Capitulo 11 - O RASTRO



Capitulo 11 - O RASTRO

Molly viu-os chegando.
Saltou apressadamente para longe da janela, alisou as saias e compôs as idéias. Prepare-se, menina, disse de si para si. Você consegue. Só tem que pôr a sua cara de Anfitriã Adorável, e eles não vão desconfiar de nada.
Molly refugiou-se por trás do balcão e, pela primeira vez com o café aberto, serviu-se de uma caneca de Especial Primaveril e bebeu uma grande golada.
Argh! Nunca tinha gostado daquela porcaria. Havia ratos mortos demais no fundo do barril para o gosto dela. Enquanto bebia mais uma golada de ratos mortos, um poderoso feixe luminoso abriu caminho pelo café e varreu os rostos dos presentes. Por breves instantes incidiu diretamente nos olhos de Molly, e depois, prosseguindo a sua marcha, iluminou os rostos dos Mercadores Nortenhos. Os Mercadores calaram-se e trocaram olhares de preocupação.
Um momento depois Molly ouviu o pesado matraquear de passos apressados que subiam o portaló. O pontão estremeceu com a Matilha a correr sobre ele, e o café tremeu, os pratos e copos a tilintar nervosamente com todo aquele movimento. Molly pôs a caneca de lado, deixou-se ficar muito direita e, com grande dificuldade, pôs um sorriso de boas-vindas no rosto.
A porta abriu-se com estrondo.
O Caçador entrou. Por trás dele, à luz do holofote, Molly podia ver a Matilha alinhada ao longo do pontão, as pistolas prontas para disparar.
- Boa noite, cavalheiro. Em que posso servi-lo? - tentou Molly nervosamente.
Foi com grande satisfação que o Caçador detectou o tremor em sua voz. Gostava quando ficavam assustados. Caminhou lentamente até o balcão, inclinou-se para a frente, e fitou Molly fixamente.
- Pode me servir algumas informações. Eu sei que as tem.
- Oh? - Molly procurou soar educadamente interessada. Mas não foi isso que o Caçador ouviu. Ouviu assustada e a tentar ganhar tempo.
Ótimo, pensou ele. Esta sabe alguma coisa.
- Estou à procura de um pequeno e perigoso grupo de terroristas. - disse o Caçador, observando cuidadosamente o rosto de Molly. Molly esforçou-se para manter a sua cara de Anfitriã Adorável, mas por uma breve fração de segundo, deixou-se vacilar e transparecer a mais breve das emoções: surpresa.
- Fica surpresa por me ouvir descrever seus amigos como sendo terroristas, não é?
- Não. - respondeu Molly apressadamente. Depois, percebendo o que tinha dito, gaguejou: - Eu... Não é isso. Eu...
Molly desistiu. O estrago já estava feito. Como é que podia ter acontecido com aquela facilidade? Foram os olhos dele, pensou Molly, aquelas duas estreitas brechas, tão brilhantes como dois holofotes que lhe perscrutavam o cérebro. Como tinha sido idiota por pensar que podia ser mais esperta que um Caçador. O coração de Molly batia com tanta força, que ela tinha certeza de que o Caçador podia ouvi-lo.
E ele conseguia, claro. Era um dos seus sons preferidos, o bater do coração de uma presa encurralada. Deixou-se ficar a ouvi-lo por mais uns deliciosos momentos, e depois disse:
- Vai nos dizer onde estão.
- Não. - balbuciou Molly.
O Caçador não parecia preocupado com aquele pequeno gesto de rebeldia.
- Vai, vai sim. - disse-lhe com sinceridade. O Caçador encostou-se ao balcão. - Tem um belo café, Molly Weasley. Muito bonito. É de madeira, não é? Já está aqui há algum tempo, se bem me lembro. Agora a madeira já deve estar bem seca e temperada. Deve arder muito bem, segundo me dizem.
- Não... - murmurou Molly.
- Bom, façamos assim. Você me diz para onde foram seus amigos, e eu faço de conta que não sei onde coloquei minha caixa de acendalhas...
Molly não respondeu. Tinha a cabeça a fervilhar, mas nenhum de seus pensamentos fazia sentido. Só conseguia pensar que nunca mais voltara a encher os baldes de incêndio depois do Garoto-da-Limpeza ter ateado fogo nas toalhas de chá.
