CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO OITO
Gina não acordou nem um pouco satisfeita. Estava sozinha, o que provavelmente foi uma atitude esperta de Harry, pois ela não estava para sorrisos. Não sentiu nenhum efeito residual do tranqüilizante, o que o transformava em um homem de muita sorte. Ela acordou alerta, descansada e revoltada com ele.
O aparelho de recados eletrônicos que estava com a luz vermelha acesa piscando na mesinha-de-cabeceira não melhorou o seu humor. Nem a suave voz de Harry, quando ela o ligou.
- Bom-dia, tenente. Espero que tenha dormido bem. Se você se levantar antes das oito, vai me encontrar na saleta do café da manhã. Não quis perguntar o que queria tomar para não perturbá-la, já que você estava tão tranqüila.
- Não por muito tempo. - disse ela, entre dentes. Conseguiu tomar um banho de chuveiro, se vestir e recolocar o seu equipamento em menos de dez minutos.
A saleta do café da manhã, como ele tão charmosamente a denominou, era um átrio gigantesco e ensolarado, ao lado da cozinha. Não apenas Harry estava lá, mas Luna também. Ambos sorriram abertamente ao ver Gina entrar.
- É melhor esclarecermos algumas coisas por aqui, Harry.
- Sua cor está de volta! - Satisfeito consigo mesmo, ele se levantou e plantou um beijo na ponta do nariz de Gina. - Aquele tom acinzentado não combina com você. - Então gemeu quando o punho dela acertou-lhe o estômago. Pigarreou de forma máscula. - Estou vendo que sua energia também está de volta... Quer café?
- Quero que você saiba que da próxima vez que fizer isso comigo eu... - e parou de falar de repente, apertando os olhos para olhar para Luna. - E você, está rindo de quê?
- É divertido olhar. Vocês dois combinam tão bem!
- Combinamos tanto que ele vai acabar de costas no chão, olhando para o teto, se não tomar cuidado comigo! - Mas continuou a observar Luna e ficou surpresa. - Você parece estar... muito bem... - decidiu.
- E estou mesmo. Chorei à beça, depois comi um sacão de chocolates suíços, e então parei de sentir pena de mim mesma. Estou com a policial mais talentosa da cidade trabalhando a meu favor, tenho a melhor equipe de advogados que um bilionário pode contratar e tenho alguém que me ama. Então, cheguei à conclusão de que, quando tudo isso se resolver, e vai ser resolvido, vou poder olhar para trás e ver as dificuldades como uma espécie de aventura. E depois, com toda essa atenção da mídia, minha carreira vai decolar!
Esticando o braço, pegou a mão de Gina e a puxou para se sentar na cadeira acolchoada ao lado dela, completando:
- Já não estou mais apavorada.
Como não estava disposta a se impressionar com aquelas palavras, Gina olhou fixamente por algum tempo para Luna.
- Você realmente não está mais apavorada. - concordou. - Dá para notar.
- Estou bem agora. Pensei sobre o assunto, pensei muito. No final das contas, as coisas são muito simples. Eu não a matei. Você vai descobrir quem foi e, quando fizer isso, tudo vai se resolver. Até então, vou ter que morar nessa casa incrível, comendo comidas maravilhosas, - e pegou com o garfo o último pedaço de um crepe fino como papel - além de ter o meu nome estampado em todos os noticiários.
- É um bom modo de encarar o problema. - Sentindo-se desconfortável, Gina se levantou para programar um café para si mesma. – Olhe Luna, não quero que você se preocupe, nem fique chateada, mas isso não vai ser essa moleza toda não.
- Eu não sou burra, Weasley.
- Não quis dizer que...
- Você está achando que eu não sei o que pode acontecer de pior. Eu sei de tudo, só que não acredito que o pior possa acontecer. De agora em diante, vou pensar de modo positivo, e vou lhe fazer aquele favor que você pediu ontem.
- Certo. Temos um bocado de trabalho pela frente. Quero que você se concentre, tente se lembrar dos detalhes. Qualquer detalhe, não importa que seja pequeno ou pareça insignificante. O que é isto? - quis saber ao ver Harry colocar uma tigela diante dela.
- É o seu café da manhã.
- Isso é mingau!
- Exato.
Gina franziu a testa e perguntou:
- Por que não posso comer um daqueles crepes?
- Pode comer sim, assim que acabar o mingau.
Fuzilando-o com os olhos, ela empurrou uma colherada de mingau na boca, dizendo:
- Nós dois precisamos conversar muito seriamente...
- Vocês dois são o máximo juntos! - exclamou Luna. - Estou realmente feliz por ter a oportunidade de ver isso bem de perto. Não que eu não achasse que vocês eram o máximo antes, mas basicamente me sentia apenas empolgada por Gina ter pescado um peixe tão rico. - e sorriu para Harry.
- E para isso que servem os amigos...
- É, mas é que eu acho o máximo o jeito que você tem de mantê-la na linha. Ninguém jamais conseguiu fazer isso antes.
- Cale a boca, Luna! Pense, apenas, pense com vontade, mas não precisa me dizer nada antes de ter conversado com os seus advogados.
- Eles já me aconselharam a fazer isso. Acho que vai ser igual a quando eu tento me lembrar de um nome ou o lugar onde guardei alguma coisa. É só parar de pensar no assunto, começar a fazer outras coisas e, de repente, zás!, aparece na cabeça. Então, vou cuidar de outras coisas, e a mais importante de todas é o casamento. Leonardo me disse que você vai ter que fazer a primeira prova do vestido o mais depressa possível.
- Leonardo? - Gina só faltou pular da cadeira. - Você andou conversando com Leonardo?
