Capítulo Três
Where Roses Grow Wild
Capítulo Três
Por um instante, Harry pensou que a moça fosse desmaiar.
Toda aquela cor radiante abandonou seu rosto, deixando-a tão pálida quanto uma escultura de mármore, e ela parecia oscilar um pouco sobre os pés. Movendo-se rapidamente até seu lado, pronto para pegá-la nos braços caso ela caísse. Harry praguejou em voz baixa, desejando ter matado Herbert quando tivera chance. De todas as idiotices, a maior tinha sido deixá-lo pensar que a tia do menino era uma velha solteirona ressecada quando, na realidade, era a mulher mais bonita que Harry já tinha visto em, digamos, muito tempo!
E achara que ela não era mais que uma criada atraente quando se jogou contra ele como uma bala de canhão! Com aquela figura miúda e bonita e a compleição de mármore, sem dúvida era mais bonita que as empregadas domésticas mantidas por seus amigos em Londres. Mais bonita, mas não mais velha. Ele deveria ter visto desde o momento em que ela abriu a boca que não era nenhuma criada comum, porque não tinha o tradicional sotaque escocês. O inglês dela era tão refinado como o de qualquer moça instruída. Maldito Herbert! E quando ela levantou aquela juba de cabelo escuro despenteado e Harry viu aqueles olhos castanhos, bem tinha agradecido à sorte por ela ser apenas uma criada porque, caso contrário, ele estaria correndo um grave perigo.
Mas não era uma criada. Era a sua cunhada. E essa informação aparentemente a estava fazendo desmaiar. Mas ela não desmaiou em vez de cais nos braços de Harry, que estavam à sua espera, a moça caiu sentada no banco, mergulhando o rosto nas mãos com um gemido.
“Ah, não!”, exclamou Hermione, com aquela voz gutural que Harry tinha achado muito atraente - até descobrir quem ela era. “Alguém me acorde. O dia de hoje está se tornando um pesadelo.”
Tentando disfarçar o quanto estava ofendido por ser chamado de pesadelo - e se perguntando por que isso o incomodava tanto -, Harry baixou os olhos para ela.
“Perdão, madame, mas… quer que eu chame a sua criada?”
“Criada!”, exclamou o vigário, desdenhoso. “Ela não tem criada nenhuma. Apenas uma faxineira que vem uma vez por semana para ajudá-la com o serviço pesado e mesmo assim porque sou eu quem pago, do meu próprio bolso!”
Harry baixou os olhos para aquela cabeça inclinada, tentando obter um vislumbre do rosto escondido atrás da cortina de cabelo castanho-escuro. “Nenhuma criada? O senhor quer dizer que ela e o menino vivem aqui sozinhos?”
“Totalmente sozinhos”, respondeu Weasley, com o deleite de um alcagüete nato. “Nem mesmo uma mulher para cuidar deles à noite. Mas ela não aceita ninguém, apesar de eu ter oferecido os serviços da minha cara tia viúva, a Srta. Granger disse que não tinha espaço e que não gosta de receber ordens. Mas a Srta. Granger sempre foi assim, muito pouco convencional, meu senhor, e da forma mais inconveniente. É uma vergonha, eu disse desde o começo. Uma jovem solteira vivendo sozinha! Não dá para imaginar quais as idéias que os homens da aldeia podem estar tendo…”
“Não”, disse Harry, dando ao jovem da cabeça ruiva um olhar maligno. “Não dá para imaginar, não é mesmo? Ora eles podem até estar pensando em se impor à força a ela, exigindo que ela se case com eles porque pagaram uma faxineira para vir uma vez por semana.” Teve a satisfação de ver o jovem arrogante enrubescer, furioso. Voltando a sua atenção para Hermione, Harry indagou, gentilmente: “Há alguma coisa que eu possa fazer pela senhorita? Sais de cheiro, talvez?”.
“Sais de cheiro?” Hermione levantou a cabeça, uma mecha do cabelo castanho caindo sobre um dos olhos. Olhou-o fixamente sem acreditar no que ouvia. “Sais de cheiro? O senhor deve estar brincando. Uma dose de uísque seria mais adequada, não acha?”
Espantado diante da temeridade dela, Harry levantou as sobrancelhas. “Uísque?” Então, ao ver pela expressão dela que Hermione não estava brincando, perguntou, resoluto: “Onde a senhorita guarda o uísque?”.
