CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XV
- Ele não vai morrer, não é verdade? - perguntou Gina desesperada. O medo revolvia-lhe as entranhas, causando-lhe ligeira vertigem.
Gwen permaneceu em silêncio, ocultando a dúvida que sentia, e continuou a apalpar delicadamente o flanco direito do ferido, onde a bala se alojara.
- O tiro seria para mim, se Harry não se colocasse na minha frente. - disse Rony abruptamente.
- Foi assim? - indagou Molly, cheia de compaixão.
Seu filho acenou vagamente com a cabeça.
- Estávamos derrotados, não havia mais nada que pudéssemos fazer. Ele queria sair daquele inferno a qualquer custo. - Rony fez uma pausa demorada. - A princípio, pensei... pensei que ele estivesse morto.
Gina acariciou-lhe a mão.
- Você o trouxe de volta para mim. Obrigada.
Rony fechou os olhos. Não conseguia esquecer o desespero que sentira, quando, com Harry às costas, seguira a trilha acidentada que levava ao dorso da colina. Escondera-se numa cavidade de rocha e ministrara os primeiros cuidados ao amigo enquanto os ingleses vasculhavam os urzais. Ao cair da noite, haviam iniciado a longa caminhada de volta ao lar.
- Estávamos com pressa por causa de vocês. - tornou. - Temíamos que os ingleses chegassem antes que pudéssemos tirá-los do solar.
Gwen endireitou-se e todos os olhares se voltaram para ela.
- A bala tem de ser extraída. Só um médico pode fazer isso.
- Não há médicos em Glenroe! - gritou Gina, subitamente fora de si. - Se sairmos à procura de um, atrairemos a atenção dos ingleses.
- Sim, mas...
- Logo terão conhecimento da presença de um fugitivo aqui. Harry é um homem marcado. Eles o farão prisioneiro... e o matarão!
Gwen fitou-a cheia de piedade.
- Que podemos fazer?
- Tente alguma coisa, pelo amor de Deus!
- O ferimento é profundo, não saberia o que fazer. Poderia matá-lo, ao invés de salvar-lhe a vida.
- Pois bem. Eu mesma farei isso!
- My lady. - A voz de Parkins era calma e controlada. - Eu removerei a bala com a assistência da srta. Weasley.
- Você está maluco! - disse Gina sem meias palavras. - Não estamos falando de rendas e babados, mas da vida de um homem!
- Já fiz isso uma vez, my lady. - insistiu Parkins, imperturbável. - Vou acender o fogo e ferver uma chaleira de água. Depois, alguém terá de segurar lorde Potter para mim.
- Eu mesma farei isso. - Gina falou com determinação. - E peça a Deus que sua mão não falhe!
Gwen esterilizou a faca e depois derramou uma infusão de papoula por entre os lábios semi-cerrados de Harry.
- Vá descansar, Gina. Eu assistirei Parkins.
- Não, isso cabe a mim.
Enquanto Parkins tirava o casaco e arregaçava as mangas, preparando-se para agir, ela fechou os olhos por um momento. Estava tomando em suas próprias mãos o que restava do fio de vida de seu marido. Tornou a abri-los e fitou Parkins. Sua calma tranqüilizou-a. Hesitou apenas um segundo, antes de fazer-lhe um sinal para que desse início à cirurgia.
Embora sob o efeito da droga, Harry gritou de encontro à mordaça que lhe enfiaram na boca, e Gina teve que lançar mão de toda a sua força para segurá-lo. Como em transe, ela observou o sangue do marido empapar o chão de terra, enquanto seu rosto tornava-se lívido e seus lábios exangues.
A bala havia se cravado profundamente na carne, e Parkins teve de gastar minutos preciosos para localizá-la.
- Encontrei-a. - disse ele por fim, o suor escorrendo-lhe do rosto. - Mantenha-o imóvel, my lady.
Quando a operação terminou, Gwen substituiu-o.
- Temos que estancar o sangramento. Harry já perdeu sangue demais. Sra. Drummond, passe os ungüentos.
Feitos os curativos, ela enrolou de novo os cobertores em torno do corpo ferido e depois voltou-se para sua irmã, que parecia a ponto de desmaiar.
- Vá tomar um pouco de ar, querida.
Gina levantou-se e caminhou lentamente para a entrada da caverna. Um ano antes, fora Harry que havia chegado a Glenroe carregando Rony gravemente ferido. Agora, era seu marido que estava à beira da morte. O tempo entre esses dois acontecimentos passara como num sonho, marcado por momentos de amor, paixão, lágrimas e risos.
