Capítulo Cinco
Where Roses Grow Wild
Capítulo Cinco
O penetrante vento norte achatava a saia ampla de Hermione contra a armação que ela usava por baixo do vestido, fazendo-se sentir através das dobras do novo casaco de pele de castor e provocando lágrimas nos olhos. Ela afastou o lenço que mantinha pressionado sobre o corte bem acima da linha do cabelo e limpou os olhos com um canto limpo do linho monogramado, para que Jeremy não pensasse que ela estava chorando. Mas era tarde demais quando percebeu que ele a observava, os olhos brilhantes arregalados no rosto de bochechas vermelhas.
“Olá!”, gritou ele para se fazer ouvir sobre o vento. “Vejam o que vocês fizeram, seus palhaços! Vocês fizeram Hermione chorar!”
Os três homens, que trabalhavam desesperadamente para levantar a carruagem da vala em que tinha tombado, levantaram os olhos da sua labuta, a respiração irregular saindo em lufadas brancas de suas bocas. Com os uniformes vermelhos e brancos da Casa Potter, provavelmente estavam com muito mais frio do que ela, mas o esforço tinha feito com que surgisse um brilho em suas testas e o cabelo do lacaio estava grudado ao pescoço.
Hermione desejou, como vinha fazendo na última meia hora, desde que a carruagem derrapara na estrada - se é que poderia chamar de estrada essa triste trilha coberta de gelo que levava ao Solar Potter -, que ela e Jeremy nunca tivessem saído de Applesby. A essa altura do dia, estariam em casa, aconchegados perto da lareira, tomando chá da tarde, e não tiritando de frio em um pântano tão inaproveitável e gélido que até os ladrões de estrada se mantinham à distância.
Ao lado dela, Sir Arthur Herbert se mexia de um lado para o outro, desconfortavelmente, e tocou o braço dela com untuosa solicitude. “Srta. Granger, não sei como lhe pedir desculpas por esse acidente infeliz.” Sir Arthur vinha pedindo desculpas sem parar desde que a carruagem tombara. Hermione tinha esperanças de que o frio congelasse a língua dele. Infelizmente, a declaração indignada de Jeremy, de que Hermione estava chorando, tinha voltado a despertar a preocupação do executor do espólio. “Tem certeza de que não deseja se sentar? A senhorita está com frio? Posso emprestar-lhe minha capa?”
“Sem dúvida que não”, declarou Hermione com mais firmeza do que sentia. Ela evitou lembrá-lo de que, mesmo se quisesse se sentar, não havia onde fazê-lo, já que a carruagem estava metade dentro e metade fora da vala e não havia qualquer estrutura à vista. “Estou perfeitamente bem, Sir Arthur. Jeremy se enganou. Não estou chorando.”
Virando o rosto para que Sir Arthur não pudesse ver o rosto dela por trás do seu novo gorro de borda larga forrado de pele, Hermione deu a Jeremy o seu olhar de maior desaprovação, as finas sobrancelhas inclinadas para baixo sobre o nariz reto. Logo que chegassem a Potter ela teria que achar um momento para falar a sós com ele. Desde que ficara sabendo que era o novo duque de Potter, Jeremy estava intolerável.
O novo duque de Potter olhou o rosto da tia e gritou, com voz aguda: “Está sangrando de novo! Mione, a sua cabeça está sangrando!”.
Que amolação! Hermione pressionou o lenço de Lord Harry contra o corte sofrido quando a carruagem tombou. Hermione não sentia muita dor e não entendia por que tanto espalhafato, já que se tratava apenas de um pequeno corte escondido atrás de seu cabelo. Mas estava sangrando bastante, o suficiente para fazer Sir Arthur ficar muito branco e Lord Harry insistir em sair a pé em busca de ajuda…
“Agora está melhor”, disse Jeremy, sorrindo travesso para ela, mais feliz do que ela tinha visto desde o início da longa jornada para o sul. Mesmo a estadia de uma semana em Londres não tinha sido tão empolgante para o menino quanto esse acidente com a carruagem. Seus olhos brilhavam enquanto narrava mais uma vez como Lord Harry salvara Hermione de ser esmagada e morta pela barriga de Sir Arthur quando a carruagem derrapou na estrada.
“Logo que sentiu a carruagem se inclinando”, falava Jeremy, num arroubo, levantando o braço e puxando a manga do vestido de viagem verde-escuro de Hermione, “tio Harry puxou você para cima dele, não foi, Hermione? Para mim ele salvou a sua vida. Acho que Sir Arthur a teria esmagado como uma uva se caísse em cima de você.”
“Chega Jeremy”, disse Hermione suavemente. “Estou bem ciente do fato de que Lord Harry me salvou a vida. Eu já lhe agradeci.”
Sir Arthur Herbert pigarreou. Vinha ouvindo os comentários do jovem duque sobre o seu peso com constrangimento crescente e parecia ter chegado ao limite. “Vossa Graça, por que o senhor não corre até o topo daquela colina e vê se o seu tio já está chegando com um grupo de resgate?”
Jeremy não precisava de mais incentivo para gastar um pouco da sua energia, aparentemente sem limites. Disparou em direção ao cume coberto de neve, como uma pedra lançada de um estilingue, e Hermione aproveitou a oportunidade para enxugar os olhos novamente. O vento estava mais forte, lançando neve e pequenas partículas de gelo contra eles e ela sentia as bochechas e o nariz congelar. Durante o acidente, a maior parte do longo cabelo de Hermione tinha escapado da rede na qual ela o mantinha preso e seus dedos estavam dormentes demais devido ao frio para pôr as mechas rebeldes de volta no lugar. Naquele momento, os cachos evitavam que suas orelhas enregelassem.
Bateu os pés no chão, sentindo os dedos cada vez mais dormentes dentro das botas de pelica. Não havia nenhum lugar nesse pântano desolado, percebeu, em que pudessem se abrigar do vento. Talvez tivessem sobrevivido ao acidente da carruagem para morrer a apenas alguns quilômetros do seu destino.
“Minha cara Srta. Granger”, advertiu-a Sir Arthur. “A senhora está azulada de frio. Por favor, permita que eu lhe empreste minha capa. Eu estarei perfeitamente satisfeito com a manta de colo da carruagem…”
“Não seja ridículo Sir Arthur”, respondeu Hermione batendo os dentes. ”Estou perfeitamente bem. Não sei quantas vezes terei que dizer isso para alguém acreditar em mim.” A pulsação dolorida da sua cabeça desmentia as suas palavras, mas não havia razão para dar a Sir Arthur mais uma coisa de que se lamentar. Hermione mordeu o lábio inferior e agüentou a dor em silêncio, contente de ter a desculpa do vento para os olhos lacrimejantes.
“Acho que estamos quase conseguindo, senhor”, gritou um dos cocheiros e Hermione levantou os olhos esperançosa. O lacaio tinha segurado os cavalos e gritava em tom encorajados para a parelha da frente, enquanto dois cocheiros, lá embaixo na vala, empurravam para cima, com toda a sua força, o pesado veículo preto com ornamentos de metal.
Hermione pensou que um homem do tamanho de Sir Arthur poderia ser de grande ajuda empurrando, mas aparentemente ele se achava ser mais útil confortando-a. Naquele exato momento, ainda batia de leve no ombro dela, murmurando: “Tudo vai dar certo, a senhorita vai ver! Eles estão quase conseguindo. São bons rapazes. Lord Harry só contrata os melhores, a senhorita sabe.”
Mas seriam necessários mais do que três dos melhores homens de Lord Harry para endireitar a carruagem. Os cavalos estavam agitados e não conseguiam encontrar apoio para as patas sobre a estrada congelada e, quando as rodas da frente da carruagem tocaram a estrada, a parelha pisou em falso e todo o veículo desabou, caindo de novo na vala. Horrorizada com a possibilidade dos cocheiros serem esmagados, Hermione gritou uma advertência e os dois homens pularam para fora do caminho da carruagem bem a tempo.
“Oh!”, gritou Hermione. A essa altura, ela estava realmente começando a ter vontade de chorar. “Oh! Isso é terrível. Aqueles pobres homens! E os pobres cavalos! Quanto mais tempo vai levar, Sir Arthur, para Lord Harry e o outro lacaio chegarem a pé ao Solar Potter? Sei que ainda é cedo, está na hora do chá, mas já está escurecendo…”
“Tenha fé, Srta. Granger.” Sir Arthur olhou ao redor, tão desanimado quanto ela. Ele também preferia estar descansando ao lado de uma lareira acesa e tomando chá. “Tenha fé. Lord Harry Potter não vai nos decepcionar.”
