CAPÍTULO IV
CAPÍTULO IV
Procurando demonstrar que não se intimidaria, Rony dirigiu-se ao mordomo.
- Serle, quero fazer uma inspeção na propriedade, começando pela cozinha e examinando todas as construções no interior dos muros. Depois disso, reúna todos os que moram aqui que eu quero falar com eles. - Sem esperar pela resposta do homenzinho, voltou-se para Hermione - Quer me acompanhar?
Em vez de responder, a mulher dirigiu a ele um olhar de ferocidade. Mas começou a andar atrás de Serle. Rony suspirou e deixou que ela passasse, seguindo-a. Embora não achasse Hermione particularmente perigosa, preferia não lhe dar as costas, tornando-se alvo fácil para um dos numerosos punhais que ela parecia ter.
Logo que eles entraram na cozinha Rony rapidamente constatou que as condições ali não eram diferentes do resto do castelo. O lugar era sujo e mal-cheiroso. Depois de ordenar que se fizesse uma limpeza em regra, prometeu que um trabalho bem-feito seria recompensado, esperando assim desfazer algum aborrecimento que pudesse surgir entre os criados. Depois olhou para Hermione, querendo avaliar a reação dela, mas só viu o véu de cabelos que escondia o rosto. Se estava ofendida com as mudanças que ele estava determinando, a mulher não deu mostras disso.
Rony correu os olhos pelos outros presentes. Os criados da cozinha olhavam nervosamente para Serle, todos procurando ficar longe de Hermione, recuando sempre que ela se movimentava. Reagiam de uma forma um pouco melhor em relação ao novo amo, mas mesmo assim o olhavam com cautela. Rony ficou abatido com aquilo.
Em Campion, sempre tinha tido boas relações com os servos, enquanto ali era tratado como um inimigo. Abriu a boca para tentar desfazer aquela situação, mas preferiu não dizer nada. Obviamente Voldemort havia dirigido aquela propriedade com mão de ferro. Depois de algum tempo e com as providências certas, as coisas mudariam. A determinação de ser paciente durou até que Rony viu o depósito de suprimentos, que estava quase vazio.
- É só isso o que resta? - inquiriu, dirigindo um olhar duro ao mordomo. - Quem é o responsável por este depósito?
- Sou eu, meu lorde. - respondeu Serle, encolhendo-se contra a parede.
- Mas o inverno ainda está longe de terminar! Como vamos alimentar tantas bocas?
- Desculpe-me, meu lorde, mas a guerra acabou com nossos suprimentos. - explicou o mordomo. -Assim como o pagamento dos cavaleiros esvaziou nossos cofres.
Rony quase soltou um palavrão. A guerra contra Wessex havia causado mais estragos do que ele imaginava. Os planos para reconstruir tudo e dar início a uma fase de prosperidade teria que começar pela sobrevivência básica. Então ele suspirou. Não teria escolha além de pedir a ajuda do pai. Embora não gostasse da idéia, sabia que Wessex, embora mais perto, não tinha sobras de recursos.
Suspirando, Rony sentiu o peso das responsabilidades que Harry já havia suportado, agora entendendo a frustração do irmão. Pela primeira vez na vida, sentia-se o foco de todos os olhares. Mas não fraquejaria.
- Vou precisar de um inventário dos suprimentos que ainda temos, bem como de uma lista das pessoas que residem no castelo.
Serle pareceu não estar gostando da incumbência que acabava de receber, mas apenas assentiu, concordando. Aquela relutância deixou Rony curioso sobre como estaria a contabilidade da propriedade.
- E quero que amanhã você me mostre os livros contábeis, Serle. - acrescentou.
O mordomo moveu a cabeça num gesto de concordância e caminhou para a porta. Rony recuou para que Hermione saísse na frente dele, perguntando-se por que ela não assumia as funções de castelã. Talvez fosse por falta de vontade. Era difícil imaginar uma propriedade mais mal administrada do que aquela, pelo menos pelo que ele já tinha visto até aquele momento. Além disso, talvez Hermione fosse rebelde demais para aceitar responsabilidades.