Ergueu os olhos e observou a paisagem. Ao longe, em meio à tranqüilidade que reinava no vale, as colinas tomavam uma coloração purpúrea. "Nossa terra" pensou, "pela qual muitos lutaram." Seu pai dissera: "Não lutamos em vão." No entanto, o homem que amava estava agonizando e a terra pela qual haviam lutado escapava-lhe das mãos. Esse era o momento que ela, havia muito, receava: o momento em que as duras conseqüências da luta se tornavam, afinal, claras.
- Lady Potter.
Ela era lady Potter, mas também uma Weasley. Pousou a mão no ventre e sentiu o pulsar de uma nova vida, de uma nova esperança. Não, a luta não fora em vão!
Voltou-se e quase sorriu. Parkins tinha envergado o casaco e assumido novamente o seu papel.
- Sim?
- Não gostaria de tomar um pouco de chá? - perguntou ele, passando-lhe às mãos uma tigela de madeira.
- Obrigada, Parkins. - Gina tomou um gole da bebida fumegante e fitou-o. - Quero me desculpar pela minha rudeza. Espero que não tenha se ofendido.
- My lady estava muito preocupada. - disse ele, a expressão cheia de bondade.
- Você tem mãos firmes, Parkins. E um coração de ouro.
- Obrigado, my lady.
- Salvou a vida de lorde Potter. Fico-lhe muito grata por isso. E gostaria de fazer alguma coisa por você.
Parkins balançou a cabeça, num gesto de veemente recusa. Depois, muito solene, disse:
- Nada fiz para merecer sua benevolência.
- Você fez muito, não sabe quanto!
Dito isto, Gina voltou para junto do marido. O vento levantara-se, violento. Penetrava através da coberta que vedava a entrada da caverna e fazia as chamas do fogo se inclinarem. Em seu encalço, ela ouvia algo que se assemelhava a um riso reprimido, a suspiros, murmúrios e gemidos. Eram os espíritos das colinas, mas não a assustavam.
Velou Harry a noite inteira. Ele delirava no colchão de palha, murmurando palavras e frases entrecortadas. Por elas, teve uma noção mais clara de todo o horror da batalha, e do perigo que ele e Rony tinham enfrentado.
Pouco antes do raiar do dia, Molly ofereceu-se para substituí-la.
- Você precisa descansar. Por si mesma e por seu filho.
- Não posso deixá-lo, mamãe. Às vezes, ele abre os olhos e me olha, dando a impressão de que sabe que estou ao seu lado.
- Então, deite a cabeça no meu colo e durma um pouco.
- Ele é tão bonito, mamãe!
Molly sorriu.
- Sim, Harry é muito bonito.
- Meu bebê vai se parecer com ele. Vai ter esses mesmos olhos verdes e essa boca bem-feita.
Gina fechou os olhos e as recordações a invadiram.
- Eu o amei desde a primeira vez que o vi. Mas fiquei assustada. Não sabia que o coração tem razões mais profundas do que aquelas que eu tinha imaginado. Agora eu sei.
Os sonhos de Harry eram impregnados de horror. Ele se via quase sempre em meio a um mundo destruído, gotejando sangue. Em torno dele, os homens agonizavam, os rostos cheios de dor. Podia até sentir o cheiro da morte, predominando sobre o odor acre da pólvora. Podia ouvir o som das gaitas, o rufar dos tambores e o incessante ribombar da artilharia ultrapassando todos os lamentos.
Punha-se a correr e de repente era atirado no ar por um estampido medonho e principiava a cair, a cair, num longo redemoinho sem fim, até bater de encontro ao solo relvoso. A vida esvaía-se de seu corpo lentamente e parecia a ponto de interromper-se.
Às vezes, quando abria os olhos, via Gina tão nitidamente, que conseguia distinguir suas faces pálidas pelo cansaço. Ela se debruçava sobre ele e o acariciava com mãos macias. Reagia, num esforço para vê-la melhor. Mas suas pálpebras pesavam como chumbo.
Durante três dias, debateu-se na inconsciência. Não percebia nada do pequeno mundo que fervilhava à sua volta. Ouvia vozes, mas não conseguia entender o que diziam. Pensou ouvir uma mulher chorar baixinho e depois uma criança choramingar.
Ao final de três dias, caiu num sono profundo, sem sonhos. O despertar foi algo semelhante a um parto: confuso, doloroso, desamparado. Ainda não tinha consciência plena de onde se encontrava, se na charneca, em meio à batalha, ou em outro lugar qualquer.