Fé em Lord Harry Potter era algo que Hermione não tinha nem um pouco. Apesar de ele ter se abstido de novos avanços na quinzena que se conheceram, naquele horrível dia em Applesby, ela ainda não tinha certeza se confiava nele.
É verdade que ele havia se provado um perfeito gentleman durante sua estada em sua bela casa em Londres. Tinha mandado buscar Sir Arthur e sua esposa para serem seus acompanhantes e, apesar de Hermione não apreciar Sir Arthur, descobriu que gostava bastante da mulher dele. Lady Herbert era tudo o que o marido não era – atraente, bem-humorada e sensata. Apesar de ter cinco filhas, ela assumiu pessoalmente a seqüência aparentemente sem fim de compromissos com costureiras, resultante da promessa de Lord Harry de dar um novo guarda-roupa a Hermione, e se manteve muito mais animada do que a moça depois de meia dúzia de visitas à modistas de chapéus. Entre as provas, Lady Herbert passeou com Hermione por Londres. Ela não protestou nem um pouco contra uma visita à Câmara dos Comuns, apesar de o parlamento ainda estar em recesso, e entrou e saiu de museus com tanto entusiasmo como se nunca tivesse visto um deles.
Lord Harry providenciou para que o jovem duque também estivesse bem ocupado com lições de equitação no Regent's Park, visitas freqüentes ao zoológico e uma série de compras que a deixou furiosa, já que Hermione não aprovava que um menino da idade de Jeremy tivesse o seu próprio rifle, sem falar do enorme cavalo.
Mas era difícil se manter brava com um homem que insistia em levá-los a restaurantes caros todas as noites, sobre os quais Hermione só tinha lido, sem nunca nem sonhar em jantar em um deles. E quando, depois de uma suculenta refeição de lagosta com champanhe e merengue, ele invariavelmente aparecia com ingressos para lugares em um camarote para a ópera ou o teatro, como ela poderia continuar a se ressentir dele? O fato de que, logo depois do jantar, Lord Harry desaparecia todas as noites não era da conta dela. Como lembrou Lady Hebert, encolhendo os ombros Harry Potter era um homem do mundo e era um pouco cansativo para um homem assim passar todas as noites com um velho casal e, Hermione acrescentou para si mesma, com uma filha de vigário puritana, já que Lady Hebert era bem-educada demais para dizer isso.
Hermione sentia-se particularmente escandalizada pela manhã, quando Lord Harry se juntava a eles na mesa do café. Apesar de meticulosamente vestido como sempre, tinha olheiras e às vezes ela tinha certeza de sentir no seu hálito cheiro de uísque da noite anterior. Em resumo, acreditava que Lord Harry estivesse envolvido no tipo de atividades que seria de se esperar de um homem da sua idade e classe social, e ela se perguntava quanto ele gastava nas mesas de jogo toda noite e precisamente quantas amantes sustentava.
Ainda assim, apesar de convencida de que Harry estava se tornando muito dissoluto devido à vida de hedonismo que levava, Hermione era delicada com ele. Não queria que Jeremy percebesse a sua antipatia por aquele homem. Era-lhe importante que o seu sobrinho, que nunca tivera uma figura paterna na vida, com a exceção do avô, respeitasse o tio e não ajudaria se ele soubesse o quanto Hermione desaprovava aquele homem. Portanto, pela primeira vez na vida, Hermione guardou suas opiniões para si. Toda vez que via Lord Harry abatido e inclinado sobre o seu café, ela mordia a língua e se abstinha de importuná-lo com referências a seus excessos.
Mas até Hermione tinha de admitir que estava impressionada com a exibição de coragem viril feita por Lord Harry durante o acidente com a carruagem. No momento em que o veículo começou a se inclinar, ele jogou os braços ao redor dela, para protegê-la, e a puxou, tirando-a do caminho do corpo em queda de Sir Arthur. Infelizmente, sua proteção não conseguira evitar que ela batesse a cabeça com força contra a lâmpada de óleo do interior da carruagem. Mas o tratamento solícito que Lord Harry lhe deu, levantando-a gentilmente da carruagem e pondo o seu próprio lenço sobre a ferida que ela não podia ver (e não acreditava ser tão grave quanto os outros diziam), a sua insistência em fazer ele mesmo a caminhada até o Solar Potter para buscar ajuda, tudo isso melhorava cem vezes a opinião que ela tinha dele. Hermione nem tinha coragem de se queixar do frio, de tão comovida que ficara com a preocupação dele.
Mas já tinha partido havia algum tempo. Hermione estava gelada até os ossos e, além disso, com dor de cabeça. Qual a distância daqui até Potter? E quanto tempo demoraria até que outra carruagem fosse despachada para pegá-los?
Hermione pensou na bondosa esposa de Sir Arthur, Lady Hebert, e nas cinco filhas do casal, e em como ela estivera aquecida e satisfeita na noite anterior, junto a eles, em sua propriedade de campo, a vinte quilômetros de Potter. Ah, se pudessem adivinhar que haveria essa terrível tempestade de inverno antes de partir para o solar, naquela tarde! Se tivessem saído um pouco antes, teriam chegado antes da pior parte da tempestade. Se… se apenas os dedos dos pés dela não estivessem tão malditamente frios!
“Olá, vem alguém aí?” Sir Arthur levantou um braço, fazendo sinal para alguém - não na direção que Jeremy tomara, mas na direção oposta, de onde tinham vindo de carruagem. “Olá!”
Hermione virou a cabeça, piscando contra o vento, e viu um único homem a cavalo se aproximando rapidamente. Em um tempo daqueles e com tanto gelo, era pura loucura dirigir um animal assim. Ela pensou, com desalento súbito no coração, que apenas um homem fugindo de alguém ou de alguma coisa cavalgaria naquela velocidade e que talvez Sir Arthur estivesse sinalizando para um ladrão de estradas. Engolindo em seco, Hermione deu um pequeno passo para trás do cavalheiro em forma de barril e percebeu que o corpo dele era bem eficiente como escudo contra o forte vento.
“Olá!”, chamou Sir Arthur. “O senhor pode nos ajudar?”
Cavalo e cavaleiro surgiram do turbilhão de neve e gelo, e Hermione deu por si olhando para um garanhão enorme e de olhos vermelhos, de cujas narinas negras saía vapor. O cavaleiro do garanhão não era menos intimidante. Todo envolvido em um manto preto, o homem de ombros largos e olhos de aço sorriu para ela e, com um sobressalto de reconhecimento, Hermione percebeu que se tratava de ninguém menos que Lord Harry. Ele controlava o enorme animal que cavalgava com força e graça, assobiando por entre os dentes brancos e regulares, enquanto o cavalo batia os seus pesados cascos na neve profunda.
”Lord Harry!”, gritou Sir Arthur, encantado. Levantou o braço para tirar o chapéu e pôs uma mão nas rédeas do garanhão. Isso foi um erro. O cavalo sacudiu a sua cabeça negra furiosamente, salpicando a capa de Sir Arthur de espuma e neve parcialmente derretida.
“Ora, desculpe-me”, disse Sir Arthur, pretensamente para o cavalo, o que fez Hermione esconder um sorriso na aba de pele da sua peliça. “Mas de onde o senhor vem, Lord Harry? Vi o senhor e o jovem Bob partirem na outra direção…”
“Sei disso.” Com um rangido de couro, Lord Harry pulou da sela, pousando pesadamente na neve ao lado de Sir Arthur. Este, Hermione pensara desde o momento em que o conhecera, era um homem anormalmente grande, mas Lord Harry era uma cabeça mais alto que ele e quase trinta centímetros mais que Hermione . Com as botas e calças de cavalgar, era evidente que Harry Potter era magro em todos os lugares em que Arthur Hebert era gordo, mas ainda assim conseguia intimidar apenas pela sua grande estatura.
“O vento que saí do pântano não é de brincadeira”, disse Lord Harry, tenso. “Não há como um homem a pé sobreviver a ele. Por isso, fizemos o desvio e paramos na Mansão Ashbury. Tomei um cavalo emprestado e voltei o mais rápido possível. A carruagem vai levar algum tempo para chegar aqui. As estradas estão mortalmente traiçoeiras.”
“Ai, meu Deus!”, exclamou Sir Arthur, desanimado. “Que pena! A cabeça da Srta. Granger ainda está sangrando, my lord, e temo que ela esteja sentindo muita dor.”
“Ainda sangrando?”, repetiu Harry, enquanto a voz alta de Hermione, negando, se perdia no vento. Os olhos dele, verdes e brilhantes, a olhavam acusadoramente. “Levante esse lenço”, ordenou. “Deixe-me ver isso.”
