CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SEIS
- E então, como é que vai ser? - Neville ralava entre dentes, olhando para a microcâmera que estava no canto do elevador, enquanto subiam. - O velho esquema "tira bom/tira mau"?
- É espantoso como isso sempre funciona.
- Civis são alvos fáceis.
- Vamos começar com o velho papo do "Desculpe incomodá-lo, agradecemos a sua colaboração". Se a gente perceber que ele está de gracinha, pode mudar de tática.
- Se for o caso, quero ser o tira mau.
- Você, como tira mau, não convence ninguém, reconheça isso, Neville.
- Mas sou mais graduado do que você, Weasley. - e lançou-lhe um olhar magoado.
- Só que eu sou a investigadora principal deste caso, e sou melhor no papel de tira má. Aceite isso.
- Eu tenho sempre que ser o tira bonzinho... - resmungou ele no momento em que saíam em um corredor muito iluminado, com mais mármore e mais detalhes dourados.
Justin Young abriu a porta em frente com um senso perfeito de tempo. E, avaliou Gina, estava vestido para o papel de testemunha rica e disposta a cooperar, usando um par de calças de linho em um estilo casual, mas muito caro, além de uma camisa em seda pura toda pregueada, no mesmo tom das calças. Em seus pés, as sandálias da moda, com sola grossa e um trabalho elaborado feito com contas na parte de cima.
- Tenente Weasley, capitão Longbottom. - seu rosto maravilhosamente esculpido apresentava rugas de seriedade e os sedutores olhos pretos estavam sombrios, formando um contraste dramático com a abundante cabeleira, que tinha a mesma cor dourada do corredor. Estendeu a mão adornada com um anel largo incrustado com ônix. - Por favor, vamos entrar.
- Agradecemos por nos receber tão depressa, senhor Young. - Talvez o seu olhar estivesse ficando cansado de ostentação, mas a avaliação inicial de Gina a respeito da sala a deixou pensando nas palavras exagerado, enfeitado demais e excessivamente caro.
- É uma tragédia, um horror! - Ele lhes indicou um imenso sofá em forma de L, cheio de almofadas em cores berrantes e tecidos finos. Ao fundo da sala, um telão para meditação estava programado para apresentar uma praia tropical ao pôr-do-sol. - É quase impossível de acreditar que ela está morta, muito menos saber que morreu de forma tão súbita e violenta!
- Desculpe-nos por interromper. - começou Neville, preparando o seu papel de tira bom e lutando para não ficar de queixo caído diante das borlas, franjas e cristais trabalhados. - Este deve ser um momento muito difícil para o senhor.
- De fato. Cho e eu éramos amigos. Posso lhes oferecer algo para beber? - e se sentou, elegante e esguio, em uma poltrona tão grande que dava para engolir uma criança.
- Não, obrigada. - Gina estava tentando se acomodar melhor no meio da montanha de almofadas.
- Eu vou tomar algo, se os senhores não se importam. Não comi quase nada desde que soube da notícia, de tão abalado que fiquei. - Inclinando-se para a frente, apertou um pequeno botão na mesinha que estava entre eles. - Café, por favor. Apenas um. - Recostando-se de volta, sorriu ligeiramente. - Vocês devem estar querendo saber onde é que eu estava na hora em que ela morreu. Já desempenhei um bocado de papéis policiais em minha profissão. Já fiz o tira, o suspeito e até mesmo a vítima, quando estava em início de carreira. Devido à minha estampa, sempre era inocente.
Lançou um olhar para uma andróide doméstica que apareceu e estava vestida, Gina notou com um horror quase divertido, com o uniforme clássico das empregadas da aristocracia francesa, e trazia uma bandeja de cristal com uma xícara. Justin pegou a xícara de café e usou as duas mãos para levá-la aos lábios.
- A mídia não especificou o momento exato em que Cho foi morta, mas acredito que posso lhes fornecer os meus movimentos durante toda aquela noite. Jerry e eu... estou falando de Jerry Fitzgerald, saímos juntos e resolvemos tomar um drinque em uma boate exclusiva que fica próxima dali, o Ennui. Está muito na moda agora, e a casa nos paga para aparecermos por lá e sermos vistos. Imagino que já passava um pouco de uma hora quando saímos. Pensamos por um instante em dar uma circulada e agitar por outras boates, mas confesso que já tínhamos bebido demais e aparecido demais socialmente. Assim, viemos para cá e ficamos juntos até as dez horas da manhã seguinte, mais ou menos. Jerry tinha um compromisso. Só depois que ela já havia saído e eu estava tomando a minha primeira xícara de café foi que liguei o telão no noticiário e soube da morte de Cho.
