlace da caçada à raposa. "Não, não me esqueci", disse Harry e a sua voz também parecia rabugenta. "Mas fazer uma visita profissional a uma arrendatário não é como a caça à raposa, Srta. Granger. Ninguém vai sair ferido."


    "Diga isso ao filho do arrendatário", disse Hermione. O duque de Potter, apesar do seu novo título, se sentia na obrigação de esfregar na neve o rosto de qualquer menino com quem tinha contato. Hermione não tinha certeza se Harry estava a par desse novo hábito de Jeremy.


    "Acredito ser perfeitamente capaz de refrear Sua Graça", Harry disse-lhe, "caso surja a necessidade." Hermione  não duvidava disso, mas, ao contrário de Harry, sabia que Jeremy tinha a tendência de morder. "Se o senhor tem que ir", suspirou ela, "prefiro ir com o senhor."


    "Como quiser", disse Harry. Não foi tanto o tom resignado de Harry quanto o jeito com que evitava o olhar dela que fizeram Hermione tomar aquela decisão. Ela levantou o queixo, gesto inconsciente que, quando criança, era a piada da aldeia, e o encarou.


    "Então eu vou", disse Hermione e mandou uma criada pegar o seu manto e o seu chapéu, com o coração batendo forte. Santo Deus! Ela estava muito agitada e eles só iam pegar a estrada para visitar um arrendatário! Componha-se, Hermione.


    Mas, quando a criada voltou com as coisas dela, Hermione mal conseguiu amarrar as fitas do seu gorro, de tanto que os seus dedos tremiam. Felizmente, podia esconder as mãos no regalo. Acompanhou Jeremy e seu tio e, até quando Harry a ajudou a entrar na carruagem, estava certa de que ele não percebera o seu nervosismo por estar tão próxima dele. Acomodou-se no assento de couro com ar de indiferença, mantendo o rosto olhando para o outro lado. Sentiu as molas de debaixo do banco cederem sob o peso de Harry quando ele se sentou ao seu lado. Jeremy, como sempre, insistiu em se sentar com o cocheiro, de forma que, quando a carruagem passou pelo portão da casa, Hermione encontrou-se a sós com Harry pela primeira vez em mais de um mês.


    Em um momento como aquele, muito poderia ser dito. Hermione manteve a cabeça teimosamente voltada para a janela, o rosto escondido dentro da larga aba de pele da sua toca. Jurou não dizer nenhuma palavra, a não ser que ele falasse primeiro. Harry estava sentado tão perto que Hermione sentia o calor da coxa dele contra o seu quadril e, ocasionalmente, quando as rodas da carruagem caíam em um sulco da estrada, o ombro dele roçava o seu. Por fim, depois de quase um minuto de silêncio, Harry pigarreou e se aventurou, desajeitado: "Jeremy parece ter se adaptado bem desde que fui embora."


    Hermione, ainda sem tirar os olhos da janela, respondeu: "Sim, se adaptou mesmo".


    Quando ficou claro que nenhuma nova informação seria dada, Harry pigarreou de novo e perguntou: "Desculpe, madame, mas eu a ofendi de alguma maneira?".


    Isso foi o suficiente para garantir a atenção total de Hermione. Ela girou a cabeça e olhou-o nos olhos cinza e melancólicos. Harry parecia sinceramente confuso com a atitude reservada dela. Ótimo. "Ofendeu-me?" Hermione conseguiu parecer inocente. "Não sei do que o senhor está falando."


    "Sei que fiquei fora mais tempo do que gostaria de ter ficado…"


    "Ora", disse Hermione, distraída. Voltou à atenção para a paisagem de inverno que passava pela janela. "Tenho certeza de que o senhor encontrou muita coisa para diverti-lo em Londres. Sem dúvida há mais distrações estimulantes lá do que nos ermos de Yorkshire." Deu uma olhadela clandestina para ele, para ver como reagia às suas palavras.


    Harry parecia pouco à vontade. Uma das suas mãos enluvadas descansava sobre o joelho e a outra no banco, entre eles. Os dedos das duas mãos estavam cerrados com força. Hermione  afastou o olhar de novo, satisfeita porque ele estava tão nervoso quanto ela.


    "Passei uma grande parte do meu tempo em Londres cuidando de negócios", disse ele, tenso.


    "Sim, sim, foi o que o senhor disse. Isso deve ter sido uma grande decepção para Lady Ashbury." Hermione olhou-o com um sorriso doce no rosto, atrás do qual, porém, estudava a reação dele.


    Um dos músculos do queixo de Harry, aquele que sempre começava a se contrair quando ele estava aborrecido ou irritado, aquele de que Hermione sentira falta com uma intensidade febril no período em que ele estivera em Londres, começou a pulsar. Hermione, de sobrancelhas erguidas, observou o músculo.