“Não é nada”, insistiu Hermione. “É apenas Jeremy. Ele é excessivamente protetor em relação a mim.” Estava constrangida com a confusão que todos estavam fazendo por uma coisa que, tinha certeza, não passava de um corte pequeno.
Também estava bastante consciente da intensidade do olhar de Lord Harry. Por que ele sempre a olhava daquele jeito? Deveria saber que ela nunca poderia ser mais nada do que a sua cunhada… e, na verdade, uma cunhada particularmente empertigada e correta. Quanto aborrecimento! O homem era uma ameaça. A última coisa que ela queria era que ele pusesse as mãos no seu rosto, examinando-a de perto. O toque de suas mãos a deixava nervosa e o seu olhar… bem, era melhor ele deixar de olhá-la daquele jeito ou ela teria uma dura lição para lhe dar.
Mas ele não a deixaria sossegada até que lhe permitisse olhar a sua testa, então, de má vontade, Hermione tirou o lenço amassado da cabeça e inclinou o rosto em sua direção, mantendo os olhos cuidadosamente afastados dos dele. Ele segurou o queixo dela entre os dedos enluvados e a examinou de perto, as sobrancelhas escuras vincadas. Ela teria sobrevivido bem a essa prova se ele não tivesse achando necessário sondar a linha do cabelo com outro lenço limpo, desta vez o de Sir Arthur.
Hermione soltou sem querer um grito de dor. Mordeu o lábio inferior, mas não pôde evitar que lágrimas rolassem devido à sensibilidade do seu ferimento. A visão dela de repente girou e por um momento o equilíbrio a abandonou.
Lord Harry largou o queixo dela e, apesar do protesto indistinto de Hermione, segurou a sua cintura estreita com um braço de ferro enquanto ela oscilava, atordoada, não sabendo se devido ao ferimento na cabeça ou à grande proximidade dele.
Sir Arthur imediatamente começou a reaprendê-la por não lhe contar que não se sentia bem e ela só conseguia piscar desculpando-se com ele, sem confiar na sua voz para falar. Hermione se recostou em Lord Harry, grata tanto pelo calor de seu corpo quanto pelo apoio. Ele envolveu a sua pesada capa preta ao redor deles dois e ali dentro Hermione começou a sentir os dedos e o nariz novamente.
Foi só quando a tontura começou a se dissipar que ela percebeu a dureza dos músculos debaixo da lã sobre a qual seu rosto descansava. Subitamente acanhada, Hermione tirou as mãos do regalo e as colocou contra o peito largo e forte de Harry. Ela era tão pequena e a sua força tão inútil que ele nem percebeu seu empurrão urgente.
“Ela deve estar realmente muito mal”, repetia Sir Arthur, “mas nunca disse nada, pobrezinha.”
“Tenha paciência!”, Hermione conseguiu exclamar, zombeteiramente, apesar de sua respiração ainda estar curta e o coração martelar com esforço contra os espartilhos. “Não é nada além de um pequeno galo…”
“Hermione!” O berro de Jeremy era suficiente para acordar os mortos e, entorpecida como ela se sentia, Hermione levantou a cabeça e o viu correndo pela encosta coberta de neve abaixo, o pequeno rosto vermelho de raiva e a respiração saindo tão velozmente como o vapor de uma locomotiva.
“O que você pensa que está fazendo com a minha Hermione?”, inquiriu Jeremy. “Solte-a imediatamente!” Há muito tempo considerado o garoto problema de Aberdeen, Jeremy Potter estivera envolvido em tantas brigas e confusões que já não sabia quantas, muitas delas por causa dela. Hermione tivera a esperança de que levá-lo à sua casa ancestral ajudaria a civilizá-lo…
Mas parecia que, em seu tio Harry, Jeremy havia encontrado o seu par.
“Silêncio, seu rapazola impertinente”, rosnou Harry, “ou eu o ponho sobre os joelhos.”
“O senhor não pode fazer isso”, declarou Jeremy. “O duque sou eu!”
“Ora, Jeremy”, resmungou Hermione. A última coisa que ela queria era sair do quente abraço de Harry para enfrentar aquele vento gelado de novo, mas não era nem um pouco prudente ficar apoiada tão intimamente nos braços dele. Nem era necessário, a essa altura. A dor de cabeça tinha voltado a ser uma pulsação surda, porém tolerável, e ela já não se sentia nem um pouco atordoada.
Mas, ao levantar os olhos, os lábios abertos para pedir que Harry a soltasse, ela descobriu que ele não estava prestando nem um pouco de atenção nela. A presença tão próxima dele provocava uma série de emoções conflitantes na moça, mas parecia que Harry não era nem um pouco afetado pela proximidade de Hermione. Ele olhava fixamente para o céu, com expressão inescrutável.
“Estás nevando mais forte”, observou. “Acho que o melhor é eu levar a Srta. Granger para Potter agora. Ela não deve esperar pela carruagem.
Hermione deu uma olhada apreensiva para o garanhão negro, o vapor saindo em grandes baforadas das narinas. “Realmente, my lord, estou bem. Posso esperar a carruagem. E o senhor não precisa me segurar como se eu fosse ser levada pelo vento.”
“Você não está bem e vai fazer o que eu mandar.”
O olhar penetrante de Harry parecia fazer um buraco através dela e Hermione olhou para o outro lado, o rubor tingindo as suas faces claras. Nunca tinha encontrado um homem, a não ser algum admirador ocasional e anônimo nas ruas, em Applesby, que a fitasse tão descaradamente. Ela devia estar com um aspecto horroroso, pensou, preocupada, para ele olhá-la daquele jeito.
Percebendo que ela não se sentia à vontade, Harry tirou o braço da sua cintura, mas desabotoou o manto e o pôs sobre os ombros estreitos de Hermione , apesar dos seus protestos. A roupa pesada era grande demais para ela e quase trinta centímetros de tecido se arrastavam pela neve. Livre daquele confortável abraço, Hermione oscilou um pouco ao vento, sentindo como se todos os pontos em que Harry a tocara tivessem sido marcados a fogo. As suas faces queimavam e ela manteve os olhos baixos, evitando olhar diretamente para alguém.
Jeremy, porém, a conhecia bem demais para ser enganado por essa tentativa de aparentar normalidade. “Você está mal”, ele declarou, vindo para ficar ao seu lado. “Por que não disse nada antes?”
“Ora, de que adiantaria?” Ela estendeu os braços e ajeitou o gorro dele, afundando-o firmemente sobre as orelhas. “Isso não faria a ajuda chegar mais rápido.”
Jeremy se mexeu, aborrecido. “Pare de cuidar de mim. É você que precisa de cuidados.” Inflando o peito, ele se virou e se dirigiu a Lord Harry: “Acho que é melhor você a levar, tio. Ela é tão forte quanto parece”.
Hermione quase caiu na gargalhada diante disso, mas a risada morreu rapidamente quando ela levantou os olhos e viu Lord Harry se aproximando a passos largos, no rosto uma expressão decidida.
“Você vem comigo”, disse ele com seriedade.
Hermione instintivamente deu um passo para trás, a visão correndo para o garanhão. “Ah, não”, disse ela, brandindo o regalo como se fosse uma arma. “Está tudo bem. Ficarei aqui com Sir Arthur. Leve Jeremy. Ele provavelmente adoraria cavalgar naquele… naquele… naquela coisa.”
Mas seus protestos não poderiam ter caído em ouvidos menos complacentes. Ainda quando ela retrocedia, os dedos de Harry se fecharam ao redor do pulso de Hermione e de repente ela estava nos braços dele. Como se não pesasse mais que uma criança, Harry a levantou e colocou na sela, as mãos tão grandes que os dedos enluvados quase circundaram a cintura da moça. Hermione não conseguiu evitar um suspiro ao perceber a grande distância que existia entre o chão e o dorso daquele enorme cavalo.
“Você está bem?” Harry lhe perguntou, estudando-lhe o rosto com curiosidade.
Hermione engoliu em seco e fez que sim, disfarçando o terror com uma exibição de indiferença, calmamente arrumando as saias ao redor do pescoço do animal. Por dentro, porém rezava com fervor para não fazer nenhuma tolice, como desmaiar ou cair.
Harry subiu com um movimento rápido para a sela, atrás dela, tirando o pesado manto dos ombros de Hermione e o abotoando ao redor dos dois. O braço dele contornou a cintura dela de novo, mas dessa vez ela ficou agradecida pelo apoio. Assim, se desmaiasse, ele a pegaria antes que caísse no chão duro e tão distante.
“Hebert”, disse Lord Harry, juntando as rédeas do garanhão. “Você espera aqui com Sua Graça pela carruagem leve. Não deve demorar muito mais.”