Enquanto caminhava atrás dela, Rony fixou os olhos na densa cascata de cabelos. Agora ela estava casada e deveria andar com a cabeça coberta, mas não aderiria ao costume, claro. Era até difícil imaginar aqueles cabelos presos. No máximo ela concordaria em fazer uma trança. Rony pensou em fazer ele próprio essa trança, tomar nas mãos aqueles cabelos, e imediatamente sentiu o coração palpitar. Então abaixou os olhos para as pontas da cabeleira, que balançavam como pêndulos enquanto ela caminhava, roçando na túnica na altura das nádegas…
Rony afastou os olhos daquela visão e inspirou profundamente o ar frio. Procurou concentrar a atenção na cervejaria, onde naquele momento eles entravam. Mesmo ouvindo as palavras ditas pelos homens que trabalhavam ali, continuava pensando em Hermione. Depois provou a cerveja que lhe foi oferecida, considerando-a insípida, mas aceitável. Perguntou-se se aquele gosto era causado por algum ingrediente estragado ou se eram os maus ventos daquela casa que afetavam o paladar de um recém-chegado.
Bem, isso não explicava nada, menos ainda o crescente interesse que ele sentia pela esposa.
Hermione ficou a um canto, observando o marido com olhos apertados, o que vinha fazendo com freqüência nos últimos dias. Embora eles conversassem muito pouco, ela se sentia sempre vigiada por ele, como se o homem quisesse se certificar do que ela estava fazendo. Sem dúvida tinha medo de acabar com um punhal cravado nas costas, ela pensou, com um sorriso de satisfação. Mas o sorriso logo desapareceu.
As coisas já não eram tão simples.
Ronald Potter a havia deixado ainda mais confusa naquela semana passada desde o casamento. Ela havia esperado que ele fosse embora com os irmãos, espantando-se com a decisão dele de permanecer, bem como com os motivos apresentados para isso. Era possível que, como o pai dela, Rony pretendesse mover guerra contra o Lobo. Outros homens atacavam os próprios irmãos, desde que com isso subissem na vida.
Mas Rony Potter não parecia interessado em formar um exército forte. Surpreendentemente, demonstrava preocupação com o estoque de mantimentos! Diferentemente de qualquer outro homem que ela já houvesse conhecido, dava importância ao bem-estar das pessoas humildes e à conservação da propriedade. Sem dúvida fazia isso para desviar a atenção dela… mas de quê? Dias atrás havia requisitado os livros contábeis da propriedade, que ultimamente vinha examinando com atenção.
Isso era outra coisa que a intrigava, porque o pai dela jamais havia pedido para ver os livros contábeis. Sem querer se preocupar com tais ninharias, Voldemort deixava tudo a cargo do mordomo, ou pelo menos era o que dizia. Hermione sempre havia suspeitado de que o pai na verdade não tinha competência para isso. Para falar a verdade, nunca tinha tido uma prova de que ele sabia ler. Então ela olhou outra vez para o marido, perguntando-se se ele tinha alguma dificuldade para ler a caligrafia de Serle. Há um bom tempo que Rony estava debruçado sobre aqueles livros, sem ao menos reparar nos cabelos que lhe caíam na testa.
Hermione mexeu-se no assento. Era difícil entender aquele homem. Pelo menos ela sempre tinha sido capaz de entender o pai, um homem que agia movido pela cobiça, pela ambição. Voldemort havia se casado com a doce mãe de Hermione apenas para se tornar dono das terras dela, que nunca lhe pareceram suficientes. Usando de meios limpos ou desonestos, apoderou-se de propriedades vizinhas, mas nem isso o satisfez. O homem cobiçava um grande castelo. Queria Wessex.
Hermione entendia também os cavaleiros do pai. A cobiça e o medo os levava a segui-lo cegamente. Ela sabia entender até mesmo Zacarias Smith, cuja ambição o incentivara a trair o Lobo em favor de Voldemort. Todos eles eram homens violentos, que sempre queriam mais.