- Os advogados liberaram. Acham que é uma boa nós retomarmos o relacionamento. Isso acrescenta um toque de romance e consegue a simpatia do público. - Luna colocou o cotovelo sobre a mesa e começou a brincar com o trio de brincos que pendurara na orelha esquerda. - Sabe, eles só recusaram o teste com o detector de mentiras e a hipnose porque não sabem as coisas das quais eu posso me lembrar. Acreditam em mim, mas não querem se arriscar. Porém, disseram que voltar a ver Leonardo é bom. Então, temos que marcar logo a prova do vestido.
- Não tenho tempo para pensar em provas de vestido. Meu Deus, Luna, você acha que eu vou tratar de vestidos e flores agora? Não vou me casar até tudo isso ser resolvido. Harry compreende isso.
Harry pegou um cigarro e ficou analisando-o.
- Não, ele não compreende não.
- Olha, escute aqui, Luna...
- Não, escute você. - Luna se levantou, com os cabelos azuis brilhando. - Eu não vou deixar que toda essa confusão acabe com algo tão importante para mim. Cho fez de tudo para estragar a minha vida e a de Leonardo. E piorou as coisas ainda mais ao morrer. Agora, ela não vai conseguir melar isso. Esses planos não estão em suspenso não, Gina, e é melhor você arranjar um horário na sua agenda para a prova do vestido.
Gina não conseguiu argumentar nada, não diante das lágrimas que começaram a brotar dos olhos de Luna.
- Tudo bem, tá legal! Tudo ótimo. Eu vou encarar esse vestido idiota!
- Não é um vestido idiota. Vai ser um vestido sensacional.
- Foi o que eu quis dizer.
- Ainda bem! - Ela fungou e se sentou. - Para quando eu posso marcar com ele para irmos até lá então?
- Hã... escute Luna, vai ser melhor para você, e os seus advogados espetaculares vão me dar razão, se você e eu não formos vistas por aí desfilando juntas. Imagine, a investigadora principal e a acusada! Não vai pegar nada bem...
- Você está querendo dizer que eu não vou poder ir... - Luna fechou a boca e reorganizou as idéias. - Tudo bem, então, a gente não vai ser vista circulando por aí. Leonardo pode trabalhar aqui mesmo. Harry não se importaria, não é?
- Pelo contrário. - respondeu ele, dando uma tragada no cigarro com ar satisfeito. - Acho que esta é a solução perfeita.
- Uma família grande e feliz. - resmungou Gina. - A investigadora, a acusada, o morador do local do crime, que por sinal também é o ex-namorado da vítima e namorado atual da acusada. Vocês todos piraram?
- Quem é que vai saber? Harry tem um sistema de segurança excelente. E, se houver a mínima possibilidade de alguma coisa sair errada no processo, quero passar o máximo de tempo que conseguir em companhia de Leonardo. - e Luna fez um biquinho de teimosia. - Então é isso que eu vou fazer.
- Vou providenciar para que Moody consiga um espaço para Leonardo trabalhar. - informou Harry.
- Obrigada. Agradecemos muito, Harry.
- E enquanto vocês planejam a sua festa do chá maluco, eu tenho um assassinato para solucionar. - anunciou Gina.
Harry piscou para Luna e berrou na direção de Gina, que já ia, com ar contrariado, em direção à porta:
- Ei, não vai querer o crepe?
- Enfia!
- Ah, ela é louca por você! - comentou Luna.
- É quase embaraçoso o jeito com que ela demonstra o carinho que tem por mim... Quer outro crepe, Luna?
- Por que não? - e deu um tapinha no estômago.
Um sinal apagado na esquina da Nona Avenida com a Rua Cinqüenta e Seis transformara o trânsito em um inferno. Tanto os pedestres quanto os motoristas, ignorando as leis anti-poluição sonora, buzinavam, gritavam e colocavam a frustração para fora. Gina ficou com vontade de fechar os vidros para suavizar o barulho, mas o controle automático de temperatura estava novamente enguiçado.
Para dar mais graça, a Mãe Natureza resolvera fustigar Nova York com uma umidade relativa do ar muito elevada. Para passar o tempo, Gina observava as ondas de calor que dançavam ao sair do piso de concreto. Se continuasse assim, um bocado de computadores ia ficar com os chips fritos antes do meio-dia.
Gina pensou em continuar o caminho pelo ar, apesar de o seu painel de controle ter, aparentemente, adquirido vontade própria. Vários outros motoristas, porém, já haviam feito isto. O tráfego aéreo parecia ter dado um nó com as filas de veículos. Dois helicópteros para um só passageiro estavam tentando se desvencilhar do caos, mas, em vez disso, contribuíam ainda mais para o tumulto com o zumbido das hélices e a cacofonia irritante de vozes.
Gina resmungou, irritada, para o adesivo holografia onde se lia EU AMO NOVA YORK que surgiu no pára-choque à frente dela.
A idéia mais sensata, decidiu, era adiantar um pouco do trabalho no carro mesmo.
- Hermione. - ordenou ao tele-link que, depois de algumas tentativas frustradas e ruídos de estática, conseguiu se conectar.
- Granger falando, da Divisão de Homicídios.
- Aqui é Weasley. Vou apanhar você de carro em frente à central, na entrada leste. Tempo estimado de chegada: quinze minutos.
- Sim, senhora.
- Traga todos os arquivos relacionados com o caso Johannsen e o caso Cho, e fique... - parando de falar de repente, ela analisou a imagem na tela. - Por que está tudo tão silencioso por aí, Hermione? Você não está na ala das celas?
- Só dois policiais conseguiram chegar para pegar o turno da manhã. Há um engarrafamento monstro na Nona Avenida.
- Como é que você soube? - gina olhou o mar de veículos em volta.
- Vale a pena sintonizar na freqüência de controle de trânsito, de manhã. - E acrescentou: - Peguei uma rota alternativa.