“Srta. Granger!”, exclamou Weasley, naquela voz medrosa que havia provocado tanta aversão em Harry. “Imploro que a senhorita pense duas vezes. Os destilados nunca são a resposta…”
“Ora, afastem-se de mim, os dois.”
Levantando-se, a moça saiu da sala a passos largos, com a expressão de desagrado, os saltos das botas fazendo um barulho alto sobre o assoalho de madeira. Harry fitou o vigário, tomado por sentimentos assassinos.
Era evidente que ele não poderia ter visitado a Srta. Granger em ocasião menos oportuna. Talvez se tivesse chegado em outra manhã, quando pretendentes não desejados não estivessem declarando-lhe amor, a moça fosse mais receptiva a ele. Sem dúvida, antes de saber quem ele era, tinha sido afável - até amistosa, poder-se-ia dizer. Ele estava convencido de que tinha visto admiração no olhar dela e, por que não? Sem dúvida ele não era um magnífico espécime de homem. Ou, pelo menos, melhor do que esse vigário magrelo.
Mas Harry de forma alguma iria embora antes do outro homem e o tolo apatetado não parecia nem um pouco pronto para sair.
Weasley olhou para Harry desafiadoramente de disse: “Não sei quem pensa ser, mas o senhor deve saber neste mesmo instante que tenho intenção de me casar com a Srta. Granger, e se o senhor tiver qualquer, digamos, intenção menos honrosa em relação a ela, sugiro que vá embora”.
“Já lhe disse quem eu sou, seu idiota chorão”, rosnou Harry, tendo prazer em ver o homem, que era menor que ele, ficar pálido diante do tom ameaçador de sua voz grave. “Sou cunhado dela e a minha única intenção é levar o meu sobrinho embora daqui e investi-lo na posição de décimo sétimo duque de Potter.”
O vigário limpou a garganta. “Se é essa a sua intenção, senhor, então uma decepção o espera. A Srta. Granger nunca permitiria que alguém levasse o jovem Jeremy para longe dela. Ela o ama como se fosse o seu próprio filho. Eu, naturalmente, estou disposto a criá-lo como meu próprio filho, desde que ela concorde em mandá-lo estudar em um internato.”
“Quanta nobreza da sua parte”, disse Harry, cheio de sarcasmo, “em pôr os desejos dela à frente dos seus. O que o senhor é dela?”
O rapazote - pois era assim que Harry pensava nele, apesar de o homem provavelmente ter quase a sua idade -, foi tomado de surpresa. “O que eu sou da Srta. Granger! Ora, o que o senhor quer dizer com isso?”
“O senhor disse que paga a faxineira dela.” Harry sentia um gosto desagradável na boca. “Ela é sua amante?”
“Meu senhor!” Weasley ficou vermelho como uma romã. “Como o senhor ousa? O meu pedido de casamento para a Srta. Granger é totalmente honroso. Se não fosse pela generosidade da igreja, da minha igreja, senhor, ela e o detestável menino estariam agora em um asilo e não vivendo neste luxo relativo.”
Harry deu uma olhada pela sala que, apesar de acolhedora, era bem fria e cheirava a pobreza de gente distinta. “O senhor chama isso de luxo?”, perguntou ele com um sorriso malicioso. “Ora, eu já estive em túmulos mais quentes que isso. O senhor não lhe fornece carvão suficiente para aquecer esta maldita cabana?”
“Meu senhor!” O vigário de lábios finos parecia prestes a ter um ataque de apoplexia. “Eu poderia perguntar ao senhor, que afirma ser cunhado dela, por que não achou adequado fornecer a Srta. Granger um único tostão para o sustento do sobrinho dela! Se eu tivesse a menor idéia de que ela tinha familiares em tão boa situação financeira, sem dúvida teria feito um apelo para que a Srta. Granger lhe escrevesse falando da sua pobreza!”
Enojado tanto pelo tom de voz de Weasley como pelo fato de que tinha de, aparentemente, agradecer-lhe por manter o seu sobrinho todo esse tempo, Harry pôs a mão no bolso e tirou uma bolsa. “Quanto?”, perguntou ele, conciso.
“Desculpe-me, mas o que o senhor disse?”