“Oh!”, exclamou Sir Arthur. “Excelente, my lord. E talvez, no caminho, possamos parar na casa do médico e levá-lo conosco para o solar, para examinar o ferimento da Srta. Granger.”
Acomodada entre as pernas fortes de Harry, Hermione se manteve sentada o mais imóvel que conseguia, as maças do rosto queimando. Através da saia e da armação, sentia o contorno nítido da masculinidade dele contra as suas nádegas, a dureza do peito dele contra a curva da suas costas. Ela achara que o abraço dele tinha sido íntimo antes, mas era nada em comparação com a familiaridade com que agora se apoiavam um no outro. Hermione tentou controlar as batidas fortes do seu coração, sabendo muito bem que, para ele, como homem do mundo, a situação provavelmente não passasse de pura rotina. Era apenas uma corrida através do pântano. O que poderia ser mais monótono?
“Até logo, então”, gritou Harry para Sir Arthur e Jeremy, controlando o corcel que resfolegava. “Até nos encontrarmos em Potter.”
E então dispararam com tanta velocidade que Hermione mais uma vez ficou ofegante. Tirando as mãos do seu regalo, ela prendeu os dedos, aterrorizada, ao redor do braço com o qual Lord Harry a segurava e ele reagiu apertando mais a cintura dela com uma risadinha.
“Você não tem muito de amazona, hein?” perguntou. Hermione engoliu uma resposta sarcástica. Não parecia prudente antagonizar a única coisa que a impedia de encontrar a morte certa debaixo daqueles enormes cascos.
Cruzaram os prados irregulares do pântano, a neve chicoteando-lhes a pele e o ar frígido devastando o cabelo de Hermione, apesar da aba larga da sua nova touca. Os seus olhos transbordavam devido ao frio e ela mal podia ver. Baixou a cabeça contra o peito de Lord Harry e começou a rezar. O primeiro entre os seus pedidos era a esperança de não cair do cavalo. Ela tinha um desejo secundário, de ver Lord Harry morrer de uma doença particularmente desagradável, mais isso, ela admitiu de má vontade, poderia esperar para depois que ela estivesse em segurança no Solar Potter.
Quando o resfolegante garanhão negro se acomodou em um meio galope suave, Hermione sentiu o aperto de Harry ao redor de sua cintura relaxar um pouquinho. Ele perguntou, olhando para dentro da aba de pele da touca que ela usava: “Você está bem? Isso não é demais para você?”.
“Estou bem sim”, disse Hermione, entre dentes. “Estou bem obrigada.”
“Você não é uma mentirosa muito convincente, não é?”, riu Harry.
“Eu sou filha de um vigário”, retorquiu Hermione mordazmente. “Não se espera que eu seja boa em mentir. Jeremy, por outro lado, mente admiravelmente bem.”
“Esse traço ele deve ter puxado do lado paterno da família”, disse Harry, sorrindo.
Hermione balançou a cabeça. Os dentes estavam batendo, mas ela esperava que Lord Harry supusesse que era de frio e não de medo do cavalo. “Oh, não estou assim tão certa disso Kathy sempre teve talento para inventar coisas.”
“Nada disso, Jeremy sem dúvida é do jeito do pai dele. A imagem escarrada de John com essa idade.” A voz de Lord Harry parecia estranha. “O seu pai deve ter tido um ataque apoplético quando a sua irmã e o meu irmão fugiram. Você se lembra disso?”
“Claro que me lembro”, disse Hermione. Ela engoliu em seco, não devido à lembrança, mas por causa do grande fosso que o cavalo de Lord Harry acabava de pular. Quando se sentiu em condições de falar novamente, disse: “Eu tinha a idade de Jeremy na época. As crianças têm a capacidade de reter lembranças aos dez anos, você sabe”.
Se Lord Harry ouviu o tremor da voz dela, ignorou-o. “Como era ela, a sua irmã Katherine? Não como você, obviamente, se era uma mentirosa hábil.”
Hermione mexeu o corpo contra o dele, pouco à vontade. Ainda não conseguia ver nada à sua frente, a não ser um mar inconstante de branco, com um céu cinzento por cima. “Parecida comigo? Não, nem um pouco.”
“Nem um pouco parecida com você? Isto é difícil de acreditar. Sem dúvida, Katherine era bonita, como você.”
Hermione , se pudesse, teria estendido o pescoço para dar uma olhada no rosto dele naquele momento, já que não sabia, pelo tom de voz, se ele estava ou não caçoando. Mas, no minuto em que tentou fazer isso, recebeu no rosto uma cortina de neve. Baixou a cabeça contra o peito de Harry. Maldito seja ele, de qualquer forma. Por que estava tentando flertar e diverti-se com ela naquele momento, quando as defesas dela estavam baixas? Tivera uma semana em Londres para tentar cortejá-la, mas praticamente a ignorara. Criaturas detestáveis, os homens.
“Katherine é muito bonita”, admitiu Hermione depois de uma pausa. Manter uma conversa com aquele clima e no lombo de um cavalo era difícil, mas, Hermione teve que admitir, ajudava a afastar seus pensamentos do frio e do medo de cair. Acrescentou, hesitante: “Mas um rosto bonito não implica necessariamente uma alma bonita”.
Harry riu: “Falou como uma verdadeira filha de vigário. Você não aprovava o jeito de Katherine, não é? Ela e John, pelo que entendi, não eram exatamente retraídos e reservados nas suas atividades…”
“Não, nem um pouco”, falou Hermione. “Para eles, a vida era apenas uma festa atrás da outra. Sem se preocupar que sua existência dissoluta acabasse destruindo os dois, deixando órfão o seu bebê inocente…”
"A quem você então se encarregou de criar." Harry olhava para ela com expressão irônica. "Não é de admirar que seja uma liberal. Deve ter uma opinião muito desfavorável da aristocracia se o meu irmão foi à única experiência que teve com ela. John não era exatamente responsável, fiscalmente ou de qualquer outra maneira."
"E quem da sua classe social é?", inquiriu-o Hermione. "Não consigo me lembrar de nenhum membro da Câmara dos Lords que esteja mais preocupado com o bem do povo do que com o bem de seu próprio bolso."
"Não tenho prazer em discutir política com uma filha de vigário de olhos cor de mel no meio de uma nevasca", disse Harry, e então a voz dele revelou claramente que ele estava se divertindo. "Mas, em defesa da minha gente, afirmo que, se você ou o seu pai alguma vez tivesse pensado em entrar em contato com a minha família, nós teríamos providenciado dinheiro pra vocês, pelo bem estar de Jeremy."
"Oh!", interrompeu Hermione, esquecida de todo o medo de cair. "Você esperava que nós fôssemos rastejando de Applesby, procurando as sobras da sua mesa, mesmo depois que todos na sua família deixaram muito claro, quando John e Katherine se casaram, que nenhum de vocês queria saber de nada conosco? Ora, sem saber absolutamente nada sobre nós, vocês nos odiaram desde o primeiro momento!"
"Calma, calma", disse Harry, rindo e com o mesmo tom que usaria se estivesse tentando acalmar uma égua nervosa. "Você junta todos nós, Potter, como se fôssemos um grande cozido ou algo assim. Eu não sou responsável pelas ações do meu pai, e não poderia ter feito nada contra elas." Diante de uma fungada de Hermione, mostrando o quanto ela duvidava disso, Harry insistiu: "Estou falando a verdade, Srta. Granger. Eu estava fora de casa, em Oxford, quando John e a sua irmã fugiram".
"Ora, é mesmo? E ele não lhe disse nada sobre os seus planos?"
"Ele e eu nunca fomos muito próximos. Tínhamos as nossas divergências". Harry interrompeu o que estava dizendo, surpreso porque Hermione tinha bufado descortesamente. Ela não conseguira evitá-lo, apesar de que o seu pai sem dúvida não aprovaria isso.
"Divergências! Isso sim é que é amenizar uma situação!"
"Eu sou assim tão diferente do John?", Harry parecia em dúvida. Ela se perguntou o que ele queria dizer com isso. Não sabia que o seu irmão John tinha sido um bêbado mal-humorado e desbocado? Ora, Hermione nunca compreenderia o que Katherine tinha visto nele, com a exceção do rosto bonito… e da carteira aparentemente sem fundo, é claro.
"Você sabe que não se parece nada com ele", disse Hermione, sem querer continuar para não afagar demais o ego dele. Tinha certeza de que Lord Harry Potter tinha muitas amigas para afagar seu ego… e outras coisas também. Ela não iria sucumbir tão facilmente aos seus encantos. Parou de falar, porém, ao vislumbrar alguma coisa através do turbilhão de neve. Sentindo a rigidez do corpo da moça, como uma reação inconsciente a alguma coisa, Harry abaixou os olhos para ela com ar interrogativo e notou a direção de seu olhar.