- Ah, cale a boca, Hermione! - reclamou Gina ao desligar. Passou os minutos seguintes pegando as mensagens do tele-link de sua sala e em seguida marcou uma entrevista com o escritório de Paul Redford, no centro, para o fim da manhã. Depois, ligou para o laboratório a fim de solicitar urgência para o exame toxicológico de Cho, sentiu que a estavam enrolando e fez uma de suas criativas ameaças.
Estava pensando se devia ligar para Neville, a fim de apressá-lo também, quando viu uma passagem estreita na compacta fila de carros da pista ao lado. Acelerando, cortou para a esquerda e se espremeu para passar, ignorando a súbita explosão de buzinas e sinais obscenos. Rezando para que o veículo cooperasse, apertou o botão de subida vertical. Em vez de ser ejetada, ela foi aos pulos, mas alcançou os três metros de altura exigidos por lei.
Fez uma curva para a direita, tirou um fino de uma passarela deslizante lotada, onde conseguiu ver um borrão de rostos cansados e suados, e seguia chocalhando pelo ar até a Sétima Avenida no fomento em que o painel de controle avisou que havia uma sobrecarga no sistema. Depois de mais cinco quarteirões, o carro estava assobiando, mas o pior do engarrafamento já havia passado. Ao descer devagar, com um ruído pesado de engrenagens que rangiam, ela virou o carro em direção à entrada oeste da Central de Polícia.
A confiável Hermione já estava lá, esperando. Como é que aquela mulher conseguia parecer seca, calma e imperturbável dentro daquele uniforme azul sufocante Gina não queria nem saber.
- Seu veículo está com um som meio estranho, tenente. - comentou ela ao entrar.
- É mesmo? Nem reparei.
- A senhora também me parece meio estranha... - Ao notar que Gina apenas rangeu os dentes e acelerou o carro, atravessando a cidade em direção à Quinta Avenida, Hermione enfiou a mão dentro de seu kit, pegou um pequeno ventilador portátil e o prendeu no painel. O sopro de ar frio quase fez Gina gemer.
- Obrigada.
- O controle de temperatura deste modelo não é grande coisa. - o rosto de Hermione permaneceu calmo e afável. - Só que a senhora, provavelmente, nem sequer reparou.
- Você tem a língua afiada, Hermione. Gosto disso. Faça um resumo do caso Johannsen.
- O laboratório ainda está com problemas para identificar alguns dos elementos do pó que encontramos. Estão nos enrolando. Se já conseguiram analisar toda a fórmula, ainda não disseram. Ouvi um bochicho de um contato meu, dizendo que a Divisão de Drogas Ilegais está exigindo prioridade. Então parece que há um jogo político rolando por trás dessa história. O segundo exame não encontrou traços de drogas químicas, ilegais ou não, no corpo da vítima.
- Então ele não estava consumindo. - refletiu Gina. - Boomer costumava experimentar as drogas, mas era um cagão de marca maior e não quis nem saber desta. O que isto lhe diz, Hermione?
- Pelo aspecto do seu apartamento e pelas declarações da andróide da portaria, sabemos que ele teve tempo e oportunidade para usar. E tinha uma história de consumo moderado de drogas. Diante disso, minha dedução é que ele sabia ou suspeitava de algo a respeito dessa substância que o fez ficar de fora.
- Também acho isso. O que conseguiu de Malfoy?
- Ele diz que está totalmente no escuro, neste caso. Tem cooperado muito, está se abrindo até demais, todo cheio de informações e teorias.
Algo no tom de voz de Hermione fez Gina olhar para o lado e perguntar:
- Ele está dando em cima de você, Hermione?
A policial ficou com os olhos fixos para a frente, apertando-os ligeiramente diante da barulhada que o carro fazia.
- Ele não mostrou comportamento impróprio, tenente.
- Corta essa, garota, não foi isso que eu perguntei.
Uma cor vermelha foi surgindo pelo colarinho azul do uniforme e subiu até as bochechas de Hermione.
- Ele demonstrou um certo interesse pessoal...
- Nossa, você parece mesmo uma policial falando! E este certo interesse pessoal é recíproco?
- Tal possibilidade poderia ser considerada, se eu não suspeitasse que ele tem um interesse muito maior na minha oficial superior. - e desviou o olhar até encontrar o de Gina. - Acho que ele tem uma quedinha pela senhora...
- Bem, vai ter que guardar a quedinha para si mesmo. - Mas Gina não se sentiu muito aborrecida por ouvir aquilo. - Os meus interesses pessoais repousam em outro lugar. Mas o filho-da-mãe é um tremendo gato, não é não, Hermione?
- Minha língua fica toda enrolada sempre que ele me olha.
- Humm... - Gina enrolou a própria língua atrás dos dentes para experimentar a sensação - Então, vá em frente!
- Não estou preparada para me envolver emocionalmente em um relacionamento romântico, no momento.
- Ué, quem é que falou em relacionamento? Apenas transem loucamente, algumas vezes.
- Prefiro afeto e companheirismo em encontros sexuais. - respondeu Hermione, seca, e acrescentando: -... senhora.
- Bem, isso realmente faz diferença. - Gina suspirou. Era quase um esforço doloroso manter a mente afastada do problema de Luna, mas ela tentou se manter focada. - Eu estava só zoando com você, Hermione! Sei muito bem como é quando você está bem ali, tentando apenas fazer o seu trabalho, e um cara especial a acerta bem no meio da testa. Sinto muito se está se sentindo pouco à vontade trabalhando com ele, mas preciso de você.
- Não é problema. - Relaxando um pouco, Hermione sorriu. - Não é exatamente um sacrifício ficar ali, olhando para ele. - e olhou para cima no momento em que Gina entrou em uma garagem subterrânea em uma das torres brancas e compridas da Quinta Avenida. - Este aqui não é um dos prédios de Harry?