    "Não saberia dizer se foi ou não", afirmou Harry, e então era ele quem desviava o olhar. "Não a vi muito na cidade."


    "Não viu muito a viscondessa?" Hermione se sentiu ridiculamente feliz e, para esconder a sua alegria, bateu no teto da carruagem com os nós dos dedos e gritou: "Jeremy? Você não está com frio aí em cima?"


    A voz de Jeremy, descontente, flutuou na direção deles. "Não!"


    "Bem, se você ficar com frio, peça para Bates parar para você entrar."


    Jeremy não respondeu. Detestava que a tia o tratasse como bebê. Dentro da carruagem, Hermione se acomodou melhor no assento, as mãos enterradas no regalo macio da pele, o nariz e as faces rosados de frio e o coração batendo de felicidade.


    "Ah, Hermione", disse Harry. Ela o olhou e viu que ele estava virado para a janela.


    Qualquer coisa poderia ter sido dita em um momento e Hermione, intensamente consciente da proximidade dele, sentou-se na beira do banco, o coração batendo, cheio de expectativa. Será que tinha acontecido um milagre? Harry teria abandonado a viscondessa porque percebera o seu amor por Hermione? Teria, por fim, percebido que, apesar de todas as mulheres sofisticadas e exóticas das suas relações, a que estava mais próxima do seu coração era a mais próxima, em casa? Que, apesar das diferenças de idade e experiência entre eles, os dois eram feitos um para o outro?


    Harry tossiu novamente. "Quero lhe perguntar se você… ou melhor, se você ou… se…"


    Hermione, observando o quanto ele estava pouco à vontade, percebeu, horrorizada, que Harry estava na dúvida se ela estava ou não grávida. Com as faces quentes, respondeu-lhe, antes de conseguir se conter: "Você não acha que eu teria lhe contado algo se estivesse?"


    Harry parecia aliviado, mas não muito. "Bem, eu não tinha certeza. Você foi tão inexorável em relação a… tudo."


    Sentindo o seu rosto pegar fogo de constrangimento, Hermione virou a maçaneta, abrindo a janela de correr mais próxima dela. O frio vento do inverno fez os seus olhos doerem, mas pelo menos estava resfriando o seu rosto carmesim.


    "A minha proposta daquela noite ainda está valendo", disse Harry com voz grave. "Caso você tenha alguma dúvida."


    Hermione fechou os olhos, sentindo o gelo e a neve contra a testa. O maior desejo dela era não ter sido tão tola de insistir em ir junto naquela excursão ridícula. O único resultado seria que ela ia se sentir mais infeliz do que nunca.


    "E a minha resposta continua a mesma", disse Hermione com a voz dura. "Caso você tenha alguma dúvida."


    Harry ficou calado por vários minutos depois disso, e os únicos sons eram o rangido dos bancos de couro, o tinido dos arreios dos cavalos e as rodas da carruagem triturando a neve. Hermione rezava para que Harry não dissesse mais nada. Sentia que, apesar de sua força resolução, poderia recuar e aceitar a proposta, mandando para o inferno as conseqüências. E daí que ele não a amava? Ela o amava o suficiente para os dois.


    De repente, Harry disse: "Bem, acho que você vai rir ao ouvir isto, mas Draco - naturalmente você se lembra de Draco Malfoy, não se lembra, Hermione?". Diante do frio gesto dela indicando que se lembrava, ele continuou, falando rapidamente: "Bem, é danado de estranho, você sabe, mas Draco está me perseguindo nessas últimas semanas. Um dos motivos por que voltei para casa foi para fugir das lamúrias incessantes dele, na verdade. Mas temo que Draco tenha posto na cabeça que está apaixonado por você e não vai ficar satisfeito enquanto não receber permissão para fazer-lhe a corte."


    Se Hermione não tivesse passado as últimas semanas escondendo os seus sentimentos verdadeiros, não teria sido capaz de dissimular tão depressa quanto fez. Sem um segundo de vacilação, ela sorriu e disse: "Oh? Draco Malfoy? Que engraçado!".


    "Engraçado?" Os punhos de Harry, que estavam cerrados, relaxaram. Recostou-se no banco de couro e sorriu. "Não sei se Draco vai ficar muito lisonjeado com a sua reação."


    Hermione sorriu automaticamente mais uma vez. Só havia levado alguns segundos para acostumar-se à idéia de que Draco Malfoy e desejava. Draco era um homem de boa aparência, bem coração e muito divertido. Não seria um mau marido. Nem um pouco. Isso se ela fosse do tipo que pensasse em se casar, o que, naturalmente, não era.


    Mas por que Draco tinha que falar a Harry sobre isso? Oh, porque, como cunhado, Harry era responsável pelo bem-estar dela. Mas Harry era mais do que apenas o seu cunhado. Será que Draco sabia? Alarmada, Hermione se voltou, de olhos arregalados, para o homem sentado ao seu lado.