- Isso certamente cobre todo o período da noite. - disse Gina. Ele recitara todo o texto, pensou ela, como se estivesse representando um ato bem ensaiado. - Precisamos conversar com a senhorita Fitzgerald para confirmar as informações.
- Certamente. Os senhores gostariam de fazer isso agora? Jerry está na sala de relaxamento. A morte de Cho a deixou um pouco abalada.
- Então vamos deixá-la relaxando por mais algum tempo. - sugeriu Gina. - O senhor disse que Cho e o senhor eram amigos. Vocês também foram amantes?
- De vez em quando. Não era nada sério. Simplesmente freqüentávamos os mesmos círculos. Para ser bem franco, nesse instante devo dizer que Cho preferia homens que eram facilmente dominados e intimidados. - e lançou um sorriso como que para provar que ele não era nenhum dos dois. - Ela preferia ter casos com homens que estavam tentando subir na vida em vez daqueles que já haviam alcançado o sucesso. Não gostava muito de dividir os refletores.
Neville aproveitou o ritmo e perguntou:
- Com quem ela estava romanticamente envolvida quando morreu?
- Havia vários homens, eu acho. Um deles, acho que ela conheceu no Satélite Estação Starlight. Um empresário, era assim que ela se referia a ele, com um tom sarcástico. E havia também um figurinista emergente, que Jerry me disse que é brilhante. Michelangelo... Puccini... Leonardo... Seu nome é algo desse tipo. E havia Paul Redford, o produtor de vídeo, que estava conosco na casa dela, naquela noite.
Tomou um gole do café e piscou.
- Leonardo. - afirmou. - Sim, era Leonardo o nome. Aconteceu uma espécie de desavença, então. Uma mulher apareceu na reunião quando ainda estávamos lá. Cho e ela brigaram por causa do figurinista. Uma briga de mulheres daquele tipo bem antiquado. Seria divertido se não fosse pelo constrangimento que provocou em todos os presentes.
Esticou os dedos elegantes e pareceu ligeiramente divertido pelo caso, apesar de se declarar embaraçado. Muito bem, pensou Gina. Bem ensaiado, com um bom ritmo e um texto profissionalmente recitado.
- Foi preciso que Paul e eu nos juntássemos para separar as duas.
- Essa mulher foi até a casa de Cho e a atacou fisicamente? - perguntou Gina, tendo o cuidado de manter o tom neutro.
- Ah, não, nada disso! A pobrezinha estava arrasada, quase suplicante. Cho a chamou por alguns nomes impublicáveis e bateu nela. - Justin demonstrou a ação fechando o punho e golpeando o ar. - Socou-a de verdade. A mulher era pequena, mas muito valente. Levantou-se na mesma hora e partiu para cima da oponente. Depois, foi uma sucessão de empurrões, puxões de cabelo e arranhões. A mulher estava sangrando um pouco quando saiu. Cho tinha unhas letais.
- Cho arranhou o rosto da mulher?
- Não. Se bem que ela deve estar com o rosto todo roxo. O pior foi no pescoço, pelo que eu me lembro. Quatro arranhões bem profundos na lateral do pescoço da moça, onde Cho conseguiu acertar. Quanto ao nome dela, receio não saber informar. Cho só a chamou de piranha e variáveis do mesmo título. Ela estava tentando segurar o choro quando saiu, e avisou Cho, de forma dramática, que ela ia se arrepender de ter feito aquilo. Então, infelizmente, a moça estragou sua saída triunfal ao começar a fungar e anunciar que o amor vence tudo.
Dizer isso era a cara de Luna, pensou Gina, que perguntou:
- E depois que a mulher foi embora, como Cho ficou?
- Estava furiosa, excitada demais com tudo. Foi por isso que eu e Jerry fomos embora tão cedo.
- E Paul Redford?