- A maioria deles é. - O garagista eletrônico analisou o veículo e o deixou entrar. - Aqui fica a sede dos escritórios de Harry. E é também a base nova-iorquina da Redford Produções. Marquei uma entrevista com ele a respeito do homicídio de Cho. - Gina entrou na vaga VIP que Harry designara para ela e fechou o carro. - Você não está oficialmente relacionada com a resolução deste caso, mas está oficialmente comigo. Neville está enterrado até o pescoço em dados e eu preciso de outro par de olhos e ouvidos. Alguma objeção?
- Nenhuma que me ocorra, tenente.
- Chame-me de Gina. - lembrou-lhe Gina ao saltarem do carro. Uma barreira eletrônica começou a piscar e rodeou o carro com um campo de força, para protegê-lo de pequenos amassados, arranhões ou roubo. Como se, pensou Gina com mau humor, ele já não estivesse tão cheio de amassados e arranhões que um ladrão ia considerar um insulto olhar para ele. Seguiu a passos largos em direção ao elevador privativo, digitou o código e tentou não parecer encabulada. - Ir por aqui poupa tempo. - explicou, com um murmúrio.
Os olhos de Hermione se arregalaram quando elas entraram no elevador, que tinha o piso coberto por um carpete espesso. A cabine era grande o suficiente para um grupo de seis pessoas e exibia um exuberante arranjo de perfumados hibiscos.
- Sou totalmente a favor de poupar tempo. - disse Hermione.
- Trigésimo quinto andar. - pediu Gina. - Escritório central da Redford Produções.
- Andar número trinta e cinco. - confirmou o computador - Quadrante leste, ala de executivos.
- Cho ofereceu uma pequena festa na noite em que morreu. - começou Gina. - Redford pode ter sido a última pessoa a vê-la com vida. Jerry Fitzgerald e Justin Young também foram convidados, mas saíram cedo, logo depois que Luna Lovegood e Cho brigaram. Eles servem de álibi um para o outro, pelo resto da noite. Redford ainda ficou com Cho por mais algum tempo. Se Jerry e Justin estão dizendo a verdade, estão limpos. Eu sei que Luna está dizendo a verdade. - e esperou um segundo, mas Hermione não fez nenhum comentário. - Portanto, vamos ver o que conseguimos extrair do produtor.
O elevador mudou de trajeto, passando suavemente para o nível horizontal e deslizando para o leste. As portas se abriram e o barulho entrou.
Pelo visto, os empregados de Redford gostavam de música para acompanhá-los em suas tarefas diárias. O som agitado saía de alto-falantes embutidos e enchia o ar de energia. Dois homens e uma mulher estavam trabalhando em um amplo console circular, conversando animadamente com tele-links e sorrindo para as telas iluminadas.
Parecia estar havendo uma pequena festa na sala de espera à direita. Várias pessoas se aglomeravam em volta de pequenos copos ou mordiscavam salgadinhos. O som tilintante dos risos e das conversas típicas de um coquetel competia em agitação com a música.
- Parece uma cena de um dos filmes dele. - disse Hermione.
- Viva Hollywood! - Gina se aproximou do console e exibiu o distintivo. Escolheu o menos animado dos três recepcionistas. - Sou a tenente Weasley. Tenho um encontro marcado com o senhor Redford.
- Sim, tenente. - O homem, que mais parecia um deus grego, com suas lindas feições perfeitamente esculpidas, deu um sorriso refulgente. - Vou avisá-lo de que a senhora está aqui. Por favor, sirva-se do que quiser para comer ou beber.
- Quer mastigar alguma coisa, Hermione?
- Aqueles salgadinhos parecem apetitosos. Na saída a gente pega alguns.
- Pensamos a mesma coisa.
- O senhor Redford ficará encantado em recebê-las, tenente. - O Apolo moderno levantou uma das seções do console e passou pelo espaço. - Permitam-me encaminhá-las até lá.
Ele as levou até duas portas de vidro fume, atrás das quais o barulho da música foi substituído pelo ruído de vozes. Nos dois lados do corredor, as portas estavam abertas e havia homens e mulheres sentados às escrivaninhas, andando de um lado para outro ou reclinados em sofás, falando de negócios.
- Sabe quantas vezes eu já vi esta trama, JT? - dizia uma voz. - É tão antiquada, tão típica do milênio passado!
- Precisamos de um rosto novo. O mistério de Greta Garbo misturado com a inocência de uma personagem infantil.
- As pessoas não querem temas profundos, meu docinho... - voltou a primeira voz. - Dê-lhes uma escolha entre o oceano e uma poça d'água e eles vão chapinhar na poça. Somos todos crianças.
Foram se aproximando de duas portas em prata refulgente. O guia abriu-as com um floreio dramático.
- Aqui estão as suas convidadas, senhor Redford.
- Obrigado, César.
- César. - murmurou Gina. - Cheguei perto.
- Tenente Weasley. - Paul Redford se levantou da mesa de trabalho em forma de U que tinha o mesmo revestimento das portas, em prata reluzente. O piso que atravessou para cumprimentá-las era liso como vidro e decorado com espirais coloridas. Atrás dele, a esperada vista espetacular da cidade. Sua mão apertou a de Gina com naturalidade e cordialidade ensaiadas. - Agradeço muito que a senhorita tenha concordado em vir até aqui. Estou pulando de uma reunião para outra o dia inteiro, e, para mim, é muito mais conveniente recebê-la em minha sala do que ir até a polícia.
- Para mim não é problema. Esta é a minha auxiliar, a policial Granger.
- Por favor, sentem-se. O que posso lhes oferecer? - Um sorriso suave e tão bem treinado quanto o aperto de mão que foi lançado para as duas.