O primeiro jato de luz feriu seus olhos. Fechou-os novamente e procurou se orientar por meio dos sons e dos odores. Havia o cheiro enjoativo de papoulas, de terra, de lenha queimando, e, coisa estranha, o cheiro bom de batatas assando. Ouviu murmúrios. Pacientemente, pôs-se a decifrar as vozes. Rony. Gwen. Malcolm. Uma onda de calor percorreu-lhe o corpo, tão reconfortante quanto o produzido por vinho fino, Gina devia estar ali também!
Aos poucos, seguro daquele calor que o aquecia, foi abrindo os olhos. Agora, a via a um palmo de seus olhos, mirando-o cuidadosamente, uma expressão de alegria no rosto adorável. Abriu a boca, mas não emitiu nenhum som.
- Gina. - conseguiu balbuciar por fim, ao estender o braço para tocá-la.
Gina se debruçou sobre ele, não sabendo se ria ou chorava.
- Você voltou para mim, amor!
A princípio, Harry permaneceu num estado entre a vigília e o sono. Despertava, quando lhe passavam uma toalha úmida pelo corpo dolorido, ou quando o faziam tomar chá. Era bom sentir o líquido descer por sua garganta ressequida.
A lembrança da batalha era clara, mas não se lembrava do que acontecera depois. Gradualmente, com a ajuda de Rony, foi coordenando os pensamentos e as recordações dolorosas. E não conseguiu dominar o pesar e a indignação.
- O'Sullivan estava enganado. E nós... nada pudemos fazer. Não podíamos dar ordens ao príncipe. E agora...
Sua revolta atenuava-se apenas quanto tinha Gina e seu filho ainda por nascer junto de si.
- Este lugar não nos oferecerá segurança por muito tempo. - disse-lhe certa tarde.
- Você está ainda muito fraco para locomover-se. - observou ela.
Ele beijou-lhe as mãos com ar pensativo.
Como poderia permitir que sua esposa desse à luz naquela caverna?
- Tenho parentes em Skye, eles poderão nos ajudar. Quando acha que Mione e o bebê estarão suficientemente fortes para viajar?
- Dentro de um ou dois dias. Mas você não poderá participar de uma viagem com os ferimentos ainda abertos!
- Estou curado. Ademais, meus ferimentos têm menos importância do que um arranhão de alfinete.
- Você estará curado quando nós lhe dermos alta!
Um brilho da antiga arrogância surgiu nos olhos dele.
- A senhora é uma tirana, madame.
Ela sorriu.
- Fui sempre uma tirana, Sassenach.
- Adorável tirana... - murmurou ele, afundando a cabeça no travesseiro.
- Descanse agora. Quando recobrar as forças, iremos para onde você quiser.
Harry olhou-a com intensidade.
- Vou tomar isso como uma promessa, Serena.
A voz dele estava tão fraca, que Gina sentiu seu coração oprimir-se. Quando ele partira, era um homem forte, invencível. Voltara para ela a beira da morte.
- Onde estão Rony e Malcolm?
- Saíram para caçar. Talvez tenhamos carne para o jantar.
Deitou-se ao lado dele e, enquanto continuava a acariciá-lo, pensava por que seus irmãos estavam demorando tanto para voltar.
Os dois estavam deitados de bruços no alto do platô que se erguia atrás da encosta da colina, e olhavam para o vale. Havia no ar o cheiro do incêndio. Fios de fumaça e pequenas chamas subiam para o céu. O solar dos Weasley ardia e as pequenas herdades jaziam em ruínas, com os chalés arrasados até o solo. Os ingleses tinham voltado novamente trazendo o fogo, a morte, a destruição!
- Que o diabo os leve. - murmurou Rony, batendo com o punho no solo rochoso. - Que o diabo os leve!
- Por que estão queimando nossas casas? - perguntou Malcolm, com os olhos cheios de lágrimas. - Que necessidade há de destruir nossos lares?
Os estábulos, lembrou-se ele de repente e fez menção de levantar-se.
Rony segurou-o pelo braço.
- Eles já devem ter retirado os cavalos de lá, garoto.
Malcolm encostou o rosto na pedra bruta e chorou.
- Será que agora nos deixarão em paz?
O irmão lembrou-se da carnificina da batalha de Culloden e murmurou:
- Receio que não. Irão dar uma busca nas colinas e perseguir os fugitivos sem descanso. Temos que voltar depressa para a caverna.
