CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO SETE
Gina queria fazer aquilo sozinha. Tinha que fazer sozinha. Podia contar com Neville para deslindar qualquer detalhe que pudesse enfraquecer o caso da promotoria contra Luna. Mas aquilo tinha que ser feito, e ela tinha que fazê-lo por si mesma.
Mesmo assim, ficou feliz quando Harry abriu a porta.
- Já dá para ver pela sua cara... - disse ele, e tomou-lhe o rosto entre as mãos. - Sinto muito, Gina...
- Estou com o mandado de prisão. Tenho que levá-la e autuá-la. Não há mais nada que eu possa fazer.
- Eu sei. Venha até aqui. - puxou-a mais para perto e abraçou-a, enquanto ela enterrava o rosto em seu ombro. - Vamos conseguir encontrar a peça dessa história que vai livrá-la de tudo, Gina.
- Nada do que eu achei até agora, nada, Harry, serve para ajudá-la. Tudo faz as coisas parecerem ainda piores! As provas estão todas lá. O motivo está lá, a oportunidade. - e se afastou. - Se eu não a conhecesse, não teria a menor dúvida sobre a sua culpa.
- Mas acontece que você a conhece.
- Ela vai ficar apavorada. - Sentindo-se ela própria assustada, Gina olhou para o alto das escadas, para o lugar onde Luna estava à espera. - A promotoria me disse que não vai solicitar que o caso seja considerado inafiançável. Mesmo assim, ela vai precisar de... Harry, detesto ter que pedir isto a você...
- Nem precisa. Já entrei em contato com a melhor equipe de advogados de defesa em todo o país.
- Não vou conseguir lhe pagar isso.
- Gina...
- Não estou falando do dinheiro. - ela deu um suspiro trêmulo e apertou as mãos dele. - Você não a conhece a fundo, mas está acreditando na inocência dela só porque eu acredito. É essa confiança que eu não vou conseguir pagar. Agora, eu tenho que ir até lá.
- E você quer fazer isso sozinha... - Ele compreendeu e se convenceu a não forçá-la a agir diferente. - Vou falar com os advogados. Quais são as acusações?
- Assassinato em segundo grau. Vou ter que lidar com a mídia. Vai acabar vazando que eu e Luna somos amigas, - enfiou as mãos pelos cabelos em desalinho - e pode ser que respingue alguma coisa em você.
- E você acha que isso me preocupa?
- Não, acho que não. - ela quase sorriu. - Pode ser que resolver tudo isso leve algum tempo, mas vou trazê-la de volta para casa o mais rápido que puder.
- Gina. - murmurou ele enquanto ela se dirigia para as escadas. - Ela acredita em você também. E tem bons motivos para isso.
- Espero que você esteja certo. - Abraçando o corpo com os próprios braços, ela acabou de subir, foi caminhando lentamente pelo corredor até o quarto de Luna e bateu na porta.
- Pode entrar, Moody. Eu avisei a você que ia descer já, já, para comer o bolo. Oh! - surpresa, Luna se recostou na cadeira e se afastou do computador, onde estava tentando compor uma nova canção. Para se animar um pouco, ela estava usando uma roupa colante azul-safira e tingira o cabelo da mesma cor, para combinar. - Eu achei que era o Moody.
- Trazendo bolo.
- É... ele acabou de interfonar e me avisou que o cozinheiro estava acabando de tirar do forno um bolo de chocolate recheado com três camadas! Moody sabe que eu tenho essa fraqueza. Apesar de vocês dois não se darem bem, ele é um doce de pessoa comigo.
- É porque deve ficar imaginando você nua.
- Sei lá o motivo... - e começou a tamborilar o console com as unhas pintadas em três cores, em movimentos rápidos e tensos. - De qualquer modo, ele tem sido o máximo! Acho que, se ele achasse que eu estou de olho em Harry, as coisas seriam diferentes. Ele é tipo assim, totalmente devotado ao dono da casa. Até parece que o Harry é o seu filho primogênito ou algo assim, em vez de ser o patrão. É só por isso que ele pega no seu pé. Bem, e o fato de você ser da polícia não ajuda muito. Acho que Moody tem um bloqueio com policiais.
