CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIII
Holyrood House era a grande atração da época. Por seus vastos salões, outrora desertos, circulava tudo o que havia de mais nobre, mais belo e rico nas regiões setentrionais da Escócia. Charles, esse príncipe corajoso e temerário, caráter brilhante e romanesco, ocupara seu castelo e estava deslumbrando seus pares com a sua hospitalidade e magnificência.
Ainda um tanto entorpecida pela felicidade, Gina via Harry incorporar-se com naturalidade àquele mundo que lhe pertencia por direito. Ao passo que ela precisava reprimir o seu temperamento impetuoso para moldar-se àquela vida de prazeres.
Naquela corte frívola e elegante, foi obrigada a aprender novas regras de etiqueta, a usar brilhantes nos cabelos, a empoar-se e a perfumar-se com as mais finas essências francesas. E ali, junto com a descoberta do que significava realmente ser lady Potter, teve uma noção exata da fortuna de seu marido.
Uma semana após o casamento, Harry, valendo-se de seus contatos, fez vir de Londres as fabulosas esmeraldas de sua família e presentou-a com elas. Depois, não satisfeito, contratou uma modista para que a vestisse de seda e cetim, de cambraia fina e rendas delicadas.
Era impossível não apreciar aquele luxo. Mas, à medida que os dias passavam, não podia afastar a sensação de que os privilégios, as honras, a pompa, a convivência diária com o príncipe eram um sonho.
As noites, porém, lhe pareciam reais. Entregava-se então a Harry com todo o ardor de sua juventude. Amava e era amada e esquecia tudo, a guerra e a inevitável separação, diante daquela felicidade tão fugidia quanto o brilho das sedas e dos brocados.
Durante o dia sentia-se uma impostora, uma criada disfarçada com os trajes de sua ama. Seu maior desejo era correr descalça por entre as árvores meio desfolhadas dos bosques, galgar as colinas abruptas que fechavam o parque do castelo, ao sul.
Não ousava. Apenas uma vez, quando teve certeza de que ninguém a notaria, acompanhou Malcolm aos estábulos. Invejava seu irmão pela liberdade que lhe concediam de entregar-se a cavalgadas desenfreadas. Mas continha-se, determinada a comportar-se como a esposa perfeita que Harry merecia.
Três semanas passadas, Gina aprovava-se por sua conduta. Ao mesmo tempo, suspirava pela paz das charnecas da Alta Escócia. Queria vestir seus calções e...
Com um encolher de ombros mais ostensivo do que seria de esperar em uma dama delicada, deixou-se cair numa cadeira. E, com o rosto apoiado na mão diante do fogo apagado, censurou-se. Era uma ingrata. Que mulher em seu juízo perfeito dispensaria a vida deliciosa que Harry lhe proporcionava?
Ouviu a porta do quarto abrir-se e levantou-se de um pulo, alisando a saia. "É ele", pensou. Virou-se e viu-o parado no meio do quarto, com um sorriso a iluminar-lhe o rosto. Viu o sorriso desvanecer-se e depois renascer, mais quente e mais cheio de admiração.
- Você está linda, Gina. Parece uma violeta dos campos.
Com uma risada que era quase um soluço, ela se lançou nos braços do marido.
- Oh! Harry... Eu te amo tanto!
- Que é isto? Você está chorando?
- Não. É que... estou feliz demais. Vai rir de mim?
Ele curvou-se e beijou-lhe os cabelos, segurando-lhe o rosto entre as mãos.
- Não, minha querida. Não vou rir de você.
Os olhos verdes ficaram de repente muito sérios e ela soube que o momento da partida havia chegado.
- Chegou a hora, não é?
Não fora dita uma palavra, mas Harry compreendeu que ela sabia. Seus olhos mostravam isso, além das lágrimas e da postura desalentada.
- Sim, chegou.
- Conte-me tudo.
- Iniciaremos a marcha dentro de alguns dias. E preciso que você parta amanhã para Glenroe.
Gina empalideceu, mas sua voz não se alterou.
- Preferia ficar aqui até o momento em que você fosse embora.
- Eu partiria mais tranqüilo, se soubesse que você e sua família estão em segurança.
- Marcharão para Londres?
- Se Deus quiser.
- Esta luta é também minha. Gostaria de ir com você.
- Você irá comigo. Aqui. - Ele apontou para o coração. - Não deve esquecer que sua família conta com você.
"Meus sentimentos não contam?" As palavras subiram aos lábios de Gina, mas ela as reprimiu.