- Ele ficou; não sei dizer por quanto tempo mais. - Com um suspiro que significava arrependimento, Justin colocou o café de lado. - É injusto falar coisas negativas a respeito de Cho, agora que ela não pode mais se defender, mas a verdade é que ela era muito dura e, freqüentemente, áspera. Quem se colocava no caminho dela pagava por isso.
- E alguma vez o senhor se colocou no caminho dela, senhor Young?
- Tinha todo o cuidado para não fazer isso. - e sorriu, com charme. - Eu aprecio a minha carreira e a minha aparência, tenente. Cho não era ameaça para a primeira, mas eu vi e soube de danos terríveis que ela causava ao rosto das pessoas quando ficava aborrecida. Pode acreditar, ela não usava as unhas pontiagudas como facas só para lançar moda não.
- Ela tinha inimigos.
- Um monte, e a maioria deles morria de medo dela. Não consigo imaginar quem é que finalmente resolveu revidar e atacá-la. E pelo que eu soube pelo noticiário, acredito que nem mesmo Cho merecia morrer de forma tão brutal.
- Apreciamos a sua sinceridade, senhor Young. Se for conveniente, gostaríamos de conversar com a senhorita Fitzgerald agora. A sós.
- Sim, é claro. - e levantou a sobrancelha fina e elegante. - Sem histórias combinadas.
Gina apenas sorriu e disse:
- Vocês já tiveram bastante tempo para combinar as histórias um com o outro. É que eu realmente gostaria de conversar com ela a sós.
Gina teve a satisfação de ver o seu rosto suave estremecer ligeiramente ao ouvir sua observação. Mesmo assim, ele se levantou e caminhou na direção de um corredor ao lado da sala.
- O que acha? - perguntou Neville baixinho.
- Acho que ele encenou uma apresentação magnífica.
- Nisso nós concordamos. Mesmo assim, se ele e Jerry Fitzgerald estiveram agitando os lençóis a noite toda, isso o deixa limpo.
- Um serve de álibi para o outro, e isso deixa os dois limpos. Vamos pegar os discos de segurança na administração do prédio para confirmar a hora em que chegaram e ver se tornaram a sair.
- Eu nunca mais confiei nessas coisas depois do que nos aconteceu no caso DeBlass.
- Se eles adulteraram os discos, você vai conseguir descobrir. - Gina olhou para Neville ao ouvir o som que ele fez ao sugar o ar. Seu rosto de cão servil estava parecido com o de um terrier em ação. Seus olhos ficaram vidrados. Notando que Jerry Fitzgerald havia entrado na sala, Gina ficou se perguntando como foi que a língua de Neville não ficou pendurada para fora da boca.
Ela tinha um corpaço, era verdade, avaliou Gina. Seus seios exuberantes mal estavam cobertos por uma peça de seda marfim que descia da região próxima aos mamilos e vinha agarrada ao corpo, terminando poucos milímetros abaixo da virilha. Uma das pernas longas e bem desenhadas exibia junto do joelho a imagem de uma rosa vermelha totalmente aberta.
Jerry Fitzgerald parecia definitivamente estar florescendo.
E havia o rosto, que estava suave e descansado, como se ela tivesse acabado de fazer sexo. Os cabelos negros estavam cortados bem curtos e acompanhavam o formato do rosto com perfeição, emoldurando um queixo redondo, bem feminino. Sua boca era carnuda, úmida e vermelha; seus olhos eram de um azul penetrante e exibiam cílios compridos pintados de dourado.
Quando ela deslizou na direção de uma cadeira, como se fosse algum tipo de deusa pagã do sexo, Gina encostou de leve na perna de Neville, não para se apoiar, mas sim para segurá-lo.
- Senhorita Fitzgerald. - começou Gina.
- Sim. - respondeu ela em um tom de voz que tinha um ar de fogo de sacrifício. Os olhos atraentes mal olharam para Gina antes de se agarrarem como mariscos no rosto amigável e deslumbrado de Neville. - Capitão, isso é tão terrível! Já tentei a banheira anti-estresse, o ativador de bem-estar, até mesmo programei o sistema holográfico para caminhadas na campina, pois isso sempre consegue me deixar relaxada. Só que nada adiantou, não consigo arrancar da cabeça o que aconteceu!
