CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XIV
Os tambores rufavam, as gaitas tocavam. Em Inverness, o exército aprontava-se para combater. As poderosas forças do duque Cumberland encontravam-se a apenas doze milhas de distância.
- Não aprovo o campo de batalha. - disse Murray.
Ele era ainda o conselheiro do príncipe, mas a partir do episódio da retirada, o muro de frieza que se erguera entre eles crescia inexoravelmente.
- Por que não?
- Drumossie Moor é um campo mais apropriado para as táticas do exército inglês, Alteza. O combate será desigual.
Murray fez uma pausa e escolheu as palavras com cuidado.
- Essa charneca ampla e nua é ideal para as manobras da infantaria de Cumberland. Os escoceses do norte estão habituados a um solo mais ondulado.
- O senhor está se esquivando! – interveio O'Sullivan irônico. - Alteza, os escoceses do norte já provaram que são audaciosos e sagazes em qualquer campo! O mesmo não se pode dizer do general.
- Aqui, não se trata simplesmente de uma questão numérica.
Murray deu as costas a O'Sullivan e sua argumentação se converteu num apelo à compreensão do príncipe.
- Sir, esse campo é uma armadilha! Se nos retirarmos novamente para o norte, além do Nairn Water...
- Por que tanta obstinação, Murray? Por que foi O'Sullivan quem escolheu o campo? - perguntou Charles. - Pois eu lhe digo que vamos permanecer e enfrentar Cumberland. Esperamos por esse momento todo o inverno. Não vamos esperar mais!
Murray e Harry, que já haviam discutido a decisão do príncipe, entreolharam- se, desalentados.
- A decisão está tomada, Alteza. Mas eu quero lhe propor uma manobra que, se bemsucedida, poderá nos levar à vitória.
- Ótimo... se não incluir uma retirada, my lord.
Murray sentiu a pungência da resposta e enrubesceu.
- Hoje é o aniversário do duque. Ele irá celebrar a data em companhia de seus homens. Ficarão bêbados como esponjas. Um ataque de surpresa à noite poderá desmantelar as tropas.
O príncipe considerou a estratégia.
- O plano parece interessante. Continue.
- Duas colunas de homens se aproximarão de ambos os lados do campo, num movimento em pinça, e surpreenderão os dragões de Cumberland, enquanto eles dormem sob o efeito do álcool.
- Um bom plano. - murmurou o príncipe, os olhos brilhando de excitação. - A festa do duque pode durar pouco.
O plano era de fato bom, mas os homens que deviam executá-lo estavam cansados e famintos. Esgueiraram-se no meio da noite escura e fria, e perderam o rumo, uma, duas, três vezes seguidas. Não eram mais do que um bando desordenado de homens frustrados, trôpegos e esmagados pelo cansaço, quando, ao amanhecer, voltaram para o acampamento.
Montado em seus cavalos, Harry e Rony observaram sua chegada.
- Meu Deus... - murmurou o escocês. - A que ponto chegamos!
Com o cansaço a pesar também sobre seus ombros, Harry voltou-se na sela. Os homens dormiam em pé. Muitos deixavam-se cair no relvado do parque de Culloden Houx, ou na estrada.
Harry tornou a voltar-se e olhou para Drumossie Moor. A charneca, coberta agora de geada e de uma leve camada de neblina, era ampla e nua. Poderia converter-se num campo de parada para a infantaria de Cumberland. Ao norte, além do rio Nairn, o solo era acidentado. Murray, com seu tato e experiência militar, o teria escolhido. Ali haveria ainda uma chance de vitória. Mas era O'Sullivan quem dava as cartas agora.
- A campanha de Charles vai terminar aqui. - disse Harry com serenidade. - Para o melhor ou para o pior.
Ele olhou para o céu que começava a clarear. A leste, o sol emergia da camada espessa de nuvens. As fogueiras se apagavam à luz fraca da manhã. Esporeando seu cavalo, atravessou o acampamento, gritando:
- De pé, homens! Pretendem dormir até que o inimigo venha lhes cortar a garganta? Não estão ouvindo os tambores ingleses?