“Quanto, no total, a igreja gastou com a Srta. Granger e o seu sobrinho desde a morte do pai dela?” O vigário pareceu confuso. “É difícil até começar a calcular. Não se pode pôr um preço, meu senhor, na caridade cristã.”
“Diga-me quanto foi, maldito, ou torço esse seu pescoço piedoso.”
O jovem bateu o pé, irritado. “Dezessete libras e três centavos, senhor.”
Harry contou o dinheiro e deu um passo à frente. Pegando Weasley pelo colarinho do casaco com uma das mãos, ele deixou cair às moedas no bolso do vigário com a outra.
“Pois em”, disse Harry rispidamente, percebendo que estava gostando demais daquilo. “Se não sair desta casa até eu contar dez, vou arrastá-lo para fora e espancá-lo até o senhor estar a um passo da morte. Estou sendo claro?”
Weasley ofegou. “O senhor sabe com quem está falando? Eu sou Honorável Ron Weasley, vigário da aldeia de Applesby, e estou profundamente ofendido com as suas…”
“Um”, rosnou Harry.
”… vis ameaças…”
“Dois.”
Weasley começou a parecer preocupado. “Eu não seria um cavalheiro se deixasse um homem como o senhor sozinho com a Srta. Granger.”
“Três. O senhor não é um cavalheiro, Weasley. Se fosse, não estaria tentando fazer chantagem com uma moça inocente.”
“Chantagem? Do que o senhor está falando?”
“O senhor lhe diz que ela está em dívida com o senhor pela sua caridade e daí lhe pede a mão. Para mim, isso é chantagem.” Levantando uma sobrancelha, com ar zombeteiro, Harry o interpelou: “E o que o senhor quer dizer com um homem como eu?”
“Ora, o senhor obviamente faz parte da aristocracia. Já ouvi falar o que homens como o senhor fazem com moças bonitas e indefesas como Hermione. Acham que, só porque possuem um título de nobreza e um pouco de terra, têm o direito de sair a galope pelo interior, corrompendo toda mulher que encontram. Bem, o senhor não vai ter Hermione. Vou… vou lutar por ela. Vou sim! Lutei boxe no seminário e era muito bom.”
“Quatro.” Harry tinha que admirar o homem por tentar. “Então o senhor também é um liberal, não é”?
“Sem dúvida. Sempre lutarei pelo bem do povo, do cidadão. Especialmente contra conquistadores e homens lascivos como o senhor.”
“Dez”, disse Harry, porque estava louco para esfregar o chão com o rosto daquele infeliz ignorante. Mas Weasley não possuía a força das suas convicções, pois ficou pálido como um coelho e correu em direção à porta, pedindo ajuda aos gritos.
Harry o seguiu até o portão, mas estava bem claro que o Sr. Weasley não tinha a menor intenção de se deixar pegar. Derrapando desajeitadamente pela rua coberta por uma fina camada de gelo, o vigário saiu correndo até chegar à segurança de sua casa. Dando de ombros filosoficamente, Harry voltou para o chalé.
Um exame rápido da mobília da sala de estar, enquanto procurava a sua anfitriã a contragosto, comprovou a suposição de que a Srta. Granger, apesar de orgulhosa, estava vivendo à beira da pobreza. Mesmo que seus pais houvessem lhe deixado algo - e Harry não podia imaginar que fosse mais que umas quarentas libras por ano -, não havia dúvida de que ela não era independente financeiramente. O chalé era de propriedade da igreja e sem dúvida lhe havia sido oferecido a um aluguel baixo pelo fato de o pai ter morrido subitamente, deixando-a sem ter para onde ir. Os móveis eram bem conservados e de boa qualidade, mas velhos, provavelmente doados por algum paroquiano há muito morto. Um exame mais cuidadoso do casaco da moça revelava que ela tinha sido usada em mais de dez invernos, sem dúvida por uma dona anterior. Mesmo os jornais, que Harry encontrou dobrados cuidadosamente ao lado do banco, tinham mais de uma dobra, o que revelava que outra pessoa o tinha lido antes.