Ela estremeceu de leve e levou as duas mãos para o rosto inacreditavelmente belo, completando:
- Devo estar parecendo um trapo...
- A senhorita está linda! - gaguejou Neville. - Atordoante. A senhorita parece...
- Controle-se! - murmurou Gina, baixinho, e deu-lhe uma cotovelada. - Nós imaginamos o quanto deve estar abalada, senhorita Fitzgerald. Cho era sua amiga, não era?
Jerry abriu a boca para responder, mas mudou de idéia e sorriu timidamente. Afinal, disse:
- Eu poderia dizer que ela era uma amiga, mas os senhores iriam descobrir bem depressa que nós não tínhamos um relacionamento amigável. Tolerávamos uma à outra, já que trabalhávamos no mesmo ramo; porém, para ser franca, mal conseguíamos nos suportar.
- Mas ela a convidou para ir à casa dela.
- Só porque desejava que Justin fosse lá, e nós estamos sempre juntos, no momento. Cho e eu nos dávamos bem, socialmente, e até tínhamos alguns projetos juntas.
Ela se levantou, talvez para exibir o corpo ou porque preferisse se servir. Em um bar no canto da sala, pegou uma garrafa com o formato de um cisne e despejou algo da cor de safira em um copo.
- Em primeiro lugar, deixem-me dizer-lhes que fiquei sinceramente abalada pela maneira como ela morreu. É terrível descobrir que alguém pode sentir tanto ódio. Eu tenho a mesma profissão que ela, e temos uma imagem pública. Somos uma espécie de símbolo, era isso que Cho era. E se uma coisa assim aconteceu com ela... - parou de falar e bebeu quase tudo de uma vez -... poderia acontecer comigo também. Essa é uma das razões de eu ter vindo ficar aqui com Justin até tudo ser solucionado.
- Indique-nos todos os seus movimentos na noite em que ela foi morta.
- Eu sou suspeita? - os olhos de Jerry se arregalaram. - Isso é quase um elogio! - e voltou para a cadeira com o drinque na mão. Depois de se sentar, cruzou as pernas perfeitas, de um modo que fez Neville vibrar ao lado de Gina. - Eu nunca tive coragem de fazer nada além de lançar-lhe uns ataques verbais. Na maior parte do tempo, ela nem reparava que eu estava debochando dela. Cho não possuía exatamente uma inteligência gigantesca e jamais compreendeu minhas sutilezas. Tudo bem, então.
Ela se recostou, fechou os olhos e contou basicamente a mesma história que Justin relatara, embora, aparentemente, tenha dado mais importância à briga entre Cho e Luna.
- Tenho que admitir que estava torcendo para ela. Para a menorzinha, não Cho. Ela tinha um estilo próprio, - refletiu Jerry - um estilo único, memorável, algo assim entre um bichinho sem dono e uma amazona. Estava se defendendo muito bem, mas Cho ia acabar limpando o chão com a cara da visitante se Justin e Paul não tivessem separado as duas. Cho era muito forte. Vivia na academia, trabalhando a tonicidade muscular. Uma vez eu a vi literalmente atirar uma assistente de desfiles do outro lado da sala, só porque a coitada tinha trocado as etiquetas dos seus acessórios antes de uma apresentação. Enfim...
Balançando a mão para o lado, Jerry abriu uma das gavetas da mesinha de metal ao lado e pegou uma pequena caixa laqueada. Tirou lá de dentro um cigarro vermelho brilhante, acendeu-o e soltou uma baforada aromática.
- Como eu dizia, - retomou ela - a mulher tentou entrar em entendimento com Cho, oferecendo-lhe uma espécie de acordo a respeito de Leonardo. Ele é um figurinista. Imagino que Leonardo e a pobrezinha estavam juntos, mas Cho não estava aceitando que ele fosse embora. Leonardo está com um desfile marcado.
Abrindo o sorriso de gata mais uma vez, completou:
- Agora que Cho se foi, vou ter que dar o meu apoio a ele.
- Você não estava envolvida com o desfile antes?