Parou de falar, tremendo visivelmente, e então continuou:
- Desculpe ficar aqui tagarelando, Gina. Eu estou apavorada. Você achou Leonardo, não achou? Tem alguma coisa errada nessa história, muito errada. Ele está ferido, não está? Está morto...
- Não, Leonardo não está morto. - Gina atravessou o quarto e se sentou na beira da cama. - Ele apareceu na minha sala hoje de manhã. Tinha um corte no braço, nada mais. Vocês dois tiveram beatamente a mesma idéia ontem à noite. Ele encheu a cara e foi direto para o seu apartamento, e acabou cortando o braço em uma garrafa vazia que se quebrou na hora em que ele emborcou no chão.
- Ele ficou bêbado? - Luna se levantou de um pulo. - Ele quase nunca bebe, sabe que não pode. Ele me contou que faz coisas das quais não se lembra depois que bebe demais. Isso o deixa preocupado e... Foi ao meu apartamento! - disse, com os olhos se tornando mais carinhosos. - Que gracinha! Então ele foi procurar você porque não tinha conseguido me achar...
- Ele veio me ver para confessar o assassinato de Cho.
- Isso é impossível! - Luna deu um passo para trás, como se Gina a tivesse atingido com alguma coisa. - Leonardo jamais machucaria alguém. Ele simplesmente é incapaz de fazer isso. Ele estava apenas tentando me proteger.
- Ele não sabia de coisa alguma a respeito do seu envolvimento com o caso na hora em que confessou. Ele acredita que deve ter discutido com Cho, lutou com ela e então a matou.
- Bem, pois isso está totalmente errado.
- É o que as provas indicam. - Gina esfregou os olhos cansados e manteve os dedos apertados lá por um instante. - O corte no braço dele realmente foi feito pela garrafa quebrada. Nem uma gota do sangue dele foi encontrada na cena do crime, e também não havia sangue de Cho nas roupas que ele estava usando. Ainda não conseguimos reconstituir com absoluta precisão os movimentos dele na noite passada, mas não temos nada do que acusá-lo.
O coração de Luna se acelerou, mas logo a seguir se estabilizou.
- Ah, então está tudo certo. - disse ela. - Você não acreditou nele.
- Ainda não resolvi a respeito disso, mas as provas, até o momento, o deixam limpo.
- Graças a Deus! - Luna foi até a cama e se sentou nela, ao lado de Gina. - Quando é que eu vou poder vê-lo, Gina? Leonardo e eu temos que acertar as coisas entre nós.
- Pode ser que leve um pouquinho mais de tempo. – Gina fechou e apertou os olhos, tornou a abri-los e se forçou a olhar diretamente para Luna. - Vou ter que lhe pedir um favor, Luna, o maior que eu já pedi a você.
- É algo que vai machucar?
- É. - Gina notou que um sorriso estava começando a se formar nos lábios de Luna, mas desapareceu. - Peço que tenha confiança de que eu vou cuidar de você. Quero que acredite que eu sou tão boa no meu trabalho que nada, por menor que seja, vai me escapar. Quero lhe pedir que se lembre o tempo todo de que você é a minha melhor amiga e de que eu gosto muito de você.
A respiração de Luna começou a ficar ofegante. Seus olhos ficaram parados e começaram a arder. A saliva evaporou de sua boca.
- Você vai me prender. - afirmou.
- Os relatórios do laboratório acabaram de chegar. - Gina pegou as mãos de Luna e as colocou entre as suas. - O resultado não foi exatamente uma surpresa, porque eu sabia que alguém tinha armado tudo para envolver você. Já estava esperando por isso, Luna. Tinha a esperança de achar alguma coisa, qualquer coisa, antes de o resultado sair, mas não consegui. Neville também está trabalhando duro, correndo atrás disso, e ele é o melhor, Luna, pode acreditar. E Harry também já convocou os melhores advogados de defesa que existem. Agora, é só burocracia.