- Apenas informações. - Gina olhou para os estofados e piscou para ver melhor. Todos eram animais; as cadeiras, os bancos, os sofás, todos tinham sido fabricados para parecer tigres, cães de caça ou girafas.
- Minha primeira mulher era decoradora. - explicou ele. - Depois do divórcio, resolvi ficar com a mobília. É o que há de melhor para me lembrar daquela época. - Escolheu um cão bassê para se sentar e colocou os pés sobre uma almofada que parecia um gato enroscado. - Vocês querem conversar sobre Cho.
- Sim. - Se eles eram amantes, como lhe fora informado, Gina decidiu que o pesar passara bem depressa. Um interrogatório policial, aparentemente, também não o afetava. Estava bem vestido, um anfitrião perfeito em um terno de linho de cinco mil dólares e sapatos italianos macios, de alta qualidade.
Sem dúvida, avaliou Gina, ele aparecia tão bem diante de uma câmera quanto qualquer um dos atores com os quais trabalhava. Tinha um rosto forte e anguloso, da cor de mel fresco, acentuado por um bigode brilhante e bem aparado. Seus cabelos pretos estavam penteados para trás e desciam em um rabicho trançado que escorria até os ombros.
Parecia, decidiu Gina, exatamente o que era: um produtor de sucesso que adorava seu poder e sua riqueza.
- Gostaria de gravar a entrevista, senhor Redford.
- Eu também prefiro que grave, tenente. - ele se recostou, afundando o corpo no cão de olhos tristes, e cruzou as mãos sobre a barriga. - Soube que vocês já efetuaram uma prisão.
- Sim, efetuamos. Mas a investigação ainda está em curso. O senhor conhecia a vítima, Cho?
- Conhecia, muito bem. Estava até considerando a idéia de montar um projeto com ela. Certamente tivemos contatos sociais em inúmeras ocasiões ao longo dos anos, e, quando nos era conveniente, fazíamos sexo.
- O senhor e a vítima eram amantes por ocasião de sua morte?
- Jamais fomos amantes, tenente. Fazíamos sexo. Não fazíamos amor. Para falar a verdade, duvido que haja algum homem no mundo que tenha feito amor com ela ou pelo menos tentado. Se o fez, era um tolo. Eu não sou tolo.
- O senhor não gostava dela, então?
- Gostar dela? - Redford riu. - Meu Deus, claro que não! Ela era simplesmente o ser humano mais desagradável que já conheci. Mas tinha talento. Não tanto quanto ela pensava e, em certas áreas, não tinha talento algum. No entanto...
Ele levantou as mãos elegantes. Os anéis refulgiram: pedras negras incrustadas em ouro pesado.
- Beleza é um assunto simples, tenente. Algumas pessoas nascem com ela, e outras a compram. Um exterior fisicamente atraente é pateticamente simples de se obter hoje em dia. Mesmo assim, é algo ainda muito procurado. Uma aparência agradável jamais cai de moda, mas se alguém quer ganhar a vida com a aparência precisa ter talento.
- E qual era o talento de Cho?
- Uma aura, um poder, uma capacidade básica, até mesmo animal, de transpirar sexo. Sexo sempre vendeu bem. E sempre vai vender.
Gina inclinou a cabeça e comentou:
- Só que, agora, nós o regulamentamos.
- O governo precisa lucrar. - Redford exibiu-lhe um olhar divertido. - Mas eu não estava me referindo à venda do sexo, e sim ao uso dele para vender coisas. Nós fazemos isso: tudo, de refrigerantes a cozinhas planejadas. E moda. - acrescentou. - Sempre moda.
- E esta era a especialidade particular de Cho.
- Ela podia estar enrolada com as cortinas da cozinha, mas, se a colocassem em uma passarela, pessoas razoavelmente inteligentes estariam dispostas a abrir seus bolsos para conseguir aquela aparência. Ela era uma mulher de vendas. Não havia nada que não conseguisse vender. Queria virar atriz, o que era uma idéia infeliz. Ela jamais conseguiria ser mais nada além dela mesma... Cho.
- Mas o senhor estava trabalhando em um projeto com ela.
- Estava pensando em algo onde ela pudesse representar, essencialmente, o papel dela mesma. Nem mais nem menos. Talvez desse certo. E o merchandising que eu ia obter com isso... bem, é daí que viriam os lucros. O projeto ainda estava nos estágios iniciais.
- O senhor esteve na casa de Cho na noite em que ela foi morta?
- Sim, ela queria companhia. Suspeito também que Cho desejava provocar Jerry com a novidade de que ia ser a estrela de um dos meus filmes.
- E como foi que a senhorita Fitzgerald recebeu a notícia?
- Ficou surpresa e irritada, imagino. Eu mesmo fiquei irritado com essa história, pois não estávamos prontos para tornar a idéia pública. Poderíamos até mesmo ter tido problemas por causa disso, mas fomos interrompidos. Uma jovem, uma fascinante mulher foi até lá. A mesma que a senhorita prendeu. - explicou ele com um brilho no olhar. - A imprensa anda dizendo que a senhorita e esta jovem são muito amigas.
- Bem, por que simplesmente não me conta o que aconteceu no momento em que a senhorita Lovegood chegou?
- Melodrama, ação, violência. Imagine a cena. - disse ele, formando uma tela com os dedos em ângulo reto. - A jovem intrépida e bela chega para defender seus interesses. Andou chorando, seu rosto está pálido e seus olhos, desesperados. Está disposta a sair de cena, abrindo mão do homem que ambas cobiçam a fim de protegê-lo, para que ele consiga o que é melhor para a sua carreira. Close em Cho. - continuou ele. - Seu semblante está cheio de cólera, desdém, uma energia doentia. Deus meu, sua beleza! É quase diabólica! Ela não vai se satisfazer com o sacrifício da rival. Quer que ela sofra. Uma dor emocional, a princípio, com os nomes cruéis que lhe arremessa, e a seguir uma dor física, ao lhe aplicar o primeiro golpe. Agora temos a briga clássica. Duas mulheres atracadas em combate feroz por causa de um homem. A mulher mais jovem tem o amor a seu lado, mas apenas isso não é páreo para a força da vingança de Cho. Ou suas unhas afiadas. Tufos de cabelos voam, por assim dizer, até que os dois membros masculinos da platéia fascinada entram em cena. Um deles leva mordidas profundas.