- Não, Cho é quem estava à frente daquilo. Eu falei que Cho e eu desenvolvemos alguns projetos juntas, alguns vídeos. O problema é que ela era muito bonita, tinha presença e carisma; porém, quando se tratava de ler alguma coisa escrita por outra pessoa, ou então lançar um charme dizendo alguma coisa para as câmeras, ela era uma anta. Uma besta. Simplesmente terrível! Eu, por outro lado, sou boa nisso. - e fez uma pausa para deixar pouco de fumaça escorrer por entre os lábios. — Sou boa, mesmo, e estou me concentrando cada vez mais no meu trabalho como atriz. Porém... assumir como estrela desse desfile, com esse figurinista, vai me proporcionar um bom empurrão da mídia. Parece insensível de minha parte falar desse modo, - e encolheu os ombros - mas a vida é assim.
- A morte de Cho aconteceu em um momento muito oportuno para você.
- Sim, só que quando eu vejo uma oportunidade, eu a agarro. Não mato por ela. - e balançou os ombros novamente. - Esse era mais o estilo de Cho.
Nesse momento, ela se inclinou para a frente, e o decote se abriu de modo generoso e descuidado.
- Escutem, - voltou ela - vamos deixar de brincadeiras. Eu estou limpa. Estive com Justin a noite inteira, não a vi mais depois de meia-noite. Estou sendo honesta, dizendo para vocês que não conseguia aturá-la e que tínhamos uma rivalidade profissional, além de saber que ela adoraria tirar Justin de mim só por despeito. E talvez ela até acabasse conseguindo isso. Mas eu também não mato ninguém por causa de homens. - e lançou um olhar sedutor para Neville. - Há tantos espécimes charmosos por aí... E a verdade pura e simples é que neste apartamento não caberiam todas as pessoas que a detestavam. Eu era só mais uma na multidão.
- Como estava o estado de espírito dela na noite em que morreu?
- Agitada e ligadona. - Em uma rápida mudança de atitude, Jerry atirou a cabeça para trás e riu com entusiasmo. - Não sei o que Cho andou tomando, mas, seja o que for, deixou-a com um brilho intenso no olhar. Ela estava a mil por hora!
- Senhorita Fitzgerald, - começou Neville, em um tom lento, quase como se estivesse pedindo desculpas - a senhorita acredita que Cho havia ingerido alguma substância ilegal?
Ela hesitou por um momento antes de responder, e então moveu os ombros que pareciam esculpidos em alabastro, respondendo:
- Nenhuma substância legal faz você ficar tão bem, meu amor. Ou tão cruel. E Cho estava se sentindo muito bem e muito cruel. Fosse o que fosse, ela estava ingerindo aquilo junto com baldes de champanhe.
- Foi oferecida alguma substância ilegal à senhorita ou aos outros convidados enquanto estavam lá? - quis saber Gina.
- Não, ela não me chamou para tomar droga alguma. Também, ela sabia que eu não uso drogas. Meu corpo é um templo. - e sorriu ao ver o olhar de Gina se focar no copo que segurava. - Isto é um drinque feito de proteínas, tenente. Proteína pura. Quanto a isto... - balançou o fino cigarro -... é feito de vegetais simples, com um traço de calmante, em dose perfeitamente legal. É para os meus nervos. Já vi muita gente levar o tombo final, fazer a viagem rápida e sem volta. Prefiro ficar aqui por mais tempo. Permito-me fumar apenas três cigarros feitos com ervas por dia e, ocasionalmente, tomar um cálice de vinho. Nada de estimulantes químicos, nada de pílulas da felicidade. Por outro lado... - e colocou o drinque de lado -... Cho era uma campeã no uso das drogas. Experimentava qualquer coisa.
- A senhorita sabe o nome do fornecedor dela?
- Nunca pensei em lhe perguntar. Simplesmente não estava interessada. Como palpite, no entanto, eu diria que é alguma substância nova. Eu jamais a tinha visto tão energizada, poderosa, e embora me custe reconhecer isso, tão bonita, parecendo mais jovem. A pele estava tonificada, com uma textura ótima. Ela estava, assim, com um brilho muito especial. Parecia até que acabara de sair de um tratamento de beleza completo. Só que nós duas freqüentamos o Salão Paradise e sei que ela não havia estado lá naquele dia, porque eu estive. De qualquer modo, perguntei a ela a respeito, e Cho simplesmente sorriu e me disse que havia descoberto um novo segredo de beleza e que ia fazer fortuna com aquilo.