- Você vai ter que me prender por assassinato.
- Assassinato em segundo grau. É um pouco menos mal. Sei que não parece, mas a promotoria não vai impedir a fiança. Vou trazê-la de volta para cá para comer bolo em poucas horas.
Mas o pensamento de Luna estava repetindo apenas uma frase da conversa, sem parar. Assassinato em segundo grau. Assassinato em segundo grau.
- Weasley, você vai ter que me colocar em uma cela?
Os pulmões de Gina estavam pegando fogo, e a sensação estava rapidamente se espalhando na direção do coração.
- Não vai ser por muito tempo, Luna. Prometo! Neville já está trabalhando a fim de conseguir a audiência preliminar para agora mesmo. Está mexendo uns pauzinhos para conseguir isso. No momento em que eu levar você para a autuação, você vai ter também a audiência. O juiz vai determinar uma fiança e você volta para cá. - Trazendo um alarme pendurado para rastrear todos os seus movimentos, pensou Gina. Presa dentro de casa para evitar o assédio da imprensa. A cela ia ser acolchoada e amigável, mas ainda era uma cela.
- Você faz tudo parecer fácil, Weasley.
- Não vai ser fácil, mas vai ser mais tranqüilo se você se lembrar de que tem dois dos melhores policiais ao seu lado. Não abra mão de nenhum dos seus direitos, entendeu? Nenhum. E depois que dermos início ao processo, espere pelos seus advogados. Não me conte nada que não precise contar. Não comente nada com ninguém. Está entendendo?
- Estou. - Luna jogou as mãos para os lados e se levantou. - Vamos logo acabar com isso.
Horas depois, quando tudo já terminara, Gina voltou para casa. Quase todas as luzes já estavam apagadas. Ela esperava que Luna tivesse tomado o tranqüilizante que lhe fora recomendado e ido dormir. Gina já sabia que não conseguiria fazer o mesmo.
Sabia apenas que Neville devia ter atendido ao pedido dela e deixado Luna, pessoalmente, com Harry. Ela tivera outras coisas para resolver. A entrevista coletiva tinha sido particularmente horrível. Como era esperado, perguntas sobre a amizade dela com Luna tinham vindo à baila, com insinuações de conflito de interesses. Ela devia muito ao comandante, por ele agüentar a pressão com firmeza, além de declarar que colocava fé absoluta na investigadora principal.
A entrevista exclusiva com Nymphadora Tonks tinha sido um pouco mais fácil. Bastava apenas salvar a vida de uma pessoa, pensou Gina com mau humor, enquanto subia as escadas, que ela ficava sempre do seu lado. A sede de sangue por causa da história devia estar no coração de Tonks, mas junto com ele estava o sentimento de débito com Gina. Luna ia conseguir uma cobertura justa no Canal 75.
Depois, Gina fez uma coisa que jamais acreditara ser possível. Ligou, de livre e espontânea vontade, para o Departamento de Psiquiatria da polícia e marcou uma consulta com a doutora Minerva.
Mais tarde eu posso cancelar, se mudar de idéia, lembrou a si mesma, e esfregou os olhos cansados. Provavelmente é o que eu vou fazer.
- A senhorita está chegando bem tarde, tenente, depois de um dia cheio.
Gina deixou as mãos caírem e viu Moody surgir silenciosamente de um aposento à direita dela. Estava, como de hábito, vestido todo de preto, com o rosto severo cheio de sinais de desaprovação. Odiá-la era uma coisa que ele sabia fazer quase com tanta desenvoltura quanto dirigir a casa.
- Não enche, Moody!