- Está bem, Harry. - disse obediente. - Ficarei esperando por você em Glenroe.
- Há uma coisa que eu quero que saiba, caso as coisas não correrem bem. Em meu quarto, você encontrará um cofre com ouro e jóias suficientes para comprar sua incolumidade e a de sua família, se for necessário. Há também uma arca com algo mais precioso, que eu espero que conserve para sempre.
- Posso saber o que é?
Ele acariciou-lhe o rosto com delicadeza.
- Você saberá, quando chegar o momento.
- Mas você vai voltar, não vai? Prometeu que me levaria ao Solar Potter.
- Não vou esquecer uma promessa.
Ela começou a desatar a faixa do vestido com os olhos ainda nele.
- Acha impróprio que eu queira fazer amor com meu marido tão cedo pela manhã?
Harry tirou o casaco sorrindo.
- Nunca é cedo demais para fazer amor.
Amaram-se banhados pela luz do sol que entrava magnífica pelas janelas abertas. Recordaram sua bela e curta história, e outra manhã ensolarada, cheia de desejo e paixão, à beira do lago. Essa lembrança, somada às incertezas de um futuro velado, fez com que a entrega fosse total.
Era novembro quando as forças de Charles puseram-se finalmente em marcha. Muitos, e Harry dentre eles, teriam preferido que o príncipe houvesse começado a campanha mais cedo, aproveitando a vantagem adquirida no início, ao tomarem Edimburgo. Mas ele preferira esperar por um auxílio de maior peso da França.
O ouro francês havia na verdade chegado, e também suprimentos. Mas não homens. Em vista disso, Charles reunira seu pequeno exército e decidira-se por um ataque fulminante, alcançando a vitória ou a derrota em curto espaço de tempo. Como na primeira vez, ele chegara à conclusão que a empresa só podia ser realizada por meio de um golpe de audácia.
Alguns meses antes, seu intento fora motivo de risos. Entretanto, após a queda de Edimburgo, os ingleses tinham revisto suas opiniões e mandado às pressas reforços de Flandres para o marechal de campo Wade, aquartelado em New Castle.
Enquanto isso, o exército do príncipe, sob o comando de lorde George Murray, marchava para Lancaster, encontrando pouca resistência no caminho. Tomaram a cidade com relativa facilidade, mas a vitória foi ofuscada pela deserção de um grande número de jacobitas ingleses.
Certa noite fria, logo após o combate, Harry encontrava-se sentado junto a uma das fogueiras do acampamento em companhia do conde Withesmouth, que acorrera de Manchester para defender a causa.
- Devíamos ter atacado as forças de Wade. - observou Whitesmouth, tomando um longo gole de uísque para aquecer-se do vento cortante. - Agora, ele convocou Cumberland, o filho do Príncipe Eleito, que já deve estar marchando através das Midlands. Quantos somos, Harry? Quatro, cinco mil?
- No máximo. - Harry fitou as chamas.
- Enquanto isso, o príncipe hesita entre dois líderes de visões opostas, Murray e Sullivan. Qualquer decisão, por menor que seja, é tomada após um penoso debate. Quer saber a verdade, Harry? Perdemos nosso grande momento em Edimburgo. E essa perda pode ter sido irremediável.
- Mas você continua com ele.
- Sim, vou empunhar a espada e o escudo e seguir em sua companhia, compartilhando com ele da sorte que Deus nos enviar.
Permaneceram um momento em silêncio, ouvindo o vento assobiar nas colinas.
- Sabe que também os escoceses estão desertando e voltando furtivamente para seus vales e colinas? - tornou Whitesmouth.
- Sim, eu sei.
Aquela mesma tarde, Arthur e os outros chefes de clãs haviam discutido a situação. Mas teriam compreendido que as brilhantes vitórias obtidas por seus homens devia-se ao fato de que eles haviam lutado com os seus corações? Uma vez perdida a fé, a causa estaria comprometida.
Afastando esses pensamentos perturbadores da mente, ele passou a considerações mais práticas:
- Chegaremos a Derby amanhã. Se atacarmos Londres rapidamente e com entusiasmo, poderemos ainda ver o rei James no trono. Ainda não fomos derrotados. Pelas notícias que você nos trouxe, sabemos que há pânico na cidade.
- Se a sorte estiver de nosso lado, você voltará para sua esposa no Ano-Novo.
Harry assentiu. Mas, no fundo de seu coração, sabia que era necessário um pouco mais do que sorte.