"Ah", disse Lord Harry com uma risada sem qualquer calor. "Aqui estamos nós, portanto. O incomparável Solar Potter."
Através da cortina oblíqua da neve, Hermione viu que, no fim irregular do pântano, uma linha de antigos carvalhos desfolhados formava uma aléia na colina suave, no alto da qual ficava a estrutura que Lord Harry chamava de Solar Potter. De três andares, com inúmeros anexos formando os estábulos, a casa das carruagens e a casa dos arrendatários, o solar enfeitava a paisagem ao redor como um cisne deslizando sobre um lago de prata. Das janelas superiores voltadas para o sul, Hermione tinha certeza de que, em um dia claro, era possível ver a encosta da colina até a aldeia mais próxima, que o Solar Potter e seus habitantes dominavam.
"É linda!", disse Hermione, respirando fundo e mal percebendo que falara em voz alta. Nunca tinha visto algo assim e se perguntou se as coisas teriam sido diferentes para Katherine se John a tivesse trazido para a sua casa ancestral.
"Você acha?" Harry parecia divertir-se. "Eu sempre a considerei uma monstruosidade. Localizada da forma mais infeliz. Os ventos do pântano parecem atravessar as paredes no inverno. Temos a maior dificuldade em mantê-la aquecida. Mas o pai do meu trisavô Potter não tinha o bom senso concedido por Deus a um estorninho e ele construiu uma casa voltada para um pântano."
Hermione mal o ouvia. Simplesmente não parecia possível que apenas algumas semanas antes ela e Jeremy estavam usando o restinho de carvão do depósito, sem saber como iriam conseguir dinheiro para comprar mais. Agora, com uma rapidez que estava fazendo a cabeça de Hermione rodopiar, eles nunca teriam que se preocupar com o carvão - ou com dinheiro - novamente. Passar da miséria digna para tudo aquilo em apenas uma quinzena… Parecia um capítulo de um dos livros de fadas de Jeremy.
Atrás dela, sentiu Harry bater no cavalo com o pé, fazendo-o galopar, levantando uma onda de neve e cascalho do caminho. Avançaram pela fila de carvalhos que levava até a casa coberta pela névoa, as luzes das muitas janelas do solar fazendo alegres padrões amarelos na neve incólume e na larga escada de pedra que levava aos pesados portais duplos. Aquelas portas começaram a se abrir antes mesmo de Harry ter parado totalmente a sua montaria, revelando mais luz amarela brilhante e dois homens com perucas empoadas e uniformes verdes e brancos, que desceram rapidamente os degraus cobertos de neve, correndo na direção deles.
Foi necessária a força dos dois homens, mais toda a destreza eqüestre de Harry, para levar o cavalo, extremamente nervoso, na direção da escada de pedra, para que pudessem desmontar. Aparentemente, o cavalo de Harry não estava tão ansioso para sair daquele clima inclemente quanto os seus cavaleiros.
"Oh, Lord Harry", gritou uma voz de mulher. Hermione viu uma silhueta rechonchuda entre as portas gêmeas da casa. "Estou tão feliz de vê-lo em casa em segurança, my lord. Um acidente tão terrível e um tempo tão assustador! Felizmente o senhor conseguiu encontrar um cavalo. Diga-me, como estão o jovem duque e a tia dele?"
"A senhora pode verificar isso por si mesma, Sra. Praehurst", disse Harry, tirando o pesado manto dos seus ombros largos e o enrolando ao redor de Hermione. "Trago comigo uma das vítimas do grande desastre de carruagem da Estrada Post."
A mulher ofegou e saiu até a escada de pedra, e Hermione viu que ela era compacta e de meia-idade. Julgando-se pelo aro de chaves que trazia dependurado em uma corrente ao redor da cintura, a mulher era a governanta do solar.
O vento e a neve empurravam a touca de renda que ela usava sobre o cabelo grisalho, mas a Sra. Praehurst mal parecia notar. Ela se virou e gritou para dentro da casa: "Sr. Evers! Rosie, vá buscar o Sr. Evers. Diga-lhe que Lord Harry chegou e que ele está…". Ela se interrompeu, os olhos piscando atrás dos óculos de aros dourados. "E quem é essa jovem, my lord? Sem dúvida não é a pequena Maggie Herbert, não em uma noite como esta!"
"Sem dúvida que não", disse Harry, com mais uma das suas gargalhadas. Ele desmontou com, Hermione estava aprendendo, a sua agilidade característica e se voltou para ela, os braços estendidos, um brilho travesso nos olhos claros.
Hermione mordeu o lábio inferior, o olhar baixando apreensivamente em direção ao chão.
"Pode vir", disse ele, as mão enluvadas erguidas para as dela, que estavam sobre a crina do cavalo. "Não vou derrubar você, se é isto que está pensando."
Era tão perto do que Hermione pensava que ela enrubesceu, constrangida. Felizmente, qualquer pessoa que a visse à luz que saía das portas da frente de Potter pensaria que as faces vermelhas eram devido ao vento. Com cuidado, Hermione pôs os braços ao redor do pescoço de Harry, fechando bem os olhos, e deslizou para dentro do abraço quente dele, como se fosse o lugar mais natural do mundo para estar. Mas, em vez de a pegar deslizando-a pelo dorso do cavalo, Harry a levantou nas mãos com tanta facilidade como se ela fosse uma criança e se virou para levá-la nos braços até a escada de pedras e, de lá, para dentro da casa.
"Pelo amor de Deus", protestou Hermione, os olhos se arregalando. "Não sou uma inválida! Eu posso andar, não é mesmo?"
"Está escorregadio aqui", foi à resposta sucinta de Harry, apesar de aparentemente não estar tendo nenhum problema em encontrar apoio para os pés. "E molhado."
"Eu estou toda molhada", Hermione o informou. "Não tenho nem um ponto de costura seco no corpo. Não sei qual é a diferença…"
"Alguém já lhe disse", perguntou Harry enquanto subia a escada da entrada do solar, "que você fala demais?"
Antes de Hermione poder encontrar uma réplica apropriadamente mordaz, Harry já chamava pela governanta. "Sra. Praehurst! Posso apresentar-lhe a tia de Sua Graça, a Srta. Hermione Granger?"
A Sra. Praehurst, quando Harry levou Hermione suficientemente perto para dar uma boa olhada nela, ficou totalmente espantada por trás dos óculos, mas os seus bons modos a impedias de mostrar isso.
"Ora, mas…", disse a governanta, fazendo uma mesura. "Meu Deus, Srta. Granger… Por favor, me perdoe. É que, com essa luz… e a senhora parece tão jovem… espero que…" A governanta então tentou um outro caminho. "O seu ferimento é muito grave?"
"Estou bem, obrigada", disse Hermione delicadamente, enquanto Harry a levava rapidamente para dentro, deixando para trás a surpreendida governanta. Foi realmente muito difícil falar com dignidade enquanto era transportada de um lado para o outro como se fosse um saco de trigo. "É uma enorme satisfação conhecer a…"
"Evers!" O berro de Harry a fez estremecer. Quando voltou a abrir os olhos, ela viu que estava dentro do Grande Saguão, um cômodo tão grande, com teto tão alto, que a única estrutura comparável em que Hermione já entrara era a igreja do pai.
Brilhantemente iluminado por vários candelabros suspensos nas vigas, aquele cômodo era exatamente tudo o que Hermione sempre pensou que um grande saguão seria… um espaço vasto e ostentoso, sem qualquer serventia concebível. Era mobiliado com alguns conjuntos de poltronas com o encosto forrado de tapeçaria e havia diversas naturezas-mortas toleravelmente bem-feitas nas paredes, junto com alguns tapetes antigos sobre o chão de pedra. Uma escadaria dupla se curvava ao redor de uma porta larga, que dava para a sala de jantar, e levava a uma galeria aberta que terminava em três paredes do segundo andar. No total, era um espaço imenso e o custo anual de aquecê-lo provavelmente poderia alimentar toda uma família em Applesby pela vida toda.
Mas Hermione mal pôde absorver tudo isso antes de o berro de Lord Harry fazê-la estremecer de susto mais uma vez.
"Evers!" Dessa vez Harry recebeu a resposta de um homem calmo e um pouco velho, que entrou no saguão arrastando os pés, por uma porta lateral. "My lord?" Ele não parecia nem surpreso com o fato de seu patrão estar carregando uma jovem nem particularmente interessado.