Ele se colocou diretamente no caminho dela e disse:
- Eu sempre acreditei que, embora a senhorita tivesse inúmeras falhas como pessoa, fosse, pelo menos, uma investigadora competente. Vejo agora que me enganei, e a sua competência é tão falha quanto a amizade que tem por alguém que confiava na senhorita.
- Você acha que, depois de tudo o que eu passei essa noite, você vai conseguir dizer alguma coisa que consiga me atingir?
- Não creio que alguma coisa consiga atingi-la, tenente. A senhorita provou que não tem lealdade, e isso a transforma em nada. Menos do que nada.
- Quem sabe você tem uma sugestão de como eu devia ter lidado com o problema? Talvez Harry pudesse ter acionado um dos seus JetStars para levar Luna para fora do planeta, a fim de deixá-la em algum pequeno esconderijo remoto. Assim, ela poderia passar o resto da vida lá, como fugitiva.
- Pelo menos assim ela não teria chorado sem parar, até pegar no sono.
A informação feriu-a como uma flecha, direto em seu coração, como ele planejara. A dor surgiu no rosto de Gina, em meio à fadiga.
- Saia da minha frente, seu canalha, e fique longe! - Passou ao lado dele, mas evitou parecer apressada. Entrou no quarto principal, no momento em que Harry estava assistindo à gravação da entrevista coletiva no telão.
- Você esteve muito bem. - disse ele, levantando-se. - Foi uma tremenda pressão.
- Sim, sou uma verdadeira profissional. - Foi até o banheiro e então ficou diante do espelho, olhando para o reflexo. Viu uma mulher pálida, os olhos tristes, cheios de olheiras e a boca rigidamente fechada. E viu, por trás de tudo, uma sensação de impotência.
- Você está fazendo tudo o que é possível. - disse Harry, baixinho, atrás dela.
- Você conseguiu advogados muito bons para ela. - Ordenando água fria, Gina se inclinou para a frente e espalhou generosamente o líquido pelo rosto. - Eles fizeram malabarismos comigo durante todo o interrogatório, mas agüentei firme. Tinha que me manter firme. Mas eles conseguiram algumas vantagens. Da próxima vez que eu for atormentar alguma amiga na sala de interrogatório, vou querer tê-los novamente por perto.
Ele ficou observando enquanto ela enterrava o rosto na toalha.
- Quando foi a última vez que você comeu?
Gina simplesmente balançou a cabeça. A pergunta era irrelevante.
- Os repórteres estavam a fim de sangue. - disse ela. - Alguém como eu sempre é uma presa muito suculenta. Uns dois casos importantes resolvidos e cheguei ao topo. Alguns deles adorariam se eu recebesse um soco bem no meio dos olhos. Pense só nos índices de audiência.
- Luna não a está culpando, Gina.
- Eu estou me culpando. - explodiu ela, atirando a toalha longe. - Eu estou me culpando, droga! Disse a ela para confiar em mim, disse que cuidaria de tudo, e como foi que eu cuidei de tudo, Harry? Eu a prendi, eu a autuei! Tirei as digitais dela, as fotos de frente e de perfil, a identificação de voz, já está tudo registrado. Fiz com que ela passasse por duas horas terríveis de interrogatório. Tranquei-a em uma cela até que os advogados que você contratou conseguissem retirá-la, pagando uma fiança que você bancou. Estou me odiando!
E desmontou, simplesmente desmontou. Cobrindo o rosto com as mãos, começou a soluçar.
- Já está na hora de você desabafar. - com gestos rápidos, ele a tomou no colo e carregou-a até a cama. - Você vai se sentir melhor. - Mantendo-a embalada em seus braços, ele acariciou o cabelo dela. Todas as vezes que ela chorava, pensou ele, era uma tempestade de sensações passionais e tumultuadas. Raramente as lágrimas eram calmas e simples para Gina. Raramente alguma coisa era simples quando se tratava de Gina.
- Chorar não está adiantando nada. - conseguiu ela dizer.