- Muito bem. - disse o Caçador. - Vou dizer aos rapazes para irem começando com o fogo. Fecho as portas quando sair. Não queremos que ninguém saia daqui correndo e se machuque, não é?
- Não pode... - exclamou Molly, compreendendo que o Caçador não só estava pensando em queimar o seu adorado café, mas queria queimá-lo com ela lá dentro.
Sem falar nos cinco Mercadores Nortenhos. Molly olhou para eles. Estavam sussurrando nervosamente entre eles.
O Caçador já tinha dito tudo o que tinha a dizer. Estava tudo correndo mais ou menos como esperava, e agora era hora de mostrar que não estava para brincadeiras. Voltou-se bruscamente, e dirigiu-se para a porta.
Molly seguiu-o com os olhos, subitamente furiosa. Como é que ele se atreve a vir ao meu café, aterrorizar os meus clientes! E depois afastar-se com ares superiores para reduzir todos em cinzas? Este homem, pensou Molly, não passa de um rufião. E ela não gostava de rufiões.
Molly, impetuosa como sempre, saiu correndo de trás do balcão.
- Espere! - gritou.
O Caçador sorriu. Estava funcionando. Funcionava sempre. Afaste-se e deixe-os pensar durante uns minutos. Acabavam sempre cedendo. O Caçador deteve-se, mas não se voltou.
Um pontapé bem forte na perna, desferido com a rija bota direita de Molly, apanhou-o de surpresa.
- Rufião. - gritou-lhe Molly.
- Estúpida. - exclamou o Caçador, agarrando-se à perna. - Vai se arrepender disso, Molly Weasley.
Um Guarda Sênior da Matilha aproximou-se.
- Está com problemas, Chefe? - perguntou.
O Caçador não ficou nada satisfeito por ser visto pulando daquela maneira tão pouco digna, ainda agarrado à perna.
- Não. - rosnou. - Faz tudo parte do plano.
- Os homens já reuniram o mato, Chefe, e espalharam-no sob o café, tal como o Chefe ordenou. A madeira está seca, e a pederneira faz muitas faíscas, Chefe.
- Ótimo. - respondeu o Caçador, sombriamente.
- Desculpe-me, Cavalheiro. - interrompeu uma voz com um forte sotaque por trás dele. Um dos Mercadores Nortenhos tinha deixado a sua mesa e tinha se aproximado do Caçador.
- Sim? - respondeu o Caçador através de dentes cerrados, voltando-se sobre um único pé para enfrentar o homem. O Mercador parecia encabulado. Estava vestido com a túnica vermelha escura da Liga Hanseática, suja e esfarrapada depois de muitas viagens. O seu cabelo louro, desgrenhado, era mantido no lugar por uma gordurosa fita de couro em volta da testa, e o seu rosto parecia branco como farinha sob a luz do holofote.
- Acho que possuímos a informação que deseja? - prosseguiu o Mercador. A sua voz procurava lentamente as palavras corretas numa língua que não era a dele, aumentando de tom como se estivesse fazendo uma pergunta.
- Verdade? - replicou o Caçador, sentindo que a dor na perna desaparecia finalmente, com a Caçada a apanhar o Rastro.
Molly olhou horrorizada para o Mercador Nortenho. Como é que ele podia saber o que quer que fosse? Depois compreendeu. Devia tê-los visto pela janela.
O Mercador evitou o olhar acusador de Molly. Parecia pouco à vontade, mas, obviamente, tinha entendido o suficiente das palavras do Caçador para se sentir aterrorizado.
- Achamos que aqueles que procura foram embora? No barco? - disse o Mercador lentamente.
- No barco. Que barco? - rosnou o Caçador, recuperando o controle da situação.
- Não conhecemos os seus barcos. Um barco pequeno, com velas vermelhas? Uma família com um lobo.
- Um lobo. Ah, o vira-lata. - O Caçador aproximou-se desconfortavelmente do Mercador e rosnou-lhe em voz baixa. - Em que direção? Rio acima ou rio abaixo? Para as montanhas ou para o Porto? Pense com cuidado, meu amigo, se você e os seus companheiros querem se manter fresquinhos hoje à noite.