Os soldados, estonteados de sono, levantaram-se com esforço e começaram a reagrupar-se em destacamentos. Guarneceu-se a artilharia e distribuíram-se todas as rações disponíveis às tropas. Mas serviram apenas para dar uma sensação de insatisfação aos estômagos vazios dos homens.
Munindo-se de lanças e achas de combate, rifles e foices, eles se reuniram sob o estandarte dos Weasley, MacDonald, Cameron, Chrisholm, Robertson e outros mais. Eram cinco mil homens em frangalhos, mal equipados, unidos apenas por uma causa que consideravam justa, que se enchiam de uma nova esperança.
Charles, parecendo um príncipe da cabeça aos pés com seu casaco escocês e boina emplumada, passou as tropas em revista. Aqueles eram seus homens, e a tarefa que lhes destinara não era menor do que aquela que ele próprio havia assumido.
- Companheiros! - bradou. - Não há ninguém a quem o interesse da Inglaterra e a vida de todos, ingleses e escoceses, sejam mais caros do que a mim. E eu lhes digo, nunca este país necessitou tanto como agora do apoio daqueles que o amam.
Através da charneca, observaram o inimigo avançar. Vinham em três colunas que lenta, disciplinadamente, converteu-se numa única linha. A exemplo do príncipe, o duque desempenhou seu papel de representante do poder e percorreu-a lentamente, encorajando os soldados.
Acima do uivar do vento que açoitava as faces pálidas dos jacobitas, ouviu-se novamente o rufar dos tambores e o som plangente das gaitas de fole. Depois, o silêncio. A direita, um tiro de canhão ecoou, surdo, solitário, e perdeu-se na distância. O primeiro estampido ainda ressoava, um segundo e um terceiro ribombaram. A batalha começava.
Quando o primeiro tiro de canhão explodiu perto de Culloden House, Mione contorceu-se num espasmo e gemeu. Depois, esgotadas as forças, deixou escapar um fraco queixume.
- Pobre menina... - murmurou a sra. Drummond, que chegava com água fresca e lençóis limpos.
Molly terminou de banhar o rosto suado de sua nora e voltou-se para ela.
- Alimente o fogo, por favor. Precisamos manter o quarto aquecido para o momento em que o bebê nascer.
- Quase não há mais lenha.
- Usaremos toda a que temos. Gwen?
- O bebê está sentado, mamãe. - A jovem endireitou-se e flexionou os músculos das costas. - Mione é tão pequena...
Gina agarrou-a pelo braço e perguntou baixinho:
- Pode salvar os dois?
As duas se olharam. Após uma pausa, Gwen acenou com a cabeça.
- Se Deus quiser... - E observou cautelosa: - Pode haver complicações.
- Gina... - soluçou Mione nesse instante. - Você está aí?
- Sim, meu amor. Eu estou aqui. Nós três estamos aqui.
- Rony... eu quero Rony.
- Ele vai voltar. - Gina tomou-lhe a mão crispada e beijou-a. - Procure descansar entre as contrações para recobrar as forças.
- Tentarei. Vai demorar muito?
Mione olhou para Gwen.
- Diga-me a verdade. Há algo errado com o meu bebê?
Gwen debruçou-se sobre a cama para apalpar e examinar-lhe o ventre rígido. Por uma fração de segundo, foi tentada a mentir. Mas embora fosse ainda jovem, achava que as mulheres deviam enfrentar a verdade com coragem.
- Ele está de nádegas, Mione. Eu sei o que tem de ser feito. Mas não será um parto fácil.
- Vou morrer?
Não havia desespero na pergunta de Mione, apenas a necessidade de saber a verdade.
- Não.