Em Derby, situada a cento e trinta milhas de Londres, Charles reuniu seu conselho de guerra. A neve caía sem cessar, quando os principais membros da aliança sentaram-se à grande mesa redonda. Havia um bom fogo, mas, acima de seu crepitar, ouvia-se o lúgubre uivar do vento do norte.
- Senhores. - O príncipe pousou as mãos brancas e esguias diante de si. - Não me atrevo a agir sem a colaboração dos homens que se empenharam por meu pai. Estou aqui para ouvir os seus conselhos.
Os olhos negros perscrutaram a sala, pousando brevemente em cada um dos homens.
- Sabemos que três tropas do governo convergem para nós de pontos diferentes. Acredito que a saída seja um ataque rápido e fulminante à capital, enquanto estamos ainda comemorando a vitória.
- Alteza, - disse Murray - o único conselho que eu posso lhe oferecer é cautela. Estamos mal equipados e em desvantagem numérica. Se nos retirarmos para a Alta Escócia, aproveitando o inverno para planejar uma nova campanha que seria iniciada na primavera, poderíamos atrair novamente os homens que desertaram e conseguir suprimentos frescos da França.
- Essa é a tática do desespero. - retrucou Charles. - Haverá ruína e destruição, se batermos em retirada.
- Seria uma retirada estratégica. - explicou Murray e recebeu a aprovação dos outros membros do conselho. - Não podemos agir impulsivamente.
De olhos fechados, o príncipe ouviu seus conselheiros darem, um a um, seu apoio a Murray. Prudência, cautela, paciência. Apenas O'Sullivan pregava o ataque. E valia-se de lisonjas e promessas temerárias na tentativa de convencê-lo.
Súbito, ele levantou-se da cadeira e varreu com a mão os mapas e os documentos abertos sobre a mesa. Depois olhou para Harry.
- E o que diz lorde Potter?
Harry tinha consciência de que a estratégia de lorde George era a mais aconselhável. Apesar disso, suas dúvidas persistiam: uma retirada significava partir a espinha dorsal da rebelião. Pela primeira vez, que seria talvez a única, concordava com O'Sullivan.
- Com o respeito que devo a Sua Alteza, afirmo que se eu tivesse o poder da decisão marcharia para Londres ao raiar do dia, aproveitando o moral alto de nossas tropas.
- O coração me diz para lutar, Alteza. - disse um dos conselheiros. - Mas, na guerra, deve-se seguir também a razão. Se avançarmos sobre Londres agora, nossas perdas podem ser consideráveis.
- Ou grande o nosso triunfo! - objetou Charles com vigor. - Seremos como as mulheres, que cobrem as cabeças ao primeiro sinal de neve, e que só pensam em aquecer os pés junto ao fogo? Retirada estratégica, recuo... é tudo a mesma coisa!
Ele voltou-se para Murray espumando indignação.
- Será que o senhor não pretende abandonar-me, depois de todos os protestos de lealdade e dedicação?
Murray empalideceu como um homem que recebesse uma flechada no peito, mas falou com calma:
- Jamais faria tal coisa. Meu único objetivo na vida é ver sua causa bem-sucedida.
A discussão continuou, mas antes que terminasse, Harry soube como acabaria. O príncipe, sempre hesitante quando enfrentava uma dissidência entre os seus conselheiros, seria forçado a concordar com a estratégia cautelosa de Murray.
No dia seis de dezembro, como previra, Charles decidiu-se pela retirada, mesmo consciente que o caminho de volta à Escócia seria longo. Os homens haviam perdido o estímulo. A interrupção do exuberante e agressivo avanço, que dera tanto poder aos clãs no verão anterior, sufocara o espírito da rebelião.
Durante a retirada, tomaram Glasgow, uma cidade que lhes era abertamente hostil. Os homens, frustrados e desiludidos, queriam destruí-la e saqueá-la. Apenas a cabeça fria e o espírito de compaixão de Cameron de Lochiel impediram um massacre total.
Continuaram sua marcha vitoriosa. Dominada a cidade de Stirling, homens, suprimentos e munições chegaram da França. Parecia, afinal, que o príncipe havia tomado a decisão certa, ao optar pela estratégia de Murray.
As tropas voltaram a recompor-se com novas adesões. Houve outra batalha ao sul de Stirling, travada sob um purpúreo crepúsculo de inverno, e de novo sentiram o sabor da vitória. Mas experimentaram também o sofrimento, quando Arthur Weasley caiu sob uma espada inimiga.