Redforf franziu a testa e massageou o ombro direito, explicando:
- Cho enfiou seus caninos afiados em mim quando eu estava separando a briga. Devo dizer que tive vontade de lhe dar um murro. Sua amiga se retirou. Ameaçou alguma coisa bem clichê, dizendo que Cho ia se arrepender, mas parecia mais arrasada do que vingativa.
- E Cho?
- Energizada. - E ele também, ao contar a história. - Ela já estava com um ar perigoso a noite toda, mas se tornou ainda mais traiçoeira depois do ataque. Jerry e Justin caíram fora, com mais rapidez do que cordialidade, e eu fiquei mais um pouco para tentar acalmar Cho.
- E conseguiu?
- Nem cheguei perto. Ela estava selvagem a essa altura. Ameaçou todos os tipos de absurdo que se possa imaginar. Ia correr atrás da piranha e arrancar a cara dela fora. Ia castrar Leonardo. Quando ela acabasse com ele, o rapaz não conseguiria nem vender botões na calçada. Nem mesmo os mendigos iam querer usar os seus trapos, e assim por diante. Depois de uns vinte minutos, eu desisti. Ela ficou furiosa comigo, por eu dar a noite por encerrada, e me lançou alguns xingamentos também. Disse que não precisava de mim, que tinha interesses mais altos e estava envolvida em lances maiores.
- O senhor afirma, então, que a deixou mais ou menos à meia-noite e meia?
- Mais ou menos.
- E ela ficou sozinha?
- Cho mantinha apenas empregados eletrônicos, andróides domésticos. Não gostava de pessoas à sua volta, a não ser quando as convocava. Não havia mais ninguém na casa, que eu saiba.
- Para onde o senhor foi depois de sair?
- Vim para cá; fiz um curativo no ombro. Foi uma mordida muito feia. Pensei em trabalhar um pouco, dei alguns telefonemas para a Califórnia. Depois, fui para a academia, utilizei a entrada especial para depois do expediente e fiquei lá umas duas horas, fazendo sauna e nadando um pouco.
- A que horas o senhor chegou na academia?
- Por volta de duas horas da manhã. Sei que já passava das quatro quando cheguei a casa, de volta.
- O senhor viu ou conversou com alguém durante esse período, entre duas e cinco da manhã?
- Não. Um dos motivos de usar com freqüência a academia a essas horas é a privacidade. Na Califórnia, tenho minhas próprias instalações, mas aqui em Nova York tenho que me contentar em ser membro de um clube.
- Qual é o nome da sua academia?
- A Olympus, na Avenida Madison. - e arqueou uma sobrancelha. - Estou vendo que o meu álibi não é dos melhores. Entretanto, digitei o meu código eletrônico para poder entrar e sair. Isto é obrigatório.
- Estou certa que sim. - E Gina, com certeza, ia confirmar aquilo. - O senhor tem idéia de alguém que quisesse fazer mal a Cho?
- Tenente, esta lista seria infinitamente longa. - e sorriu novamente, com os dentes perfeitos e olhos que pareciam divertidos e predatórios. - Não me considero um dos que estão nesta lista, pelo simples fato de que Cho não era assim tão importante para mim.
- O senhor compartilhava o entusiasmo de Cho por sua mais recente droga?
Ele enrijeceu o corpo, hesitou por um segundo e tornou a relaxar, afirmando:
- Essa é uma tática excelente. Mudar de assunto de repente às vezes consegue pegar as pessoas desprevenidas. Afirmo, para que fique registrado, que jamais toco em drogas ilegais de qualquer tipo. - Seu sorriso, porém, era largo e descontraído, e transmitiu a Gina que ele estava, simplesmente, mentindo. - Era do meu conhecimento que Cho, de vez em quando, se envolvia com drogas. Considerava isso um assunto que só dizia respeito a ela. Tenho que concordar, porém, que ela encontrara alguma substância nova, algo que parecia estar consumindo em excesso. Para falar a verdade, tinha estado no quarto dela um pouco mais cedo, naquela mesma noite.
Fez uma pausa por um momento, como se estivesse relembrando, tentando se lembrar da cena exata.
- Ela pegou uma espécie de pílula - continuou - em uma linda caixinha de madeira. Acho que era chinesa. A caixa, não a pílula. - acrescentou, com um sorriso curto. - Ficou surpresa por eu ter chegado tão cedo, guardou a caixinha em uma das gavetas da penteadeira e a trancou. Perguntei-lhe o que ela estava protegendo com tanto cuidado e ela me respondeu... - Redford fez outra pausa, apertando os olhos. - Como foi mesmo que ela disse? Aquilo era o seu tesouro, a sua fortuna. Não, não, era algo como: seu prêmio. Sim, tenho certeza de que foi isso que ela disse. Então tomou a pílula, acompanhada de champanhe. Depois, fizemos sexo. Pareceu-me que, a princípio, ela estava um pouco distraída. De repente, porém, se mostrou selvagem, insaciável. Não me lembro de ter tido uma relação assim tão forte e marcante com ela até então. Depois nos vestimos e descemos. Jerry e Justin estavam acabando de entrar. Não lhe perguntei mais nada a respeito daquilo. Não me dizia respeito.
- Suas impressões, Hermione.