Depois dessa inspeção, Harry sentiu de forma ainda mais aguda o quão extraordinário era o fato de a moça ter rejeitado tanto a proposta feita por Hebert quanto o pedido de casamento do vigário. Harry não conseguia imaginar um marido mais imprestável do que o Sr. Weasley, mas Hermione Granger não tinha muito a oferecer como dote, além do rosto bonito e do corpo atraente. E ela ainda tinha o encargo do sobrinho. Provavelmente não havia muitos homens em Applesby dispostos a se casar com uma noiva sem um tostão, ainda que bonita, que trazia consigo um menino de dez anos. O Sr. Weasley poderia muito bem ser sua última esperança. Mas ela o havia rejeitado tão completamente quanto havia rejeitado Hebert. O que havia de errado com a moça? Harry nunca conhecera Katherine, mulher de seu irmão, mas só poderia supor que a demência estava no sangue do clã dos Granger.
Ele a encontrou na cozinha, aquecendo uma panela com algo que tinha um cheiro delicioso, fazendo bastante barulho ao jogar os talheres sobre a mesa, que estava ostensivamente posta para dois. Ela havia puxado o cabelo para trás e amarrado um avental disforme ao redor da cintura fina, mas não havia nada que pudesse fazer para se tornar menos atraente, se é que era isso que tinha tentado fazer. Olhando-o zangada, Hermione disse: “Lembro-me muito bem de lhe ter dito para ir embora."
“Onde aprendeu esses bons modos?”, perguntou Harry, apoiando-se despreocupadamente no batente da porta. “Um parente vem de longe, de Yorkshire, fazer uma visita e você nem mesmo lhe oferecer uma xícara de chá? Que coisa feia!”
“O senhor não é meu parente”, declarou ela. Hermione tirou pão preto de uma gaveta e começou a fatiá-lo com uma faca muito grande. “Nunca o vi na vida. Como vou saber se o senhor é mesmo quem diz ser? O senhor pode ser algum estranho que passou pela rua e quer levar Jeremy para obrigá-lo a trabalhar em Londres.”
“Você olhou pela janela?” Harry se aproximou de Hermione. Ela estava trabalhando diretamente em frente da janela. Através da camada irregular de gelo que cobria a vidraça, a carruagem dele bem visível.
“Aquilo é uma carruagem com o símbolo dos Potter na porta”, disse Harry. Como ela ainda estava de costas, toda tensa, ele apoiou as suas duas grandes mãos na mesa sobre a qual Hermione cortava o pão, cada uma de um lado da pequena cintura dela, prendendo-a no meio de seus braços.
“Os lacaios sentados lá em cima na carruagem usam fardas com as cores dos Potter, vermelho e dourado”, continuou ele, amistosamente, consciente de que estava tão próximo dela que sua respiração agitava os cabelos finos da nuca da moça. “E os cavalos são todos baios, perfeitamente combinados. Você não encontraria cavalos melhores do que esses em toda a Escócia e não estou dizendo isso para fazer pouco de ninguém. Eles lhe parecem cavalos de um explorador de crianças?”
Ela virou-se e levantou a cabeça, olhando-o, e Harry viu que seus expressivos olhos castanho eram cercados de cílios escuros encurvados. Tinha um cheiro muito agradável, de sabonete e mais alguma coisa. Violetas, talvez. Seu pescoço era fino que ele pensou que poderia envolvê-lo com uma só mão. Como ela reagiria, perguntou-se Harry, se ele pusesse os lábios na brancura daquele pescoço, bem abaixo do lóbulo da orelha de curvas tão delicadas?
Hermione deu por si curiosamente abalada pela proximidade de seu cunhado. Sentia o calor dele às suas costas e uma olhada ao redor mostrou que as mãos colocadas a cada um dos lados de seu corpo tinham dedos bronzeados e fortes, devido a cavalgadas e caças, mas não tinham calos, pensou ela, desconfiada, decorrentes de qualquer tipo de trabalho verdadeiro. Uma imagem inesperada e espontânea daquelas mãos no seu corpo fez com que o seu rosto ficasse bem vermelho. Santo Deus, o que ela tinha na cabeça? Tinha conhecido o homem havia pouco mais de uma hora e já estava tendo fantasias sobre…
Os dedos de Hermione apertaram o cabo da faca. Maldito seja ele! Então esse era seu jogo!
Como Harry tinha freado o seu impulso de beijar Hermione, ficou bastante surpreso quando ela inesperadamente cravou a faca a um dois centímetros do dedo indicador dele. Vociferando, ele tirou a faca da mão dela e a girou pelos ombros, forçando-a a olhá-lo de frente.