- Interessante. - comentou Neville ao se jogar de volta no banco do carro de Gina. - Conversamos com duas das três pessoas que estiveram socialmente com a vítima na última noite, e nenhuma delas a suportava.
- Eles podem ter cometido o crime juntos. - avaliou Gina. - Jerry Fitzgerald conhecia Leonardo e queria trabalhar com ele. A coisa mais fácil do mundo para o casal era um servir de álibi para o outro.
- Vamos dar uma olhada nisto aqui e ver o que encontramos. - Neville apalpou o bolso onde colocara os discos de segurança do prédio. - Mesmo assim, está faltando o motivo. Quem quer que a tenha assassinado não queria simplesmente matá-la, queria apagar a sua existência por completo. Estamos lidando com um tipo de fúria muito poderosa aqui. Nenhum daqueles dois me pareceu disposto a suar a camisa tanto assim.
- Quando alguém lhe pisa nos calos, todo mundo fica pronto para suar a camisa. Quero passar no ZigZag para ver se conseguimos provar os movimentos de Luna naquela noite. E também temos que entrar em contato com o produtor para marcar uma entrevista. Será que você não pode colocar um dos seus cupinchas para pesquisar nas companhias de táxi, Neville? Não consigo imaginar a nossa heroína tomando o metro ou entrando em um ônibus para ir até o ateliê de Leonardo.
- Claro! - e ligou o inter-comunicador. - Se ela pegou um táxi ou uma van particular registrada, vai dar para descobrir em uma ou duas horas.
- Ótimo! Vamos ver se ela foi até lá sozinha ou acompanhada.
O ZigZag não estava com muito movimento no meio do dia. O seu forte era a parte da noite. A multidão de clientes diurnos era formada basicamente de turistas ou trabalhadores urbanos pouco exigentes, que não se importavam com o fato de a decoração ser extravagante e vulgar, além de o serviço ser de má qualidade. A boate parecia um cintilante carro alegórico à noite, mas mostrava os sinais de decadência e as imperfeições, quando vista sob a pungente luz do dia. Mesmo assim, mantinha a aura de mistério que arrastava legiões de freqüentadores.
Havia ao fundo um constante som de música, que ia alcançar decibéis suficientes para arrebentar os tímpanos assim que anoitecesse. A estrutura aberta, com dois andares, era circundada por cinco bares e duas pistas de dança giratórias, prontas para serem ligadas às nove horas da noite. Naquele instante, elas estavam imóveis, empilhadas uma sobre a outra, e os seus pisos lisos estavam arranhados e marcados pelas pontas dos saltos dos dançarinos noturnos.
O cardápio do almoço ia de sanduíches a saladas, todos com o nome de roqueiros mortos. O especial do dia era banana com creme acompanhada de manteiga de amendoim, cebolas doces e pimentões. O nome era Combinado Elvis e Joplin.
Gina se instalou com Neville no primeiro bar, pediu um café puro e olhou para a garçonete. Era humana, em vez de uma andróide, como era comum. Na verdade, Gina não viu nenhum robô servindo os clientes da casa.
- Você trabalha no turno da noite? - perguntou Gina para ela.
- Não, sou do horário do dia. - e serviu o café de Gina. Ela era animada e mais parecia a atendente de uma rede de comida natural do que uma garçonete de bar.
- Quem é que trabalha no turno de dez às três da manhã e costuma reparar nas pessoas e se lembrar delas?
- Ninguém por aqui repara nas pessoas, se puder evitar.
Gina pegou o distintivo e o colocou sobre o bar, perguntando:
- Será que isso vai servir para avivar a memória de alguém?
- Não sei dizer. - Sem se abalar, ela encolheu os ombros. - Olhe aqui, esta é uma casa limpa. Tenho um garoto em casa, e é por isso que eu trabalho no horário do dia, e também foi por isso que pesquisei muito antes de aceitar este emprego. Verifiquei e conferi tudo a respeito deste lugar com todo o cuidado antes de começar a trabalhar aqui. Dennis administra uma boate amigável, e é por isso que os empregados têm pulsos em vez de circuitos eletrônicos. Às vezes rolam algumas brigas, mas ele mantém as coisas sempre nos eixos.
- Quem é Dennis, e onde eu posso encontrá-lo?