"Evers", disse Harry. "Aí está você. Robert já…"
"O jovem Robert chegou há pouco. Já tomei as providências e estão aquecendo conhaque nesse instante. Esta, suponho, é a tia do duque." Sem esperar a resposta, Evers dirigiu-se a Hermione como se estivesse falando com uma rainha, curvando-se até a cintura. "Srta. Granger, é uma honra para mim."
"Mandei preparar o Quarto Rosa para a jovem dama", disse a Sra. Praehurst, passando por eles apressada, as chaves tinindo musicalmente. Fechara as portas da frente e dado instruções para que uma criada enxugasse a neve derretida que tinha entrado na casa, soprada pelo vento. "Há um bom fogo aceso e vou preparar um banho quente imediatamente. Os dois vão querer lanches depois de enfrentar esse frio terrível. Rosie corra e diga à cozinheira que o patrão - quero dizer, Lord Harry - está em casa e vai querer algo quente para beber…"
"Conhaque é tudo o que eu quero", disse Harry. Dirigiu-se a passos largos para as escadas no final do Grande Saguão. "Sir Arthur Herbert vai trazer o médico com ele. Mande o Sr. Parks diretamente para os aposentos da Srta. Granger logo que ele chegar."
Alguém fez um barulho na galeria que dava para o Grande Saguão e Hermione levantou os olhos. Um homem belamente vestido, mais ou menos da idade de Harry, uns trinta anos, estava inclinado sobre a balaustrada, com um copo de um líquido com âmbar na mão.
"Ora, ora, Harry", cumprimentou ele, falando alto e bem-humorado. "Para onde você fugiu? Arabella me disse que você chegaria há uma semana." O homem, de cabelos claros, deu um gole na bebida e depois olhou para baixo, observando-os. "E então, quem você tem aí? É Maggie Herbert? O que diabos essa garota está aprontando agora?"
Harry mudou Hermione de um braço para o outro e ela instintivamente se agarrou mais ao pescoço dele, pensando que ele ia derrubá-la. Então percebeu, corando, que ele estava apenas enrolando o seu longo manto mais firmemente ao redor dela, já que a bainha estava arrastando no chão e ameaçando fazê-lo tropeçar. Ele baixou os olhos para ela, com um sorriso maroto nos lábios incomodamente sensuais. Hermione afastou os olhos de imediato, tentando evitar o olhar dele. Infelizmente, na posição em que estava, a única forma que poderia fugir desse olhar era cair mais de um metro, até o chão de pedras.
Para esconder o seu constrangimento, perguntou: "Quem é aquele homem, o que está gritando?"
"Aquele", disse Harry, dando uma olhada para cima. "é o Sr. Draco Malfoy, que conheci quando fui mandado para a escola, na infância, e de quem até agora não consegui me livrar. Ele não tem o seu próprio solar e por isso usa o meu sem cerimônia."
"E quem seria Arabella?", perguntou Hermione mordazmente. "A sua amante?"
O sorriso se transformou em uma carranca de desaprovação. "Como pode", perguntou ele secamente, "um rosto tão doce abrigar uma língua tão peçonhenta?"
"Sou uma liberal, lembra-se?", respondeu Hermione. "A minha língua peçonhenta é a minha única defesa, já que não tenho uma renda ou uma propriedade da qual falar."
Harry limitou-se a fechar ainda mais a cara em vez de dar uma resposta. Ignorando a conversa dos dois, a Sra. Praehurst passou apressada por eles, levantando a saia para subir correndo uma das escadas curvas.
"Vou à frente, my lord, e ajeitar a cama da Srta. Granger…"
"Srta. Granger?" O homem de cabelo claro que Harry tinha dito se chamar Draco Malfoy quase derrubou a sua bebida pela balaustrada, mas conseguiu pegar desajeitadamente o copo antes de ele cair e se espatifar no piso de pedras. Quando Harry chegou, seguindo a Sra. Praehurst escada acima, à galeria aberta, o seu amigo tinha se recomposto o suficiente para recebê-los com um sorriso tranqüilo e curiosidade mal disfarçada.
"Olá, como vai?", disse ele, andando apressado ao lado de Harry, o olhar brilhante fixo em Hermione . "Permita que eu me apresente, já que o meu anfitrião não faz isso por mim. Meu nome é Malfoy. Draco Malfoy."
Os passos largos de Harry se apressaram, seguindo a saia sussurrante da Sra. Praehurst pela galeria aberta. Hermione deu por si esticando o pescoço para ver Draco por cima do ombro largo de Harry. "Como tem passado, Sr. Malfoy?” perguntou ela educadamente. Draco Malfoy não era tão alto quanto seu anfitrião nem tinha uma constituição tão vigorosa e era de tez clara, enquanto a de Harry era morena, mas também era bonito e estava vestido muito elegantemente. Hermione nunca tinha visto tantos babados em uma gravata.
"Bem, eu estava apenas toleravelmente bem, Srta. Granger, até a sua chegada." Draco Malfoy andava ao lado deles enquanto viravam e entravam em um corredor acarpetado, como se fosse um cachorrinho do colo todo arrumado. "Terrivelmente monótonas têm sido essas últimas semanas desde que Harry viajou. Mas, devo dizer, a sua beleza incomum ilumina esse triste e velho…"
"Malfoy", rosnou Harry. Ela sentiu o ruído surdo de desaprovação no peito dele. "Pare com isso."
"Ora, tenha misericórdia, Potter." Draco freou quando a Sra. Praehurst parou e procurou entre as suas chaves em frente de uma porta ricamente entalhada na extremidade do corredor mal iluminado. "A Srta. Granger e eu estávamos apenas nos conhecendo!"
"Eu disse para você parar", disse Harry com rispidez. Hermione levantou os olhos, deu uma olhada para o perfil bem delineado acima dela e viu que o queixo quadrado estava tenso. Uma luz perigosa brilhava naqueles olhos. "Você se esquece que eu não gosto de repetir o que digo."
Draco não parecia nem um pouco abalado com a repreensão do amigo. Apoiou-se no elegante lambril e suspirou. "Suponho que isso signifique adeus por enquanto, Srta. Granger."
"Vá embora, Malfoy." Harry deu um chute na porta que a Sra. Praehurst tinha destrancado, abrindo-a ruidosamente. Hermione olhou para a governanta para ver o que ela achava daquele comportamento bárbaro, mas a Sra. Praehurst limitou-se a olhar para o alto, de um jeito que lembrava o de Hermione quando Jeremy se comportava mal.
O Quarto Rosa, para o qual Hermione foi carregada, fazia jus ao seu nome. Suntuosamente mobiliado em tons sutis de rosa e lilás, as paredes com papel estampado com prímulas brancas, o quarto irradiava feminilidade. Mas, apesar do fogo forte que queimava na lareira e das flores frescas colocadas em um vaso ao lado da grande cama coberta por um dossel, Hermione sentiu que o quarto não era ocupado havia algum tempo. Imaginou que a última ocupante tinha sido a duquesa de Potter, mãe de Lord Harry, que morrera havia quase vinte anos.
Se estivesse certa, porém, a Sra. Praehurst não deixava isso transparecer de forma alguma. Toda atarefada, a governanta cruzou o quarto e apressou-se a puxar o pesado acolchoado de penas, revelando um conjunto de lençóis impecavelmente brancos. "Pronto, Srta. Granger", disse ela, afofando os travesseiros branco que claramente haviam sido afofados algumas horas antes. "Espero que o quarto esteja do seu gosto."
"É muito bonito", elogiou Hermione, com sinceridade. Nunca tinha visto um quarto mais bonito. E o toque das flores a comoveu. Ela não tinha a menor idéia de como alguém poderia exibir rosas totalmente abertas em pleno inverno e supôs que faziam parte da famosa produção do ano todo no Solar Potter. Talvez Lord Harry não tivesse mentido, afinal de contas.
Harry não parou na soleira da porta; pelo contrário, tomou a liberdade de cruzar o tapete grosso até a cama e lá a colocou, com uma gentileza quase exagerada. Hermione teria rido de seus cuidados, tratando-a como se ela fosse uma peça frágil de porcelana, mas, quando ele retirou os braços, fez a touca escorregar, revelando o talho na linha de cabelo, o que fez a Sra. Praehurst arfar.
"Oh!", exclamou a governanta. "Que corte feio! Pobrezinha! Ora, juro que ela ficou branca como os lençóis sobre os quais está agora!"