Ele resistiu durante toda a noite, apesar do ferimento ser mortal, mergulhado numa sonolência inquieta. De madrugada, despertou de um leve embalo no limiar da consciência e ergueu um pouco a mão hesitante até encontrar a de seu filho.
- Sua mãe...
- Eu cuidarei dela.
- Sim. - Arthur balbuciou, respirando com dificuldade. - A criança... Meu único pesar é não poder ver seu filho.
- Ele terá seu nome. - disse Rony.
Os lábios exangues do moribundo entreabriram-se num leve sorriso.
- Harry.
- Estou aqui, senhor.
- Não dome minha gata selvagem... Ela morreria no cativeiro. Ajude Rony a cuidar da pequena Gwen e de Malcolm.
- Eu prometo.
- Minha espada... Minha espada é para Malcolm. Você já tem a sua, Rony.
- Ele a terá, pai.
- Tínhamos o direito de combater. - Arthur abriu os olhos pela última vez. - Nossa raça é real. Somos Weasley, a despeito de tudo.
Aquele inverno, Charles, instalou seu quartel-general em Inverness. A inatividade novamente estimulou a debandada. Houve algumas escaramuças isoladas e, numa delas, os jacobitas conseguiram tomar o Forte Augusto, a odiada fortaleza inglesa cravada no coração da Alta Escócia. Mas os homens ansiavam por uma vitória decisiva e pela volta ao lar.
Enquanto isso, Cumberland reunia suas forças e esperava o degelo. Mas parecia que o inverno jamais acabaria.
Estava nevando, quando Gina ajoelhou-se diante do túmulo do pai. Fazia quase um mês que haviam trazido o corpo a Glenroe para que seus familiares e amigos pudessem chorar sua morte.
As lágrimas voltaram a cobrir suas faces quando recordou a voz sonora e os olhos sempre risonhos. Gostaria de poder gritar, extravasar sua fúria contra aqueles que o haviam matado. Mas estava esgotada. Em seu coração havia apenas angústia e uma dor profunda, insuportável. Parecia que aos homens cabia lutar e às mulheres apenas chorar.
Fechou os olhos e deixou que a neve molhasse seu rosto. Já havia perdido um dos homens que amava. Como poderia viver, se perdesse outro? A rebelião era justa. "O povo que acredita firmemente num ideal, está pronto a lutar e morrer por ele". Seu pai dissera isso.
- Papai... - murmurou. - Estou esperando um filho.
Passou a mão pelo ventre e seus pensamentos voltaram-se instintivamente para Harry. Ele ainda não sabia que estava grávida.
- Gina!
Voltou-se e deparou com Malcolm parado a alguns passos de distância dela. A neve caía entre eles como uma cortina espessa, mas pôde ver que havia lágrimas nos olhos dele. Sem proferir palavra, abriu-lhe os braços.
Confortou-o enquanto ele chorava. Ele fora tão corajoso, permanecera tão firme segurando o braço da mãe quando o sacerdote murmurava a oração fúnebre! Comportara-se como um homem. Agora, era um menino.
- Odeio os ingleses! - ouviu-o dizer com voz abafada.
- Mamãe diria que odiar não é cristão. Mas às vezes, eu acho que há um momento para odiar, assim como há um momento para amar.
- Ele era um soldado corajoso.
- E você não acha que um soldado prefere morrer lutando por seu ideal?
- Sim, mas eles estavam em plena retirada. - objetou Malcolm com amargura.
A carta que haviam recebido de Harry explicava a estratégia adotada, assim como a insatisfação e o crescente descontentamento das tropas.
- Não compreendo a estratégia do general Malcolm. Mas sei que, vencendo ou perdendo, nada mais será como era antes.
- Quero ir para Inverness e combater.
- Malcolm...
- Não sou mais uma criança. Tenho a espada de papai! Vou usá-la para vingá-lo!
Gina olhou para ele. O menino que chorara em seus braços era um homem novamente. Ele havia se endireitado e sua mão estava cerrada em volta do punho da adaga.
- Não, você não é mais criança. E acredito que poderá usar a espada de papai como um homem. Não vou impedi-lo, se seu coração diz que você deve ir. Mas gostaria que pensasse em Gwen e Mione.
- Você pode cuidar delas.
- Vou tentar, mas eu tenho de pensar em meu bebê. - Ela tomou-lhe a mão entre as suas. - Quando eu estiver tão pesada quanto Mione, como poderei defendê-las, se os ingleses chegarem? Não lhe peço para não lutar, Malcolm. Mas gostaria que lutasse aqui. Como um homem.