- Ele é esperto e escorregadio.
- A lama também é escorregadia. - Gina enfiou as mãos nos bolsos enquanto o elevador descia e brincou com algumas fichas de crédito soltas. - Ele a desprezava, mas dormia com ela, e estava disposto a usá-la.
- Acho que ele a achava patética, potencialmente perigosa, mas lucrativa.
- E se essa potencialidade para ser comercializada diminuísse ou o perigo aumentasse, acha que ele seria capaz de matá-la?
- Num piscar de olhos. - Hermione saiu do elevador na frente de Gina. - Consciência limpa não é uma prioridade para ele. Se estes planos que eles estavam fazendo tomassem o rumo errado ou se ela tivesse algo para pressioná-lo, ele a tiraria do mapa. Gente assim muito convencida, muito controlada, geralmente possui um bocado de violência fervendo em algum lugar lá dentro. E o álibi dele é ridículo.
- É mesmo, não é? - as possibilidades fizeram Gina sorrir. - Vamos ter que verificar isso, logo depois de passarmos na casa de Cho para procurarmos o seu segredo. Informe à central, - ordenou ela - para nos certificarmos de que temos carta branca para xeretar nos armários.
- Esse é um detalhe que não impediria a senhora de fazê-lo. - murmurou Hermione, mas ligou o tele-link.
A caixa tinha sumido. Aquilo foi uma decepção tão grande que Gina ficou em pé no meio do quarto luxuosamente decorado de Cho, olhando para a gaveta aberta por uns dez segundos, antes de registrar por completo que ela estava vazia.
- Isso aqui é uma penteadeira, não é?
- É o nome do móvel. Olhe só todos esses frascos e potes em cima dela. Creme para isso, creme para aquilo. Quanta vaidade! - Hermione não conseguiu evitar. Pegou um frasco minúsculo - "Creme Sempre Jovem". Sabe quanto custa uma porcariazinha dessas, Gina? Quinhentos dólares, na Saks. Quinhentos paus por uma titiquinha assim de creme. Isso é que é vaidade!
Colocando o pote de volta, ficou com vergonha de ter sentido vontade, apenas por um instante, de enfiá-lo no bolso.
- Se somar tudo o que tem aí, - continuou - vai dar uns dez, quinze mil dólares, só de produtos de beleza.
- Controle-se, Hermione!
- Sim, senhora. Desculpe.
- Estamos procurando por uma caixa. Os técnicos fizeram a busca-padrão aqui e já levaram todos os discos dos tele-links dela. Sabemos que ela não recebeu nenhuma ligação naquela noite, nem fez, pelo menos daqui. Está revoltada. Está a mil por hora. O que faz, então?
Gina continuou a abrir gavetas e apalpá-las enquanto falava.
- Ela bebe ainda mais, talvez, fica berrando pela casa pensando nas coisas que gostaria de fazer com as pessoas que a deixaram furiosa. Canalhas, piranhas. Quem eles pensam que são? Ela pode ter qualquer coisa e qualquer um que queira. Talvez ela venha até aqui e tome mais uma pílula, só para manter a energia lá em cima. - Com esperança, embora o objeto fosse uma caixa lisa, laqueada, em vez de madeira trabalhada, Gina abriu uma tampa. Dentro, havia uma infinidade de anéis largos. Ouro, prata, porcelana brilhante, marfim entalhado.
- Que lugar engraçado para guardar jóias. - comentou Hermione. - Isto é, ela tinha essa caixa de vidro para as bijuterias e o cofre para as jóias de verdade.
Gina olhou para cima e viu que sua auxiliar estava bem séria, e quase não conseguiu segurar a risada.
- Isto aqui não são exatamente jóias, Hermione. São anéis para se colocar no pênis. Sabe como é, você os enfia e então...
- Claro. - Hermione encolheu os ombros e tentou não olhar fixamente. - Eu sei para que servem. Só que... é um lugar estranho para guardar essas coisas.
- É... é esquisito guardar brinquedinhos sexuais ao lado da cama. Enfim, onde é que eu estava? Ela está ingerindo as pílulas com champanhe. Alguém vai ter que pagar caro por estragar a sua noite. Aquele canalha do Leonardo vai ter que rastejar, vai ter que implorar. Ela tem que fazê-lo pagar por andar transando com uma vagabunda qualquer, assim que ela vira as costas, e por deixar que a piranha venha até a casa dela, a casa dela, imagine! só para provocá-la.
Gina fechou uma gaveta e abriu outra.
- Os registros do sistema de segurança nos informam que ela saiu de casa logo depois das duas horas. - continuou. - A tranca da garagem está no automático. Ela não chama um táxi. É uma caminhada de pelo menos sessenta quarteirões até o ateliê de Leonardo, ela está usando sapatos com salto-agulha, mas não pega um táxi. Não há registro de nenhuma companhia de táxi que a tenha apanhado ou a tenha deixado lá. Cho tinha um tele-link portátil, mas não o encontramos. Se estava com ele e o usou para fazer alguma ligação, ela ou outra pessoa jogou o aparelho no lixo.
- Se ligou para o assassino, ele ou ela deve ter sido esperto o bastante para se livrar do tele-link. - Hermione começou a fazer uma busca no closet em dois níveis, e mal conseguiu manter o fôlego diante dos cabideiros lotados com roupas, muitas delas ainda com a etiqueta de preço pregada na gola. - Pode ser que ela estivesse doidona, sob o efeito de alguma droga, mas não ia andar pela rua a pé até o outro lado da cidade, de jeito nenhum. Metade dos sapatos deste closet mal está arranhado nas solas. Ela não era do tipo que gosta de caminhar...