"Onde está Evers com o conhaque?", a voz de Harry era cheia de contrariedade. Ele deve ser um patrão muito severo, supôs Hermione. Teve um pouco de pena da Sra. Praehurst. "Malfoy, não fique aí parado. Vá pegar um pouco de bebida destilada, homem. Você não vê que a moça está desmaiando?" As pálpebras de Hermione tinham começado há ficar um pouco pesadas e ela as abriu com esforço. Não estava desmaiando. Ora, nunca tinha desmaiado na vida. Era uma filha de vigário escocês muito vigorosa e não uma senhorita da sociedade, toda delicada e afetada. Ainda assim, tinha de admitir que se sentia sonolenta. Talvez se apenas fechasse os olhos por um minutinho…
"Aqui está, my lord", disse o mordomo, com sua voz monótona. Hermione ouviu o tintilar de copos de cristal e o som da rolha de uma garrafa sendo puxada. "A cozinheira também mandou alguns lanches."
"Danem-se os lanches", praguejou Harry. "Apenas sirva um pouco de conhaque. A moça perdeu a consciência."
Só para ser do contra, Hermione abriu os olhos. Deitada, olhou para cima, para o rosto gentil e preocupado da Sra. Praehurst, que estava inclinada sobre ela, tirando-lhe as luvas, desabotoando a peliça e desamarrando o laço sob o queixo que segurava a touca.
"Pronto, está tudo bem, minha cara", disse a Sra. Praehurst, tirando gentilmente a touca da cabeça de Hermione. Com uma mão fria e competente, a governanta tirou do rosto de Hermione o cabelo embaraçado. "Ai, Jesus! O corte parece profundo. Espero que…"
"Com licença, Sra. Praehurst." Harry deu a volta ao redor do generoso traseiro da Sra. Praehurst, tendo na mão um copo do mesmo líquido âmbar que seu amigo estivera bebendo. Hermione viu que as belas feições dele estavam contraídas, mas supôs que fosse de aborrecimento com os seus criados e não de preocupação com ela. Afinal de contas, ele a conhecia havia apenas uma quinzena e isso era tempo insuficiente para desenvolver qualquer sentimento, a não ser, digamos, desejo, o que sabia muito bem que um homem como Lord Harry Potter sentia por toda criada que passasse por ele.
"Beba", ordenou Harry, sem nem um sinal de compaixão na voz grave. Ele segurava um copo em forma de sino debaixo do nariz dela e o cheiro de álcool fez os olhos de Hermione se encherem de lágrimas. Ela balançou a cabeça sem dizer nem uma palavra. Não ia beber nem uma gota daquele líquido fedorento.
"Você não tem uísque?", conseguiu perguntar com a voz fraca, notando o olhar surpreso da Sra. Praehurst, sem entender.
"Beba", disse Harry novamente e alguma coisa no tom de sua voz fez Hermione lembrar que ele não gostava de repetir o que dizia. Ela lhe deu uma olhada irritada e, da forma menos cortês que conseguiu, tirou o copo da mão dele, fechou os olhos e deu um golinho naquele líquido abrasador. A reação foi instintiva e imediata: ela agarrou o copo com as duas mãos e engoliu todo o conteúdo com um único e voraz gole.
Quando a última gota do líquido âmbar tinha acabado, Harry tirou o copo das suas mãos, olhando para ela, que passava uma mão trêmula nos olhos ardentes. Como que saído do nada, um lenço limpo apareceu na mão de Harry, que o entregou a ela, sem qualquer contrariedade nos olhos verdes.
"Você está melhor?", perguntou, enquanto Hermione fungava.
Ela fez que sim com a cabeça. Aquele conhaque delicioso aquecia todo o seu corpo, até os dedos congelados do pé, e a dor de cabeça parecia não importar tanto assim. Ora, o conhaque era melhor que o uísque!
"Ótimo", disse Harry, devolvendo o copo para Evers, que lhe entregou um segundo copo, este com uma quantidade significativamente maior da bebida. Harry olhou para o copo e em seguida para Evers. Depois de sacudir um longo dedo indicador para o velho mordomo, Harry virou todo o conteúdo do copo em um gole rápido.
A Sra. Praehurst deu um olhar de desaprovação para Harry por cima dos aros dos óculos e em seguida, com a familiaridade de uma criada que está há muito tempo na casa, espantou-o para fora do caminho, inclinando-se sobre Hermione e começando a desabotoar as muitas fileiras de botões pretos da frente do seu vestido de viagem.
"Sabe, Srta. Granger", começou a governanta,"espero que não se importe com a iniciativa, mas Lady Herbert e eu pensamos que a senhorita iria querer uma criada pessoal e chamamos a jovem Lucy Alcott, da escola para moças. Sei que a moda agora é ter camareiras francesas, mas, como a senhora sabe, fomos informados sem muita antecedência, e, além disso, o Sr. Evers não está inclinado a aceitar os franceses. Espero que a senhorita não se importe…"
Enquanto a Sra. Praehurst tagarelava, Hermione viu Harry baixar o copo de conhaque e levantar uma sobrancelha, com uma expressão engraçada. Seguindo a direção do seu olhar, Hermione percebeu que ele estava olhando fixamente as curvas dos seus seios, que estavam bem visíveis através da fina musselina da blusa. Com o rosto escarlate, Hermione olhou-o com raiva até que ele, sentindo aquele olhar, levantou os olhos. Harry imediatamente corou, algo que surpreendeu Hermione e a deixou confusa. Se ele era um homem tão sofisticado e atrevido, por que aquele constrangimento?
O constrangimento dela, junto com o álcool recém-consumido, tinham trazido de volta uma boa parte da cor ao seu rosto, e uma mancha rosada apareceu em cada uma de suas faces. Com voz enganosamente suave, perguntou: "Não acredito que os serviços de Lord Harry ainda sejam necessários, não é, Sra. Praehurst?"
A Sra. Praehurst levantou os olhos, que estavam no punho que ela desabotoava, e os voltou acusadoramente na direção dos homens que pairavam na entrada. “Sem dúvida que não!”, declarou.
Largando a mão de Hermione, a governanta se aproximou com gravidade do patrão e do mordomo. Não foi preciso mais nenhuma sugestão para os dois homens. Com mesuras respeitosas, bateram em retirada e voltaram para o corredor, onde Draco Malfoy os esperava e cumprimentou alegremente.
A Sra. Praehurst fechou a porta com firmeza atrás deles e voltou para o lado de Hermione, balançando a cabeça. “A senhorita vai ter que perdoá-los, Srta. Granger”, disse ela, naquele seu jeito direto, porém bondoso. “Não há uma senhora residindo em Potter há… ora, desde que a duquesa faleceu há muitos e muitos anos.” Então Hermione tinha acertado. Ela estava instalada no velho quarto da duquesa e era a primeira ocupante desde a morte da mãe de Harry.
“Naturalmente, as amigas de Londres de Lord Harry vêm e se hospedam aqui com freqüência, mas o que estou dizendo é que não temos uma dama residindo permanentemente há um bom tempo.”
Hermione perguntou, curiosa: “Lord Harry dá grandes festas com freqüência?”.
“Ah, quando ele não está em Londres, parece que toda Londres está aqui.” A Sra. Praehurst falava do patrão com orgulho indisfarçado. “Naturalmente, Lord Harry é muito generoso com as refeições e com os seus caçadores. Sabe, seu estábulo é um dos mais respeitados no mundo eqüestre. Até o príncipe de Gales…”
Ouviu-se uma batida leve à porta e a Sra. Praehurst correu a atender. Era Lucy Alcott, a camareira que a governanta tinha contratado para Hermione. Ruiva bonita e de olhos grandes, a moça sorriu nervosamente para Hermione e logo foi mandada pela Sra. Praehurst para a câmara de banhos anexa, para esperar a chegada de outras criadas da casa que viriam trazer a água quente para o banho de Hermione.
A interrupção aparentemente desviou o assunto de que a Sra. Praehurst falava, já que ela se esqueceu completamente do príncipe de Gales. Com muita ansiedade, segundo pareceu a Hermione, ela começou a falar de uma grande festa dos amigos londrinos de Lord Harry, que deveriam chegar na semana seguinte para um baile e uma caçada. Esse fim de semana festivo, a Sra. Praehurst se deu ao cuidado de explicar, estava planejado há muitas semanas e Lord Harry não tinha visto razão para cancelá-lo ao saber, por Sir Arthur, do paradeiro do herdeiro de Potter.
“Já que”, disse a governanta com constrangimento evidente, “não havia razão para acreditar na ocasião, Srta. Granger, que a senhorita era… ahnn… tão jovem e Lord Harry tinha pensado que a senhorita… ahnn… não se incomodaria…”
Hermione não pôde deixar de sorrir. O que Lord Harry obviamente havia pensando era que ela era uma velha solteirona ressequida, ansiosa para aproveitar uma chance de jantar com nobres. “Entendo”, disse ela. “E o fato de eu ser alguém que mal saiu da escola, para usar a expressão tão delicada usada por Lord Harry, e de nunca ter passado uma temporada* em Londres, significam que vou atrapalhar as festividades?”