- Rio abaixo. Para o Porto. - balbuciou o Mercador, que achava o hálito quente do Caçador bastante desagradável.
- Certo. - disse o Caçador satisfeito. - Sugiro que você e seus amigos se ponham a andar já, enquanto podem.
Os outros quatro Mercadores levantaram-se silenciosamente e reuniram-se com o quinto, evitando, de forma culpada, o olhar horrorizado de Molly. Escapuliram rapidamente pela porta, deixando Molly entregue a seu destino.
O Caçador dirigiu-lhe uma vênia trocista.
- E boa noite para você, minha senhora. - disse ele. - Obrigado pela sua hospitalidade. - O Caçador saiu e fechou a porta com força atrás de si. - Preguem bem a porta! - gritou furioso. - E as janelas. Não a deixem escapar!
O Caçador desceu o portaló a passos largos.
- Tragam-me um barco-foguete de perseguição rápida. - ordenou ao Estafeta que aguardava ao fundo do portaló. - No molhe. Já!
O Caçador chegou à margem e voltou-se para apreciar o condenado café de Molly Weasley. Por muito que quisesse ver as primeiras lambidas das chamas antes de ir embora, não se deteve. Era preciso seguir o Rastro antes que este esfriasse. Enquanto caminhava rapidamente pelo cais, aguardando a chegada do barco-foguete, o Caçador deu um sorriso de satisfação.
Ninguém tentava fazê-lo de tolo e ficava vivo para contar.
Por trás do Caçador, o Aprendiz marchava rapidamente. Estava meio amuado por ter sido deixado ao frio no exterior do café, mas também estava muito entusiasmado. Apertou a grossa capa em volta do corpo e cruzou os braços de antecipação. Os olhos escuros brilhavam, e suas bochechas pálidas estavam avermelhadas por ação do ar gelado. Aquilo estava se tornando na Grande Aventura que o seu Mestre lhe tinha prometido. Era o começo do Regresso de seu Mestre. E ele fazia parte disso porque, sem ele, nada podia acontecer. Era Conselheiro do Caçador. Era ele quem ia Supervisionar a Caçada. Aquele cujos poderes Mágykos Salvariam o Dia. Um estremecimento de dúvida atravessou-lhe a mente, mas ele o colocou de lado.
Sentia-se tão importante que tinha vontade de gritar. Ou andar aos pulos. Ou bater em alguém. Mas não podia. Tinha que fazer como o Mestre lhe dissera e seguir calma a cuidadosamente o Caçador. Mas podia bater na Herdeira logo que a encontrasse, isso haveria de lhe mostrar como era.
- Deixe de sonhar acordado e suba para o barco, sim? - rosnou-lhe o Caçador. - Vá lá para trás, onde não atrapalhe ninguém.
O Aprendiz fez como lhe disseram. Não queria admiti-lo, mas o Caçador metia-lhe medo. Avançou cuidadosamente para a popa do barco e apertou-se no estreito espaço em frente aos pés dos remadores.
O Caçador apreciou satisfeito o barco-foguete.
Comprido, estreito, elegante e negro como a noite, estava coberto por uma camada de verniz lacado que lhe permitia deslizar sobre as águas com a mesma facilidade de um patim sobre o gelo. Impulsionado por dez remadores perfeitamente treinados, conseguia bater qualquer embarcação.
A proa levava um potente holofote e um resistente tripé onde uma pistola podia ser montada. O Caçador avançou cuidadosamente para a proa e sentou-se na estreita tábua por trás do tripé, onde se entregou à instalação rápida e eficiente da pistola prateada da Assassina. Retirou então uma bala prateada da sacola, observou-a atentamente para se certificar de que era a que ele queria, e pousou-a numa pequena travessa ao lado da pistola, pronta para ser usada. Por fim retirou cinco balas normais da caixa de munições do barco e alinhou-as ao lado da bala de prata.
Estava pronto.
- Vamos! - ordenou.
O barco-foguete afastou-se suave e silenciosamente do cais, encontrou a rápida corrente no meio do rio e desapareceu na noite.
Mas não sem que o Caçador tivesse lançado um olhar por sobre o ombro e visto aquilo que queria ver.
Um língua de fogo erguia-se na noite.
O café de Molly Weasley estava em chamas.



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