- O escritório dele fica lá em cima, é só subir a escada em espiral à direita, atrás do primeiro bar. Ele é o dono do lugar.
- Olhe Weasley, a gente podia ficar um minutinho aqui embaixo para comer alguma coisa. - reclamou Neville, enquanto caminhava atrás dela. - O Mick Jagger me pareceu interessante.
- Depois você pega um para viagem.
O bar não estava aberto, mas, obviamente, Dennis já fora avisado. Um painel espelhado deslizou para o lado e ele apareceu, um homem com feições finas e corpo delicado, com uma barba ruiva por fazer e os cabelos pretos como carvão.
- Senhores policiais, sejam bem-vindos ao ZigZag. - Sua voz era quase um sussurro. - Houve algum problema?
- Gostaríamos de contar com a sua cooperação, senhor...?
- Dennis. Podem me chamar apenas de Dennis. Nomes demais são muito complicados. - e os convidou a entrar na sala. A atmosfera de carnaval terminou no portal de sua sala. O escritório era espartano, despojado e silencioso como uma igreja. - Meu santuário! - disse ele, consciente do contraste. - Uma pessoa não consegue apreciar os prazeres do barulho e das multidões humanas entrelaçadas, a não ser que experimente o oposto de tudo isso. Por favor, sentem-se.
Gina se sentou em uma cadeira austera de espaldar alto e Neville se instalou em outra, que fazia par com ela.
- Estamos tentando averiguar os movimentos de uma de suas clientes, na noite passada.
- Para quê?
- Questões oficiais.
- Entendo. - Dennis se sentou atrás de uma prancha grossa e acrílico brilhante que lhe servia de mesa. - E o horário?
- Depois das onze e antes de uma hora.
- Abrir tela! - atendendo ao seu comando, uma parte da parede deslizou para o lado e revelou um telão. - Apresentar gravação da câmera de segurança número 5, começando às onze da noite.
A tela e toda a sala entrou em erupção de repente, com sons, cores e movimentos. Por um instante, aquilo chegou a ofuscar a vista, mas então Gina focalizou a cena. Era uma visão panorâmica da boate a pleno vapor. Uma visão bem arrogante, refletiu Gina, como se o observador estivesse flutuando silenciosamente acima das cabeças dos freqüentadores.
Aquilo combinava perfeitamente com Dennis.
- Cortar o som! - Ele sorriu, avaliando a reação dela. Abruptamente, o silêncio desceu. Agora, o movimento parecia irreal. Os dançarinos giravam nos pisos móveis, com as luzes piscando sobre seus rostos e exibiam expressões de intensa alegria, de forma animal. Um casal em uma das mesas do canto se insultava, e a linguagem do corpo claramente demonstrava uma briga em andamento. Em outra, acontecia um ritual de sedução, com olhares demorados e carícias que denotavam intimidade.
Então, Gina avistou Luna. Sozinha.
- Dá para ampliar? - Gina se levantou, apontando com o dedo para um ponto no centro da parte esquerda da tela.
- Claro!
Com a testa franzida, Gina observou Luna ser trazida mais para perto e ficar mais nítida. Faltavam, de acordo com o horário informado na tela, quinze minutos para a meia-noite. Já havia uma marca roxa sob o olho de Luna. E quando ela se virou para dispensar um rapaz que se aproximou, apareceram as marcas dos arranhões no pescoço. Mas o rosto não estava arranhado, reparou Gina, com o coração apertado. A roupa azul brilhante que ela usava parecia estar rasgada na altura dos ombros, mas continuava bem presa.
Ela olhou Luna dispensar mais uns dois homens, e depois uma mulher. Entornou um drinque de um gole só e colocou o copo ao lado de dois outros que já estavam sobre a mesa. Perdeu um pouco do equilíbrio ao se levantar novamente, conseguiu se recompor, e então, com a exagerada dignidade dos muito alcoolizados, forçou a passagem através da multidão.
Era meia-noite e dezoito.
- Era isso que vocês estavam procurando?
- Mais ou menos.
- Desligar vídeo! - Dennis sorriu. - A mulher em questão vem aqui de vez em quando. Ela, normalmente, é mais sociável, adora dançar. Ocasionalmente, também canta. Acho que ela possui um talento muito especial, e certamente a platéia a adora. Vocês precisam do nome dela?