“Claro que não”, disse a Sra. Praehurst, com ênfase um pouco excessiva. “Ora, haverá muitas moças como a senhorita hospedadas aqui. As filhas mais velhas de Sir Arthur, por exemplo. A senhorita já as conhece, não?” Diante do sinal afirmativo de Hermione, a Sra. Praehurst continuou, com um brilho inequívoco de orgulho nos seus olhos. “São ótimas moças. Lord Harry só convida para se hospedarem na casa pessoas das melhores famílias da Inglaterra. O conde de Derby e sua família, o marquês e a marquesa de Lynne e seus filhos, o baronete Sir Thomas Caine, a viúva Lady Seldon e, naturalmente, a viscondessa de Ashbury…” A Sra. Prahurst interrompeu o que dizia com uma risada bem-humorada. “Oh! Esqueci que nenhum desses nomes significa nada para a senhorita, minha cara. Deve me fazer parar quando eu falar demais. Sou velha e tenho uma certa tendência a fofocar!”
Hermione deu um sorriso fraco. Ela tinha certeza de que, se a Sra. Praehurst tivesse a menor idéia de que a recitação que fazia com tanto orgulho da lista de hóspedes para a caçada estava deixando Hermione desanimada em vez de lhe dar prazer, a governanta teria mudado de assunto. A perspectiva de conviver com uma dezena de hóspedes com título de nobreza no fim de semana deixava o coração de Hermione pesado. Sobre o que, em nome de Deus, ela iria conversar com essa viúva, Lady Seldon, ou com a marquesa de Lynne? Sobre as tristes condições dos albergues para os pobres de Londres? A necessidade de melhorar as condições do trabalho infantil? Naturalmente, ela seria incluída em todas as atividades, do jogo de uíste** noturno à cavalgada com os cães de caça. Ora, quanta amolação!
Isso era tudo. Precisava falar com Lord Harry. Ele não poderia esperar que ela passasse os seus dias na tagarelice ociosa com viúvas herdeiras e suas filhas de cabeça oca. Ela não conhecia nada da sociedade de Londres e não poderia participar das fofocas, mesmo que aprovasse esse passatempo. Não tinha talento para trabalhos de agulha ou música, detestava a caça e desprezava o jogo com paixão. Deus do céu, com o que iria se ocupar? Talvez pudesse entrar em contato com o hospital local e oferecer os seus serviços. Preferia infinitamente cuidar dos doentes que se prostrar diante dos ricos.
As criadas chegaram com a água para o banho e a Sra. Praehurst as levou para a câmara de banhos, dando a Hermione uma folga da conversa bem-intencionada da governanta. Ouviu-se outra batida leve à porta e, desta vez, a Sra. Praehurst deixou entrar um homem mais velho e corpulento, que apresentou a Hermione como o Sr. Parks, médico da aldeia. O Sr. Parks usava preto, tinha um jeito alegre e o cheiro inequívoco do conhaque que Evers provavelmente lhe oferecera no caminho do quarto de Hermione. A moça não estava tão interessada nas opiniões médicas sobre o seu ferimento quanto na informação que ele poderia lhe dar sobre Jeremy. Ele tinha chegado a Potter? Estava bem? Ela poderia vê-lo?
O Sr. Parks respondeu afirmativamente às duas primeiras perguntas e fez com o dedo um sinal de que não à terceira. “Não enquanto eu não descobrir como você está, mocinha”, advertiu ele. A Sra. Praehurst tossiu, porém, e ele se corrigiu: “Quero dizer, Srta. Granger”. Com a ajuda de Lucy, a Sra. Praehurst conseguiu pentear o cabelo de Hermione, afastando-o do ferimento para que o médico o examinasse bem. Foi apenas quando Hermione viu a reação da camareira que pensou que talvez o ferimento fosse mais grave do que achava. A pobre ofegou e ficou olhando fixamente para a ferida, uma mão cobrindo a boca, enquanto a outra fazia o sinal-da-cruz. O Sr. Parks, porém, não se mostrou surpreendido, apenas com um interesse médico pelo ferimento. Ele virou a cabeça da moça com dedos gentis, fez pressão em vários pontos do crânio dela, perguntando-lhe se ela sentia dor, e daí lhe perguntou se tinha sentido náusea ou tonturas desde o acidente. Diante da resposta afirmativa de Hermione, o médico começou a limpar o ferimento. O Sr. Parks estava preocupado, segundo informou à Sra. Praehurst, com a concussão, apesar de a tontura poder ser simplesmente devido ao choque do acidente e aos solavancos da viagem até o solar. Ignorando Hermione, o médico continuou a explicar que a paciente deveria ser acordada de duas em duas horas e que, se ela parecesse confusa ou desorientada, deveriam chamá-lo imediatamente. “Amanhã”, disse o Sr. Parks, “podem dar-lhe remédio se houver dor.” Continuou a fazer a relação das coisas que Hermione não deveria tentar fazer durante uma semana, como andar a cavalo ou trabalho de agulha. Essa advertência divertiu Hermione, que agora tinha a desculpa perfeita para não participar da caçada de Lord Harry.
O Sr. Parks saiu, depois de dar instruções cuidadosas para a Sra. Praehurst sobre o remédio para Hermione. Lucy mal tinha aberto a porta para o médico sair do quarto quando um raio de 1,20 m de altura e cabelo escuro passou correndo pelos dois e se dirigiu para a cama de dossel. “Hermione!”, exclamou Jeremy, mergulhando nas cobertas macias, chacoalhando e assustando-a a ponto de Hermione soltar um pequeno grito. “Olá! Ele tirou sangue de você?”
Recuperando-se, Hermione olhou Jeremy com olho crítico. As faces dele estavam muito vermelhas, os olhos brilhantes, mas parecia que a intensidade das cores era de entusiasmo e não de doença. Ela estendeu o braço instintivamente para tirar um pouco do cabelo escuro dele da pequena testa suada. Da entrada, o Sr. Parks exclamou, divertido: “Meu jovem! O que Sir Arthur e eu discutimos com você na carruagem?”.
Jeremy ignorou o médico. “Ele tirou sangue de você, Hermione?”, o menino queria saber.
“Claro que não”, disse Hermione. “Que história é essa de entrar correndo como um desordeiro? Você sabe muito bem que não pode pular nos móveis. Não estamos de volta à residência paroquial…”
O Sr. Parks passou, a passos largos, pela Sra. Praehurst, que estava confusa, e pegou Jeremy pelo colarinho. “Meu jovem”, disse ele, com austeridade simulada, “o seu tio Harry lhe disse que você precisa deixar a sua tia em paz. Ela levou uma pancada terrível na cabeça e não está se sentindo bem…”
“Sei disso”, disse Jeremy, a voz estrangulada porque o Sr. Parks o tinha levantado da cama pelo colarinho. “Se não fosse pelo tio Harry, ela teria morrido, o senhor sabe. Sir Arthur a teria esmagado. Hermione, você viu o corrimão nas escadas no Grande Saguão? Você acha que o tio Harry ficaria bravo se eu descesse aquele corrimão escorregando só uma vez?” Enquanto o Sr. Parks o levava para fora do quarto, Jeremy esticou o pescoço para olhar para o médico. “Escuta aqui”, disse ele. “Tire as mãos de mim imediatamente. Eu sou o duque, o senhor sabe.”
O Sr. Parks riu como se Jeremy lhe tivesse contado uma boa piada. “Diga boa noite para a sua tia, Vossa Graça”, disse ele. Jeremy deu uma última olhada para Hermione antes de ser arrastado para fora do quarto. “Não se preocupe, Hermione”, ele lhe garantiu, “eu subo para ver você depois da ceia!”
“Nada disso, você não vem não”, disse o médico.
Lucy fechou a porta rapidamente atrás deles e se apoiou nela, assustada. Do outro lado do quarto, os olhos da Sra. Praehurst estavam bem arregalados atrás dos óculos, mas limitou-se a dizer: “Ora, Sua Graça parece ser um jovem animado”.
Hermione estava cansada demais para discutir. Jeremy era animado, é verdade, ela queria dizer, mas não são animados todos os meninos de dez anos? O que eles esperavam? Uma miniatura de Lord Harry?
* Período em que a aristocracia rural ia para as suas casas em Londres e época dos grandes acontecimentos sociais - bailes, temporada de teatro e ópera. Estendia-se de final de dezembro ou começo de janeiro a junho.
Comentem, please!
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