Rony, pelo contrário, levava uma vida tão espartana quanto a de um monge. Tomava cerveja moderadamente e não comia como um glutão. Não se dirigia às pessoas com rispidez e raramente dizia um palavrão. Dedicava o mesmo respeito a todos, até ao mais humilde dos servos, e não maltratava as mulheres. Não arrotava nem soltava gases intestinais, coisas que os cavaleiros do pai dela faziam sem o menor constrangimento.
Hermione perguntou-se se ele tinha as mesmas funções físicas dos outros homens, um pensamento que a fez enrubescer.
Uma coisa que ele fazia com freqüência era tomar banho. Sozinho. Mais de uma vez Hermione havia sentido o cheiro de limpeza que o marido exalava e visto os cabelos molhados caindo na testa dele. Nos raros banhos que tomavam, o pai dela e os cavaleiros que combatiam com ele sempre convocavam algumas criadas para esfregá-los, e a coisa terminava com gritos e água derramada. Era conhecido o caso de uma mulher que morrera de parto, tendo afirmado que havia engravidado depois de ajudar Voldemort a se banhar.
Hermione estremeceu.
Olhando para Rony, procurou se convencer de que ele não podia ser diferente. Apenas usava de táticas pouco comuns, mas certamente muito piores, já que, fingindo-se bondoso, enganava a todos antes de partir para o ataque. Mas ela não se deixaria enganar por aqueles modos bem-educados. Hermione mantinha à mão o punhal que Rony havia devolvido, acariciando-o sempre que ele se aproximava.
Certamente era por isso que o homem dormia todas as noites num cobertor estendido no chão, que tomava o cuidado de recolher pela manhã para que os criados não ficassem sabendo daquele hábito esquisito.
Mais estranho ainda tinha sido o que ele fizera na noite anterior. Ao despertar, um pouco assustada, para ver uma vela acesa, ela o vira deitado de lado, segurando um livro! A princípio Hermione havia pensado tratar-se de um volume com ilustrações eróticas, igual ao que ela já vira o pai folheando avidamente, mas pela manhã o viu no chão, perto da janela. Imediatamente o apanhou, apenas para constatar que se tratava de um livro de verdade, o primeiro que via além dos volumes de textos religiosos que Edred costumava brandir durante seus sermões.
Rony sabia mesmo ler tão bem?
A descoberta a deixou curiosa sobre que outras surpresas ele poderia ter guardadas naqueles baús com que havia chegado. Aprumando-se na cadeira, Hermione olhou cautelosamente para o marido, mas ele continuava atento aos livros contábeis. Então ela tentou imaginar o que podia haver ali para interessá-lo tanto. Bem, a preocupação dele podia resultar em beneficio dela.
Levantando-se calmamente, Hermione subiu a escada e dirigiu-se ao quarto grande. Depois de entrar e fechar a porta com cuidado, abaixou-se diante do maior dos baús e ergueu a tampa. Foi recebida pelo aroma que havia se acostumado a associar ao marido, um cheiro que parecia deixá-la com os sentidos aguçados. Por um momento ela hesitou em invadir a privacidade dele.
Quase rindo por ter tido uma preocupação tão tola, Hermione olhou para as roupas que havia ali e conteve a respiração. O baú continha uma estonteante variedade de roupas confeccionadas em tecidos da mais fina qualidade. Ela nunca havia possuído nada parecido. Sentiu uma pontada de inveja quando comparou aquelas elegantes peças de vestuário com as túnicas simples que ela sempre havia usado, ano após ano. Encostou o dedo no tecido macio de uma túnica verde de linho e procurou imaginar-se vestida com uma roupa tão fina.