Gina estava sentada a pequena distância do fogo, em repouso. Ouvia a lenha estalar, Mione cantar uma canção de ninar ao pequeno Harry, a sra. Drummond e Parkins falarem baixinho, enquanto preparavam a refeição. Tranqüilos ruídos familiares vinham reforçar a sua própria calma.
Olhou para a mãe que tecia um xale para o neto, pensando que, afinal, estavam todos reunidos e em segurança. Um dia, quando a Inglaterra se cansasse de oprimir a Escócia e retornasse a suas fronteiras, poderiam instalar-se definitivamente no solar. Daria a Harry uma vida cheia de felicidade, de modo a fazê-lo esquecer o mundo suntuoso de Londres. Poderiam até construir uma casa para eles próprios perto do lago.
Esse pensamento trouxe-lhe um sorriso aos lábios. Um ruído súbito de passos à entrada da caverna a fez voltar-se. Ficou à escuta. Houve um novo estalido. Deviam ser seus irmãos. Palavras de boas-vindas vieram-lhe aos lábios, quando se lembrou que eles não teriam a necessidade de chegar tão furtivamente. Sobressaltada, alcançou a pistola.
Uma sombra bloqueou a claridade que jorrava pela abertura. Viu o dragão inglês entrar com a espada erguida e um brilho de triunfo nos olhos. Ergueu a pistola. Quando ele deu o primeiro passo, atirou. O homem cambaleou, a surpresa estampando-se por um instante em seu rosto, antes que ele tombasse ao chão, morto.
Pensando apenas em defender os seus, ela agarrou a espada de seu pai e ergueu-a. Sentiu a presença de Harry a seu lado no instante em que mais um soldado avançava para eles com a baioneta calada. Outro estampido ecoou no espaço confinado. Os dois voltaram-se ao mesmo tempo. Parkins estava no meio da caverna com a pistola ainda fumegante na mão.
- Volte a carregar as armas. - ordenou-lhe Harry, puxando Gina atrás de si.
Um terceiro dragão apareceu à entrada, mas não chegou a dar um passo. Permaneceu um instante parado, e depois caiu para a frente, fulminado por um tiro. Ofegante, Harry saiu da caverna. Fora, havia mais dois soldados. Rony lutava com um deles com todo o desespero de um homem acuado, enquanto protegia o irmão com seu próprio corpo. Harry quis enfrentar o outro, mas uma dor aguda explodiu em seu cérebro, cegando-o.
O dragão fez então meia-volta e já erguia a espada, mirando a cabeça de Malcom quando, da boca da caverna, Gina atirou com a pistola que acabava de carregar, atingindo-o no coração.
Toda a ação não havia durado mais do que cinco minutos. Agora, cinco dragões jaziam mortos. Mas a caverna deixara de constituir um refúgio.
Foram embora ao anoitecer, tomando a direção do oeste.
Valiam-se da hospitalidade do povo generoso da Alta Escócia e, quando isso não era possível, buscavam abrigo nas choças abandonadas. Durante a caminhada, tiveram notícias de Cumberland, que era agora conhecido como "O Carniceiro".
A perseguição aos fugitivos era implacável. Para aquebrantar ainda mais o ânimo do povo derrotado, sem chefes, faminto, haviam confiscado ovelhas, cavalos, gado. Ainda assim, terras, gentes, florestas se faziam cúmplices para guardar, com devotamento, o seu príncipe.
Avançavam lentamente. Cada dia encerrava um novo perigo. Era junho, quando conseguiram finalmente zarpar do continente e desembarcar na ilha de Skye, onde foram acolhidos pelos MacDonald de Sleat.
- É tão linda quanto minha avó dizia. - murmurou Harry enquanto, do topo da colina de Mugston House, inspirava profundamente o ar puro da ilha e abarcava com o olhar todo o panorama luminoso que se descortinava à sua frente.
- Realmente linda. - confirmou Gina. - Tudo me parece lindo agora que estamos todos em segurança.
"Por quanto tempo ainda?", pensou Harry. Corriam rumores de que o príncipe estava nas imediações, procurando escapar para a França ou para a Itália. E, onde ele estivesse, haveria sempre ingleses por perto. A orla marítima estava sendo rigorosamente patrulhada.
Refletira muito nos dias de sua convalescença e durante a longa e perigosa jornada através das colinas da Escócia. Não podia voltar para a Inglaterra e dar à Gina a vida que ela tinha direito como lady Potter, e não podia voltar à Glenroe. Tinha que haver uma outra alternativa.