Gwen já tomara a sua decisão. Se tivesse que optar, salvaria a vida da mãe. Porém, antes que pudesse proferir palavra, uma nova contração obrigou Mione a arquear-se.
- Meu bebê... não deixe meu bebê morrer! Prometa!
- Ninguém vai morrer - disse Gina, alisando-lhe os cabelos úmidos de suor. - Mas você tem de lutar. Quando sentir dor, grite! Mas não desista. Os Weasley nunca desistem.
O fogo concentrado da artilharia inimiga continuava a fazer estragos nas linhas jacobitas. Os homens caíam como moscas. O vento açoitava os rostos dos que recompunham as fileiras, a fumaça os cegavam, eles, porém, mantinham suas posições, agüentando o fogo inimigo e o massacre de seus companheiros.
- Senhor, por que não nos dão ordem de avançar? - Rony, o rosto sujo de fuligem, olhava para aquela carnificina com ar desesperado. - Quando chegar a hora já estaremos aniquilados pela longa espera. E sem que tenhamos erguido a espada!
Harry fez meia-volta e galopou até alcançar o flanco direito.
- Em nome de Deus! - gritou ele, quando se defrontou com o príncipe. - Dê a ordem para avançar. Estamos morrendo como cães danados!
- Aguardamos que Cumberland faça o primeiro movimento.
- Esperaremos em vão! Seus canhões estão arrasando nossas linhas de vanguarda!
- Lorde Potter...
- Cumberland não irá atacar enquanto puder nos matar a distância, Alteza! Se pudéssemos ao menos responder ao fogo... Mas não contamos com uma artilharia de grande alcance!
Charles ia dispensá-lo. Sua posição era tal que não lhe consentia uma visão clara do poder mortal da artilharia de Cumberland e do horror da situação. Mas, naquele instante, o próprio Murray chegou dizendo:
- Precisamos dar uma ordem imediata, Alteza. Atacar ou recuar?
- Atacar. - concedeu o príncipe.
O mensageiro preparava-se para executar fielmente a ordem, quando foi abatido sem que pudesse alcançar as vanguardas. Em vista disso, Harry tornou a esporear o cavalo e saiu em disparada gritando "atacar"!
Os soldados que formavam o centro das tropas foram os primeiros a se moverem, correndo como selvagens através da charneca, e deferindo golpes com suas espadas e foices. Pareciam lobos sedentos de sangue. Porém, eram apenas homens e seus esforços desesperados encontraram uma resistência igualmente vigorosa por parte dos inimigos, que os receberam com uma descarga mortal de seus rifles.
O ataque escocês continuou, mas o terreno, como Murray havia previsto, favorecia os ingleses. Ainda assim, por um instante, os escoceses conseguiram fragmentar a vanguarda de Cumberland, forçando os dragões a recuarem. Contudo, a segunda linha resistiu, despejando uma rajada de fogo devastador sobre os escoceses enfurecidos. Eles caíam aos montes, de modo que os que ainda estavam de pé, eram forçados a passar por cima dos corpos de seus infortunados companheiros.
Sobre o campo havia a bruma, a umidade e o cheiro ácido, estranho, de salitre e de sangue. Enquanto Harry abria caminho por entre as formações escocesas, a bruma desfez-se e a situação tornou-se mais clara: o flanco direito do exército do príncipe Charles estava rompido.
Numa manobra desesperada, ele obrigou seu cavalo a dar meia-volta, determinado a reagrupar o maior número de homens que pudesse. Então viu Rony. Cercado por um grupo de dragões, ele girava sua espada de dois gumes no ar, afrontando-os com toda a animosidade que um ódio mortal podia inspirar. Sem hesitar, desmontou e foi em seu auxílio.
Em torno deles, os jacobitas ainda lutavam com ardor, mas, pouco a pouco, eram forçados a recuar para a charneca. A ala direita despedaçada permitia a passagem dos dragões que, agora, ameaçavam os soldados em retirada. Os escudos fendiam-se aos repetidos golpes das espadas. O chocar das armas e os gritos dos combatentes misturavam-se aos sons das gaitas de fole, e afogavam os gemidos dos que caíam e que ficavam rolando indefesos sob as patas dos cavalos.