“Sua endiabrada!”, exclamou, olhando-a com fúria. “Você poderia ter cortado o meu dedo!”
“A sua intenção, Lord Harry”, interpelou-o Hermione calmamente, “é seduzir-me bem aqui na minha própria cozinha? Porque, se for isso, vou adverti-lo neste minuto que tenho muitas outras facas como esta e não tenho nem um pouco de medo de usá-las.”
Surpreso, Harry viu a moça dar um sorriso depreciativo.
“Vejamos se consigo adivinhar como as coisas se desenrolaram.” Os brilhantes olhos castanhos o olhavam com perspicácia. “O pobre e infeliz Sir Arthur voltou ao Solar Potter todo lamuriento pelo fato de que a cruel tia do pequeno duque não permitiu que ele fosse restituído à sede da família. O senhor repreendeu severamente o pobre e infeliz Sir Arthur. 'O quê? ', imagino que o senhor tenha dito. 'O senhor deixa uma mulher simples lhe dar ordens? Isso não vai ficar assim. ' Conseqüentemente, chegou aqui em Applesby esperando encontrar uma bruxa horrorosa e rabugenta, que o senhor estava disposto a enfrentar com o seu tremendo intelecto e ainda mais tremenda bolsa. O que o senhor encontrou, porém, fui eu, e o senhor foi forçado a mudar de tática. De manipulação para sedução, não acertei?”
Harry estava tão bravo que só conseguia falar coisas desconexas. Que tipo de filha de vigário era essa, que bebia uísque e o ameaçara com uma faca? Harry não tinha a menor idéia sobre como reagir. Não conhecia moças, com exceção das cinco filhas de Hebert, e todas elas pareciam evitá-lo sempre que possível. Suspeitava que faziam isso por advertência de Lady Herbert, devido à sua reputação de libertino e degenerado. De fato, nenhuma das bem-intencionadas senhoras da sociedade se apressava a jogar suas filhas virgens na sua direção. E, mesmo que fizessem isso, Harry não conseguia imaginar nenhuma daquelas pálidas moças brandindo uma faca de pão.
Mas essa mulher de mau gênio e olhos castanhos tinha feito isso muito despreocupadamente, como se tratasse de um hábito adquirido na infância. Para os diabos!
“Não estou tentando seduzi-la”, mentiu Harry, a voz tão baixa que parecia um resmungo.
“Ah, não estava? Pensei ter ouvido o Sr. Weasley acusá-lo disso um pouco antes de o senhor o afugentar desta casa.”
Harry fitou-a, aborrecido. Mulherzinha bonita, mas irritante! E como havia adivinhado direitinho a essência da sua conversa com Herbert? Isso era tudo do que ele precisava, uma bruxa como cunhada. O que John tinha na cabeça ao se casar e entrar para essa família ridiculamente excêntrica? Mas admitia, se Katherine tivesse pelo menos metade da beleza de sua irmã, ele podia entender a atração. No entanto, não era de estranhar que o duque tivesse riscado o nome de John do testamento.
Hermione se virou abruptamente, dando-lhe as costas de novos e continuou a cortar o pão preto. “Vamos deixar de fazer joguinhos, está bem, Lord Harry? Eu sei por que o senhor está aqui…”
“Sabe mesmo?” Harry não conseguiu abafar um sorriso diante do tom de autoridade dela.
“Não sou uma tola.” Ela largou a faca. Cruzando os braços sobre o peito, Hermione se virou e o encarou. “O que não entendo é o porquê.”
“Por quê?” O sorriso rapidamente virou uma carranca. “O que você quer dizer com 'por que'?”
“Com certeza teria sido bem simples assumir o senhor mesmo o título. Por que o senhor se deu a todo esse trabalho para encontrar Jeremy? Estou certa de que, se o senhor tivesse dito que era impossível encontrar o menino e que ele estava presumivelmente morto, todos teriam acreditado. Ninguém teria questionado o seu direito ao título. Portanto, por quê?”
“Por quê?” Harry balançou a cabeça a cabeça com irritação. “Todos me perguntam isso. Ninguém parece compreender que não posso assumir, com honra, um título que, por direito, pertence a outro!”
As finas sobrancelhas de Hermione se levantaram. “Honra? Essa é uma virtude inesperada em uma pessoa da sua classe. Pensei que a honra, como a bravura, tivessem morrido com os cavaleiros da Távola Redonda.”
