Capitulo 10 - O CAÇADOR
Capitulo 10 - O CAÇADOR
O Caçador levou exatamente oito minutos e vinte segundos para chegar com a sua Matilha à Lixeira de Detritos da Amenidade Ribeirinha, depois de Molly ter se despedido de Muriel. Moly viveu esses quinhentos segundos com uma ansiedade crescente na boca do estômago.
O que é que tinha feito?
Molly não tinha dito nada quando regressou ao café, mas qualquer coisa no seu comportamento tinha feito com que a maioria dos clientes bebesse rapidamente a sua Primaveril, emborcasse as últimas migalhas do bolo de cevada e desaparecesse rapidamente na noite. Os únicos clientes que ficaram com Molly foram os cinco Mercadores Nortenhos, que iam na segunda rodada de Especial Primaveril e conversavam baixinho entre si, com sua fala monótona e lamurienta. Até o Garoto-da-Limpeza tinha desaparecido.
Molly tinha a boca seca, suas mãos tremiam, e lutava desesperadamente para controlar a vontade de desatar a correr dali.
Acalme-se, menina, disse para si própria. Agüente-se. Negue tudo. O Caçador não tem nenhum motivo para desconfiar de você. Se fugir agora, ele ficará logo sabendo que está metida nisto. E o Caçador acabará te encontrando. Ele encontra todos sempre. Aguente-se firme e mantenha a calma.
O ponteiro fino do grande relógio do café continuou a se mexer. Tic... Tac... Tic... Tac...
Quatrocentos e noventa e oito segundos... Quatrocentos e noventa e nove segundos... Quinhentos.
Um potente feixe de luz varreu o topo da lixeira.
Molly correu até à janela mais próxima, o coração a saltar-lhe no peito. Podia ver um enxame de vultos negros recortados pelo feixe de luz. O Caçador trouxera sua Matilha, tal como Marcia tinha previsto.
Molly observou atentamente, tentando ver o que estariam fazendo. A Matilha estava reunida em torno da porta dos ratos, que Marcia tinha encravado com o Feitiço de Fecha Depressa e Solda. Para grande alívio de Molly, a Matilha parecia não ter muita pressa; na realidade, parecia que estavam rindo entre si. Alguns gritos indistintos chegavam até ao café. Molly esforçou-se para ouvir melhor. E o que ouviu a fez estremecer.
-... escumalha de Feiticeiros...
-... ratazanas apanhadas pela porta dos ratos...
-... Não vão embora, ah ah. Nós vamos buscá-los...
Espreitando pela janela, Molly podia ver as figuras em torno da porta dos ratos tornarem-se mais frenéticas quando a porta resistiu aos seus esforços para a desencravarem. Uma figura solitária que observava impacientemente estava afastada da Matilha, e Molly considerou, corretamente, que devia ser o Caçador.
Subitamente, o Caçador perdeu a paciência com os esforços para abrir a porta dos ratos. Deu uns passos em frente, pegou o machado de um dos membros da Matilha e atacou ferozmente a porta. Fortes pancadas metálicas ecoaram até o café até que, finalmente, a retorcida porta dos ratos foi atirada para o lado, e um dos membros da Matilha foi enviado para o interior da calha para remover o lixo. Um feixe luminoso estava agora apontado à entrada da calha, e a Matilha estava reunida em volta da saída.
Molly podia ver as pistolas rebrilhar sob a luz. Com o coração na boca, Molly esperou que descobrissem que suas presas tinham escapado.
Não demorou muito.
Uma figura desgrenhada emergiu da calha do lixo e foi violentamente agarrada pelo Caçador que, tanto quanto Molly podia ver, estava furioso. Sacudiu o homem com força e atirou-o para o lado, fazendo-o espalhar-se pelo monte de lixo abaixo. O Caçador agachou-se e espreitou incrédulo para o interior vazio da calha do lixo. De forma brusca, fez sinal ao menor da Matilha para entrar na calha. O escolhido recuou, relutante, mas foi obrigado a entrar, e dois Guardas da Matilha armados postaram-se à entrada.
O Caçador caminhou lentamente até o extremo da montanha de lixo de forma a recuperar a compostura depois de ter descoberto que sua presa tinha escapado. Foi seguido a curta distância pelo pequeno vulto de um rapazinho.
O rapazinho estava vestido com os hábitos verdes normais de um Feiticeiro Aprendiz, mas ao contrário de qualquer outro Aprendiz, usava em torno da cintura uma faixa vermelha com estrelas negras gravadas. As estrelas de Voldemort.