Mas naquele momento, a derrota pouco significava para Rony e Harry, que continuavam a lutar ombro a ombro. Tomados de compreensível fúria, ambos investiram contra o grupo de dragões e, golpeando a torto e a direito, derrubaram um adversário a cada golpe.
Após essa pequena vitória pessoal, os dois puseram-se a correr pela charneca, escorregadia pelo sangue dos mortos e dos feridos.
- Meu Deus... eles nos destruíram!
Já não era uma batalha, era uma carnificina contínua. Os canhões troavam por toda a extensão da misteriosa fumaça que ora se dissipava, obuses e granadas voavam constantemente, com um sibilo rápido. A cada novo tiro, os que ainda sobreviviam tinham menos probabilidades de escapar com vida.
Rony olhava para aquele espetáculo estarrecido. Era algo que homem nenhum jamais esqueceria, um vislumbre do inferno.
- Deviam ser mais de dez mil ingleses... - começou ele a dizer, quando viu um dragão mutilar brutalmente um dos homens de seu clã. - Cão! - gritou, cerrando os dentes, e desferiu-lhe uma violenta pancada na cabeça.
Depois de muito esforço, Harry conseguiu arrastá-lo para longe.
- Basta! Não há mais nada que possamos fazer aqui, a não ser morrer. A causa está perdida. A rebelião terminou.
Mas Rony não o ouviu. Brandia a espada que tinha na mão, a sede de vingança brilhando em seus olhos alucinados.
- Reflita, amigo. Glenroe está perto demais daqui. Temos que voltar e tirar nossa gente de lá.
- Mione! - Lágrimas começaram a correr dos olhos de Rony. - Sim, você tem razão.
Puseram-se a caminho com os sabres prontos. Aqui e ali ouviam-se gritos e tiros esporádicos. Estavam quase alcançando a borda da charneca, quando o dragão ferido ergueu seu mosquete e fez montaria. Harry viu o orifício negro da arma de fogo crescer e deu cobertura a Rony. Não sentiu o tiro. Apenas viu, de repente, bem junto de seus olhos, a relva que cobria Drumossie Moor. Depois, suas pálpebras fecharam-se.
Flexionando os músculos tensos das costas, Gina saiu de casa para respirar um pouco de ar fresco. Havia batalha que só as mulheres conheciam e ela acabava de travar uma delas. Tinham passado quase duas noites na desesperada tentativa de trazer a criança de Mione ao mundo. Houvera muito sangue e sofrimento, tanto como nunca imaginara ser possível. O menino viera ao mundo, mas deixara sua mãe entre a vida e a morte.
Agora, era quase noite, e Gwen garantira que Mione viveria. Ela ouvira os primeiros, débeis vagidos de seu filho e sorrira, antes de desmaiar de exaustão e de fraqueza.
Ali fora a brisa era fresca, com o aproximar-se da noite. A leste, as primeiras estrelas tremulavam no céu escuro.
- Oh, Harry... Preciso tanto de você!
- Gina?
Ela virou-se, sobressaltada, e estreitou os olhos para focalizar a figura que emergia das sombras.
- Rob... Rob Weasley?
Então viu-o claramente, o gibão manchado de sangue, os cabelos emplastrados de suor e sujeira, os olhos selvagens.
- Meu Deus! Que aconteceu? - gritou, correndo para ampará-lo.
- A batalha... os ingleses... eles nos destruíram, nos massacraram!
Gina sacudiu-o pelos ombros.
- Onde está Harry? Em nome de Deus, diga onde está Harry!
- Não sei. Tantos morreram, tantos... - Rob chorou no ombro dela. - Meu pai, meus irmãos... Eu os vi cair diante de meus olhos.