“Tem uma visão muito sombria, como você a chama, minha classe”, observou Harry. “Posso lhe perguntar o que um de nós algum dia lhe fez para merecer tanta censura?”
“Não fez nada. Este é o problema. Os senhores têm toda a riqueza e o poder, mas não fazem nada pelos milhares de pessoas como eu, que não têm nada.”
Harry se empertigou. “Ora, veja bem…”
“Não negue. Não consigo vê-lo na Câmara dos Lords lutando por reformas. Não consigo vê-lo trabalhando pelo bem do cidadão comum. Aposto que o único motivo de o senhor querer encontrar Jeremy tenha sido para poder continuar a levar a sua vida hedonista, sem ter perturbado por irritantes assuntos relativos à propriedade.”
Harry ficou tão surpreendido que mal conseguia falar. Nunca na sua vida alguém lhe falara daquele jeito, muito menos uma mulher que, além de tudo, era dez anos mais jovem do que ele e de posição social tão inferior. Pouco importava que o que ela havia dito houvesse um pouco de verdade. Ele ficou profundamente ofendido pela referência ao seu suposto hedonismo.
"Muito bem, então, Srta. Granger", disse ele, tenso, cruzando os braços, inconscientemente imitando a postura dela. "A senhorita disse que não quer joguinhos. Acho que está na hora de discutirmos o seu futuro, não acha?"
Hermione olhou-o como se ele tivesse ficado demente. "O que disse? Como assim?"
"O seu futuro. O seu e o de Jeremy. A senhorita já pensou no que vai acontecer quando o dinheiro da sua mãe acabar, não pensou?"
As sobrancelhas finas e escuras desceram rapidamente. "O que o senhor sabe sobre o dinheiro da minha mãe?" ela o interpelou.
"Sei que não há muito e que não vai durar para sempre. Sejamos francos Srta. Granger". Ele lhe deu uma olhada de cima para baixo com rudeza deliberada: "A senhorita já me mostrou que é boa nisso".
Harry nunca imaginou que isso fosse possível, mas, de repente, ela corou. Uma cor quente inundou aquelas faces sedosas e ela baixou o olhar, fixando-o nas botas dele. "Bem colocado", admitiu ela sem sorrir.
Ele ficou encantado ao descobrir que tinha algum poder sobre ela, finalmente. "Tudo bem. A senhorita já recusou a proposta do meu advogado e pelo menos uma proposta de casamento. Quais são exatamente os seus planos para o futuro? A senhorita pretende viver da caridade da igreja para sempre?"
"Certamente que não", disse ela, torcendo o nariz. "Isto é uma situação temporária"
"Temporária? Então a senhorita está esperando outras propostas de casamento mais lucrativas?"
Ela empinou o queixo pontudo. "Claro que não", disse ela novamente. "Não vou me casar nunca."
"Ah!" Ele levantou a mão e esfregou a mandíbula, estudando-a. "Isso porque odeia os homens?"
"Eu não odeio os homens" declarou ela. "Apenas alguns homens. Mas não é só por isso que nunca vou me casar. Nunca vou me casar porque as leis que governam esta ilha na qual vivemos faz das mulheres casadas nada mais que um bem pessoal e subserviente dos maridos. As mulheres casadas não podem ter propriedade, não podem se divorciar, mesmo no caso de maridos que as desrespeitam, agridem ou abandonam, e a custódia dos filhos que porventura houver dessa união é dada ao marido, por mais salafrário ou grosseiro que ele possa ser…"
"Entendo." Harry não conseguia evitar um sorriso. "Aos seus olhos o casamento é realmente uma perspectiva muito sombria."
"Não apenas aos meus olhos Lord Harry. Aos olhos de muitas mulheres aqui na Inglaterra, assim como no exterior. Ora, qualquer pessoa que tenha lido Em defesa dos direitos da mulher, de Mary Wollstonecraft, pode lhe dizer…"
"Tudo isso é muito bom, Srta. Granger", interrompeu-a Harry. A última coisa que ele queria ouvir era uma preleção sobre os direitos da mulher. No que lhe dizia respeito, as mulheres na sua vida estavam perfeitamente satisfeitas e, quando não estavam, ele lhes comprava uma jóia ou uma casa e isso as fazia fechar a boca. "Mas acredito que estamos discutindo Jeremy e não os seus pontos de vista sobre a instituição do casamento. A senhorita já pensou o que, precisamente, vai fazer em relação a ele quando o dinheiro da sua mãe e a caridade da igreja acabarem?"