Agora a chamavam de lady Potter, mas como seria ser uma lady de verdade? Sonhos mortos há muito tempo, juntamente com a mãe, voltaram a assaltá-la. Hermione ficou com o coração tão apertado que se dobrou para a frente. Logo depois, rapidamente expulsando da mente aquelas lembranças, afastou as roupas empilhadas e procurou ver o que havia no fundo do baú. Encontrou uma bola de lã, um brinquedo de criança, juntamente com alguns bonecos. Intrigada, juntou as sobrancelhas. Por que um homem crescido guardava aquelas coisas? Dando de ombros ela ergueu um grosso retângulo de couro que separava o baú em dois espaços para verificar o que havia lá embaixo. No fundo estavam outros livros, volumes de todos os tamanhos e espessuras, mais livros do que ela já tinha visto em toda a vida.
Ele sabia ler.
O marido dela não apenas podia entender os livros contábeis ou ler o livro que ela vira antes, como parecia ser capaz de ler qualquer coisa. Mais do que Edred. Não havia dúvida de que Rony Potter era um sábio.
Hermione pôs-se de pé, enraivecida e sentindo-se ameaçada pelos conhecimentos dele. Sem se preocupar em arrumar as coisas lá dentro, fechou o baú.
Aquilo era apenas mais um motivo para que ela o odiasse.
Hermione mandou que lhe servissem o jantar no quarto. Costumava comer sozinha sempre que o pai estava presente com seus cavaleiros, tentando fugir ao barulho que dominava a casa. Agora faria a mesma coisa, mas por um motivo oposto. Não queria ficar na companhia do homem que tentava transformar o castelo num lugar calmo e ordeiro.
Estava começando a comer o guisado quando a porta se abriu. Irritada com aquela interrupção, ergueu os olhos para ver Rony parado à porta, olhando para ela.
Hermione quase se engasgou com a comida. Diabo de homem! Por que ele simplesmente não desaparecia para sempre? Então ela apontou a faca de comida e ficou esperando, pronta para a luta.
- Mas o que está fazendo, Hermione? - ele perguntou, naquela voz tão calma quanto irritante.
- Estava comendo, mas apareceu uma coisa tão repulsiva que estragou meu apetite. Vá embora!
- Não está se sentindo bem?
- Agora não. Ver você me deixa com o estômago embrulhado!
- Seu lugar é no salão. - ele disse, com a mesma calma.
O lugar dela? O que ele podia saber sobre o lugar dela? Hermione Granger nunca tinha tido um lugar naquela casa, nada além das migalhas de que precisava para sobreviver. A ganância do pai as privara, a ela e à mãe, de qualquer direito naquele castelo. Voldemort havia se casado pensando apenas na herança da esposa.
Exatamente como o homem para quem ela agora olhava.
Hermione levantou-se. Pensou em atirar a faca, mas foi o prato que arremessou. Rony desviou-se com uma rapidez surpreendente e foi atingido apenas no braço. O prato de comida saiu rodopiando, espalhando o guisado pelo chão. Hermione perguntou-se se não estava provocando demais o marido. Embora houvesse agido mais por impulso, queria vê-lo explodir. Então teria a prova de que ele não era nada mais que um homem, igual ao pai dela ou a qualquer um outro, sem mais esperteza do que Serle.
Mas Rony não demonstrou revolta. Simplesmente suspirou e virou as costas para ela, afastando-se. Furiosa, Hermione levantou-se e correu até a porta, pondo-se a gritar para o lado da escada.
- Está me virando a outra face, meu lorde? Quem pensa que é afinal? Algum tipo de santo? Devíamos pedir a Edred que providenciasse a sua canonização, bondoso santo Rony.
Quando parou de falar ela ouviu o riso abafado de um servo lá embaixo. Por um momento ficou surpresa, já que não estava acostumada a fazer outras pessoas rirem. Depois sorriu, gostando daquela sensação, até se lembrar do guisado espalhado pelo chão do quarto. Agora teria que ficar com fome. Entrando novamente, Hermione bateu a porta com força e foi para a cama, faminta, amaldiçoando todas as gerações dos Potter.