- Mas estava doidona, com certeza. Duvido que fosse entrar em um táxi fedorento. Tudo o que precisava fazer era estalar os dedos e podia ter meia dúzia de escravos ansiosos para levá-la aonde quisesse. Então ela estala os dedos. Alguém aparece e a pega. Eles vão para o ateliê de Leonardo. Por quê?
Fascinada pela forma com que Gina alternava o ponto de vista de Cho com o seu, Hermione parou a busca e observou a companheira, que continuava a falar:
- Ela insiste. Ela exige. Ela ameaça.
- Talvez seja para Leonardo que ela ligou. Ou talvez outra pessoa. Ao chegar lá, a câmera da segurança está quebrada. Ou ela a quebra.
- Ou o assassino a quebra - Hermione forçou a passagem em meio a um mar de seda marfim - porque já estava planejando acabar com ela.
- E por que levá-la até o ateliê de Leonardo se ele já estava planejando matá-la? - quis saber Gina. - Ou, se foi Leonardo, por que sujar o próprio ninho? Acho que o assassinato ainda não estava definido, pelo menos não nesse momento. Eles chegam lá e, se a história de Leonardo é verdadeira, o lugar está vazio. Ele está na rua, enchendo a cara e procurando por Luna, que também está enchendo a cara. Cho queria que Leonardo estivesse ali, quer puni-lo. Começa a depredar o lugar, talvez desconte um pouco da raiva no seu acompanhante. Os dois brigam. A coisa escapa ao controle. Ele agarra a bengala, talvez para se defender, talvez para atacá-la. Ela fica chocada, ferida, com medo. Ninguém pode feri-la! Que história é essa? Então, ele não consegue parar ou não quer parar. Ela fica deitada no chão, com sangue por toda parte.
Hermione não disse nada. Conseguiu ver as imagens da cena. Imaginou tudo exatamente como Gina relatara.
- Ele está em pé ao lado dela, com a respiração pesada. - Com os olhos semi-cerrados, Gina tentava colocar a figura sombria em foco. - O sangue dela respingou nele todo. O cheiro está em toda parte. Mas ele não entra em pânico, não pode se dar a esse luxo, não quer se deixar apavorar. O que a liga a ele? O tele-link portátil. Ele o pega e enfia no bolso. Se for esperto, e ele agora tem que ser esperto, vasculha as coisas dela para ter certeza de que não há mais nada que possa levar a polícia até ele. Limpa a bengala no lugar onde ele a segurou, bem como qualquer coisa na qual tenha tocado.
Na mente de Gina tudo se passava como em um vídeo antigo, nebuloso e cheio de sombras. A figura - homem, mulher - correndo para apagar as pistas, movendo-se em torno do corpo, pisando em volta das poças de sangue.
- Ele tem que limpar bem depressa. Alguém pode voltar. Mas tem que ser bem feito. Pronto, está quase tudo limpo agora. Então ele ouve alguém entrando. Luna. Ela chama por Leonardo, vai até os fundos do ateliê, vê o corpo e se ajoelha ao lado dele. Agora vai ficar perfeito. Ele a põe desacordada, aperta os seus dedos em volta da bengala, talvez até dê alguns golpes extras em Cho. Pega a mão da morta, enterra suas unhas no rosto de Luna e a usa também para rasgar as suas roupas. Depois veste alguma coisa, uma das roupas de Leonardo, para esconder as próprias roupas.
Levantando-se, depois de procurar em uma das gavetas de baixo, Gina notou que Hermione estava olhando para ela.
- É como se você estivesse lá. - murmurou Hermione. - Queria ser capaz de fazer isso, entrar na história do jeito que você faz.
- Quando você encarar mais algumas cenas de assassinato de verdade, vai conseguir. A parte mais difícil é sair de lá, depois. Onde, diabos, está a caixa?
- Pode ser que ela a tenha carregado com ela.
- Não, não acredito. Onde está a chave, Hermione? Ela trancou esta gaveta. Onde está a chave?
Em silêncio, Hermione pegou a sua unidade de trabalho e requisitou a lista de itens encontrados na bolsa da vítima ou junto dela, e informou:
- Nenhuma chave foi cadastrada na lista dos objetos encontrados.
- Então ele pegou a chave, não foi? Veio até aqui, pegou a caixa e mais alguma coisa da qual precisava. Vamos olhar nos discos do sistema de segurança.
- Mas os técnicos já não fizeram isso?
- Por que fariam? Ela não foi morta aqui. Tudo o que precisavam descobrir era a hora em que ela saiu de casa. - Gina foi até o monitor de segurança e ordenou que ele exibisse a gravação do dia e da hora em questão. Viu quando Cho saiu correndo de casa, seguindo a passos rápidos para fora do alcance da câmera. - Duas e oito. Certo, agora, vamos ver o que rola a seguir. O momento da morte foi próximo das três horas. Computador, avance até as três horas em ponto e continue a passar a gravação no triplo da velocidade normal. - E ficou com o olho grudado no cronômetro da base da tela. - Congele a imagem! Filho-da-mãe! Viu só, Hermione?
- Vi sim. O horário pulou de quatro horas e três minutos para quatro e trinta e cinco. Alguém desligou a câmera! Teve que fazer isso por controle remoto. E sabia o que estava fazendo.
- Tem alguém que queria muito entrar aqui para tirar alguma coisa, e queria muito mesmo para se arriscar. Tudo isso por causa de uma caixa com drogas ilegais. - Seu sorriso estava sombrio. - Tenho um pressentimento bem aqui dentro, Hermione. Vamos até lá para apressar o pessoal do laboratório.
Agradecimento especial:
Bianca: Jerry e Young repassaram a historia com certeza, e mesmo Paul Redford sendo o produtor de vídeo ainda vai estar enrolado com a Cho, embora não o suficiente para ser condenado a prisão. Acho que o capitulo responde melhor do que eu a suas perguntas. Beijos.
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