Perturbado, ele voltou-se e fitou o túmulo do pai. A neve cobria a lápide como uma mortalha branca.
- Acho que papai gostaria que eu ficasse.
- Não é vergonha ficar para trás. Não, quando é a única coisa certa a fazer.
- Mas é terrível!
- Eu sei. Acredite em mim, Malcolm. Eu sei! - Pensativa, Gina fez uma pausa antes de voltar a falar: - Se as tropas do príncipe estão tão perto de Inverness, os ingleses não devem estar longe daqui. Poderão atacar Glenroe. Então, quem poderá nos defender? Há pouca gente na aldeia, e em sua maioria mulheres e crianças.
- Você acha que os ingleses chegarão até aqui?
- Pode acontecer, Malcolm. Já não atacaram Moy Hall?
- E foram derrotados.
- Mas estão perto demais. E como não podemos nos defender, teremos ao menos que nos proteger. Vamos procurar um lugar secreto nas colinas e construir um abrigo, se for preciso com as nossas próprias mãos.
- Conheço uma caverna. Pode ser um bom lugar.
- Não quer me levar até lá amanhã?
Era quase abril e o inverno ia se extinguindo, alternando períodos de nevascas com geladas calmarias. O frio continuava e os exércitos em luta cavavam abrigos e aguardavam o degelo.
Harry tinha partido com um punhado de homens famintos e cansados, um grupo miserável como tantos outros que vinham de Inverness, à procura de comida e suprimentos.
Durante a batida, tomara conhecimento de certas notícias alarmantes que começavam a circular: O duque de Cumberland, filho do Príncipe Eleitor, estava acampado em Aberdeen com um grande contingente de homens bem armados e bem alimentados, e parecia na iminência de avançar sobre Inverness.
"Preciso levar essas novas ao conhecimento do príncipe Charles imediatamente", pensou, olhando para trás com preocupação.
Seus homens cavalgavam em total silêncio. Eram soldados corajosos. Mas agora, prostrados pela fome e pelo cansaço, pensavam apenas em encontrar alimento para encher seus estômagos vazios e dormir. Não podia censurá-los.
Voltou-se na sela com um suspiro e perscrutou a estrada deserta. Tinham agora alcançado um bosque de pinheiros. Estavam prestes a penetrar em seu recesso, quando um inesperado contingente de dragões vermelhos surgiu a oeste. Deteve os homens com um gesto e ergueu-se nos estribos para estudar o inimigo a distância. Os ingleses eram superiores em número e pareciam descansados. Precisava decidir: escapar ou lutar.
Fazendo seu cavalo dar meia-volta, olhou seus homens com determinação.
- Cabe a vocês decidir: podemos galgar as colinas e escapar, ou enfrentá-los aqui na estrada. Os casacos vermelhos têm os rochedos atrás de si. Estão, portanto, sem via de escape.
- Para a frente! - gritou alguém.
Um homem desembainhou a espada. Depois outro e mais outro. Harry sorriu. Era a reação que esperava.
- Nesse caso, vamos mostrar-lhes quem são os homens do rei James! - Dizendo isso, partiu a galope.
Animados pelo desespero e pelo exemplo de seu chefe, os homens cavalgaram como demônios, soltando gritos de guerra em gaélico e brandindo suas armas. Após semanas de frustração e raiva, queriam saciar naquele ataque a sede de vingança que havia muito os animava contra os soldados do usurpador.
Conseguiram levar os dragões para os rochedos e perseguiram-nos sem piedade. Quando terminaram, cerca de uma dezena de casacos vermelhos jaziam, mortos ou agonizantes, sobre a neve manchada de sangue. O resto da tropa esgueirava-se rapidamente, por entre as rochas.
- Vamos atrás deles! - gritou um dos homens.
Harry bloqueou a estrada com seu cavalo.
- Com que propósito? - Ele desmontou e limpou a lâmina de sua espada na neve. - Já fizemos o que devia ser feito. Agora, vamos cuidar dos mortos e dos feridos.
- Vamos deixar os ingleses para os abutres!
Harry virou a cabeça. Seus olhos estavam frios como gelo quando se fixaram no rosto sujo de sangue do escocês que falara.
- Não somos animais. Vamos enterrar os mortos, sejam amigos ou inimigos!
Voltaram para Inverness lentamente, ainda mais famintos do que quando haviam partido. A cada milha que venciam, Harry tomava consciência, cheio de apreensão, como os dragões haviam estado perto de Glenroe.
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