Hermione ainda estava vestida e desperta quando Rony retornou e começou a arrumar a cama no chão. Ele podia agir como um santo, mas não teria a confiança dela. Por isso, Hermione não relaxou enquanto não ouviu a respiração compassada que indicava o sono do marido. Justamente naquela noite, quando ela estava mais enraivecida do que nunca, o homem havia se atrasado e parecia ter um sono agitado. Ela ouvia cada um dos suspiros e movimentos que ele fazia, virando-se para lá e para cá. Provavelmente era por ter que dormir no chão duro. Mas não podia reclamar, porque pelo menos estava com a barriga cheia.
Enquanto ela continuava com o estômago vazio. Lá no chão, Rony fez mais barulhos e Hermione ficou com vontade de gritar. Logo depois percebeu, pelos sons, que ele estava se levantando. Imediatamente abriu os olhos. Agora ele estava na frente da lareira, atiçando as brasas que ainda queimavam, logo em seguida se inclinando para acender uma vela grande.
Enquanto ela observava, curiosa, ele pegou o mesmo livro do dia anterior. Depois voltou a se deitar, apoiou a cabeça num dos braços e abriu o volume, que se pôs a ler atentamente.
Hermione ficou olhando, ressentida. O homem segurava o livro com a mão grande, uma mecha de cabelo escuro caindo na testa. Estava inteiramente vestido, como ela, mas havia alguma coisa naquela postura, na forma de esticar o corpo na improvisada cama, que a deixava com os sentidos aguçados.
Hermione fez cara feia. Como poderia descansar com o quarto iluminado? Então sentou-se, detestando aquele homem por tudo o que ele tinha e pela forma como se deitava bem diante dela, todo à vontade. E por que nunca se encolhia de medo nem fugia, como faziam todos os que pressentiam uma explosão dela?
- O que pensa que está fazendo, Potter? - vociferou Hermione. - Será que já não basta me atormentar o dia inteiro? Agora você tem também que me obrigar a ficar acordada à noite?
Rony nem se deu ao trabalho de olhar para ela.
- Isto é apenas uma vela, Hermione. Durma.
- Não! Apague essa vela ou vai se arrepender, Potter!
- Hermione… - ele começou, com aquela calma que tanto a irritava.
E se dirigia a ela com uma sem-cerimônia como ninguém ainda havia ousado. Furiosa, Hermione se levantou, marchou até onde ele estava e soprou a chama da vela. Experimentou uma sensação de triunfo com a semi-escuridão que se fez, mas foi uma coisa que durou pouco. Antes mesmo que ela pudesse girar o corpo para voltar à cama, sentiu as mãos de Rony, que a puxou para o chão. No instante seguinte estava por baixo dele, com as mãos imobilizadas acima da cabeça.
Hermione pôde sentir que o homem por cima dela tinha pelo menos uns noventa quilos. E espantou-se com a rapidez com que ele movimentava aquele corpo enorme, tanto que nem se debateu para tentar se soltar. Outra coisa que chamou a atenção dela foi o inquietante calor que partia do corpo dele, algo que a deixou com os instintos momentaneamente entorpecidos.
Quando acostumou os olhos à semi-escuridão, viu que Rony a olhava, parecendo igualmente espantado. Estava com os olhos castanhos muito abertos e respirava de uma forma descompassada demais para um homem tão calmo. Hermione sentiu nos seios a pressão do peito dele e percebeu que o coração do homem batia tão depressa quanto o dela. Enquanto olhava para ela, Rony mantinha os lábios meio abertos, como se estivesse faminto. Estupidamente, Hermione se perguntou se ele também não havia jantado. O pensamento fez com que ela passasse a língua pelos lábios, reparando que os olhos dele acompanhavam aquele movimento.
Ao ver que o olhar dele se demorava muito nos lábios dela, Hermione sentiu um estranho calor se espalhando pelas entranhas, algo que momentaneamente a fez se esquecer do peso do corpo que a comprimia contra o solo. A sensação durou alguns segundos, antes de ser substituída pelo pânico, o que a fez começar a se debater.