- Está sim. Você vai se livrar de um pouco dessa culpa que não tem razão de ser e vai colocar para fora essa dor à qual tem todo o direito. Vai conseguir pensar com mais clareza amanhã.
Ela estava reduzida a soluços ofegantes e uma dor de cabeça insuportável.
- Tenho que trabalhar esta noite. Vou ter que pesquisar alguns nomes e situações para ver as probabilidades.
Não, pensou ele com toda a calma. Não vai.
- Espere apenas um pouco, coma alguma coisa. - e antes que ela conseguisse protestar, ele já a estava colocando de lado e caminhando em direção ao AutoChef. - Até mesmo o seu admirável organismo precisa de combustível. E há uma história que eu quero lhe contar...
- Não posso perder tempo.
- Esses minutos não vão ser perdidos.
Só quinze minutos, pensou ela, ao sentir o aroma de algo maravilhoso que vinha pelo ar.
- Vamos então fazer só uma boquinha e ouvir uma história bem curta, certo? - Esfregou os olhos, sem saber se estava com vergonha ou aliviada por ter deixado a rolha saltar e as lágrimas transbordarem. - Desculpe por ter molhado você de lágrimas.
- Estou sempre disponível para ser babado por lágrimas. - e se aproximou dela com uma omelete fumegante e uma xícara. Sentou-se ao lado dela e olhou fixamente para os seus olhos, inchados e exaustos. - Eu adoro você!
Ela corou. Pelo jeito, ele era a única pessoa que conseguia trazer um embaraçoso tom vermelho às suas bochechas.
- Você está tentando me distrair. - e pegou o prato e o garfo. - Dizer esse tipo de coisa sempre me faz ficar assim, e eu não consigo nem mover a língua para decidir o que dizer em resposta. - Ela experimentou os ovos. - Talvez algo assim como "você é a melhor coisa que já me aconteceu".
- Isso serve.
Ela levantou a xícara, provou o líquido e fez uma careta, dizendo:
- Isto aqui não é café!
- É chá, para variar. Um tipo calmante. Imagino que você está saturada de cafeína.
- Talvez. - Pelo fato de os ovos estarem fabulosos e ela não estar com energia para discutir, tomou mais um gole. - Está gostoso. Muito bem, qual é a história?
- Você vive se perguntando por que motivos eu mantenho Moody trabalhando aqui, mesmo sabendo que ele é desagradável com você.
- Você quer dizer mesmo sabendo que ele me odeia profundamente. - e bufou. - Isso é assunto seu.
- Assunto nosso. - corrigiu ele.
- Que seja, eu não quero ouvir falar dele agora.
- Na verdade, a história tem mais a ver comigo, e com um incidente no qual você talvez encontre paralelos com o que está sentindo neste instante. - Ele a olhou enquanto ela tomava mais um gole e calculou que tinha apenas o tempo exato para lhe contar a história. - Quando eu era muito novo e ainda andava pelas ruas de Dublin, encontrei um homem e sua filha. A menininha parecia um anjo, era dourada e cor-de-rosa, com o sorriso mais doce que havia no paraíso. Passavam o conto-do-vigário em diversas pessoas, de uma forma magnífica. Eram basicamente pequenos contraventores, enganavam otários fáceis e conseguiam viver razoavelmente disso. Nessa época eu fazia mais ou menos a mesma coisa, mas gostava de variar um pouco, adorava bater carteiras e aplicar golpes rápidos. Meu pai ainda era vivo quando conheci Moody. - embora ele não tivesse esse nome naquela época - E a sua filha, Marlena.
- Então Moody era um golpista? - disse Gina, entre uma mordida e outra. - Eu sabia que havia alguma coisa de estranho com ele.