- Viu Harry? - perguntou ela desesperada. - E Rony?
- Sim, eu os vi. Mas havia muita fumaça e os canhões não paravam de atirar. O campo estava coberto de mortos e feridos.
- Oh, Deus... - Gina fechou os olhos. Precisava acreditar que Harry e Rony tinham sobrevivido!
- Havia centenas de corpos também ao longo da estrada, mas não pudemos enterrá-los.
- Quando foi isso?
- Ontem. Mas parece que foi há um século.
- Acha que eles virão aqui?
- Estão nos caçando como animais selvagens! Não respeitam nem as mulheres, nem as crianças.
Gina o manteve em seus braços até que toda aquela tensão se dissipasse. Depois, afastou-se delicadamente.
- E sua mãe?
- Ainda não fui para casa. Não sei como dar-lhe a notícia.
- Diga-lhe que os homens morreram bravamente, a serviço do verdadeiro rei. Depois, leve-a para as colinas, junto com as outras mulheres.
Gina olhou para a trilha imersa em sombras.
- Desta vez, quando os ingleses chegarem para queimar as casas, não encontrarão nenhuma mulher para violentar.
Ao voltar para casa, ela foi procurar Gwen, que estava ainda à cabeceira de Mione.
- Como está ela?
- Muito fraca. Gostaria de saber mais coisas. Há tanto para aprender...
- Você fez tudo o que podia ser feito. Salvou mãe e filho.
Gwen voltou-se para a grande cama de dossel, onde Mione dormia.
- Tive muito medo.
- Todos nós tivemos.
- Até você? - Gwen sorriu. - Você parece tão confiante, tão segura de si... Bom, o pior já passou. A criança é saudável, graças a Deus. Quanto a Mione, algumas semanas de repouso e cuidados farão milagres.
- Quando acha que ela poderá se levantar?
- Levantar-se? Para quê?
- Acabo de ver Rob Weasley.
- Rob? Mas...
- Houve uma batalha, Gwen. E foi terrível!
- Rony... Harry?
- Rob não sabe. Mas ele me disse que o campo estava coberto de mortos e feridos. Os ingleses estão perseguindo os sobreviventes.
- Podemos escondê-los! Se os ingleses chegarem aqui e encontrarem apenas mulheres, partirão novamente.
- Já esqueceu o que aconteceu antes?
- Aquele homem era um doido!
- Rob disse que estão todos loucos. Os dragões não estão respeitando nem as mulheres, nem as crianças. Se eles chegarem aqui antes que essa loucura passe, nos matarão a todos. Mione e as crianças.
- Ela poderá morrer, se tentarmos removê-la!
- Antes isso, do que vê-la torturada pelos ingleses. Apronte tudo o que for necessário. Deixaremos a casa ao amanhecer.
- O que vai ser de você e de seu bebê?
Os olhos de Gina brilharam intensamente.
- Vamos sobreviver!
Com suas próprias palavras a ecoar em seus ouvidos, ela desceu as escadas. Na cozinha, sua mãe preparava uma bandeja com o jantar de Gwen.
- Mamãe?
- Você deve descansar, Gina. Vá para a cama.
- Precisamos conversar.
Molly empalideceu.
- Aconteceu alguma coisa a Mione? Ou ao bebê?
- Os dois estão bem. E Malcolm?
- Está na estrebaria, cuidando dos cavalos.
Gina voltou-se para Parkins e a sra. Drummond.
- Ouçam todos.
Ela abarcou os três com um só olhar e esperou um minuto, reunindo as forças e as palavras. Depois, com voz firme, disse-lhes tudo.
Deixaram o solar à primeira luz do dia, levando consigo apenas o estritamente necessário. Parkins deitou Mione numa padiola que ele improvisara e deu início à jornada para as colinas. O percurso foi feito lentamente e quase em silêncio. Ninguém tinha vontade de falar.