Logo depois era contra o ar que ela lutava, porque ele a soltou e rolou para o lado, deixando escapar um baixo gemido. Por alguns instantes Hermione ficou apenas olhando para ele, deitado bem ali ao lado, enquanto os seios dela arfavam por causa do esforço.
- Não tente me atacar na escuridão, Hermione. - recomendou Rony, com um olhar tão sombrio quanto intenso. - Se fizer isso, vou ter que me defender.
Ao ouvir aquelas palavras ela se levantou e retornou à cama, sem reencontrar a voz para responder à ameaça. Silenciosamente levou a mão ao punhal, mas pela primeira vez a mortal arma não lhe proporcionou nenhuma sensação de segurança. Durante aqueles longos minutos em que tinha estado à mercê do marido, nem tinha pensado em sacar do punhal. Para complicar, suspeitava de que ele de nada valeria, porque Rony representava um tipo de ameaça que não podia ser combatida com uma arma pontiaguda.
Uma sensação de impotência dominou Hermione quando ela considerou as próprias defesas em oposição ao estranho arsenal de atrativos do marido.
Rony apertou a parte alta do nariz, tentando se livrar de outra dor de cabeça, enquanto examinava novamente as contas de Serle, tentando ver sentido naquilo. Suspeitaria de que a esposa o havia envenenado se a dor fosse causada por comida, mas não era nada disso. A única causa da dor de cabeça era o comportamento de Hermione.
Ele estava adquirindo o hábito de se levantar e sair do quarto antes que ela despertasse. De outra forma, teria que ouvir ameaças sempre que fizesse algum movimento. Como se tivesse alguma intenção de ir à cama dela! Preferiria se deitar com uma cabra!
Preferiria mesmo? Sem serem convidadas, voltaram à mente dele as lembranças daquela noite, quando ela havia ficado deitada por baixo dele, levando-o à constatação de que dentro daquelas roupas horrorosas estava o corpo de uma mulher, maleável e de curvas suaves. Resmungando consigo mesmo, Rony jogou a cabeça para trás. A última coisa que queria era começar a ver a esposa como uma mulher!
Mesmo ele não achando Hermione repulsiva, era essa a reação de todos os outros irmãos Potter. Rony considerava muito bem desenhadas as feições dela, admirava os olhos negros e, naturalmente, aqueles cabelos, que estavam se tornando um tormento para ele. Mas a mulher era instável demais. A personalidade dela, furiosa e selvagem, era tão diferente da dele que o deixava com a cabeça latejando.
Rony franziu a testa. Estava deixando que ela perturbasse o comportamento dele, e havia jurado que não permitiria isso. Até aquele momento, vinha respondendo aos insultos dela com cortesia, aos palavrões com calma indiferença, tentando imitar o pai o melhor possível. Mas estava sentindo a paciência no limite, principalmente depois de perceber que, pelas costas, os servos o chamavam de santo Rony.
E esse era outro problema. Como se Hermione já não representasse uma complicação e tanto, ele estava encontrando dificuldade para tratar com a criadagem. Apesar de se dirigir a todos com cortesia e respeito, sentia que era olhado com cautela. E logo teria que lidar com os soldados, em cuja lealdade não confiava muito. Por mais que quisesse ficar à vontade no novo lar, precisava estar alerta o tempo todo, suspeitando de todos, excetuando-se apenas Serle e o padre. E mesmo o ministro de Deus às vezes olhava para ele de uma forma estranha!
Louco. Rony pressionou os olhos com a palma das mãos, achando que acabaria louco. Via ameaças em tudo e em todos. Embora soubesse que nunca ganharia a confiança dos novos servos se os outros Potter tivessem permanecido ali, constantemente lamentava ter tido tanta pressa em mandar os irmãos embora.