- Moody era brilhante. Aprendi muito com ele, e gosto de pensar que ele aprendeu comigo também. Enfim, depois de um dia em que eu levara uma surra particularmente marcante do meu velho e querido pai, Moody me encontrou em um beco, desmaiado. Levou-me para a casa dele e tratou de mim. Não havia dinheiro para chamar um médico e eu não tinha seguro-saúde. Tudo o que eu tinha eram algumas costelas quebradas, uma concussão no crânio e um ombro fraturado.
- Sinto muito por você. - disse Gina, com a imagem descrita lhe trazendo outras à mente, que fizeram sua boca ficar seca. - A vida é podre!
- De fato. Mas Moody era um homem de muitos talentos. Tinha algum treinamento médico. Às vezes, bancava o para-médico para dar alguns golpes. Não chegaria a dizer que me salvou a vida. Eu era jovem, muito forte e já estava acostumado às surras, mas Moody, com certeza, evitou que eu sofresse mais, sem necessidade.
- Você deve isto a ele. - Gina colocou o prato de lado. - Eu compreendo isso. Está tudo certo.
- Não, a história que eu quero contar não é essa. Eu devia a ele, e paguei tudo. Havia vezes em que era ele quem ficava me devendo. Depois que meu pai encontrou o seu fim, algo que jamais lamentei, tornamo-nos sócios. Novamente, não posso dizer que ele me criou, pois eu cuidava bem de mim mesmo, mas foi ele que me deu o que poderia ser considerado uma família. Eu adorava Marlena.
- A filha. - Gina balançou a cabeça para clarear as idéias. - Eu já tinha me esquecido dela. É difícil imaginar aquele velho bundão com cara ressecada como um pai. Onde está ela?
- Morreu. Tinha quatorze anos, eu tinha dezesseis. Já estávamos juntos há uns seis anos na época. Um dos meus projetos de jogatina estava começando a dar muito lucro, e isso acabou chegando ao conhecimento de um bando pequeno e particularmente violento, que não gostou nada daquilo. Acharam que eu estava invadindo o território deles. Para mim, eu estava criando o próprio espaço. Eles me ameaçaram. Eu era arrogante o bastante para ignorá-los. Uma ou duas vezes tentaram colocar as mãos em mim para me dar uma lição, imagino. Só que eu era difícil de agarrar. E vinha ganhando poder, até mesmo prestígio. Estava, com certeza, faturando muita grana. Tanta que acabei comprando um apartamento, que era pequeno, mas bem decente. E em um momento que não me lembro exatamente quando, Marlena se apaixonou por mim.
Ele fez uma pausa e olhou para as próprias mãos, lembrando-se de tudo, arrependido.
- Eu gostava muito dela, mas não como namorada. Ela era linda, e incrivelmente inocente, apesar da vida que levávamos. Eu não pensava nela de forma amorosa. Porém, como homem, e eu já era um homem, talvez a visse como uma obra de arte perfeita, de forma bem romântica. Nunca de forma sexual. Ela pensava diferente. Certa noite, veio até o meu quarto e, de forma muito doce e aterrorizante, ofereceu-se a mim. Eu fiquei sem saber o que fazer, furioso e completamente apavorado. Porque já era um homem e, por causa disso, me sentia tentado.
Harry levantou novamente os olhos para Gina, e havia tormento neles.
- Eu fui cruel com ela, Gina, e a mandei embora do quarto, arrasada. Ela era apenas uma criança e eu a deixei devastada. Jamais me esqueci do olhar que ela me lançou. Ela confiava em mim, acreditava em mim, e eu, por fazer o que era certo, a traí.
- Do mesmo modo como eu traí Luna.
- Do mesmo modo que você está achando que a traiu. Mas a história não acabou. Ela saiu de casa naquela mesma noite. Moody e eu não sabíamos que ela se fora até a manhã seguinte, quando os homens que queriam me pegar mandaram avisar que estavam com ela. Mandaram de volta as roupas que ela estava usando, e havia sangue nelas. Pela primeira vez em minha vida, e pela última, eu vi Moody ser incapaz de funcionar direito. Eu teria dado a eles qualquer coisa que eles exigissem, teria feito qualquer coisa. Teria trocado de lugar para ficar no lugar dela, sem hesitar. Do mesmo modo que você, se pudesse, trocaria de lugar com Luna.