Fizeram a primeira parada ao atingirem o alto da colina, onde as primeiras flores silvestres abriam-se ao sol, e voltaram-se para contemplar o cenário. Molly lançou um olhar nostálgico para o vale. Os bosques que ela atravessara pela primeira vez quando recém-casada refulgiam sob a leve bruma matutina. Pouco além estava a casa onde vivera com Arthur e seus filhos.
- Voltaremos, mamãe. - disse Gina, passando-lhe o braço pela cintura. - Eles não tomarão nossa casa.
Molly ergueu altivamente a cabeça.
- Sim, os Weasley voltarão a Glenroe.
Ficaram mais alguns minutos contemplando os telhados azuis, de ardósia, que brilhavam ao sol da manhã e depois seguiram caminho. Alcançaram a caverna duas horas depois. Já havia ali uma provisão de lenha e de pedaços de turfa, cobertas, víveres, remédios e leite fresco. Oculta atrás das rochas que formavam o fundo, estava a arca que continha os bens de Harry.
Gina apoiou a espada de seu pai na entrada e verificou as pistolas e as munições.
- Sabe atirar, Parkins?
- Se for necessário, lady Potter.
A despeito de seu cansaço, ela sorriu de seu ar formal.
- Não quer ficar com esta?
- Pois não, my lady. - disse ele, apanhando a arma com uma leve inclinação de cabeça.
- Você é uma preciosidade. - disse Gina, lembrando com que destreza ele construíra a padiola para Mione e com que cuidado levara a carga frágil através da ladeira íngreme.
- Obrigado, my lady.
- Começo a perceber por que lorde Potter não dispensa os seus serviços. Faz tempo que está com ele?
- Estou a serviço dos Potter há muitos anos, my lady. - A voz de Parkins tornou-se mais branda. - Ele voltará para nós.
As lágrimas ameaçaram transbordar dos olhos de Gina.
- Gostaria de lhe dar um filho homem. Qual era o nome do pai dele?
- Tiago, my lady.
- Tiago. - Ela sorriu. - Então nós o chamaremos de Tiago!
- Não quer descansar agora, lady Potter? A jornada foi muito cansativa.
- Estive pensando; Parkins: quando Harry e meu irmão voltarem, alguém terá de avisá-los que estamos aqui. Será necessário que um de nós desça de vez em quando até o vale. Creio que Malcolm, você e eu poderemos nos revezar nessa tarefa.
- Não, my lady.
- Não?
- Não, senhora. Não posso permitir que faça esse esforço. Meu patrão não gostaria.
Gina olhava-o, atônita.
- Não compreende, homem? Precisamos avisá-los!
- O jovem Malcolm e eu nos encarregaremos disso. A senhora ficará aqui, my lady.
Gina franziu a testa.
- Não, quando posso ser útil a meu marido!
Parkins estendeu calmamente uma manta perto do fogo.
- Insisto para que descanse, lady Potter. My lord faria questão disso.
- Se lorde Potter estivesse aqui, tenho certeza de que o despediria!
- Ele ameaçou despedir-me várias vezes. Mas nunca o fez. - objetou Parkins com uma impassibilidade tipicamente britânica. - E agora, se me permite, vou lhe preparar um pouco de leite quente.
Gina dormiu com a pistola numa das mãos e a espada na outra. Mas seus sonhos foram deliciosos, povoados com a imagem de Harry. Revia-o tão nitidamente, que pôde quase sentir o calor de seu corpo, quando ele segurou-lhe ambas as mãos e atraiu-a para si.
Dançaram à margem do rio, ao som do murmúrio das águas e do canto dos pássaros. Ele usava um traje com debruns de prata, e ela um vestido de cetim semeado de pérolas. Quando ele inclinou-se para beijá-la, enlaçou-o murmurando "não é o fim para nós, querido". Depois abriu os olhos e olhou-o. Ele era tão bonito! E sabia beijar com tanta doçura!