Agora chegava a pensar que, sozinho, não conseguiria pôr ordem no castelo. Sempre havia se considerado um homem instruído e inteligente, mas não estava conseguindo ver sentido na contabilidade da propriedade. Havia enormes discrepâncias, como somas de dinheiro destinadas a despesas sem nenhuma explicação. E os suprimentos para o inverno não tardariam a se esgotar. Ele havia mandado um homem a Campion pedindo emprestados ao pai alguns víveres e rezava fervorosamente para que a primavera chegasse logo. E, pelo que estava naqueles livros, teria que pedir ao pai que tivesse paciência para receber pelos mantimentos emprestados.
Será que Harry também tinha dores de cabeça? Não, não. Os livros contábeis de Harry estavam finalmente em ordem e, graças à considerável fortuna de Gina, Wessex logo seria um lugar próspero. Todos os problemas de Harry estavam praticamente superados, enquanto os dele apenas começavam.
Rony suspirou. Preferia não pensar em Hermione. Embora as ameaças dela de que poderia matá-lo já não fossem tão freqüentes, a mulher continuava gritando por qualquer motivo. Às vezes o fitava com os olhos de gata, deixando-o com vontade de arrancar aqueles profusos cabelos. Ele não era adepto da violência, como outros homens. No entanto, no que dizia respeito à esposa, quem o censuraria se a castigasse fisicamente?
Depois de olhar mais uma vez para as páginas, sem muita vontade, Rony ergueu a cabeça e massageou a nuca. Todo aquele tempo conferindo contas o deixara cansado e tenso. Agora ele precisava respirar ar puro para refrescar a mente. Levantando-se, pôs o manto sobre os ombros para fazer uma caminhada no pátio. Lá fora o frio era revigorante, mas o fato de estar num lugar pouco conhecido o deixava abatido, como sempre. Então resolveu se dirigir à estrebaria, o único local ali que o fazia lembrar-se do que havia deixado para trás. Minutos depois entrou na obscurecida e fechada construção para ver como estava o cavalo que havia trazido de Campion.
Majestic era o nome do cavalo, um belo animal, embora já bem entrado em anos. Mais do que isso, vinha sendo uma boa companhia há muito tempo. Rony já ia chegando perto da baia quando percebeu que não estava sozinho. A princípio pensou que era algum cavalariço quem estava nos fundos da estrebaria, mas a enorme juba imediatamente o fez reconhecer Hermione.
Mas não a voz. Enquanto ele ficava parado, observando-a, ouviu-a falar com um dos cavalos. A voz que ela usava era macia e contida, bem diferente dos guinchos estridentes que costumava soltar. Seria mesmo a esposa dele?
O sol de inverno entrava pelas rachaduras do telhado, iluminando os cabelos dela e produzindo reflexos arruivados. Hermione parecia mais baixa e mais delicada na enorme estrebaria e, quando a viu acariciar ternamente a cabeça do animal, Rony pensou no fato de que nunca a vira usar as mãos com tanta graça. Eram mãos pequenas e delgadas, exatamente como ele havia imaginado. No instante seguinte Rony estava se perguntando como seria sentir aquelas mãos acariciando os braços dele, o peito, o abdômen, apertando-o levemente no sexo…
Ele deve ter emitido algum som, porque ela se voltou para encará-lo e no mesmo instante o encanto se quebrou. As feições que antes pareciam angelicais agora estavam contorcidas.
- O que quer, Potter? - gritou a mulher. - Será que não posso ficar um instante sem você nos meus calcanhares, perseguindo-me como se eu fosse um cão rebelde?
A voz dela era muito alta e Rony reparou que o cavalo ficava agitado na baia. O animal até relinchou, mas ela estava ocupada demais em protestar para prestar atenção nisso.
- Pare de reclamar, Hermione. - pediu Rony, mas ela pareceu nem ouvir.