- Eu já sei quem ela é.
- Muito bem então. - e se levantou. - Espero que a senhorita Lovegood não esteja em apuros... Ela me pareceu infeliz...
- Eu posso trazer um mandado para conseguir uma cópia desse disco ou você pode me dar uma.
- Ficarei feliz em lhe fornecer uma cópia. - Dennis levantou uma sobrancelha. - Computador, copie o disco e coloque uma etiqueta. Há algo mais que eu possa fazer pelos senhores?
- Não, no momento não. - Gina pegou o disco e o guardou na bolsa. - Obrigada pela sua cooperação.
- A cooperação é o recheio da vida. - disse ele, enquanto o painel deslizava de volta, fazendo a tela desaparecer atrás deles.
- Cara estranho! - decidiu Neville.
- Mas eficiente. Sabe, Luna pode ter se metido em alguma confusão enquanto estava andando de boate em boate. Pode ter ficado com o rosto arranhado e as roupas rasgadas.
- É... - Determinado a comer alguma coisa, Neville parou em um dos caixas e pediu um Mick Jagger para viagem. - Você devia colocar alguma coisa para dentro, Weasley, além de preocupações e trabalho.
- Estou sem fome. Não conheço muito do circuito das boates da área, mas se ela estava pensando em procurar Leonardo deve ter caminhado para o sul e para o leste, a partir deste ponto. Vamos verificar qual é a parada mais provável depois que ela saiu.
- Certo. Espere só um minutinho. - e Neville a fez esperar até que o sanduíche apareceu por uma abertura do balcão. Ele já conseguira tirar o invólucro e já dera a primeira mordida no instante em que eles chegaram no carro. - Humm! Isso está muito bom. Sempre gostei de Mick Jagger.
- Nome de sanduíche! Um jeito fantástico de viver para sempre. - Ela já estava requisitando um mapa da região quando o tele-link do carro apitou, avisando que uma transmissão estava chegando. - Relatório do laboratório. - murmurou, e focou os olhos na tela. - Ah, que droga!
- Diabos, Weasley, isso é muito mau! - Perdendo o apetite, Neville enfiou o resto do sanduíche no bolso. Ambos ficaram olhando para a tela em silêncio.
O relatório era muito claro. Era a pele de Luna, e apenas a de Luna, que estava sob as unhas da vítima. Havia as digitais de Luna, e apenas essas, na arma do crime. E era o sangue dela, e apenas o dela, que estava misturado com o da vítima, na cena do crime.
O tele-link apitou de novo e, dessa vez, um rosto apareceu na tela.
- Aqui é o promotor Jonathan Heartly, tenente Weasley.
- Pode falar.
- Estamos emitindo um mandado de prisão para a senhorita Luna Lovegood, acusada de assassinato em segundo grau. Por favor, aguarde a transmissão dos dados.
- Não perderam nem um minuto... - resmungou Neville.
N/A: Capitulo novo. Agradeço a todos que estão acompanhando. Abraços a todos.
Agradecimentos especiais:
Bianca: Concordo com você, pegaram pesado com a Cho, alguém tava com muita raiva dela. Como você viu, tinha digitais e somente as da Luna, assim como a pele da garota. Acho que esse capitulo responde sua pergunta quanto a Leonardo, o coitado tinha ido atrás dela, foi realmente uma pena. As coisas começam a se complicar, principalmente agora com um mandado de prisão para Luna. Mas foi muita sorte do assassino, não é mesmo, Luna chegar bem na hora em que ele a matou, hora errada e lugar errado. Agora so confiando na Gina mesmo. Quanto aos livros, é só me passar seu e-mail e os nomes dos livros que você quer, que eu te mando, e se por acaso eu não tiver no pc eu dou um jeito e consigo o livro, e perguntando antes me diz também se prefere em modo pdf ou doc. Faculdade não é fácil, ocupa muito tempo, os trabalhos as vezes são horríveis e monstruosos, mas a vida é assim mesmo. Boa sorte pra você e pro seu irmão. Beijos.
Babi Mione: Desculpe a demora, mais um capitulo pra compensar. Beijos.
Carolz: Que bom que ta gostando da serie, os capítulos estão sendo postados. Espero que goste. Obrigado pelos votos e fica com JESUS você também. Beijos.
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