Hermione hesitou. Sem dúvida ela não havia pensado.
"A verdade, Srta. Granger, é que a senhorita tem liberdade para ficar por aí condenando as injustiças feitas à humanidade, mas não podemos nos esquecer de Jeremy."
Hermione parecia estar com muita raiva. "Eu nunca me esqueço de Jeremy, Lord Harry! Ao contrário de algumas pessoas…"
"Jeremy é herdeiro de uma grande fortuna", interrompeu Harry. "Não há nada que a senhorita possa fazer quanto a isso, Srta. Granger, seja quais forem suas inclinações políticas. Ele deve e vai assumir suas responsabilidades como décimo sétimo duque de Potter."
"É mesmo?"
Ele deveria ter previsto que aquilo não ficaria assim, que ela não ficaria quieta, humildemente ouvindo-o dar um sermão. Mas Harry não tinha percebido os sinais de advertência enquanto tagarelava na cozinha, depois de despreocupadamente girar uma cadeira e se sentar, rudemente, como que montado em um cavalo, sem lhe pedir permissão ou lhe oferecer a cadeira primeiro.
"É isso mesmo, srta. Granger", disse ele, divertindo-se imensamente
"Então me diga, Lord Harry", disse ela pronunciando a palavra "Lord" em tom mordaz. Os braços que antes estavam cruzados em frente ao peito agora tinham caído e as mãos estavam nos quadris. "Se Jeremy é o duque de Potter, onde estava essa grande fortuna até agora? Eu não vi nenhum tostão da magnífica casa de Potter. Meu pai e eu criamos Jeremy desde que era um bebê e neste ultimo ano fiz isso sozinha, da melhor forma que pude. Mas o senhor tem a ousadia de se sentar aí e me acusar de não pensar nele!"
Harry começou a perceber que talvez tivesse sido precipitado. "Srta. Granger, não tive a intenção de sugerir que a senhorita não…"
"Como o senhor explica a sua negligência dos últimos anos?", ela o interpelou. "O senhor é tio dele, tanto quanto eu sou sua tia. E, no entanto, onde o senhor estava?"
Harry se mexeu um pouco na cadeira, desconfortável. Ele era um homem grande e a cadeira era projetada para uma pessoa muito menor. "A senhorita sabe perfeitamente…"
"Eu sei perfeitamente que, quando é conveniente para o senhor, Jeremy é o duque de Potter. Quando é conveniente para Jeremy, porém, não ouvimos nem um pio de sua parte"
"Não é nada disso e a senhorita o sabe", apressou-se Harry a dizer. "Meu pai eliminou os pais de Jeremy do testamento. Quando soube que eles estavam mortos, ficou, lamento dizê-lo, contente. Apenas quando o velho estava ele próprio morrendo é que cedeu e concordou em reconhecer Jeremy como o herdeiro por direito…"
"E, por causa da amarga decepção do seu pai porque seu irmão se casou com a filha de um vigário escocês e não com alguma dama da alta sociedade londrina, Jeremy tem que dormir comigo todas as noites, desde a morte de meu pai, porque não podemos comprar carvão para duas lareiras." A voz dela era dura. "Ele tem que vestir roupas doadas, porque não temos dinheiro para lhe comprar as suas próprias botas e calças…"
Harry começou a se levantar da cadeira. "Srta. Granger…"
"Ele tem que comer mingau como café-da-manhã todos os dias a um ano porque não posso comprar mais do que dois ovos por semana e nós os comemos no almoço porque a carne está muito cara…" A voz dela falhou e Harry ficou surpreso ao ver que lágrimas ameaçavam correr daqueles olhos que mais pareciam jóias. "E ele teve que sofrer a piedade de pessoas odiosas como o Sr. Weasley! E o senhor tem o total descaramento de pensar que, depois de agüentar tudo o que agüentou, ele deveria se ajoelhar e lhe agradecer por lhe entregar um ducado? Que, depois de tudo o que a sua família o fez passar, ele deve ter gratidão para com o senhor? O senhor há pouco falou de honra. O senhor acha que Jeremy não tem nem um pouco de honra? Ele tem, my lord, e posso lhe garantir que ela foi comprometida da forma mais constrangedora nesses últimos meses. Não há ducados suficientes no mundo para recompensá-lo!" Para surpresa de Harry, a moça se virou com um soluço. "Ah!", exclamou ela. "E o senhor não entende por que eu apoio os liberais?"