    "Ele…" Ela não conseguia tirar a ansiedade da voz." Ele sabe? Sobre nós, quero dizer?"


    Harry se sobressaltou. "Santo Deus, não! Quem você pensa que eu sou, Hermione? Posso ser um tolo, mas não sou um cafajeste."


    Aliviada. Hermione se recostou no banco. "Bem, o que você disse a ele?"


    "O que eu disse para quem?"


    "Para o Sr. Malfoy", disse Hermione, de dentes cerrados. Aquele homem às vezes podia ser burro como uma porta.


    "Para Draco? Sobre cortejar você? Ora, eu o proibi, é claro. Mas o homem é uma ameaça. Ele não me deixava em paz…"


    "Você o proibiu?"


    Harry não deu atenção à raiva na voz de Hermione. "É claro que proibi. É totalmente absurdo. Ora, ele tem quase o dobro da sua idade…"


    "Você não acha que eu deveria ter sido consultada sobre o assunto?", ela perguntou.


    "Você?" O rosto de Harry se voltou para ela, as sobrancelhas escuras levantadas com expressão de incredulidade. Notando que os lábios de Hermione estavam mesmo tensos, ele balançou a cabeça. "Estou surpreso. Quase parece que você está cogitando a idéia de permitir que ele…"


    "E por que não?" Desde que mantivesse os olhos longe dele, era fácil para Hermione manter o tom despreocupado. "Foi você mesmo quem disse, antes de ir embora, que eu deveria me casar algum dia."


    "E você insistiu que o casamento era algo que nunca levaria em consideração…"


    "Com alguém por quem eu não estivesse apaixonada", corrigiu-o Hermione rapidamente. "Ou que não me amasse." Harry deu-lhe uma olhada cortante, mas, antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, ela acrescentou: "Além disso, tive muito tempo para pensar desde que você foi embora e decidi que talvez não fosse uma idéia assim tão má eu me casar. Seria o melhor para todos, como você disse. Silenciaria os fofoqueiros e tiraria a carga do meu sustento das suas costas."


    "Carga! Eu nunca a consideraria uma carga!"


    "É totalmente absurdo que você continue a sustentar uma mulher que não é nem mesmo uma parenta consangüínea. E, se eu me casasse com o Sr. Malfoy, resolveria o problema de nós vivermos debaixo do mesmo tempo sem uma acompanhante, exatamente como você disse no mês passado…"


    "Casar-se com ele!" Harry se contorceu no banco. "Só lhe disse que ele estava interessado em lhe fazer a corte porque ele ficou insistindo…" Talvez pela primeira vez na vida, parecia que as palavras faltavam a Harry. Hermione imaginou que ele percebeu que fora pego na própria armadilha. "Nunca pensei que você fosse levar a proposta a sério!"


    "Por que não?" Hermione tinha se recomposto o suficiente para olhá-lo, desafiadoramente. "A idéia de um homem me fazer à corte é assim tão cômica aos seus olhos? Eu sou por acaso alguma bruxa e você não pode imaginar que algum homem se apaixona por mim?"


    "Não, é claro que não. Você é… bem, você é muito atraente. Mas é jovem demais até para pensar em casamento." Hermione então ficou genuinamente irritada. "Jovem demais! Tenho vinte anos!"


    "Vinte", repetiu Harry, rolando os olhos para cima. "Você é uma criança. O que sabe sobre o casamento?"


    "E você, o que você sabe sobre isso?", provocou-o Hermione. "Só como arruinar o de outra pessoa."


    No instante em que as palavras saíram da sua boca, Hermione se arrependeu, mas não havia nada que pudesse fazer. Harry olhava-a fixamente, de cima a baixo, o belo rosto mostrando que não acreditava no que ouvia. Dedos duros de repente cingiram um dos pulsos delgados dela, em um aperto esmagador. "Desculpe, mas o que foi que você disse?"


    "Bem", explicou Hermione, a garganta de repente seca. "A viscondessa é casada e você…"


    "Basta!", Harry vociferou. Hermione ficou tão assustada com o tom cortante da sua voz que recuou e se afundou no canto da carruagem, os olhos arregalados. Foi apenas o fato de Harry estar agarrando o braço dela que a impediu de pular da carruagem, temendo pela própria vida. "Você não sabe nada sobre mim e Lady Ashbury. Graças a Deus. E acho que é extremamente inapropriado que uma moça da sua idade até mesmo mencione um…"


    Apesar da fúria dele, Hermione não pôde segurar um sorriso. "Ora, você parecia não se importar com a minha tenra idade na noite do baile."


    Harry olhou para ela com tanta incredulidade quanto se ela lhe tivesse cuspido. A boca dele se abriu, mas nenhum som saiu e Hermione riu, mas foi um riso sem humor.