Continuou a gritar impropérios, enervando ainda mais o animal, que finalmente projetou-se para a frente, disposto a saltar o portão da baia. No mesmo instante Rony mergulhou sobre a esposa, derrubando-a no chão e caindo por cima dela, mas tirando-a do caminho das patas do cavalo. Por um longo momento eles ficaram enlaçados, os dois com a respiração descompassada. Sabiam que tinha sido por muito pouco.
Meio trêmulo, Rony ergueu-se um pouco, disposto a passar um sermão em regra, mas ela parecia tão abatida que ele não disse nada. Com os cabelos afastados das faces, Hermione estava com os olhos negros muito abertos e os lábios apartados, ao mesmo tempo que levava para os pulmões grande quantidade de ar. Parecia… vulnerável.
Pela primeira vez mostrava as faces inteiramente descobertas. A pele era tão perfeita que Rony mal acreditou que fosse real. Bem devagar, com muito cuidado, ergueu a mão e roçou as costas dos dedos numa das faces dela. Bem de leve. A pele era mais fina do que a seda e ele reparou que ela fazia um "Ó" de surpresa com os lábios.
Era uma imagem luxuriante, tão exótica quanto picante, e Rony quis sentir o gosto. Só uma vez. Inclinando a cabeça, beijou-a nos lábios. Depois fez mais uma vez. Incapaz de se conter, passou a ponta da língua pelo contorno da boca que acabava de beijar. Eram lábios surpreendentemente macios. E não só a boca, porque o corpo colado ao dele era dotado de deliciosas curvas, os dois seios se amassando contra o peito dele, surpreendendo-o com o calor que tinham. Deitado por cima dela, Rony sentiu uma vontade muito grande de apertar aqueles seios, emaranhar-se naquela juba.
Erguendo a cabeça, olhou novamente para ela. Os lábios de Hermione estavam molhados e entreabertos, convidando-o, e ele quis explorar o interior daquela boca. Uma pequena parte da mente dele, ainda racional, advertiu-o para o perigo que aquilo representava. Ela poderia causar um mal muito grande se resolvesse mordê-lo, mas mesmo assim ele achou que valeria a pena correr o risco. Só uma vez. Passando a mão pelos espessos cabelos da esposa, Rony beijou-a outra vez, mais profundamente, usando a língua para fazê-la abrir mais a boca. Quando ela emitiu um som quase inaudível, ele aproveitou para enfiar a língua.
Canela. Era esse o gosto. A boca de Hermione era úmida e quente, tão erótica que ele instantaneamente sentiu a ereção do sexo. Rony lambeu os dentes dela e buscou todos os recessos daquela boca, gemendo de prazer. Esqueceu-se de onde eles estavam, de quem era ela, até mesmo da própria identidade, tomado por uma onda de desejo como nunca havia experimentado. Incapaz de se controlar, moveu os quadris e pressionou o sexo contra a junção das coxas dela, precisando daquilo tão desesperadamente que sentiu o corpo inteiro tremer.
Foi um erro.
Abruptamente Hermione o empurrou, saiu de baixo dele e levantou-se. Aturdido, Rony ficou de lado, fitando-a. Por um longo momento ela também o observou, com fúria nos olhos. Com cautela ele ficou esperando pela explosão de raiva que certamente se seguiria, mas ela apenas passou as costas da mão nos lábios e cuspiu no chão ao lado dele. Enquanto Rony se sentava, Hermione girou o corpo e se afastou rapidamente, permitindo na escapada que ele tivesse um vislumbre dos tornozelos bem torneados.
Erguendo a mão para tirar os cabelos da testa, Rony suspirou demoradamente, tentando entender o que havia acontecido. Depois, com um sorriso sem graça, percebeu que finalmente havia encontrado uma forma de calar os constantes gritos da esposa.
N/A: mais um capitulo galera. Comentem, por favor. Abraços a todos que estão lendo.
Agradecimentos especiais:
(-( Duda Pirini )-): que bom que está gostando. A história vai ficar ainda melhor. Abraços.
Bianca: a noite de núpcias não teve muito progresso por parte do Rony, e as coisas com a esposa tendem a piorar. Beijos.
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