Mas naquele momento o Caçador estava alheio à presença do Aprendiz de Voldemort. Estava calado, um homem pequeno e de constituição sólida, com o habitual cabelo raspado da Guarda. Tinha o rosto marcado e enrugado por todos os anos que passara submetido às intempéries, caçando e perseguindo presas humanas. Vestia o habitual traje dos Caçadores: uma túnica verde escura, uma capa curta e botas de couro. À cintura um largo cinto de couro do qual pendia um punhal embainhado e uma sacola.
O Caçador deu um sorriso frio, a boca uma linha fina e determinada, dobrada para baixo nos extremos, os olhos azuis estreitando-se até não passarem de dois pequenos rasgões.
Com que então, ia ser uma Caçada? Muito bem, não havia coisa de que gostasse mais do que uma Caçada. Ao longo dos anos fora abrindo caminho pelas fileiras da Matilha de Caçadores, e por fim chegara ao seu objetivo.
Era um Caçador, o melhor da Matilha, e este era o momento de que tinha estado à espera. Aqui estava ele, a caçar não só a Feiticeira Extraordinária, como a própria Princesa, nada menos que a Herdeira do trono. O Caçador sentiu-se entusiasmado, antecipando uma noite memorável: o Avistamento, o Rastro, a Perseguição, a Aproximação e a Matança. Sem problemas, pensou o Caçador, o sorriso alargando-se até revelar seus dentinhos afiados que rebrilharam sob o luar frio.
O Caçador voltou os pensamentos para a Caçada.
Algo lhe dizia que os passarinhos tinham voado da calha do lixo, mas como Caçador eficiente que era, tinha que se certificar de que cobria todas as hipóteses, e o Guarda da Matilha que penetrara na calha tinha recebido instruções para seguir a calha e verificar todas as saídas que encontrasse até a Torre dos Feiticeiros. O fato de que tal seria praticamente impossível não preocupava minimamente o Caçador; os Guardas da Matilha eram a coisa mais baixa que se podia imaginar, perfeitamente Dispensáveis, e cumpririam a missão que lhes era confiada, ou morriam na tentativa. O Caçador já fora Dispensável no passado, mas não por muito tempo — tinha se assegurado disso. E agora, pensou com um estremecimento de prazer, agora tinha de descobrir o Rastro.
No entanto, a lixeira não fornecia muitas pistas, mesmo a um batedor tão experiente como o Caçador. O calor produzido pela putrefação do lixo derretera a neve, e o constante remexer do entulho por parte de ratos e gaivotas tinha já obliterado qualquer Rastro que pudesse ter existido. Muito bem, pensou o Caçador. Na falta de um Rastro, tinha que descobrir um Avistamento.
O Caçador manteve-se no seu ponto de observação privilegiado no topo da lixeira e observou com olhos semi-cerrados a paisagem iluminada pelo luar que o rodeava.
Por trás dele erguiam-se as muralhas íngremes e escuras do Castelo, as ameias claramente delineadas contra o gélido céu estrelado. A sua frente estendia-se a paisagem ondulada das férteis pastagens do outro lado do rio e, ao longe, podia ver a espinha denteada das Montanhas Fronteiriças. O Caçador analisou calma e ponderadamente a paisagem coberta de neve, mas não viu nada que lhe interessasse. Voltou então sua atenção para o cenário mais próximo e que se estendia por baixo dele. Olhou para o largo caudal do rio, o seu olhar seguindo o fluir das correntes, a dobra do rio que corria depois à sua direita, passando pelo café encavalado no pontão que flutuava suavemente na maré alta, pelo pequeno molhe com seus barcos ancorados durante a noite, e continuando rio abaixo até onde este desaparecia por trás do Calhau do Corvo, uma aguçada protuberância que se agigantava sobre o rio.
O Caçador pôs-se atentamente à escuta, procurando captar qualquer som que se erguesse da água, mas não conseguia ouvir nada que não fosse o silêncio que apenas um tapete de neve podia trazer consigo. Perscrutou a água em busca de pistas — uma sombra sob as margens, um pássaro assustado, uma certa ondulação — mas não conseguiu descobrir nada. Nada. Tudo estava estranhamente calmo e silencioso, o rio escuro serpenteando silenciosamente pela brilhante paisagem nevada, iluminada pela lua cheia. A noite, pensou o Caçador, estava perfeita para uma Caçada.
O Caçador permaneceu imóvel, tenso, esperando que o Avistamento se revelasse.
Observando e aguardando...
Algo lhe chamou a atenção. Um rosto pálido numa das janelas do café. Um rosto assustado, um rosto que sabia de alguma coisa. O Caçador sorriu. Tinha tido um Avistamento. Já estava no Rastro.
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