- Venha sentar-se aqui. - disse, conduzindo-a a um pequeno barco de pedra sombreado por uma árvore em flor. - Sabe que você está mais linda do que nunca?
- Você é um mentiroso?
Ela sorriu e apoiou a cabeça no ombro dele.
- Estou feliz que tenha a oportunidade de conhecer o lugar onde sua avó nasceu e cresceu. Os parentes dela foram tão gentis conosco!
- Serei sempre grato a eles e a todos os que nos deram abrigo.
Os olhos de Harry enevoaram-se, enquanto ele olhava para o mar.
- É difícil compreender por que deram abrigo a um inglês.
- Como pode dizer isso? - indignou-se Gina. - Não foi a "sua" Inglaterra que assassinou o espírito de liberdade da Escócia. Foi Cumberland, com sua sede de vingança, sua necessidade de destruição!
- Em Londres, ele é aclamado como herói.
Ela o fitou com intensidade.
- Houve tempo em que eu culpava todos os ingleses pelos erros de alguns. Não cometa o mesmo erro, Harry!
Ele atraiu-a para si.
- Sabe o que aconteceria aos MacDonald, se soubessem que estou aqui?
- Não o encontrarão!
- Não podemos fugir para sempre, Gina. Estou cansado de me sentir cercado, perseguido, caçado pelos carrascos de um regime sangrento!
- Não temos outra alternativa! Também o príncipe está sendo caçado!
- Sim, e eu me preocupo por ele. Mas me preocupo também com você e nosso filho. Não consigo esquecer o último dia que passamos na caverna, quando você foi forçada a matar para defender a mim e a sua família!
- Fiz o que devia ser feito, o que você teria feito. Pela primeira vez, depois de tantos meses, senti-me verdadeiramente útil.
- Nunca a amei tanto como naquele dia, quando a vi erguer a pistola e a espada, como uma deusa vingadora!
Ele curvou-se e beijou-lhe ambas as mãos.
- Eu queria lhe dar uma vida cheia de beleza, queria lhe dar tudo o que era meu. Agora, não tenho mais nada.
- Harry...
- Ouça. Há algo que eu preciso saber. Um dia, você me disse que iria comigo para onde eu quisesse. Sua promessa continua de pé?
Gina sentiu uma pontada no coração, mas sua voz era firme, quando disse:
- Sim.
- Deixaria a Escócia, Gina, e iria comigo para o Novo Mundo? Não posso dar-lhe tudo o que prometi, muita coisa terá que ser deixada para trás. Você será apenas a sra. Potter.
Ela o abraçou com força.
- Iria ao inferno com você, se me pedisse!
Ele sorriu.
- Não pediria tanto. - Depois, repentinamente sério, acrescentou: - Estou quebrando todas as promessas que lhe fiz, Gina.
- Você me prometeu amor e essa promessa foi cumprida.
- E suficiente?
- Entenda, querido. As semanas que passei na corte foram maravilhosas, mas só porque você estava comigo. O luxo nada significa para mim. Nem os bailes e os vestidos de gala. Apenas você.
Ela o fitou nos olhos, longamente.
- Às vezes, em Holyrood, cheguei a pensar se você não havia cometido um erro, ao escolher-me para sua esposa!
- Que absurdo é esse?
- Eu nunca serei uma dama, Harry. E meu maior medo era que você me pedisse para ir viver na corte do rei Luís.
Harry olhou-a com surpresa.
- Lá, você teria uma vida tão agradável quanto a de Edimburgo!
- E teria que me comportar como uma dama, quando meu maior desejo seria usar calções e cavalgar livremente pelos bosques!
- Prefere então ir para a América contando apenas com um punhado de ouro para realizar esse novo sonho?
- Você perdeu a Inglaterra e eu a Escócia. Faremos da América a nossa nova pátria! - disse ela com ardente convicção.
Esta resposta tocou-o mais do que qualquer outra. Gina estava afastando-se do passado e voltando-se para o futuro com a firme vontade de não se deixar abater pelos pesares. Essa coragem com que ela enfrentava o mundo seria, doravante, a força e a base do amor que lhe dedicava.
Sentiu a mão dela apertar a sua e murmurou:
- Te amo, Gina.
No cais, um barco preparava-se para singrar as águas azuis, o leme da proa brilhando na sombra crescente. Breve, muito breve, também eles estariam debruçados no convés de um navio; rumo a uma nova existência. A existência que o destino lhes reservara.
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