- Sim. - Gina empurrou a xícara um pouco mais para o lado, meio zonza. - Eu faria qualquer coisa.
- Às vezes, essa "qualquer coisa" chega tarde demais. Eu entrei em contato com eles, disse-lhes que estava disposto a negociar, implorei para que eles não a machucassem. Mas eles já haviam feito isso. Eles a haviam estuprado e torturado, aquela maravilhosa garotinha de quatorze anos que descobrira tantas alegrias na vida e estava apenas começando a experimentar os sentimentos femininos. Horas depois daquele primeiro contato com eles, o corpo de Marlena foi jogado na minha porta. Eles a haviam usado apenas como um meio para alcançar uma finalidade, para mostrar uma atitude firme contra um competidor, uma prova de arrogância. Ela não era nem mesmo humana para eles, e não havia nada que eu pudesse fazer para voltar atrás e mudar o que acontecera.
- A culpa não foi sua. – Gina esticou os braços e tomou as mãos dele. - Sinto muito, sinto de verdade, mas a culpa não foi sua.
- Não, não foi. Levei anos para acreditar nisso, para compreender e aceitar isso. Moody jamais me culpou, Gina. Poderia ter feito isso. Ela era a vida dele, sofreu e morreu por minha causa. E ele não me culpou, nem por uma vez.
Gina suspirou e fechou os olhos. Ela sabia o que ele estava querendo lhe transmitir ao contar aquela história que, para ele, devia ser um pesadelo reviver. A mensagem é que ela também não tinha culpa.
- Você não conseguiria impedir o que aconteceu. - disse ela. -Podia controlar apenas o que veio depois, do mesmo modo que a única coisa que eu posso fazer é achar as respostas. - Cansada, ela abriu novamente os olhos. - O que aconteceu depois disso, Harry?
- Cacei os homens que haviam feito aquilo e os matei, do modo mais lento e doloroso que consegui. - e sorriu. - Nós dois temos nosso jeito especial de encontrar as soluções e a justiça, Gina.
- Vingança com as próprias mãos não é justiça.
- Não para você. Mas você também vai achar a solução e a justiça para o caso de Luna. Ninguém duvida disso.
- Não posso deixar que ela vá a julgamento. - Sua cabeça pendeu para a frente e ela a trouxe para trás com força. - Tenho que a achar... Preciso ir... - Ela nem conseguia levantar o braço, subitamente pesado, até a cabeça. - Droga, Harry, que droga! Aquilo que você me deu para tomar era um tranqüilizante!
- Vá dormir. - murmurou ele, desafivelando com cuidado o cinto com a arma de Gina e colocando-o de lado. - Recoste-se na cama.
- Administrar drogas químicas a uma pessoa sem que ela saiba é uma violação do... - e se deixou afundar, mal sentindo quando ele desabotoou a sua blusa.
- De manhã você me prende. - sugeriu ele. Então, tirou as roupas dela, a seguir as suas e se deitou na cama ao lado dela. - Por ora, simplesmente durma.
Ela dormiu, mas, mesmo assim, os pesadelos a perseguiram.
N/A: outro capitulo. Espero que gostem. Abraços a todos e comentem, por favor.
Bianca: Muitas informações, nesse capitulo também, coitado do Harry e coitada da Marlena. Vou ser bonzinho e te revelar algumas coisas, não foi Leonardo que assassinou a Cho, e os dois casos tem completa ligação, uma vez que a droga que a Cho ingeriu é a mesma que estava sob a posse de Boomer, e ambos foram mortos pelo mesmo assassino. Quanto aos caras da festa, ainda vai dar o que falar, espere pra ver. Espero que tenha gostado desse capitulo. Beijos.
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