    "Ah! Diga-me, Lord Harry, por que sou jovem demais para o seu amigo, o Sr. Malfoy, mas não para o senhor?"


    Harry disse, com uma paciência que não condizia com o músculo que saltava no seu queixo: "Acredito ter deixado bem claro que não poderia lamentar mais do que lamento o que aconteceu entre nós. Tentei fazer o que é certo e honrado, ao lhe pedir que se casasse comigo, mas você me informou, em termos que não deixaram nenhuma dúvida, sobre o se desprezo pelo casamento. À luz disso, eu me retirei da minha própria casa de forma a evitar que o que ocorreu entre nós voltasse a acontecer. E, no entanto, agora você diz que receberia bem a perspectiva de se casar com o meu melhor amigo!"


    Hermione deu um pulo, porque Harry chutou violentamente o banco da frente. O impacto levou Bates a parar a carruagem e perguntar, preocupado: "My lord? Está tudo bem aí embaixo?".


    "Sim, Bates", respondeu Harry por entre os dentes, à mão apertando o pé por cima da bota e xingando baixinho sem parar. "Continue!"


    "Sim, my lord", disse o cocheiro, e o veículo entrou em movimento novamente.


    Hermione, que tinha se encolhido no canto da carruagem o mais longe possível, estudou Harry com os olhos arregalados, sem dizer uma palavra. Não conseguia de forma alguma entender por que pensar em ela se casar com seu amigo tinha deixado Harry assim tão desolado. Ele tinha deixado muito claro que não estava apaixonado por ela, portanto, o que isso lhe importava? A não ser que tivesse voltado para Potter cultivando a idéia de que poderiam retomar aquilo que tinham interrompido… mas isso não era possível. Era impossível que ele não soubesse que Hermione não se permitiria perder a cabeça…


    "Não quero ouvir nem mais uma palavra sobre você ser cortejado por qualquer pessoa", disse Harry finalmente, soltando o pé dolorido. "Vou proibir Draco Malfoy de…"


    Hermione soltou uma exclamação indignada. "Você não pode fazer isso!"


    A expressão de Harry parecia ter sido talhada em granito. "Desculpe-me, Hermione, mas posso sim. Enquanto você estiver vivendo sob o meu teto, está sob minha proteção e não vou permitir que seja submetida às atenções repulsivas de…"


    "Pensei que ele fosse o seu melhor amigo!"


    "E é." De repente, Harry pareceu perceber que estava debruçado sobre ela como um grande pássaro de rapina. Recostou-se, mas o seu olhar predatório continuou sobre ela. "Ele é o meu melhor amigo. Conheço-o melhor do que ninguém. E é por isso que proíbo. Você deve se esquecer que um dia eu toquei neste assunto."


    Hermione teve vontade de lembrar a Harry que, se ele tinha objeções tão fortes a seu amigo lhe fazer a corte, não deveria ter falado nada, para começo de conversa. Por que, então, tinha tocado no assunto?


    Hermione ficou remoendo esse problema o resto do dia. A viagem ao chalé do arrendatário transcorreu sem incidentes, a não ser pelo fato de que o robusto filho de doze anos do agricultor quase quebrou o nariz de Jeremy, o que cimentou para sempre os laços de amizade entre os dois meninos, já que Jeremy só conseguia ser amigo de alguém que lhe fosse superior fisicamente. Não se falou mais sobre Draco Malfoy porque Jeremy voltou para casa dentro da carruagem junto com eles, o lenço de Hermione comprimindo o nariz inchado.


    Não foi de surpreender que Lord Harry não tenha recebido com muito entusiasmo a notícia comunicada por Evers enquanto lhe tirava a capa e o chapéu no Grande Saguão.


    "O Sr. Malfoy chegou há pouco, senhor", disse Evers. "A Sra. Praehurst o colocou no Quarto Azul. Ele está agora jogando sinuca, se não me engano."


    Harry praguejou. Hermione ficou olhando-o com as sobrancelhas levantadas, mas Harry parecia esquecido de sua presença. Ele saiu pisando duro, os saltos das botas ressoando nas pedras da pavimentação, e até Jeremy, com a voz abafada por baixo do lenço de Hermione, percebeu sua irritação. "O que há com tipo Harry?", perguntou ele, em tom queixoso.


    "Não sei", suspirou Hermione. "Se você descobrir, não deixe de me contar.
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oi! ai está o capítulo 22, espero que gostem!
agora uma coisa que acho que vai acabar respondendo todas as perguntas:
a fic é uma adaptação do livro Where Roses Grow Wild, de Meg Cabot.
O titulo em portugues é A Rosa de Inverno.
obrigada a mione03, may33 e Ingrid Teixeira.
bjos,
Jeh Halle

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