Harry ficou completamente perdido. Nunca lhe ocorrera que ela tinha ressentimentos contra sua família pela forma como sua irmã e sobrinhos foram tratados, mas, é claro, ele deveria saber disso. O que mais ela poderia sentir a não ser ressentimento? A família Potter tinha levado ao clã Granger nada além de problemas.
"Srta. Granger, não tenho como manifestar o quanto eu lamento…"
Hermione, porém, virou-lhe as costas e ficou de pé, os ombros trêmulos, apoiada na mesa. Ela não acreditava que estava chorando na frente dele, mas não conseguia parar. A última coisa que queria fazer na frente desse homem arrogante e cruelmente bonito era mostrar qualquer fraqueza, mas lá estava ela, soluçando, quase histérica, como se as mágoas contidas no seu peito havia mais de um ano finalmente tivessem transbordado. Ela murmurava, através das lágrimas, e frases desconexas flutuavam na direção dele. "Velho desprezível… crianças sofrerem pelos erros de seus pais… espera que nós simplesmente restabeleçamos relações e vamos com o senhor como se nada tivesse acontecido…"
Harry jogou a cadeira para o lado e ficou de pé. "Srta. Granger, por favor, acredite em mim, eu não tinha a menor idéia. Nós nem sabíamos onde Jeremy estava até o mês passado e sem dúvida não sabíamos que todo esse tempo ele estava sendo criado por uma tia solteira, sozinha…"
Isso parecia apenas servir para que os ombros delgados balançassem ainda mais. Harry não tinha qualquer experiência e não sabia o que fazer com as lágrimas de uma jovem, da mesma forma que não sabia lidar com a impertinência dela, mas descobriu que sem dúvida, preferia enfrentar a impertinência. Os soluços de Hermione eram de partir o coração. Cada um deles parecia tanger uma corda diferente das entranhas dele.
"Por favor, Srta. Granger! A senhorita tem que acreditar em mim. Eu daria qualquer coisa, qualquer coisa que tivesse, para desfazer as dificuldades que a senhorita foi obrigada a enfrentar…"
Sem saber o que mais fazer, Harry se aproximou com a intenção de acalmá-la de alguma forma, talvez prometendo comprar-lhe um bracelete. Isso sempre funcionava quando uma de suas amantes explodia em lágrimas. Ele sem dúvida não estava pensando em nada mais do que apaziguá-la. Qualquer outro pensamento teria sido muito perverso.
Mas, quando pôs as mãos nos ombros esbeltos dela e a virou na sua direção, olhando para aquele rosto bonito e marcado pelas lágrimas, alguma coisa extremamente estranha aconteceu.
Harry, que tinha estado com, literalmente, centenas de mulheres na vida, e que sempre tivera controle perfeito sobre os seus instintos, foi tomado por um súbito impulso de dar um beijo naqueles lábios úmidos, abertos e convidativamente vermelhos. Sem levar em consideração que beijar uma cunhada era algo muito imprudente em qualquer circunstância e, naquela, absolutamente desastroso. Sem levar em consideração que era uma década mais velho que ela e provavelmente já tivesse comprometido a reputação da moça só por estarem os dois desacompanhados, na mesma casa. Sem levar em consideração que ela estava sozinha no mundo e que apenas um cafajeste tiraria vantagem de uma mulher na situação econômica em que ela se encontrava, sem falar no estado emocional. Ele sentiu um desejo de beijá-la que era mais forte do que qualquer compulsão que já tivesse tido e, sem pensar mais, obedeceu a esse desejo.
Oi!
Como eu disse, vai ter um capítulo por dia, deis de que tenha comentários. Então COMENTEM que o próximo capítulo vem amanhã.
É só comentar que vocês sabem amanhã como a Hermione reagiu ao beijo de Harry. =]
Ainda estamos com três votos sem dono. Se você souber de onde eles vieram, tipo, comente e assuma a culpa que eu vou adorar =]
Obrigada pelos comentários de Márcio Black e Danielle Granger Potter
Bjos, Jeh.
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