Súbito, viu o sangue que manchava o seu casaco. O sangue era tão real, que podia sentir seu contato pegajoso na palma da mão. Assustada, quis sustentá-lo nos braços, mas a imagem desvaneceu-se e ela ficou sozinha à margem do rio.
Acordou murmurando "Harry". Um pânico incontrolável dominou-a. Ergueu a mão e não encontrou sangue algum. Lentamente, lutando para separar o sonho da realidade, percebeu que não era o canto de um pássaro que ouvira, mas o grito de uma águia. Não escutara o murmúrio do rio, mas o gemido do vento.
"Ele está vivo!", disse a si mesma, com fervor.
Quase no mesmo instante, ouviu o choro do recém-nascido. Levantou-se com esforço. Mione, com a ajuda de Molly, amamentava o pequeno Arthur.
- Gina. - As faces da cunhada estavam ainda pálidas, mas seu sorriso era doce. - Venha ver o meu bebê. Ele fica mais forte a cada dia que passa.
- Ele é lindo! - disse Gina sentando-se ao lado dela. - E parecido com você, graças a Deus!
Mione riu.
- Eu não sabia que podia amar outra pessoa tanto quanto amo Rony. Mas agora eu sei.
- Como está se sentindo?
- Fraca, cansada... Não gosto de me sentir assim.
Molly acariciou-lhe o rosto.
- Procure dormir um pouco. Eu cuidarei dele.
- Rony vai voltar logo?
- Sim, logo. E ficará orgulhoso de seu filho.
Gina pegou o bebê no colo.
- Parece um milagre!
- Todas as crianças são um milagre. – disse Molly.
- São a promessa de uma nova vida. Sem elas, não poderíamos suportar a morte e a dor da perda.
Gina olhou-a fixamente.
- Acha que eles morreram?
- Peço sempre a Deus que olhe por eles.
- Onde está Malcolm?
- Com Parkins. Os dois saíram assim que você pegou no sono. Foram buscar algumas coisas que estão faltando.
Gina assentiu e aceitou a tigela de leite que a sra. Drummond lhe ofereceu.
- Não se preocupe com aqueles dois, querida. - disse ela. - Meu Parkins sabe o que faz.
- Ele é um bom homem, sra. Drummond. - Um leve rubor subiu às faces redondas da cozinheira.
- Sabia que vamos nos casar?
- Fico muito feliz... - Gina interrompeu-se e fez uma pausa. - Ouviu isso, mamãe?
- Não ouvi nada. - disse Molly, mas seu coração bateu mais forte.
- Alguém está chegando. Vá para o fundo da caverna e não deixe Arthur chorar.
Antes que a mãe pudesse impedi-la, Gina caminhou silenciosamente para a entrada da caverna e empunhou a pistola com mão firme. Seria capaz de matar o intruso, se Deus não lhe mostrasse outro caminho! O inglês que entrasse ali, encontraria algumas mulheres sozinhas, mas não indefesas! Atrás dela, a sra. Drummond apanhou o facão de cozinha e ficou à espera.
Quando os passos se aproximaram, não houve mais dúvidas, de que a caverna seria avistada. Erguendo a arma, saiu para fora da caverna, e preparou-se para lutar.
- E mesmo minha gata escocesa ou uma miragem?
Harry, amparado por Rony e Parkins, tentou sorrir para ela. À luz do dia, as manchas pegajosas que se alargavam sobre seu casaco e seu calção eram claramente visíveis.
Gina deixou cair a arma e correu lançando um grito:
- Harry!
Ele murmurou seu nome e depois tombou para frente.
Agradecimentos especiais:
Babi Mione: o bebe era de Rony e Hermione sim, mas Gina já está grávida esperando o herdeiro Potter. Beijos.
Bianca: a guerra foi um verdadeiro massacre, não vai haver um encontro entre as duas não. O que será que eles vão fazer agora que perderam tudo, foi uma pena. Mas fazer o que, não se pode vencer todas as batalhas. Beijos.
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